quinta-feira, 26 de abril de 2018

Xadrez do desastre da nova legislação trabalhista golpista, por Luis Nassif



"O pensamento monofásico-ideológico da equipe econômica, somado ao atraso visceral do governo Temer, montou uma legislação para atender aos reclamos imediatos dos empresários com os custos trabalhistas. Não cuidou de nenhuma análise das consequências. Como resultado, coloca em xeque todo um complexo sistema de arrecadação e financiamento, sem colocar nada no lugar." - Luis Nassif

Do Jornal GGN:



A economia é uma engrenagem complexa, similar a um jogo do xadrez, no qual a mudança de uma peça mexe com o equilíbrio das demais.
Aprovada no governo Castello Branco, a legislação trabalhista em vigor garantia não apenas os direitos do trabalhador, mas um complexo e eficiente sistema de arrecadação de tributos – através do desconto na folha -, e de financiamento da infraestrutura – especialmente saneamento e habitação popular.
O pensamento monofásico-ideológico da equipe econômica, somado ao atraso visceral do governo Temer, montou uma legislação para atender aos reclamos imediatos dos empresários com os custos trabalhistas. Não cuidou de nenhuma análise das consequências. Como resultado, coloca em xeque todo um complexo sistema de arrecadação e financiamento, sem colocar nada no lugar.
Entenda os desdobramentos da legislação trabalhista.

Consequência 1 – aumento da instabilidade social

Marcelo Nery, especialista em políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estimou que a ampliação do emprego com carteira de trabalho foi mais importante que o Bolsa Família na ascensão social da classe D.
De fato, a carteira de trabalho traz estabilidade ao trabalhador, abre espaço para o crédito, insere-o nas redes de proteção social. E, na outra ponta, aumenta a arrecadação pública.
A partir de agora, haverá enorme retrocesso promovido pela crise econômica somada ao fim das restrições ao trabalho precário, visível na redução do salário médio da economia e, à médio prazo, da massa salarial.

Consequência 2 – inviabilização da Previdência Social

A grande fonte de financiamento da Previdência são as contribuições descontadas em folha, das empresas e dos empregadores.
Havia enormes distorções a serem corrigidas. Por exemplo, o sistema financeiro tem menos encargos que, por exemplo, a indústria têxtil, intensiva em mão de obra. Para reduzir os encargos sobre a folha, a alternativa pensada sempre foi a substituição por contribuições sobre o faturamento.
A reforma na legislação trabalhista compromete radicalmente o financiamento da Previdência pelo desconto em folha, só possível no emprego formal, sem ter colocado nada no lugar.
Agora, se terá de um lado a redução gradativa do emprego formal reduzindo drasticamente a arrecadação; de outro, o aumento de dificuldades para a obtenção dos benefícios previdenciários, induzindo os mais jovens a buscarem outras formas de garantia do futuro.
Alertamos na época que significaria a inviabilização final da Previdência pública, com consequências drásticas. Os efeitos estão aparecendo muito mais rapidamente do que o previsto.

Consequência 3 – inviabilização do orçamento público


Na definição das fontes de receita do orçamento público, bastava o gestor olhar o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para ter estimativas precisas sobre o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Com a pejotização e a precarização do emprego, perderá a maior ferramenta de arrecadação existente. A queda na arrecadação do INSS já está se manifestando, mesmo com a economia saindo do buraco profundo em que se meteu.
Os impostos recolhidos na fonte – sobre folha salarial + Previdência – correspondem a 45% da arrecadação fiscal brasileira, sem contar o FGTS, e tinham na legislação trabalhista sua grande garantia de estabilidade. Está se jogando fora uma peça fundamental do sistema de arrecadação.
A diminuição da arrecadação previdenciária, por outro lado, inviabiliza completamente a maluquice do teto de gastos aprovado no ano passado. O próximo presidente assumirá com um orçamento totalmente inviabilizado.

Consequência 4 – o comprometimento do financiamento do saneamento


Havia uma previsão de destinação de R$ 330 bilhões dos recursos do FGTS nos próximos quatro anos, para programas de saneamento e habitação popular. Água tratada é serviço autossuficiente, bancado pelas tarifas. Saneamento, tratamento de esgoto, depende fundamentalmente de fontes públicas de financiamento. Com a nova legislação trabalh

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Mestre em Ciências Criminais e Doutor em Direito, Professor Jader Marques escreve sobre a violência e a arbitrariedade judicial. Do site Empório do Direito


"A impotência diante do abuso coloca-nos de frente com a nossa incapacidade de reação, de defesa, de contraposição ao ato violento. Quando estamos impotentes, diante do excesso absurdo de força que está do outro lado, sentimos toda a cruel realidade que advém da fraqueza vulnerável de quem deveria ter força, de quem deveria ser capaz de fazer algo para acabar com aquela situação de tirania."

