terça-feira, 24 de março de 2020

Fundamentalismo neoliberal pró-Mercado de Guedes e Mansueto gera crise financeira, por Luis Nassif




Somando dois fundamentalistas, o resultado foi a maior crise do mercado de ações desde fins dos anos 80, grande parte dela por barbeiragem
O Secretário do Tesouro Mansueto de Almeida é um fundamentalista. Por tal, entenda-se a pessoa que se outorga uma missão e passa por cima de todas as normas de bom senso para cumpri-la a ferro em fogo. Dependendo do poder que recebe, pode quebrar empresas ou países.
Paulo Guedes é outro. É o economista que aposta que se forem cortadas as despesas do governo até abaixo da subsistência, o país se salva. É uma conta impossível. Quanto mais corta as despesas, mais derruba a atividade; quando mais cai a atividade, mais cai a receita, obrigando a mais cortes de despesas.
Somando dois fundamentalistas, o resultado foi a maior crise do mercado de ações desde fins dos anos 80, grande parte dela por barbeiragem. É maior que a que foi cometida por Arminio Fraga e Luiz Fernando Figueiredo em 2001.
Explico.

Momento 1

A base da liquidez do mercado é constituída por moeda em poder do público,depósito à vista, títulos do Tesouro. Quando alguma instituição está com problemas de liquidez – por exemplo, cotistas querendo sacar seus investimentos -, tem esses três instrumentos para lhe prover liquides. Isto é, permitir a ela pagar o cliente no resgate.

Momento 2

Quando começou o nervosismo no mercado, as instituições fizeram o óbvio: passaram a vender títulos do Tesouro para fazer caixa e ressarcir os investidores.

Momento 3

Ocorre que, quando há muita venda de título no mercado, o preço do título cai, e as taxas de juros sobem.
Explico.
  • O título tem valor de face 100.
  • O vencimento é em um ano.
  • Se a taxa de juros estiver em, digamos, 6% ao ano, o preço do papel será de R$ 94,34.
  • Ai aumenta a venda de títulos. Pela lei da oferta e da procura, o preço cai para, digamos, R$ 93,00.
  • Se compro a R$ 93,00 para receber R$ 100,00 no final de um ano, significa que a taxa ano subiu para 7,5%.
Resgate R$  100,00
Taxa ano6%
Prazo365
Valor presente R$    94,34
Resgate R$  100,00
Taxa ano7,5%
Prazo365
Valor presente R$    93,00
Aí, o que faz o Tesouro? Viu que a taxa estava subindo e fechou negociação, impediu qualquer negociação para que o aumento dos juros não batesse no estoque da dívida. Para resolver um mero problema contábil – o aumento contábil do valor da dívida em um momento de stress – Mansueto espalhou o pânico pelo mercado.

Momento 4

Sem poder vender os títulos, as instituições passaram a vender as ações. E aí o mercado desmoronou. Vendo o mercado desmoronar, aumentou a corrida por resgate, piorando ainda mais a situação.
Desde 2002, o valor dos fundos é apresentado com a chamada marcação a mercado. Isto é, refletindo as mudanças diárias nos preços dos papéis e das ações. Com esse enorme descompasso, criaram-se situações complicadas.
Há o caso de um grande banco, administrando um fundo com R$ 350 milhões em NTN e LFT, mais um prédio na Avenida Paulista. Hoje em dia, se somar todas as cotas, ele não tem nem R$ 300 milhões de Patrimônio Líquido.
Uma administradora resolveu fechar a possibilidade de saques, apresentando aos cotistas a seguinte conta:
  • A cada R$ 1 milhão em ativos vendidos nos níveis atuais de preços, teríamos um prejuízo para o fundo de cerca de R$ 120.000,00.
  • Portanto, em uma solicitação de resgate de R$ 10 milhões, o fundo teria sua rentabilidade seriamente comprometida, levando a um retorno de cerca de -250% do CDI no mês de Março.

Momento 5

Aí entra a B3 – a bolsa onde são negociados os contratos futuros.
Em muitos casos, havia investidores que atuavam alavancados em dólares – isto é, tomando empréstimo em dólares para aplicar no mercado. Digamos que o investidor aposta em uma cotação futura de 100. E vende a futuro por 90, esperando ganhar 10 se, no vencimento, a aposta estiver correta.
Se o mercado despenca, e o preço da ação cai para, digamos, 60. Aí ele terá que depositar a margem, ou seja, a diferença de 30.
Quando as bolsas despencaram e o dólar explodiu, houve a chamada de margem. E aí o especulador não tinha mais condições sequer de pagar o empréstimo original, quanto mais de cobrir a margem.
Em países mais cuidados, as bolsas passaram a proibir operações a descoberto, para impedir jogadas especulativas perigosas. Por aqui, a B3 deixou correr solto, para faturar em cima da corretagem dos desesperados.

Momento 6

O Banco Central tem um presidente limitado, Roberto Campos Neto, que ao menos passou pelo mercado.
Imediatamente tomou duas atitudes, uma positiva, outra negativa. A positiva foi anotar o celular de cada instituição financeira, colocar no WhatsApp e pedir informações sobre qualquer agente que estivesse com problemas de liquidez. É um pré-mapeamento importante, para se antecipar aos problemas.
Mas, ao mesmo tempo, ajudou a pressionar ainda mais o mercado. Lá fora, os Bancos Centrais estão comprando títulos nas carteiras dos bancos para aliviar os preços. Por aqui, o BC não apenas não comprou, como criou um movimento pró-cíclico – isto é, que acentua os problemas.
Caindo os preços dos ativos, a remarcação a mercado derruba o patrimônio dos bancos. Ocorre o desenquadramento passivo – isto é, cai abaixo do permitido pela relação patrimônio/ativos. Caindo o patrimônio de referência, o banco é desesnquadrado e obrigado a vender mais papéis.
Para completar a chamada tempestade perfeita, o único desafogo do mercado era a queda das taxas de juros longas – que lhes permitiria tomar algum dinheiro mais barato. Mas com a explosão do câmbio e do risco Brasil, as taxas passaram a subir.
Justamente por isso, a única saída de algumas instituições foi fechar a porteira, parar de atender aos pedidos de resgate dos cotistas.
O primeiro desafogo ocorreu quando Roberto Campos Neto chamou Mansueto para um almoço e o convenceu a não ser tão inflexível.
Hoje, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou o BC a aceitar debêntures de instituições financeiras como garantia de empréstimos.
Havendo um mínimo de competência, há condições de reverter a crise que se prenuncia.

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