"Que a FLORESTA EM PÉ pudesse ter um valor por si só não se vê nos doutrinadores que aparecem desde o começo da República."

A cultura do fogo e a ideologia militar sobre a Amazônia
Por Andre Motta Araújo, no GGN
A explosão de incêndios na floresta brasileira tem raízes atávicas
seculares. O progresso é o “cimento”, o atraso é a “mata”, vem de
séculos.
Na São Paulo dos anos 40, havia um miolo central de casas e prédios e
nos arredores o bairro de Santo Amaro, todo verde, onde moravam
basicamente alemães, americanos e ingleses em casas-chácaras, poucos
brasileiros. O símbolo era e ainda é a mítica Chácara Flora, criação de
ingleses e americanos, um sofisticado condomínio fechado enorme e com
muitos portões, casas sem muro, tudo muito verde, o primeiro de São
Paulo, coisa dos anos 20.
O amor a vegetação não era comum nos nativos, que curtiam apartamentos de concreto de preferência à casas, quanto mais cimento melhor. Mesmo hoje, em prédios de luxo, o entorno tem pouco verde e quando tem é apenas de enfeite, não é exuberante. Na praia de Boa Viagem, em Recife, é chocante a ausência de palmeiras e grandes árvores em uma praia tropical, pouquíssimos jardins dignos desse nome em prédios.
No estacionamento do imenso shopping Eldorado, em São Paulo, nenhuma
árvore de nenhum tamanho, o que se repete em outros estacionamentos de
shoppings e supermercados. A ilha verde de São Paulo é o conjunto de
bairros chamado jardins criado por ingleses e só por isso ainda mantém o
verde.
O restante da cidade, tirando os poucos parques, é um mar de
concreto, a maioria de ruas e avenidas sem nenhuma árvore ou arbusto,
enquanto isso Washington, Berlim e Paris vistos de cima são manchas
verdes imensas, mal se veem os prédios, o mesmo em Buenos Aires.
A CULTURA DO FOGO
Numa fazenda da família, um incêndio à beira do logo, todos saem
correndo da sede para ver o que é. Foi um parente do motorista hospedado
na colônia, que
tocou
fogo na vegetação a beira do lago. Mas por quê? Por nada, achou bonito.
Está no DNA que vem desde os tempos de Cabral e dos bandeirantes.
Se
veem uma cobra ou um tatu na estrada de terra passam por cima com o
maior prazer, preservar nem pensar. Só a lei e a força podem impedir e
várias gerações são necessárias para mudar o DNA. O “cimentado” deve
deixar de ser progresso para ser um veneno.
Milhares
de prédios de apartamentos pelo Brasil, de alto luxo à moradia popular,
quantos tem floreiras na janela, na entrada? Se tiver terraços, raros
terão plantas, enquanto isso, a pequena Holanda é um jardim por todo
lado, na Alemanha o que mais se vê são parques e bosques nas cidades.
Deslizamentos,
inundações, desabamentos, tragédias urbanas que muito devem à FALTA DE
VEGETAÇÃO, que segura as águas, melhora o clima, filtra a poluição,
protege morros e encostas, vegetação derrubada muitas vezes por prazer,
sem motivo.
Em
São Paulo, fundamentais áreas de mananciais, a Serra da Cantareira que
regulava o clima da área metropolitana perdeu quase toda vegetação para a
ocupação, MAS é perfeitamente possível construir casas sem derrubar
toda a vegetação, como se faz no mundo civilizado, a casa FICA NO MEIO
DA VEGETAÇÃO, mas no Brasil a cultura é outra, DERRUBA-SE TUDO, deixa o
terreno limpinho sem uma flor para só depois começar a construção, não é
técnica, é uma cultura de combate ao verde.
Como
em um País tão extenso, tão grande, os conjuntos habitacionais
populares são 100% verticais, pombais horrendos de concreto, sem um
pingo de verde em volta? Para estrangeiros não tem explicação, a não ser
a noção de que árvore atrapalha, é o ódio à mata, vamos LIMPAR tudo.