Violência e arbitrariedade judicial


Do Empório do Direito:

VIOLÊNCIA E ARBITRARIEDADE JUDICIAL


Texto de Jader Marques

A primeira vez que fui roubado com arma, os sujeitos levaram meu carro. Eles não chegaram a apontar a arma diretamente para mim, mas o ato em si, os gritos, o revólver, a fuga com o carro, toda a cena teve uma carga imensa de violência, de prepotência, de constrangimento e revela o quanto somos impotentes diante de certas ações humanas.


A impotência diante do abuso coloca-nos de frente com a nossa incapacidade de reação, de defesa, de contraposição ao ato violento. Quando estamos impotentes, diante do excesso absurdo de força que está do outro lado, sentimos toda a cruel realidade que advém da fraqueza vulnerável de quem deveria ter força, de quem deveria ser capaz de fazer algo para acabar com aquela situação de tirania.


No momento em que o assaltante aponta uma arma e dá a ordem ilegal e ilegítima, o fato de sermos obrigados a obedecer aquele mandamento escuso é que nos causa a insuportável angústia da passividade, no exato instante em que gostaríamos de poder fazer algo. Quem é roubado sabe que o sentimento de raiva, angústia, ódio, permanece por vários dias na memória, como uma cena de filme em looping, repetindo os quadros violentos que nos reduziram à incapacidade de resistência, gerando uma espécie de refluxo que não deixa o gosto amargo da impotência sair da garganta.


Outras situações do cotidiano, permeadas pela violência, de um lado, e pela impossibilidade de resistência, do outro, também servem de paradigma para o tema central deste texto: a arbitrariedade judicial.


Quando escrevo nesse espaço, assumo o meu lugar de fala: a advocacia criminal.


Escrevo com uma ingênua esperança de que minhas angústias sirvam para fomentar, nos mais jovens, a rebeldia capaz de gerar a mudança indispensável no modo como somos defensores no processo penal brasileiro da atualidade. Da mesma forma, ainda ingenuamente, escrevo por acreditar que os mais experientes e os profissionais das outras áreas do Direito serão capazes de rever suas conservas, abrindo suas cabeças para o novo, para uma nova forma de fazer a persecução criminal.


Desde o lugar da advocacia, uma decisão arbitrária, sem fundamentação ou que contraria a expressa disposição legal, é uma manifestação de abuso judicial que coloca o profissional da advocacia na condição do assaltado.


Quando um magistrado decreta a prisão de um acusado que, por lei, tem o direito de livrar-se solto, o criminalista é tomado pela mesma sensação de impotência, guardadas as devidas proporções, daquele que é subtraído com uso de arma de fogo. A violência judicial recai sobre o corpo do acusado, mas o criminalista fica marcado em sua alma. Quantas vezes, calados, sofremos a angústia da prisão de nossos clientes, sentimento que fica ainda mais agudo e quase insustentável, quando o juiz demonstra regozijo com o cumprimento da ordem tirana.


Mas os criminalistas são tomados por uma raiva quase irracional, nas situações em que o juiz, abdicando do juramento que fez ao ingressar na magistratura, apenas segue, de forma servil, às manifestações da acusação, ainda que totalmente destituídas de razoabilidade. Como dói no criminalista ver o seu esforço intelectual, traduzido em folhas de argumentação lógica, boa dogmática e precedentes selecionados, reduzido à pó. A decisão foi mantida pelos próprios fundamentos e pelos argumentos trazidos pela acusação.


É como ser roubado. Em alguns casos, é pior do que ser roubado.


Para muitas pessoas, esse texto será tomado como exagero, como choro de advogado, como reclamação de quem luta por impunidade. Essas pessoas, geralmente, são aquelas que acham que os advogados abusam do direito de defesa, notadamente quando utilizam os recursos previstos em lei para fazerem cessar os tantos abusos e para corrigir os tantos equívocos possíveis no ato humano de decidir. Elas pedirão, um dia, a um diligente advogado, que faça o que estiver ao seu alcance para que o devido processo seja respeitado, para que o inocente não seja condenado e, muito menos, que ele seja preso, sem que se lhe dê, antes, a oportunidade de produzir provas da sua inocência.


A crítica ao exercício da ampla defesa e do contraditório, por meio do habeas corpus e dos recursos existentes, esconde a face exacerbadamente punitiva do estado penal brasileiro. É que o esvaziamento do remédio heroico e o bloqueio ao trânsito dos recursos têm provocado a eternização do abuso. Com a redução das possibilidades de defesa, diminui também o controle sobre a arbitrariedade judicial.


A demora no julgamento dos processos tem servido como álibi para a quebra sistemática das garantias constitucionais, autorizando prisão em segunda instância, excesso de cautelares, relativização das nulidades, etc.


Sem controle, todo o poder tende ao abuso. Lei serve, pois, para controlar o poder. Lei é limite. Lei é limite contra o mais forte em favor do mais fraco.


Embora a população que está sendo “assaltada” em suas garantias individuais seja a mesma que aplaude o abuso, os criminalistas continuarão a defender o direito de defesa e a Constituição Federal. Não há como separar um criminalista da sua luta pelo devido processo legal.


