quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Mulheres protagonizam resistência e enfrentamento ao governo Bolsonaro. Por Ingrid Assunção Farias, no Justificando



Mulheres protagonizam resistência e enfrentamento ao governo Bolsonaro
Imagem: Kamikia Kisedje / Cobertura Colaborativa (Mídia Ninja)

[COLUNA] DISCURSOS NÃO PACIFICADOS
Por Ingrid Assunção Farias

Milhares de mulheres de todo o Brasil estão em Brasília ocupando, mais uma vez, o papel na história de protagonistas frente ao conservadorismo e ataques aos direitos conquistados.

Mulheres indígenas, negras, rurais e urbanas que, como em outros momentos da história desse País, saem na vanguarda da resistência e enfrentamento aos ataques do atual contexto político. Localizar esses ataques em um momento político, e não apenas de um governo, é importante para dar amplitude a como expressões do racismo, fascismo, fundamentalismo e machismo têm ganhado cada vez mais espaço na reprodução de práticas cotidianas de nossa sociedade. Essas práticas se refletem em ações de ódio e violência executadas por diversos grupos sociais. São os mesmos grupos que, na história do Brasil, sempre se incomodaram com a ascensão política e social e o protagonismo das mulheres, em especial as mulheres negras.  

Nesse sentido, é fundamental que nós mulheres estejamos conectadas e conscientes que damos continuidade ao que já foi feito por muitas antes de nós. “Nossos passos vêm de longe” escreveu uma de nossas intelectuais negra, Jurema Werneck. Esta frase nos coloca na responsabilidade de sempre lembrar que o nosso ponto de partida para resistir e avançar é a ancestralidade das muitas mulheres líderes e protagonistas que vieram antes de nós.

“Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar” (Angela Davis)

A pauta de luta da semana será marcada por grandes mobilizações e atos de rua na capital federal. As mulheres indígenas protagonizam esse momento. Ao longo da história foram diversos os episódios que marcaram a organização política e luta pela manutenção dos direitos indígenas, através de ocupações, atos políticos culturais e mobilizações de solidariedade. Mas esse ano essas grandes mobilizações são marcadas pelo protagonismo das mulheres, com a realização da primeira Marcha de Mulheres Indígenas. As atividades começaram na sexta-feira (09) e vão culminar em um grande ato hoje (13), com a presença de mais de 5 mil mulheres indígenas de todo País. 

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Desde março, pelo menos 14 casos de invasões em terras indígenas foram documentados em todo o Brasil, principalmente na Amazônia, além de assassinatos de lideranças, como forma de retaliação à resistência e organização desses povos. As mulheres indígenas ocupam Brasília pela demarcação das terras indígenas, pelo fortalecimento da Funai, pela não municipalização da Sesai, por uma educação de qualidade nos territórios e pelo bem viver! Elas prometem pintar Brasília de urucum e jenipapo, e afirmar que não aceitam mais nenhum sangue indígena derramado. 

Na mesma semana ocupa também a capital federal a Marcha das Margaridas. Com quase 20 anos de história, em sua 6ª edição, ergue o lema Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência. Milhares de mulheres rurais de todo Brasil se organizam no sentido de permanecer em luta frente aos diversos ataques deste governo, nesse contexto político. Grande parte das políticas sociais voltadas para a população rural, como as de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN); programas destinados à Agricultura Familiar e a Agroecologia, como os de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar (PNAE), todas essas vêm sendo desmontadas pelo atual governo. A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar reflete diretamente sobre o trabalho e vida das famílias agricultoras, que sofrem também ataques aos direitos trabalhistas, colocando em especial as mulheres rurais em condição quase impossível de garantir aposentadoria e reconhecimento de seus trabalhos. Essas são apenas algumas pautas que vão ocupar as ruas de Brasília amanhã (14) na Marcha das Margaridas. 

A data escolhida é marcada pela morte da trabalhadora rural e líder sindicalista Margarida Maria Alves, assassinada em 1983 quando lutava pelos direitos dos trabalhadores na Paraíba. Mais uma mulher negra que tombou resistindo por várias de nós, e que jamais será esquecida na construção de uma luta feminista que sempre olha pra trás, pra referenciar as que vieram antes de nós e as que não estão mais aqui conosco. As mulheres são a mudança que queremos ver! A Marcha das Margaridas conecta a luta diária tendo o feminismo popular  como elemento que une as mulheres do campo e da cidade. 