No
rico interior de São Paulo, do alto, de avião ou helicóptero, se vê
florestas de cimento nas cidades médias e pequenas, raríssimas manchas
verdes. Em Berlim, chegando de avião mal se vê a cidade de tanto verde
cobrindo a área urbana, Paris idem, porque no Brasil temos raiva de
árvores?
A IDEOLOGIA MILITAR SOBRE A AMAZÔNIA
Os
primeiros doutrinadores modernos sobre o futuro e a vocação do Brasil
sempre tiveram fixação da “marcha para o oeste”, na ocupação de
territórios como sinônimo de “progresso” e este entende-se por
desmatamento e implantação de culturas. Que a FLORESTA EM PÉ pudesse ter
um valor por si só não se vê nos doutrinadores que aparecem desde o
começo da República.
Com
a construção de Brasilia chega-se ao apogeu do concreto como símbolo do
desenvolvimento, que nos perdoe JK e Niemayer, em São Paulo o outrora
lindo parque do Anhangabau é hoje um cimentado, o Memorial da America
Latina, de Nyemaier é 99% concreto no chão, verde é pecado e atraso, a
raiva de arvore é uma religião, vamos limpar o terreno, é melhor, dá
menos trabalho.
O
regime militar de 1964 absorveu essa visão de progresso = derrubada e
depois pasto. A marcha sobre a Amazônia começou em grande escala com a
absurda Rodovia Transamazônica, a estrada do desmatamento e da agressão à
floresta.
Havia
como defesa uma desculpa, não havia então a consciência ecológica de
hoje, pela qual uma floresta tropical (rainforest) de pé vale por si só
infinitamente mais que uma pastagem, porque a cada ano descobre-se mais
valor na biodiversidade e o Brasil a cada ano pode se impor mais pela
preservação desse patrimônio, COBRANDO uma conta crescente dos países
ricos.
O
valor desse PEDÁGIO DE CONSERVAÇÃO pode chegar a 50 ou 70 bilhões de
bolares por ano, o mundo pagará, o PARTIDO VERDE universal cresce a cada
ano com as novas gerações ambientalistas de berço, NÃO HÁ COISA MAIS
ILÓGICA e ANTIECONÔMICA do que derrubar árvores de 30 metros de altura
para colocar capim no lugar.
Essa
IDEOLOGIA DO PROGRESSO PELO DESMATAMENTO é algo hoje jurássico, mas
continua impregnando uma certa noção de desenvolvimento em círculos de
pensadores arcaicos da direita civil e militar. Não há nada mais fora de
tempo e de lugar no futuro das nações e da humanidade, é falta de
cultura, de evolução, de civilização, de inteligência.
O FUTURO DA PECUÁRIA
A
maioria dos cientistas que hoje perscrutam o futuro do clima e da
civilização, ambos contextos intimamente interligados, prevê a extinção
ou drástica diminuição da pecuária nos próximos 50 anos. Não há processo
mais irracional em termos macro econômicos do que dedicar um hectare de
terra à pastagem de um boi, e a evolução da nova cultura de alimentação
sustentável vai criar, a cada ano, novas levas de pessoas com hábitos
de nutrição que dispensam ou diminuem a proteína animal nos seus
cardápios.
Pastagem é o passado, não é o futuro do uso sustentável da terra.
O BRASIL, MAIOR POTÊNCIA ECOLÓGICA DO PLANETA
Poderia
ser nossa grande vocação como País, mas estamos jogando fora, como em
1945 jogamos fora nosso papel geopolítico, ao não aceitar ser potência
ocupante da Austria e uma cadeira no Conselho de Segurança, porque o
Presidente Dutra achou que ia dar muita despesa.
O
papel de potência ambientalista do mundo não depende só de um Governo,
depende de uma visão de povo, é preciso anular a CULTURA DO FOGO,
símbolo do atraso e síntese da visão anti-verde que infelizmente ainda
está na alma de muitos brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário