terça-feira, 24 de março de 2020

Manifesto para um programa de emergência para a superação da crise econômico-sanitária de 2020


Professores do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ abaixo assinados se unem aos esforços intelectuais e políticos que vem sendo realizados em todo o Brasil para sublinhar a gravidade e complexidade da crise atual.

da UFRRJ

O governo Bolsonaro, com apoio de Alcolumbre e Maia, ao contrário do que faz todo o mundo, anunciou medidas legais que dão as bases jurídicas para que a economia brasileira aprofunde as tendências recessivas da crise econômico-sanitária. A MP que permite a suspensão de salários no setor privado, pelos próximos meses, somada à PEC emergencial, que prevê a redução dos 25% dos salários dos servidores púbicos das três esferas de governo, afetam diretamente aos trabalhadores. Unidas aos obstáculos legais e administrativos para que os mais pobres tenham acesso aos programas sociais e à previdência, as medidas dão um choque negativo de demanda que vai provocar um desemprego crescente, agravando as restrições de oferta impostas pela estratégia de isolamento social interminável para combate ao coronavírus. 
Esse programa de aprofundamento da crise econômico-sanitária patrocinado pela direita brasileira e pelas demais forças que apoiam o governo, demonstra que a combinação da incompetência, da falta de visão, da subserviência e de interesses mesquinhos são o caminho certo para a miséria e todos os seus males, para a forte regressão de um sistema produtivo já em decadência e para uma escalada autoritária.    
Nesse sentido, professores do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ abaixo assinados se unem aos esforços intelectuais e políticos que vem sendo realizados em todo o Brasil para sublinhar a gravidade e complexidade da crise atual, mas, também, afirmar alternativas democráticas muito superiores ao que o governo federal propõe para vencer a crise econômico-sanitária, apresentando o seu

Manifesto para um programa de emergência para a superação da crise econômico-sanitária de 2020

O ano de 2020 começa com um desafio extraordinário para as políticas públicas. O mundo e o Brasil se defrontam com uma crise de duas dimensões. De um lado, já se manifesta uma crise financeira de grandes proporções, cuja origem remonta à modéstia das reformas do sistema financeiro desde 2008 e avança nos países que se abraçaram à austeridade. Suas consequências mais imediatas são a tendência à queda da demanda agregada, ao aumento da inadimplência e do desemprego e à redução dos investimentos. De outro, temos a eclosão da pandemia do coronavirus diante de sistemas de saúde debilitados pelo sub-investimento decorrente de políticas de austeridade e da desvalorização da saúde pública. A estratégia de isolamento social indefinido para combatê-la não só afeta gravemente a já debilitada demanda de bens e serviços como impõe, imediatamente, restrições severas na oferta. Se a crise econômico-sanitária nos mostra, mais uma vez, que as economias de mercado, deixadas por si, tendem a colapsar, desta vez, contudo, as políticas expansionistas, que tradicionalmente são empregadas para salvá-la, esbarram na inevitável crise de oferta que se vislumbra com a pandemia. A crise de oferta e demanda é intolerável e insuportável. Se prosperar, como é a tendência, o desemprego, a fome, a violência e a peste – não apenas o coronavírus! – vão assolar o mundo.
Não é trivial lidar com a combinação de crise de demanda com restrições de oferta. A adoção de medidas de combate à esta crise é extremamente complexa. Complexidade, no entanto, não significa impossibilidade. Exige o reconhecimento de que respostas simples serão completamente insuficientes para combater a crise econômico-sanitária. Medidas financeiras/monetárias e fiscais, em grande escala, deverão ser colocadas em prática em tempo rápido, mas não lograrão efeitos positivos sem o essencial o cuidado com o planejamento econômico e a coordenação de políticas públicas para lidar com a restrição de oferta. O despreparo do governo federal para lidar com a complexidade do quadro fica evidente pela superposição de medidas, muitas vezes contraditórias e que se revelam insuficientes já no dia seguinte.  Apenas com expansionismo e com o planejamento econômico ambicioso será possível mitigar os efeitos financeiros e econômicos da crise econômico-sanitária e gerar os meios para combater a pandemia.
No Brasil, será fundamental reconhecer que as desigualdades sociais, que pioraram nos últimos anos, deverão ser levadas em conta no planejamento. Situações de carência material extremas não apenas são inaceitáveis, mas introduzirão muitas dificuldades na contenção da pandemia. Estima-se que, apenas na cidade de São Paulo haja 50 mil moradores de rua. No Rio de Janeiro, cuja população de rua registra números crescentes, mais de 20% da população more em favelas incrustradas na cidade. Esse quadro, que se reproduz nas aglomerações urbanas em todo o país, se soma à grande pobreza rural. Essas populações, que sofrem em tempos de normais, que sofrem ainda mais nas crises, serão ainda mais duramente atingidas pelo COVID-19 porque são privadas de condições sanitárias adequadas e sujeitas a serviços públicos de saúde pública claramente insuficientes. A partir do momento em que forem afetadas, será razoável esperar o aumento na taxa de contaminação pelo COVID-19.  Não apenas os grupos sociais de baixa e baixíssima renda sofrerão as piores consequências, mas, desta vez, mais do que nos episódios de crises econômicas, a fragilidade das grandes populações vulneráveis será uma ameaça para o conjunto da sociedade. A coordenação das medidas, orientada pela solidariedade, deve partir do reconhecimento de que a crise econômico-sanitária é de todos para que não dê lugar às inúteis e perversas segregação e à violência.   
Seguem algumas medidas gerais que sugerimos para impedir que a crise econômico-sanitária seja combatida e que apareça, rapidamente, uma oportunidade de saída. Elas se alinham ao crescente consenso em torno da urgência de que o governo federal no Brasil tenha maior ousadia e adote, sem timidez, mas democraticamente, o expansionismo, a distribuição e o planejamento.  
Financeiro/monetário
Idealmente, não se deve permitir que os fluxos financeiros sofram rupturas neste momento.  Deve-se afastar ao máximo a possibilidade de que as expectativas empresariais de insolvência ganhem corpo e se desdobrem em efeitos depressivos. Tais efeitos, como as demissões em massa, em uma economia já combalida como a nossa, aumentarão a insegurança e o desespero já em cena pela ameaça direta à vida trazida pelo coronavírus. Jogar o dinheiro de helicóptero não é a solução, pois há também o desafio de prover bens e serviços, com ênfase no combate ao coronavírus. 
Para tanto, é necessário garantir ao sistema bancário que os problemas de falta de liquidez, e até mesmo da insolvência, provocados pela inadimplência temporária, serão sanados pelo Banco Central com custos desprezíveis. Essa missão tradicional das autoridades monetárias será importante para a saúde financeira dos bancos, mas claramente insuficiente se não for transformada em operações de crédito. E tais operações de crédito, em condições muitíssimo favoráveis, deverão ser voltadas para o resgate da saúde financeira das empresas, mas condicionadas à manutenção de empregos.  
O crédito às empresas deve ser concedido em volumes generosos, com juros baixos, desde que seja para a renegociação de todas as obrigações de curto prazo, as que vencem nos próximos 6 meses – tempo estimado para o fim da pandemia –, incluindo todas aquelas necessárias para melhorar radicalmente as condições sanitárias no ambiente de trabalho. O objetivo é ampliar a produção e o funcionamento das empresas sem prejudicar o combate à pandemia. Além de garantir a demanda agregada e os empregos, a paralisação da economia com o isolamento social tem de ser evitada na máxima extensão possível para gerar oferta. Para tanto, é necessário agir com inteligência e gastar bastante para aumentar a segurança nas condições de trabalho. O ataque com políticas públicas às tendências, normais em economias de mercado, de queda de demanda e de choques de oferta, nessa crise econômico-sanitária, é crucial para evitar o pânico. 
Garantir o pagamento de salários, impostos e tarifas públicas, dívidas com fornecedores e cobrir os gastos com condições sanitárias adequadas será crucial. As linhas de crédito seriam condicionadas à manutenção – ou, quem sabe, aumento – do nível de empregos formais de 8 horas diárias, e a melhoria das condições sanitárias pelo prazo de duração do financiamento. 
Nenhuma empresa seria obrigada a tomar essa linha de crédito, em condições favoráveis, contra sua vontade. No entanto, a condição que as empresas têm de obedecer se quiserem se servir dessa linha de crédito é não reduzir seu contingente de funcionários e o valor da folha de pagamentos até a quitação total do financiamento. A penalidade seria o vencimento antecipado das suas obrigações com juros punitivos. Para o empresário, quando mais longos os prazos do financiamento, mais suaves serão as suas prestações, mas maior o tempo em que se obrigariam a manter funcionários empregados. Os incentivos poderiam ser ainda maiores para o alargamento do financiamento, com juros mensais menores na medida em que os prazos de financiamento forem maiores. 
Uma dificuldade é saber se os bancos privados poderão ter interesse nesse tipo de financiamento, mesmo que os bancos centrais os financiassem a custos muito baixos, o que incluiria juros baixíssimos e a determinação de que os financiamentos emergenciais não consumissem capital, para efeito do cálculo do índice de Basileia. Claro, para assegurar o sucesso desse programa, os bancos públicos deveriam estar preparados para conceder créditos em volumes suficientes em condições generosas e previamente determinadas, aumentando a pressão competitiva sobre os bancos privados, que possivelmente teriam seu apetite aumentado pela manutenção da SELIC em patamares baixos. 
Essa modalidade de financiamento poderia ser estendida, ainda, às famílias. De modo similar ao que se faz com as empresas, a linha de crédito deve mirar o pagamento de empregadas domésticas, impostos e tarifas públicas, além da renegociação de dívidas por um período equivalente, mesmo durante o período de isolamento social. A obrigação da família deveria ser semelhante a das empresas, isto é, manter as empregadas domésticas formalizadas, recebendo em dia, pelo período de duração do financiamento.    
Se essas medidas forem implementadas, elas mirarão nas dificuldades urgentes de empresas e famílias, mas gerarão efeitos macroeconômicos positivos que poderão se perpetuar. Assim, se as empresas e famílias conseguirem pagar seus fornecedores, suas contas de água, luz e outros serviços, tributos e, principalmente, os salários de seus funcionários, as famílias e as empresas acabarão sendo beneficiadas pelo crescimento da renda. Mais, ainda, é preciso incluir nessa linha de financiamento a aquisição de máscaras, luvas e equipamento de segurança, higiene e limpeza para assegurar condições de trabalho e aumentar as condições para que as empresas voltem a funcionar sem que se tornem vetores que acelerem a transmissão do vírus. Trata-se de combater, simultaneamente o choque de oferta e demanda a partir da organização existente da produção. 
Se o governo liderar essas ações com determinação e generosidade, a sociedade se tornará mais confiante, empresas e famílias quererão manter seus funcionários e pagarão suas despesas financeiras ligadas ao programa. As empresas fornecedoras de serviços públicos terão receitas garantidas e a arrecadação de tributos e contribuições será mantida, melhorando a saúde financeira dos entes federativos.
As demais linhas de financiamento, desde aquelas voltadas para o investimento até a aquisição de bens de consumo poderiam ser também facilitadas. Evidentemente, o financiamento de atividades consideradas essenciais no combate ao Corona vírus, como expansão da indústria farmacêutica, higiene e limpeza, ou da indústria ligada ao saneamento, desde que tenham que cumprir alguma missão designada pelas decisões políticas do sistema de planejamento, poderiam contar com vantagens adicionais, como juros baixíssimos, carências e prazos dilatados. Como já mencionado acima, os gastos com a manutenção de condições sanitárias ideais nas empresas e nas famílias devem ser indubitavelmente privilegiados.
