quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O ódio será minha herança, disse Bolsonaro, por Fábio de Oliveira Ribeiro



Bolsonaro é incapaz de amar o Brasil inteiro, o que pressupõe tolerância regional, racial, política, sexual, ideológica, religiosa, pedagógica, etc… Ao que parece, ele crê piamente que sua principal missão é espalhar o ódio



O ódio será minha herança, disse Bolsonaro, por Fábio de Oliveira Ribeiro (no GGN)

Na semana passada Jair Bolsonaro hostilizou o nordeste, obrigando a CEF a reduzir investimentos naquela região. Nesta exigiu que os governadores nordestinos interessados em obter investimentos federais passem a cultuar sua personalidade. O presidente brasileiro não está apenas rompendo o pacto federativo, ele está transformando a república numa monarquia. Bolsonaro não quer governar, ele quer demonstrações de adoração como se fosse um rei. Qualquer demonstração de autonomia político será interpretada como traição?
Nicolau Maquiavel disse que, se tivesse que escolher entre ser amado ou temido, o príncipe deveria ser temido pois “…os homens amam segundo sua vontade e temem segundo a vontade do príncipe…” (O príncipe, Maquiavel, Martins Fontes, São Paulo, 2004, p. 82). Mas ele também citou o exemplo de Cômodo, imperador que morreu tragicamente, por que “…não conservando a sua dignidade e, frequentemente, descendo às arenas para lutar contra os gladiadores e mais outras coisas indigníssimas da majestade imperial, tornou-se desprezível aos olhos dos soldados. Assim, sendo odiado por uma das partes e odiado pela outra, foi alvo de uma conspiração e assassinado.” (O príncipe, Maquiavel, Martins Fontes, São Paulo, 2004, p. 95).
Jair Bolsonaro não é maquiavélico. Sempre que abre a boca ou edita um ato administrativo ele demonstra seu ódio pela democracia, seu desprezo pelo regime republicano e seu desdem pelo pacto federativo que outorgou autonomia política e orçamentária aos Estados-membros.
A União deve tratar as unidades federativas da mesma forma e sem qualquer discriminação político-partidária ou regional. O presidente da república não pode exigir vassalagem de quem quer que seja. As verbas orçamentárias devem ser distribuídas de maneira impessoal. Tudo isso está se tornando irrelevante.
Bolsonaro é um pedagogo do ódio. Em pouco tempo ele se tornará odioso aos olhos de quase todos, inclusive dos juízes. Sempre que perde uma disputa no STF o presidente faz questão de demonstrar publicamente seu ódio pela autonomia do Tribunal. Bolsonaro não quer apenas criar conflitos ao burlar a constituição ele quer decidir tudo em última instância como se todo o poder emanasse de sua augusta pessoa.
Consulto meu dicionário de Latin. O vocábulo “augustus” ainda significa “majestoso, venerável; santo, sagrado; consagrado pelos augures, empreendido com bons augúrios” (Dicionário Latino Português, Francisco Torrinha, Gráficos Reunidos Ltda., 6ª edição, Porto, 1993, p. 90).
Bolsonaro não se ajusta a nenhuma dessas hipóteses. Portanto, sempre que pretende agir como um imperador romano da última flor do Lácio ele não conseguirá emular Otávio. O presidente brasileiro adora combater feras imaginárias (o comunismo, o gayzismo, os médicos militantes revolucionários, a URSAL, a cubanização do Brasil, os paraíbas etc…). Muito embora tenha uma origem humilde, a personalidade de Bolsonaro é mais parecida com a de Cômodo (cujo fim trágico foi mencionado por Maquiavel).
Várias ferramentas podem ser e já foram utilizadas no processo de construção das nações. A amizade, a identidade linguística, a uniformidade cultural, a religião, o pertencimento ao mesmo clã, a raça, o respeito à diversidade política, o respeito aos direitos humanos etc… Entretanto, jamais uma nação foi construída pelo ódio, pois até mesmo o nacionalismo exacerbado é um produto do amor.
“Numa época em que é tão comum que intelectuais cosmopolitas e progressistas (sobretudo na Europa?) insistam no caráter quase patológico do nacionalismo, nas suas raízes encravadas no medo e no ódio ao Outro e nas suas afinidades com o racismo, cabe lembrar que as nações inspiram amor, e amiúde um amor de profundo auto-sacrifício. Os frutos culturais do nacionalismo – a poesia, a prosa, a música e as artes plásticas – mostram esse amor com muita clareza, e em milhares de formas e estilos diversos. Por outro lado, como é difícil encontrar frutos nacionalistas semelhantes expressando aversão! Mesmo no caso dos povos colonizados, que têm todas as razões para sentir ódio de seus governantes imperialistas, é assombrosamente insignificante o elemento de ódio nas suas expressões de sentimento nacional.” (Comunidades Imaginadas, Benedict Anderson, Companhia das Letras, São Paulo, 2008, p. 199/200)
Lula abdicou de muitas de suas propostas ao assinar a Carta aos Brasileiroshttps://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u33908.shtml. Ao tomar posse em 2003 ele se transformou no “lulinha paz e amor” e passou a governar o país sem demonstrar qualquer discriminação por seus adversários políticos.
Bolsonaro é incapaz de amar o Brasil inteiro, o que pressupõe tolerância regional, racial, política, sexual, ideológica, religiosa, pedagógica, etc… Ao que parece, ele crê piamente que sua principal missão é espalhar o ódio. Bolsonaro faz isso com uma imensa naturalidade. Ameaçado, ele ri e diz que sempre foi assim mesmo. Ser odioso ou se tornar odioso só não é um problema político em duas hipóteses: quando o líder pretende se auto-sacrificar para salvar a comunidade (caso de Lula e do rei Crodo,https://pt.wikipedia.org/wiki/Codro) ou quando ele pretende sacrificar todas as nações, até aquela que governa, para impor sua vontade (caso de Adolf Hitler e Jair Bolsonaro).
Se estivesse vivo, Benedict Anderson certamente ficaria intrigado com o fenômeno que está ocorrendo em Pindorama. Nosso país foi amorosamente reinventado por Lula. Agora o Brasil está sendo desinventado pelo ódio daquele que deveria preservar o regime democrático que o levou ao poder. Pior… uma parcela significativa da imprensa resolveu apoiar Bolsonaro como se fosse possível transformar um país em dois sem que todos sejam vítimas da animosidade política coletiva que foi mobilizada para fraturar a sociedade e a federação brasileira.
De esquerda ou de direita, os presidentes sempre passam. Mas o país deve permanecer em paz e suas instituições merecem ficar intactas. A única coisa capaz de unir e dar coesão aos brasileiros é a Constituição Federal que Jair Bonsonaro resolveu descumprir de maneira sistemática. Um poder que amanou do povo (art. 1º, da CF/88) nunca poderá retornar àquele que se comporta como um tirano.
Nosso amor pela liberdade e pela unidade política será maior do que o ódio espalhado por Bolsonaro? Aguardem as cenas do próximo capítulo. Essa história de terror ainda não acabou. Na verdade ela nem mesmo terminou de começar.

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