Os juízes delinquentes (Elias Mattar Assad), que descumprem dolosamente as regras processuais, desfrutam da “impunidade” dos seus atos arbitrários, não passarão.


Os juízes que gozam com a dor do outro (Amilton Bueno de Carvalho), não passarão.


Os juízes preguiçosos ou subservientes ao Ministério Público, não passarão.


No interior de um processo regular, incumbe à defesa trabalhar apenas na demonstração das provas da tese jurídica, sem qualquer outra forma de impugnação capaz de “dificultar” o andamento do processo. Acontece que muitos juízes indeferem pedidos legítimos da defesa, pelo argumento da celeridade processual, mas acabam causando a anulação do processo e a necessidade de repetição dos atos, com enorme perda de energia e tempo. O juiz consciente do papel do defensor deixa para o profissional o julgamento do que é importante para a prova da inocência, o que imprime maior velocidade ao processo e simplifica o trato das teses, uma vez que o debate fica imunizado das discussões quanto à forma.


Quer silenciar um defensor: aplique a lei.


O que cala as reclamações de um criminalista é o devido processo legal, com todos os meios de defesa cabíveis e um contraditório efetivo, real, igual para as duas partes.


Com Ruy Barbosa, vale repetir: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde."


Mais não digo.



Imagem Ilustrativa do Post: gun // Foto de: Gideon Tsang // Sem alterações


Disponível em: https://www.flickr.com/photos/gideon/4310717


Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

domingo, 22 de abril de 2018

John Elis, documentarista britânico autor do conhecido "Muito Além do Cidadão Kane" produzirá novo documentário sobre o papel da Rede Globo no Golpe de 2016


“Estou chocado que tanto tempo depois, a TV Globo continue se comportando da mesma forma em relação a política brasileira”. - John Elis, produtor do documentário da BBC Muiti Além do Cidadão Kane, sobre o império de Roberto Marinho


Do Falando Verdades:



Cineasta estrangeiro produz novo documentário sobre papel da Globo no golpe


John Ellis, produtor do conhecido documentário Muito além do Cidadão Kane, está fazendo um Crowndfunding para produzir um novo documentário denunciando a atuação da Rede Globo na democracia brasileira; “Estou chocado que tanto tempo depois, a TV Globo continue se comportando da mesma forma em relação a política brasileira”
Por Gleisi Hoffmann, em seu facebook – John Ellis, produtor do conhecido documentário Muito além do Cidadão Kane, está fazendo um Crowndfunding para produzir um novo documentário denunciando a atuação da Rede Globo na democracia brasileira.
“Estou chocado que tanto tempo depois, a TV Globo continue se comportando da mesma forma em relação a política brasileira”.
Saiba mais no vídeo e ajude contribuindo no link:https://www.catarse.me/fabricadegolpes
Veja o vídeo:

Meritocracia é discurso para manter a desigualdade social e racial, revela historiador


"O historiador e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Sidney Chalhoub (foto), que também é docente do Departamento de História da Universidade de Harvard (EUA), nocauteou o discurso meritocrático, além de mostrar o que ele realmente pretende: manter e reproduzir a desigualdade social e racial."

Da Carta Campinas:

Meritocracia é discurso para manter a desigualdade social e racial, revela historiador

By Carta Campinas / in Economia e PolíticaGeralManchete / on quinta-feira, 08 jun 2017 03:25 PM / 19 Comments