Por fim, cabe dar um tratamento cuidadoso à Bolsa de Valores. Muitas pessoas e até economistas consideram, com alguma razão, que a Bolsa de Valores é um cassino e que, como em todo cassino, se quebrar, deve ser assunto tratado entre apostadores e gangsters. Em que pese a falta de simpatia popular pela Bolsa de Valores, o fato é que  em vários países, é nesse espaço que se negocia a propriedade em empresas relevantes, como, no nosso caso, a Petrobrás e a Vale. Além disso, a Bolsa de Valores, mesmo no Brasil, tem potencial, que não pode ser desperdiçado, de se tornar uma alternativa para o funding do investimento.  
Recentemente, o BNDES vendeu ações da Petrobrás. Por coincidência, vendeu na alta, obtendo lucros que salvaram seu pífio desempenho recente com operações de financiamento de longo prazo. Agora que os preços das ações, incluindo os da própria Petrobrás, estão na bacia das almas, o BNDES deveria, imediatamente, recomprar as ações ordinárias e preferenciais da Petrobrás, bem como colocar em prática a compra de ações de outras empresas estratégicas para o desenvolvimento. Sabe-se que o governo atual não se comoverá com o argumento de que a recompra das ações dará ao Estado maior controle sobre as empresas estratégicas. Contudo, um argumento mais mesquinho poderia sensibilizar a favor da recompra de ações: a recomposição da carteira propiciaria maiores lucros no futuro para o BNDES, passada a atual crise das commodities, elevando o resultado primário e o lucro da instituição. 
Mesmo que a motivação tenha essa origem mais baixa, um banco de desenvolvimento que pretende fortalecer o sistema bancário privado e o mercado de capitais não pode desprezar o valor da estabilização da Bolsa, ainda mais nessa crise econômico-sanitária. Agindo como um market-maker, anunciando a compra de ações até um preço fixo e até um volume relevante, calculado a partir dos seus muitos recursos ociosos e de linhas especiais abertas pelo Banco Central para essa finalidade, o BNDES ajudaria a estabilizar as cotações, com efeitos positivos: 1) daria mais tranquilidade aos bancos que tem essas ações como garantias de financiamentos concedidos às empresas; 2) reduziria as perdas de fundos e investidores em geral, mitigando a pressão desses agentes, em busca de liquidez, sobre os mercados financeiros já combalidos; 3) reestabeleceria a confiança do público em investidores institucionais que se arriscam em mercados diferentes dos de dívida pública. 
Por fim, se o BNDES for determinado e fizer um anúncio à altura do desafio, os preços das ações-alvo poderiam subir e se estabilizar sem que, necessariamente, fosse levada a cabo a intervenção maciça anunciada. Exerceria, assim, mais facilmente o seu papel, pelo efeito positivo sobre as expectativas, de estabilizar a bolsa de valores. Contribuiria, ainda, para contrariar a visão consolidada no Brasil de que a Bolsa de Valores, em particular, e o mercado de capitais, em geral, operam como cassinos que jamais poderão ser uma alternativa de funding do investimento.    
Essas medidas, unidas a uma política fiscal mais agressiva, contrariam a tendência de economias de mercado em situações de estresse/crise, que é explodir em uma crise financeira e promover a desmobilização produtiva. Já o que faz o governo Bolsonaro, com apoio decisivo de Maia e Alcolumbre, é seguir estupidamente a receita do desastre, criando a base jurídica para a tendência ao colapso de economias de mercado, favorecendo o desemprego, a redução da renda dos trabalhadores. Enfraquecem a demanda agregada, numa espiral negativa que trará consequências sociais e políticas que não podem ser projetadas sem o recurso a imagens de horror.    
Fiscal
A crise do Corona será muito grave se medidas emergenciais e bem direcionadas não forem tomadas. A desejada vacina e os necessários medicamentos para a cura ainda não estão disponíveis. Mas há carências que poderiam ser progressivamente amenizadas com decisão política de encomendar bens e serviços. A produção de luvas, máscara, álcool em gel, paracetamol, demais equipamentos básicos de segurança, não só para profissionais de saúde, de segurança pública, como, também,   para os demais trabalhadores (coleta de lixo, limpeza urbana, logística, comércio e indústria), poderia ser estimulada por meio do compromisso de aquisição ilimitada, pelo governo, dos bens e serviços elegíveis. Essa decisão facilitaria o planejamento das cadeias produtivas, aumentando a confiança empresarial necessária para a produção e os investimentos, incluindo tanto aqueles necessários para a reconversão de fábricas e instalações como os exigidos para a reativação daquelas ociosas, visando deslocar para cima a restrição de oferta de bens e serviços. 
