quarta-feira, 18 de março de 2020

Uma explicação didática sobre por que o crash (e estouro da bolha) dos mercados vai prosseguir, por Luis Nassif


A bolha já estava prestes a estourar, quando aparece o problema coronavirus, trazendo uma expectativa de queda mais aguda ainda no faturamento das empresas. Uma queda na previsão de faturamento provoca uma queda mais que proporcional no valor da companhia.

Há pontos em comum entre a crise de 2008 e a crise atual.
Houve um intenso processo de acumulação de riqueza financeira. Em parte, devido à mudança de paradigmas e à disseminação de empresas tecnológicas. Em parte, devido ao próprio processo de cartelização da economia mundial, dominado pelo capital financeiro. Mas muito, devido ao excesso de liquidez, de dinheiro sobrando no mercado, que beneficiou muito mais as empresas líderes de setor do que seus concorrentes, favorecendo a concentração.
Até  2008, a liquidez era garantida pela simbiose entre aumento do endividamento nos Estados Unidos, financiado pela compra de títulos americanos pela China. Esse movimento dava fôlego para o Tesouro garantir o crédito abundante nos EUA que, por sua vez, ajudava a aumentar a compra de produtos chineses e a produzir bolhas no mercado financeiro.
Foi um movimento que transcendeu o comportamento da economia real, produzindo um valor financeiro das empresas muito vezes superior ao valor real do negócio.
O que é o valor real do negócio? É o valor equivalente ao faturamento esperado da empresa durante um determinado período, trazido a valor presente por uma determinada taxa de juros que o comprador aceita pagar.
Se o comprador quiser uma rentabilidade maior, exigirá um preço menor. Se aceitar uma rentabilidade menor, aceitará pagar um preço maior. É esse mecanismo que provoca uma valorização dos ativos reais sempre que as taxas de juros caem.
Depois da crise de 2008, houve outro movimento enorme de liquidez. Os recursos serviram especificamente para resolver inadimplência do setor financeiro e do mercado em geral. Mais uma vez, a economia real caminhava lentamente. Grandes volumes de recursos se acumularam na tesouraria das grandes corporações, sem que resultassem em aumento dos investimentos. Se a riqueza financeira não cria riqueza real, na forma de novos ativos, o resultado óbvio é aumentar o preço dos ativos existentes.
Além disso, o modelo de remuneração dos executivos criou uma enorme armadilha.
  1. Sua remuneração passou a ser participação em resultados e compra preferencial de ações da companhia.
  2. As metas a serem alcançadas incluíam faturamento da companhia mas, principalmente, seu valor de mercado.
    Nesse modelo, as sobras de caixa passaram a ser utilizadas para recompra de ações da própria companhia, com um duplo propósito: de um lado, proporcionavam valorização nos preços das ações, ajudando a cumprir as metas; de outro, permitia aos executivos negociar suas ações no mercado, a preços valorizados.
Mais do que isso, com a liquidez abundante e taxas de juros historicamente baixas, houve um enorme processo de alavancagem (endividamento das empresas) para adquirir ações da própria empresa ou concorrentes.
O resultado objetivo foi a ampliação da concentração e do deslocamento da riqueza financeira em relação à riqueza real. Ou seja, uma bolha disseminada por todos os mercados.
A bolha já estava prestes a estourar, quando aparece o problema coronavirus, trazendo uma expectativa de queda mais aguda ainda no faturamento das empresas. Uma queda na previsão de faturamento provoca uma queda mais que proporcional no valor da companhia.
Explico: pela lógica se a receita de uma empresa cai 30%, seu valor deveria cair 30%. Não é isso que ocorre. O que vou mostrar é que nos modelos de negócios, se o faturamento cai 30%, o lucro cai muito mais e o valor da empresa mais ainda.
Acompanhe o raciocínio (os números foram chutados apenas para descrever o fenômeno da desalavancagem.
Imagine uma empresa com
  • 100 de faturamento,
  • 35 de custo fixo,
  • 35 de custo variável,
  • e lucro de 30.
  • E imagine um preço de mercado correspondendo a 15 vezes seu lucro líquido, ou 450.
Ai, supus uma queda de vendas de 30%.
  • O faturamento cai para 70.
  • Os custos fixos permanecem em 35.
  • Os custos variáveis caem 30% e vão para 24,5.
  • O que sobra – 10,5 – é o novo lucro.
  • Ou seja, o faturamento cai 30% (de 100 para 70), mas o lucro despenca 65% – de 30 para 10,5.
Mais que isso. Houve a quebra da corrente, o furo da bolha e os multiplicadores acabam caindo também, acompanhando a onda de pessimismo do mercado.
Supondo que os multiplicadores de preços caiam de 15 para 8 vezes, o valor da companhia cairá de 450 para 84, uma queda de 81,3%,
Por aí, dá para entender o crash que está derrubando todos os mercados. Desde o começo do ano, a AB Inbev perdeu 50% do seu valor. Outras acompanharam.
Por aí se entende que a queda dos mercados não irá parar. Há muita gordura para queimar, o que levou operadores de todo mundo a pedir o fechamento das bolsas por tempo indeterminado.

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