domingo, 11 de agosto de 2019

Sérgio Moro tem muitas vidas, mas algumas delas estão no fim, por Fábio de Oliveira Ribeiro



É difícil dizer o que o presidente brasileiro pensa (se é que ele pensa), mas me parece evidente que Bolsonaro está colocando em cena um quarto Sérgio Moro: aquele que é humilhado diante das câmeras de TV

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Foto original: Agência Brasil
Antes que alguém me acuse de incentivar a morte do Ministro da Justiça, faço aqui uma distinção essencial, simbólica e filosófica. Existem quatro ou cinco Sérgios Moros.
O primeiro nasceu em 1º de agosto de 1972, foi batizado Sérgio Fernando Moro, concluiu o curso de Direito em 1995 e exerceu o cargo de juiz de 1996 a 2018 lotado na 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele é um homem como outro qualquer. Sérgio Moro sente fome e sono. Regularmente ele também é convocado pela natureza a frequentar um pequeno santuário da deusa Cloacina.
O segundo Sérgio Moro é aquele personagem que se tornou nacionalmente conhecido. Ele nasceu quando foi designado juiz da Operação Lava Jato e cresceu quando foi apresentado ao respeitável público pelos donos da Rede Globo. Esse Sérgio Moro tinha uma vida midiática proeminente. Em pouco tempo, ele foi transformado pela imprensa no herói do combate à corrupção.
No desempenho de seu novo papel, o homem acabou se identificando ao personagem. Essa identificação foi reforçada pela imprensa e acarretou três fenômenos importantes: a fragilização do sistema constitucional brasileiro; a inversão da pirâmide Judiciária e; a destruição da economia nacional.
É difícil dizer quais foram os melhores momentos da Lava Jato. No princípio, o personagem Sérgio Moro conquistou uma vitória atrás da outra. A primeira grande vitória dele, entretanto, ocorreu quando o TRF-4 chegou a dizer que a Lava Jato não precisava cumprir a Lei. Esse incentivo oficial recebido pode ter determinado tudo o que ocorreu depois, inclusive a certeza de que seriam inúteis as acusações de que era um justiceiro (veja aqui e aqui).
Sérgio Moro destruiu as construtoras brasileiras. Depois os estaleiros foram estraçalhados. O desemprego que ele causou nunca chegou a ser objeto de reflexão na grande imprensa. Todas as ações dele eram consideradas legítimas, necessárias e louváveis. Quem o criticava ou era ignorado ou admoestado pela imprensa. O poder absoluto que o herói lavajateiro conquistou com ajuda da mídia o levou à sua mais audaciosa e controversa jogada: a perseguição judicial de Lula.
A controvérsia jurídica acerca da denúncia do processo do Triplex (que foi baseada apenas nas convicções do procurador) e da sentença condenatória (fundamentada numa interpretação maliciosa do tipo penal e lastreada tanto na acusação jornalística feita contra Lula quanto no desprezo às provas apresentadas pelo réu) já era grande quando o escândalo dos chats entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol começaram a ser publicados. Em razão do processo de identificação acima mencionado, o homem Sérgio Moro não pode mais se separar do personagem criado pela imprensa.
O problema de ambos é evidente: o The Intercept colocou em cena um terceiro Sérgio Moro, aquele que emerge das conversas imorais e ilegais entre o juiz e o promotor para prejudicar Lula. Acostumado ao seu primeiro personagem, Sérgio Moro ficou confuso e desesperado quando o terceiro Sérgio Moro adentrou ao palco e começou a ganhar protagonismo. O Ministro da Justiça confirmou e não confirmou a autoria dos chats, questionou a legitimidade de sua obtenção e/ou divulgação, ameaçou o jornalista, etc…