O historiador e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Sidney Chalhoub (foto), que também é docente do Departamento de História da Universidade de Harvard (EUA), nocauteou o discurso meritocrático, além de mostrar o que ele realmente pretende: manter e reproduzir a desigualdade social e racial.
Chalhoub também lembrou que o Brasil, veja que incrível, já teve adoção de política de ação afirmativa para brancos europeus e seus descendentes, durante a imigração do final do século XIX. O historiador concedeu entrevista esclarecedora ao jornalista Manuel Alves Filho do Jornal da Unicamp, após a polêmica causada pela aprovação de cotas étnico-raciais na Unicamp.
Na entrevista, Chalhoub expõe como se esconde sob o manto da meritocracia o desejo da reprodução eterna da desigualdade, assim como um pensamento escravocrata. Para entender isso, o professor questiona a ideia da meritocracia como um valor abstrato universal, que justifique a existência de alguma medida comum da aptidão e de inteligência da humanidade.”Fica parecendo que a meritocracia partiu de uma definição abstrata, excluída das circunstâncias sociais e materiais de vida das pessoas”, diz.
Na universidade, diz o historiador, não é possível que todos os candidatos entrem em competição pelas vagas como se tivesse havido uma igualdade ideal de oportunidadeentre eles. “Não se pode fazer com que o aluno negro, pobre e que estudou numa escola pública localizada na periferia de Campinas concorra em igualdade de condições numa prova padronizada com alunos cujos pais cursaram universidade, têm alto poder aquisitivo e tem alto acesso ao capital simbólico. É preciso que a universidade busque equilibrar essa disputa“, afirma.
Desse modo, continua o professor, quando há reserva de vagas para negros e pessoas de baixa renda, a competição se dá entre eles, entre iguais. Então, não há exclusão do mérito. É uma maneira de ter o mérito qualificado pelas condições sociais e econômicas dos candidatos, e não uma competição que exclui alguns segmentos da sociedade desde sempre. “A ideia da meritocracia como valor universal, fora das condições sociais e históricas que marcam a sociedade brasileira, é um mito que serve à reprodução eterna das desigualdades sociais e raciais que caracterizam a nossa sociedade. Portanto, a meritocracia é um mito que precisa ser combatido tanto na teoria quanto na prática. Não existe nada que justifique essa meritocracia darwinista, que é a lei da sobrevivência do mais forte e que promove constantemente a exclusão de setores da sociedade brasileira. Isso não pode continuar”, explicou.
Veja outras explicações do professor que anulam completamente o falso discurso meritocrático:
“A partir das experiências das universidades estaduais e federais, houve o entendimento de que a diversidade do corpo discente contribui para a qualidade acadêmica e para a produção de conhecimento nas universidades. Os que têm medo das cotas são os setores que têm tido acesso às universidades públicas e gratuitas como uma prerrogativa sua, de muitas décadas. São pessoas que vão a escolas particulares porque têm maior poder aquisitivo e que defendem a exclusividade de acesso à universidade pública, gratuita e de qualidade. Esta é uma distorção grande na sociedade brasileira”
“A resistência às cotas é mais barulhenta que generalizada. O país convive bem com a ideia das cotas. O engajamento dos estudantes da Unicamp em geral mostra a receptividade à ideia. As pesquisas de opinião mostram que a maior parte da população brasileira é favorável às políticas de ação afirmativa e o próprio Supremo Tribunal Federal aprovou por unanimidade a necessidade dessas políticas para combater o racismo e as consequências dele na sociedade brasileira”.
“O tema está longe de ser uma originalidade brasileira. As melhores universidades do mundo, aquelas que a própria Unicamp utiliza como referência para qualificar suas atividades, adotam a diversidade no ingresso dos estudantes há bastante tempo. Harvard, Yale e Columbia, para ficar em três exemplos, adotam políticas agressivas de promoção da diversidade do corpo discente. Não fazer isso deixaria a Unicamp na contramão da história.”
” Enquanto a universidade existe como prerrogativa de uma mesma classe social, de uma mesma raça e dos mesmos setores, ela não se abre ao tipo de questionamento e de tensões que são criativas, oriundas da necessidade da convivência de grupos sociais e raciais com perspectivas diferentes.”
“Na prática, todas as pesquisas existentes demonstram claramente que o desempenho dos estudantes cotistas é igual ou superior ao desempenho dos não cotistas nas universidades estaduais e federais que adotaram esse tipo de política afirmativa. Isso é fácil de entender.”
Ao contrário da propaganda maldosa que se faz, a adoção de cotas não tem nada a ver com a exclusão do mérito. Tem a ver com a utilização de critérios de seleção que promovam a competição entre estudantes que tiveram oportunidades educacionais semelhantes até o momento em que se candidatam ao ingresso na universidade. Dessa forma, os estudantes negros e indígenas que serão selecionados representarão uma fração dos que postularam uma vaga na universidade. Serão, portanto, os melhores entre eles.”
“A universidade evidentemente tem o desafio de lidar com eventuais dificuldades que existam entre os estudantes de modo geral. Tanto as dificuldades de origem socioeconômica quanto as acadêmicas e pedagógicas”.
“Esses novos sujeitos que ingressam na universidade representam um deslocamento importante de negros, indígenas e populações pobres, que são objeto de estudos da academia, mas que raramente têm a oportunidade de se tornarem sujeitos do conhecimento. Isso também é uma experiência fundamental e epistemológica. Isso descentraliza o conhecimento e permite que perspectivas diferentes passem a fazer parte do cenário das universidades.”
“Um contingente formado por 750 mil africanos foi trazido ao Brasil ilegalmente, em condições desumanas. Esses negros foram escravizados e seus descendentes também. Além disso, a formação da grande propriedade cafeicultora ocorreu através de invasão das terras. Trabalho e terras foram obtidos pela classe dominante ao arrepio da lei. Portanto, a reparação é uma questão que deve ser levada a sério”.
“No caso de São Paulo, também se adotou políticas afirmativas em favor de imigrantes. No final do Século XIX, foram adotadas políticas para subsidiar a imigração de europeus brancos, italianos inicialmente. A vinda desses imigrantes era subsidiada pelo tesouro da Província de São Paulo e depois pelo Estado de São Paulo, o que favoreceu a adaptação dessas pessoas ao país. Tratou-se de uma política de inclusão social que jamais existiu para a população negra até recentemente. Portanto, já houve no Brasil a adoção de política de ação afirmativa para brancos europeus e seus descendentes. Dessa maneira, não há nada demais que se veja como reparação as políticas de cotas para negros e indígenas.”
“No caso da população negra, quando houve uma aceleração no processo de emancipação escrava, nas duas últimas décadas da escravidão, ocorreu uma mudança na lei eleitoral, em 1881, que proibiu o voto de analfabetos, o que não existia antes. Isso, numa situação em que não havia escola primária para negros. Devido à falta de acesso à instrução, nas primeiras décadas após a emancipação, a população negra ficou excluída da política formal.”
“Esse foi outro movimento importante de desvantagem dessa população na luta por direitos na história do país. Eu entendo que as pessoas esbravejem quando perdem privilégios. Mas as razões históricas, sociais e filosóficas em favor das cotas justificam plenamente a medida. Não há futuro possível com esse perfil de desigualdade se reproduzindo ao longo do tempo. É uma missão de todos superar essa desigualdade.”
“A escravidão foi, insisto, a pedra de toque da formação do Estado nacional. A corrupção é capilar na sociedade brasileira e essa capilaridade esteve ligada à própria escravidão no Século XIX.” (Veja texto integral)