Respostas a um novo tempo

“…nosso mundo está cheio de homens e mulheres que não gostam de mulheres poderosas. Estamos tão condicionados a pensar o poder como coisa masculina que uma mulher poderosa é uma aberração. E por isso ela é policiada. No caso das mulheres poderosas, perguntamos: ela tem humildade? Sorri? Mostra gratidão? Tem um lado doméstico? Perguntas que não fazemos a homens poderosos, o que demonstra que nosso desconforto não é com o poder em si, mas com a mulher. Julgamos as poderosas com mais rigor do que os poderosos. …” Chimamanda Ngozi Adichi
 A iniciativa é uma resposta à realidade de desigualdade de gênero na sociedade, refletida em diversos contextos em especial no que diz respeito à representação feminina em espaços de poder e tomada de decisão. Segundo o IBGE, em 2016 a participação proporcional de mulheres em cargos gerenciais correspondia a 39,1% do total; dentre as mais de 3,5 milhões de mulheres que ocupavam as funções, mais de 2,5 milhões eram brancas e 962 mil, negras. Em 2017, no pós-golpe, eram 28 cargos ministeriais no governo Temer e só 7,1% foram ocupados por mulheres. 

Na Câmara dos Deputados, 77 das 513 cadeiras foram preenchidas ano passado com a eleição de mulheres (foram 51 em 2014). Uma subrepresentação de 15%, enquanto as mulheres compõem a maioria da população e do eleitorado. No  Senado, o percentual é ainda menor. São sete mulheres num universo de 81 vagas. A disparidade é tão contundente que somente em 2016 o Senado brasileiro construiu o primeiro banheiro feminino do plenário. Até então as senadoras usavam o do restaurante anexo disponível desde 1979, quando a primeira senadora foi eleita. Essa realidade é ainda mais dura quando olhamos essa representatividades com recorte de raça e etnia. Em um levantamento feito pela plataforma Mulheres Negras Decidem, em 2014 apenas 2,5% das despesas de todos os candidatos ao Legislativo estavam relacionados a candidaturas de mulheres negras. Como consequência direta, a elegibilidade total neste grupo foi de apenas 1,6%. O Brasil está em 155º lugar em participação feminina no Poder Legislativo, segundo lista atualizada da União Parlamentar (UIP). Com este índice o Brasil ocupa o posto de país com menor representação parlamentar feminina na América do Sul.

As pautas da Frente visam fortalecer estratégias articuladas para o enfrentamento às ofensivas de retiradas dos direitos das mulheres, a exemplo das ameaças sem trégua à Lei Maria da Penha. Hoje existem 95 iniciativas de lei tramitando no Congresso Nacional para alterar a lei. Na maioria, no sentido de enfraquecer sua capacidade de prevenção e enfrentamento à violência às mulheres; e atacar os direitos sexuais, a autodeterminação e justiça reprodutiva das mulheres. Está em curso também a criminalização dos povos e das mulheres indígenas, por meio do projeto de lei 119/2015, de autoria da bancada fundamentalista. Se não bastasse, há ainda duas dezenas proposições legislativas que querem criminalizar os movimentos sociais, nos equiparando a terroristas. 

Essas são algumas das agendas que tramitam hoje no Congresso Nacional e a Frente é uma resposta a essa realidade, impulsionada através do diálogo mais próximo entre ativistas de movimentos de mulheres e organizações feministas, de  diferentes instâncias nacionais, com mulheres parlamentares. Apesar de eleitas num contexto político histórico do avanço da presença de mulheres no Legislativo, ainda são muitos os desafios diários ligados à dinâmica das casas legislativas firmada em rituais patriarcais e racistas, que são violentos e provocam o isolamento das mulheres que ousam assumir o protagonismo da história política, como diz Chimamanda na citação acima, Mulheres poderosas. A luta das mulheres é voz do sentimento de transformação destes novos tempos. A luta das mulheres conduz o país a resistir e lutar, convoca toda sociedade a se organizar em defesa da luta por direitos. Apostamos que várias gerações de mulheres feministas vão contribuir para renovar o rosto da política que acreditamos, para que ele seja negro, indígena, jovem, periférico e livre!


Ingrid Assunção Farias é antiproibicionista, abolicionista, nordestina e feminista negra periférica. Coordenadora da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, integrante da Rede Latino Americana de Pessoas que Usam Drogas e parte do coletivo A Quilomba.

A semana também será marcada pelo lançamento da Frente Parlamentar Feminista e Antirracista com Participação Popular, composta por movimentos feministas e parlamentares numa iniciativa inovadora e pioneira na América Latina. A frente tem como finalidade garantir os direitos para as mulheres enfrentando as desigualdades de raça e etnia, da heteronormatividade e do capacitismo. Um marco na resistência à ofensiva conservadora, autoritária e fundamentalista contra os direitos das mulheres e na promoção de uma legislação igualitária, não sexista, não racista, não capacitista, não LGBTIfóbica e laica.

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