quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Brasil, enfim podemos juntar a hipocrisia, a arrogância e a covardia às nossas marcas identitárias, por Mariana Barreto




“Bolsonaro é um produto genuinamente nacional” e o é: hipócrita, arrogante e covarde, como todos e todas nós, da elite à ralé, não poupando as camadas médias, mas estranhamos isso, e preferimos vê-lo como um fascista, oportunista, uma exceção.



Brasil, enfim podemos juntar a hipocrisia, a arrogância e a covardia às nossas marcas identitárias. Virou hábito, tá valendo.

por Mariana Barreto

O Brasil sempre foi um país hipócrita, covarde e arrogante, poucas vezes tive dúvidas. No entanto, visualizar isso era um pouco difícil, as evidências pareciam frágeis porque sempre combinadas às nossas marcas identitárias primordiais: a alegria, a tolerância, o improviso etc. Nossa população, ainda que miserável, dos pontos de vista material e simbólico, é alegre, nossas intolerâncias não ferem, não excluem, não reproduzem as desigualdades, porque as relações de compadrio são seus freios, nosso improviso resolve todo e qualquer problema de ordem institucional, burocrática, quer seja de ordem pública ou privada. Todavia, nos dias de hoje, colocaram o retrato de nossa figura podre na sala de estar e o mundo o fotografa e o compartilha sem cessar.
As últimas mensagens publicadas por nossa melhor série, a Vaza Jato, produzida pelo The Intercept, mostram a elite econômica e intelectual dos magistrados de Curitiba discutindo os infortúnios experimentados pelo ex-presidente Lula (sim, faço questão de escrever ex-presidente porque faz parte da nossa arrogância insistir em apagar o passado e eu não incorrerei no erro) e sua família; assim como as repercussões sobre os imbróglios envolvendo os incêndios e demais arbitrariedades que acometem a Amazônia, expressam uma certeza: somos hipócritas, arrogantes e covardes. Se duvidamos disso, tenho um exercício simples que cada um de nós pode fazer: nos perguntemos quantos de nós resistiríamos a uma Vaza Jato em nossos grupos familiares, profissional, aquele dos amigos de infância, dos irmãos, da igreja, dos namorados, dos amantes? Qual ateu ou crente suportaria uma Vaza Jato em seus grupos mais espontâneos e nos mais obrigatórios?
Dificilmente, alguém passaria incólume à exposição, ao escrutínio, de suas  malícias, de suas falsas moralidades, de suas covardias. Não há necessidade de nenhum exercício de imaginação para acreditar que dentre os efeitos deletérios das revelações se sobressaísse a postura sobranceira do atingido, incapaz de refazer-se do zero, sua covardia tudo negaria e sua arrogância seria a ponta de lança de sua indiferença, pela crença no esquecimento, na covardice de que tudo seja extinto e remido, no desejo oportunista de ser perdoado. 
Para o mundo, a Amazônia queima, ou é liquidada diriam os mais antigos, vítima da irresponsabilidade de um presidente, reconhecido, nomeado e classificado como um homem de extrema-direita – o que é majoritariamente ignorado entre nós -, que governa o país repelindo insolente e mentirosamente dados, fatos e realidades. Ouvi recentemente do jornalista Mino Carta que “Bolsonaro é um produto genuinamente nacional” e o é: hipócrita, arrogante e covarde, como todos e todas nós, da elite à ralé, não poupando as camadas médias, mas estranhamos isso, e preferimos vê-lo como um fascista, oportunista, uma exceção. Da mesma forma, para nós parecem normais, moralmente irrelevantes, os comentários sobre o estado de saúde de D. Marisa divulgados hoje pela Vaza Jato, afinal a ex-primeira dama foi uma exceção. 
Nossas novas marcas identitárias resistem bem as exceções, porque ainda não nos demos conta que viraram regras. 
Mariana Barreto – Socióloga, é Professora Adjunta IV do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará – UFC.

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