Do Justificando: Agenda liberal afunda Brasil como uma República acovardada. Por Almir Felitte, advogado



 "O Brasil tem presenciado, sem dúvidas, um dos maiores avanços da cartilha liberal sobre a política econômica do país dos últimos tempos. O “saldão” de estatais e o constante discurso de austeridade (que mais soa como ameaça) é semelhante à privataria vivida pelo país nos anos 90, durante o governo de FHC. O caminho brasileiro, porém, contrasta com boa parte do resto do mundo."
Agenda liberal afunda Brasil como uma República acovardada
Quinta-feira, 19 de Abril de 2018

Agenda liberal afunda Brasil como uma República acovardada

O Brasil tem presenciado, sem dúvidas, um dos maiores avanços da cartilha liberal sobre a política econômica do país dos últimos tempos. O “saldão” de estatais e o constante discurso de austeridade (que mais soa como ameaça) é semelhante à privataria vivida pelo país nos anos 90, durante o governo de FHC.
O caminho brasileiro, porém, contrasta com boa parte do resto do mundo.
A crise de 2008, de certa forma, abriu os olhos do mundo para as incongruências de uma ordem liberal que produziu crises cíclicas (cada vez mais frequentes) e está próxima de produzir a maior situação de desigualdade de renda e riqueza da história contemporânea. Como diz Varoufakis, a crise de 2008 foi uma “Crise com C maiúsculo”, dessas que põem fim a uma velha ordem política-econômica.
Para o bem ou para o mal, Trump, Putin, Xi Jinping, os exemplos de retomada à esquerda de Portugal e Islândia, o Brexit, o crescimento do esquerdista Mélenchon na França e até mesmo o ressurgimento da extrema-direita nazifascista em toda a Europa são um forte sinal dessas mudanças. Pra ficar apenas nas redondezas das grandes potências mundiais, a eleição do português Mário Centeno, ligado aos socialistas de seu país, para a presidência do Eurogrupo foi reconhecida pelos europeus como o “fim simbólico” da austeridade no continente.
É claro que a ordem neoliberal ainda não está morta. As respostas aos problemas escancarados na crise de 2008 ainda são insuficientes e o sistema econômico altamente financeirizado continua dando as cartas, apesar de já não ter mais o mesmo poder de persuasão sobre as pessoas.
Aqui na periferia do mundo, porém, mesmo sem poder de persuasão ou qualquer tipo de carisma, essa ordem liberal tem caminhado em um sentido contrário, avançando, muitas vezes à força, sobre toda a América Latina. Os golpes no Brasil, em Honduras e no Paraguai, as tentativas de golpe na Bolívia e na Venezuela, a traição acontecendo no Equador, a truculência policial de Macri e a perseguição a opositores na Argentina são apenas alguns sinais dessa movimentação.
E, aqui no Brasil, essa movimentação toma a forma de um discurso político-econômico acovardado, que não se envergonha em se aliar ao que há de mais retrógrado no país. Um discurso que, na prática, se baseia em escolhas que beneficiam apenas uma pequena elite: austeridade, mão de obra barata e isenções fiscais.
Aliás, impressiona como o medo é o principal sentimento que tem norteado as “ameaças” de austeridade feitas pelo grupo político que está no poder ao povo brasileiro.
A cada vez que uma agência de risco rebaixa a nota de crédito do Brasil, os jornalões não tardam a sair clamando aos quatro ventos que o “apocalipse” se aproxima e que seguir a cartilha de austeridade pregada por essas agências é o único remédio. O mesmo acontece com cada novo relatório do Banco Mundial.
Pouco importa se agências como a Standard & Poor’s e a Moddy’s foram multadas em bilhões de dólares há pouquíssimo tempo porque suas mentiras foram essenciais para causar a crise de 2008. Importa menos ainda que o Banco Mundial tenha admitido, no começo do ano, que manipulou dados para favorecer a direita liberal chilena nas eleições e que fazia a mesma coisa em outros países: na boca de jornalistas teatralmente desesperados, tais notas e relatórios ganham ares de ciência incontestável, e a austeridade é pintada como o “infeliz, mas necessário” caminho a ser seguido.
Curiosamente, o próprio Banco Mundial que nos “aconselha” a seguir a austeridade reconhece que, de 96 países estudados, só 14 seguiram um caminho como o do “teto de gastos”. Outros países, sobretudo desenvolvidos, preferem estabelecer regras de controle da dívida pública ou das receitas. E mesmo os que adotaram o teto não o fizeram por períodos longos, ao contrário do Brasil, que implantou uma medida para durar 20 anos.
