terça-feira, 17 de março de 2020

Bolsonaro não liga se morrerem meio milhão, desde que ele, em sua pretensão, não perca a reeleição. Análise em artigo de Cíntia Alves


A irresponsabilidade de Bolsonaro diante do coronavírus tem motivo: medo de "afundar" a economia e perder apoio. Sua preocupação não está na UTI, está na urna
Por Cíntia Alves, no GGN



Jornal GGN A postura irresponsável de Jair Bolsonaro e seu governo diante da crise do coronavírus no Brasil tem razão de ser, e ela ficou bastante clara em dois momentos desta segunda (16): na entrevista do presidente ao jornalista José Luiz Datena, da Rádio Bandeirantes, pela manhã; e no bate-papo de Paulo Guedes com a equipe de reportagem da Folha de S. Paulo.
Nas duas situações, o governo expressou preocupação sobretudo com as consequências do coronavírus sobre os números de uma economia que já vai mal das pernas. O impacto humano foi jogado para segundo plano.
Pouco importa se já existem estudos, como o da Universidade de Oxford, que projeta que o Brasil chegará a mais de 470 mil mortes caso as autoridades não adotem as medidas necessárias para frear a taxa de contaminação e evitar um colapso no sistema de saúde.
A preocupação de Bolsonaro não está na UTI, está na urna.
Porque a sobrevivência de Bolsonaro é uma questão matemática. Depende da multiplicação de três fatores principais: governabilidade (ou vontade política para deflagrar o impeachment), base jurídica que sustente o processo (e Bolsonaro preenche uma cartela de bingo de crimes de responsabilidade como ninguém) e apoio popular (que oscila ao sabor da economia real).
Se um dos três fatores tiver peso zero, a equação é anulada. Mas constando os três elementos, chega-se ao que os cientistas políticos chamam de “tempestade perfeita”.
A tentativa de reeleição igualmente depende de alguns desses fatores.
Bolsonaro pode continuar apostando no tiroteio público com os demais poderes, mas sem os resultados econômicos e sem apoio popular, não haverá reeleição.
O isolamento social, fechar comércios e fronteiras, tudo isso antecipará o impacto do coronavírus sobre a economia e só aumentará sua rejeição. E é por isso que Bolsonaro prefere negar a gravidade do assunto.
Ao Datena, ele disse: “Você vai acabar com o comércio no Brasil que em grande parte está na informalidade. Vamos ter um caos muito maior do que pode ocasionar esse vírus aqui no Brasil. É essa a preocupação que eu tenho: se a economia afundar, afunda o Brasil. E qual o interesse? Se afundar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder.”
Foi de caso pensado, portanto, que Bolsonaro transitou pelas ruas no domingo de protestos inconstitucionais, e apertou a mão e tirou fotos com apoiadores aglomerados em frente ao Palácio do Planalto. “Sem arrependimentos”, ele disse.
A mensagem passada é que a vida segue “normalmente”, não há motivos para “histeria”, quarentena é “escolha” e o presidente escolheu ignorar a prudência.
O cara que deveria dar o exemplo está mais preocupado com o custo político: O que está em jogo é uma disputa política por parte desses caras. Eu estou sozinho em um canto. Sozinho, apanhando de todo mundo! Grande parte da mídia, muitos governadores, os chefes dos poderes legislativos batendo em mim o tempo todo. É uma luta de poder. Está havendo um superdimensionamento dessa questão do coronavírus]. Eu não posso parar a economia!
De Paulo Guedes, na Folha, o endosso: “Muita gente no governo achava que a coisa ia bater aqui em maio, e não deveríamos ser tomados pela neurose antes da hora, para não parar a economia antes da hora.”
No fundo, a aparente paralisia temporária do governo, ao custo inicialmente estimado em quase meio milhão de vidas, é o projeto pretendido.

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