A tragédia do Brasil ocorreu quando Sérgio Moro se identificou ao personagem criado para ele pela imprensa. A tragédia dos dois primeiros Sérgios Moros ainda está em curso. Ela decorre da incapacidade deles de silenciar, controlar ou destruir o terceiro Sérgio Moro que foi colocado em cena pelo The Intercept. A firmeza do jornalista norte-americano é um problema. A credibilidade dele não pode ser abalada. À medida que o personagem heróico inventado pela mídia sangra, o homem Sérgio Moro (que vai sendo inevitavelmente incorporado pelo terceiro Sérgio Moro) se tornou um problema para Jair Bolsonaro. O capitão motosserra resolveu se livrar dele?
É difícil dizer o que o presidente brasileiro pensa (se é que ele pensa), mas me parece evidente que Bolsonaro está colocando em cena um quarto Sérgio Moro: aquele que é humilhado diante das câmeras de TV e que não encontra forças nem mesmo para defender sua dignidade pessoal diante do patrão. Como todo tirano, o presidente brasileiro “…quer estar sozinho em sua glória, e julga que aquele que demonstra a mesma altivez ou independência viola sua prerrogativa, e odeia homens assim como inimigos de seu poder.” (Política, Aristóteles, Martin Claret São Paulo, 2018, p. 209) Uma parcela da imprensa já notou o que está ocorrendo e se pergunta o que ocorreu.
A pergunta que deveria ser feita é outra. O que ocorreu nós sabemos. O que nos não sabemos é o que ocorrerá. Minha resposta já foi dada no início. Sérgio Moro tem muitas vidas, algumas delas estão no fim. Não o homem, pois o Ministro da Justiça é jovem e saudável. O direito dele à vida não pode ser revogado e o homicídio é um crime extremamente grave.
Quando digo “Sérgio Moro tem muitas vidas, algumas delas estão no fim” estou me referindo a um dos personagens que foram criados desde que começou a Lava Jato. O herói criado pela imprensa já começou a ser morto pelos jornalistas. O vilão que emerge dos chats do The Intercept ganhará status constitucional no exato momento que o STF reconhecer que ele deu causa à nulidade do processo do Triplex ao conspirar para prejudicar a defesa junto com o procurador Deltan Dallagnol.
A existência do quarto Sérgio Moro (aquele que é rebaixado e humilhado por Bolsonaro) me parece mais efêmera, pois ela depende exclusivamente da presença do homem no Ministério da Justiça. Isso está nas mãos tanto do presidente (que pode demiti-lo) quanto de Sérgio Moro (que pode pedir demissão).
Condenado a morrer, Sócrates preferiu cumprir a sentença a fugir de Atenas. Ele preferiu ser um consigo mesmo até o fim a ser outro diante de sua persona mutilada por uma vida entre os bárbaros. A integridade de Sérgio Moro foi mutilada pela imprensa quando o herói lavajateiro foi criado. Mas ele mesmo preferiu se identificar com esse personagem para realizar todos os seus sonhos (quaisquer que eles fossem).
Vítima de seu próprio ego amplificado pela mídia, Sérgio Moro imaginou ser a fonte do poder que exercia? Ele acreditou que ninguém poderia colocar em cena um terceiro Sérgio Moro?
Na situação trágica em que se encontra o homem não pode evitar a morte de seu heroico personagem (isso está nas mãos da imprensa), nem tampouco matar o vilão que emerge dos chats publicados por Glenn Greenwald (isso está nas mãos do STF). A única coisa que Sérgio Moro pode fazer é se retirar do governo para não ser mais humilhado por Bolsonaro. O ataque ao presidente da OAB indica que ele fará qualquer coisa para conservar as prerrogativas do cargo que ganhou.
Aqui mesmo no GGN comparei Sérgio Moro ao Cabo Bruno. Portanto, não posso deixar de registrar uma última ironia. Sempre que se dirige ao seu Ministro da Justiça, Jair Bolsonaro o trata como um subalterno que pode ser desdenhado, pisoteado, desconsiderado, reduzido e humilhado. Num Quartel um capitão sempre tem mais valor do que um cabo. A diferença entre ambo é definida pela hierarquia e não pelo merecimento social e intelectual. Ao se submeter ao militarismo do chefe, Sérgio Moro finalmente incorporou o Cabo Bruno?

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