E não pensem que a austeridade que ecoa nos ouvidos brasileiros se refere ao corte de privilégios ou de gastos que não se explicam. A austeridade acovardada brasileira quer mesmo é cortar o ensino gratuito, sistemas de saúde públicos, gastos sociais e assistenciais ou funcionários públicos.
Algo que vai completamente contra o que Juan Pablo Bohoslavsky, relator da ONU para Dívida Externa e Direitos Humanos, propôs em recente entrevista. Bohoslavsky seria o relator responsável por investigar os impactos dos cortes na saúde e educação do Brasil em março. O governo Temer, porém, alegando a saída da Ministra Luislinda Valois, suspendeu sua visita e até hoje não marcou nova data, além de ter votado contra a continuidade do seu mandato na ONU.
Para Bohoslavsky, a austeridade vem acontecendo junto com um processo de redução dos direitos humanos, sendo que “cortes orçamentários em vários países afetaram os direitos à educação, saúde, alimentação, moradia, trabalho, previdência, água e saneamento, assim como direitos políticos e civis, tais como acesso à Justiça, direito de participação, liberdade de expressão e associação”.
Ele ainda acrescenta que “crises econômicas são aprofundadas por políticas de austeridade e aumentaram os índices de suicídio em alguns países. Elas resultaram ainda na exclusão de pessoas de serviços de saúde pública e enfraqueceram esses sistemas ao ponto de que passaram a não ser equipados para responder a epidemias”.
Bohoslavsky finaliza dizendo que “garantir a estabilidade financeira e controlar a dívida pública são tarefas importantes”, adicionando que nem todos os cortes de gastos são necessariamente ruins para os direitos humanos, citando exemplos da Islândia com a compra de medicamentos genéricos mais baratos e cortes de gastos desnecessários nas áreas militares.
Sem dúvidas, uma cartilha bastante diferente da do Banco Mundial, que quando não dizia “vendam tudo”, propunha absurdos como aumentar ainda mais o número de alunos nas já abarrotadas salas de aula brasileiras. Mas, para a agenda liberal do Brasil, direitos fundamentais e soberania nacional não são nada frente à vontade do mercado.
Incluindo, aí, o direito que o povo brasileiro tem a um trabalho digno. Direito esse que vem sendo reduzindo, novamente, através de um discurso amedrontado.
É bem verdade que a reforma da CLT também se baseou na falsa e absurda promessa de que a flexibilização das leis trabalhistas pudesse, sabe-se lá como, melhorar as condições dos próprios trabalhadores.
Mas a reforma também trazia como argumentos o medo de que empresas quebrassem por um suposto “excesso” de direitos trabalhistas que encareciam o trabalho no país e o pavor de que as multinacionais estrangeiras optassem por países com mão de obra mais barata (leia-se precarizada).
Tais medos, porém, não se justificam. É o que demonstra Márcio Pochmann, quando lembra que “o custo do trabalho no Brasil até 2014 era 20% maior do que na China. Repetia-se o mantra de que era impossível competir com os chineses por causa disso. A partir de 2016, a mão-de-obra na China passou a custar 16% mais do que aqui. Igualmente até 2014, um trabalhador brasileiro custava um terço do equivalente nos Estados Unidos, atualmente vale 17%. Não há, portanto, como validar o argumento do custo alto da nossa mão-de-obra”.
Vou além para dizer que, se há algum problema com a nossa mão de obra, não é o preço, mas a qualificação. Há, no Brasil, uma baixa oferta da mão de obra qualificada e isso sim afasta investimentos em setores profissionais. O problema é tão grande que, mesmo na atual situação de desemprego, algumas vagas mais especializadas em empresas não têm sido preenchidas.
Mas esse já é um problema antigo (diria até que histórico), que vem antes da crise. Uma pesquisa da ManpowerGroup de 2014 já indicava que a taxa de escassez de mão de obra qualificada era de 63% no Brasil, o dobro da média mundial de 36%. Profissionais de TI, engenheiros e até contadores entram na lista de vagas que têm dificuldades de serem preenchidas.
Apesar do problema, o Brasil passou a andar no caminho contrário ao da qualificação da mão de obra do país, com cortes na ciência. O Pronatec sofreu duros golpes e o fim do Ciência Sem Fronteiras fez com que o número de intercambistas de instituições de ensino federais e estaduais reduzisse em 99% em 2017. Também em 2017, o Ministério da Ciência sofreu um corte de 44% pelo governo Temer. Tudo seguindo à risca a cartilha de austeridade liberal.
Ao invés de investirmos na formação de uma mão de obra cada vez mais qualificada, produtiva e atraente, caminhamos na direção contrária, rumo ao eterno subdesenvolvimento de um país que aceita a posição subalterna e humilhante de provedor de mão de obra barata e precarizada. Ao que parece, aumento de produtividade não é uma preocupação muito grande para a agenda da direita liberal.
Para esse grupo político, importante mesmo é garantir gordas isenções fiscais e incentivos públicos a empresas gigantes e milionários que dão um retorno no mínimo questionável para o país. Só para o orçamento de 2018, o Governo abriu mão de R$ 283 bilhões em renúncias fiscais.
No fim de 2017, um ano depois de abrir a exploração do pré-sal para petrolíferas estrangeiras, o Governo Temer conseguiu aprovar a “MP do Trilhão”. A lei ficou assim conhecida, pois, com ela, o Brasil abriu mão de arrecadar cerca de R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos, R$ 40 bilhões a cada ano, por conta de benefícios fiscais a essas empresas. Dinheiro esse que poderia muito bem ser reinvestido na nossa Petrobrás. Só nas duas semanas e meia de Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, em 2016, o país abriu mão de mais de R$ 3,8 bilhões em isenções fiscais a empresas como McDonald’s, Bradesco, Rede Globo ou Coca-Cola.
Aliás, a Coca-Cola (através da Recofarma), junto com outras empresas de refrigerantes como a Ambev, são responsáveis por um rombo de R$ 7 bilhões por ano só na Zona Franca de Manaus. O retorno para o país, porém, é pífio. Esse setor mal tem gerado empregos. Na região, a própria Recofarma tem apenas 175 funcionários.
Esse setor químico específico, dominado pelos xaropes de refrigerantes, aliás, entre 1988 e 2013, multiplicou por 10 seu número de trabalhadores. Ao mesmo tempo, seus rendimentos em dólares aumentaram 200 vezes no mesmo período. Sem geração de empregos e sem arrecadação fiscal, o Brasil parece apenas perder nessas renúncias que só engordam o lucro de multinacionais.
Com essa farra de isenções fiscais “inexplicáveis” (entre aspas porque sabemos muito bem explicar a quem elas servem), não é surpresa que Estados como o Rio de Janeiro vivam a atual situação de caos. No Estado fluminense,foram R$ 218 bi de benefícios fiscais em 10 anos (2007-2016), tudo sob o olhar de um Tribunal de Contas que hoje é investigado por corrupção. Ano passado, novamente a Ambev se envolveria numa dessas polêmicas isenções, quando o Governo do Rio cogitou abrir mão de R$ 650 milhões para que a empresa abrisse uma fábrica na Zona Oeste. A fábrica geraria apenas 200 empregos, o que não justificava o montante investido.
É claro que nem toda isenção fiscal é ruim. Existem benefícios que não só auxiliam na criação de empregos, como aumentam a produção do país e ainda distribuem renda. É o caso dos benefícios direcionados a micro e pequenas empresas, como o Simples Nacional, que hoje é responsável por uma renúncia de pouco mais de R$ 80 bi por ano. Apesar do alto valor, é importante ressaltar que se incluem aí um número absurdamente grande de empresas, ao contrário da concentração que se vê no setor das grandes empresas multinacionais.
Para se ter uma ideia de como as contas estão desbalanceadas entre as pequenas e as grandes empresas, entre 2007 e 2010, no Rio de Janeiro, apenas 50 empresas responderam por R$ 25 bilhões em renúncias fiscais do Estado, enquanto outros R$ 12 bilhões foram divididos entre quase 4 mil empresas menores. Porém, principalmente nessa situação de crise, quem tem “segurado a bronca” da criação de empregos são justamente essas pequenas empresas.
Segundo o Sebrae, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas são responsáveis por mais da metade dos empregos formais do país. A participação delas no PIB também tem crescido, chegando a 27% em 2011. No comércio, representaram mais da metade (53,4%) da riqueza produzida e, na indústria, junto com as médias empresas, somaram quase metade da produção.
Entre janeiro e agosto de 2017, enquanto as médias e grandes empresas extinguiram 182,4 mil postos de trabalho, as micro e pequenas criaram 327 mil empregos. Tudo isso, vale dizer, com um investimento público infinitamente menor do que as grandes.
Micro, pequenas e médias empresas representam até 96% de todas as operações do BNDES. Porém, quando analisados os valores investidos, elas ficam com apenas 30% do total desembolsado pelo banco público. Os outros 70% do dinheiro são investidos em uma minoria de grandes empresas. Vale dizer que em 2016, dos R$ 70 bi investidos pelo BNDES, R$ 50 bi foram para empresas como a Brasil Foods, a JBS de Joesley, a OSX de Eike Batista ou até mesmo para estrangeiras como Volkswagen, Hyundai e BG Group.
Assim, enquanto pequenas empresas geradoras de emprego e com maior capacidade de distribuição de renda seguem com pouquíssimos incentivos, gigantes nacionais e estrangeiras seguem engordando seus lucros com montanhas de dinheiro público que não parecem demonstrar qualquer tipo de retorno positivo para a população.
Tudo, é claro, sob o discurso do medo. Afinal, se aumentarmos os impostos sobre os grandes e redirecionarmos os investimentos públicos para os menores, o Brasil sofreria uma “grande fuga de capitais”. Curioso é que, para evitar essa fuga, as cartilhas liberais só sabem falar em cortes.
Pouco se fala em aumento de investimentos públicos ou, pelo menos, na mudança de foco desses investimentos, como, por exemplo, para a infraestrutura. Segundo uma pesquisa da Famato de 2013, por exemplo, a falta de infraestrutura chega a impactar em até 30% o lucro de produtores do Centro-Oeste. Mais de 10% das colheitas chegam a ser perdidas por conta dessa precariedade.
E os problemas de infraestrutura no Brasil são históricos. Há mais de três décadas, o Brasil investe apenas cerca de 2% de seu PIB no setor. Pra se ter uma ideia da diferença para outros países, só em transportes, China, Rússia e Índia chegam a investir uma média de 3,4% de seus respectivos PIB’s.
Porém, ao invés de investir nesses setores, o atual Governo caminha na contramão para entregar empresas estratégicas de infraestrutura nas mãos do capital privado e estrangeiro. Eletrobrás e a Infraero são as mais novas ameaçadas pelo entreguismo brasileiro e, logo, podem cair nas mãos de investidores que não têm nenhuma preocupação com a expansão do desenvolvimento para todo o Brasil.
Do mesmo modo, vê-se um recente ataque aos bancos públicos, que correm o risco de serem privatizados, como a Caixa, ou até extintos, como o BNDES. Enquanto a isso, a China injetou, em 2015, quase US$ 100 bilhões em dois de seus principais bancos públicos. Mas na doutrina do medo pregada pelos liberais brasileiros, vale mais a “merreca” que podemos receber com as privatizações (ou seriam ‘privatarias’?) do que criar um plano de investimento com a máquina pública que temos em mãos.
Nada se fala, por exemplo, de uma mudança na nossa matriz de exportação. Não parece ser um problema para essas agendas que, historicamente, cerca de 70% das nossas exportações sejam de produtos primários e de baixíssimo valor agregado. Tampouco parece problemático, para elas, que praticamente todo o nosso petróleo (cerca de 90%) exportado seja cru.
Aliás, em 2016, o petróleo cru representou quase 6% de nossas exportações (cerca de US$ 12 bi). Ao mesmo tempo, o petróleo refinado representou um pouco mais que 5% de nossas importações, somando cerca de US$ 8 bi, o que o põe na liderança de produtos comprados pelo país. A indústria química, sozinha, é responsável por 24% de nossas importações (US$ 35, 2 bi), sendo 3,84% (US$ 5,63 bi) de fertilizantes e 4,18% (US$ 6,12 bi) de farmacêuticos.
São número que mostram que, se erramos feio ao prezar pela desindustrialização para nos tornarmos meros exportadores de produtos primários para a industrialização de países como a China, erramos mais feio ainda ao negligenciar completamente o potencial que a demanda interna tem de construir, em volta de si mesma, um projeto de desenvolvimento.
Há uma forte demanda dos setores de combustíveis, farmacêuticos e do agronegócio no país, mas o Brasil não investe na indústria que possa atender a esses setores, mantendo capital e gerando empregos e mais renda no país. Ao contrário, queremos, agora, vender bancos públicos e empresas de infraestrutura que poderiam ter um papel essencial na criação desses novos polos industriais brasileiros.
Por isso, se queremos realmente superar a crise atual e, mais do que isso, superar nosso histórico subdesenvolvimento pautado num capitalismo cada vez mais predatório e desigual, precisamos mudar nossa cultura econômica que, durante anos, parece ter se pautado num medo constante de “irritar” o mercado externo e as grandes potências.
Não faz sentido ter medo de rever a política tributária em um país que nem mesmo tributa os dividendos de grandes empresários. Tampouco faz sentido crer que mão de obra precária seja atraente para investimentos, afinal, 400 anos de escravidão já nos ensinaram que esse não é o caminho. Nem precisamos sentir medo de agências corruptas que só sabem falar em cortes e já estão, há muito, desacreditas no mundo desenvolvido.
O Brasil precisa de uma política econômica corajosa o bastante para ser heterodoxa e ousar fazer algo diferente do que foi feito em 500 anos de história. Afinal, séculos de submissão a ortodoxia nos trouxeram a situação atual e o povo não parece estar muito contente com isso.
Almir Felitte é Graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.