A aquisição ilimitada de bens e serviços, direta e indiretamente necessários para o combate à pandemia, requer que, de um lado, seja fortalecido o crescente consenso de que não é hora de obedecer ao Teto de Gastos, à Regra de Ouro e à LRF. A falta de recursos financeiros para a aquisição de serviços e bens, prioritariamente produzidos no país, é simplesmente uma tolice crescentemente reconhecida e não deveria servir de justificativa para o avanço de PECs cujo objetivo é cortar os gastos. Os políticos que patrocinarem medidas que enfraquecerão a demanda e aumentarão a insegurança das pessoas, serão marcados, corretamente, como inimigos do povo por arremessarem a sociedade no caos econômico, social e político que ainda não experimentamos. 
De outro lado, estamos em uma fase em que se observa que as livres forças de mercado podem produzir desastres de oferta. Macroeconomicamente, os anos de investimentos estagnados, o acúmulo de capacidade ociosa, o elevado desemprego e a fragilidade do sistema de saúde – reconhecida pelo ministro Mandetta – mostram como recursos empregáveis podem permanecer inutilizados. No entanto, no caso da crise econômico-sanitária, a escassez de máscaras, álcool em gel, paracetamol e hidroxicloroquina demonstra que a demanda motivada por fins especulativos e pelo pânico pode causar distorções com consequências sociais gravíssimas, como o mal funcionamento dos serviços de saúde e a distribuição de produtos falsificados para a população que colocam em risco a vida. Assim sendo, garantida a demanda ilimitada pelo amplo conjunto de bens e serviços voltados direta e indiretamente ao combate à pandemia, é preciso regular e planejar as atividades durante o combate emergencial ao coronavirus em condições adversas. 
No caso da infraestrutura, ginásios esportivos, templos religiosos e galpões ociosos devem ser urgentemente adaptados para que seja possível dar tratamento básico aos acometidos de doenças. Construções rápidas e a abertura de tendas médicas devem ser estimuladas. A contratação de pessoal preparado e que pode ser rapidamente treinado para tarefas auxiliares tem de estar em tela. Claro que não só essas medidas como as anteriores são mencionadas por nós, não especialistas em tema de saúde, a título de exemplo. São os especialistas no tratamento do coronavírus e em saúde coletiva que devem apontar o conjunto de necessidades. O ponto aqui é sublinhar que não se deve esperar que o mercado ou o acaso resolvam tempestivamente, e na escala necessária, as dificuldades enfrentadas. 
Além da infraestrutura médica, devem ser tomadas medidas que facilitem o transporte de cargas e intensifiquem a limpeza de ruas e dos meios de transporte de carga e pessoas são urgentes. Há crescentes relatos de que os trabalhadores nesses serviços essenciais estão desprotegidos, que as condições de higiene e limpeza estão se tornando precárias, aumentando riscos de contaminação mesmo em condições de isolamento social.    
Uma advertência que fazemos é que a timidez das ações que devem ser tomadas imediatamente pode tornar o autoritarismo a regra para tratar da escassez e da pandemia, aumentando o  pânico. É melhor que as autoridades não se deixem guiar pelos cenários mais modestos, que se pareçam, à luz do que se experimentou até hoje, razoáveis. Essa é a receita do caos e do desastre para situações extraordinárias, porque cria situações de escassez desnecessárias e diminui a confiança do povo nos governos. As autoridades devem se antecipar aos cenários mais improváveis, sem se preocupar com o risco do superdimensionamento. Os planejadores devem procurar atender às necessidades tomando todas as medidas para aproveitar recursos ociosos e adaptar aqueles que poderiam ter melhor emprego, explorando ao máximo as possibilidades que vão se apresentando.  A obediência a regras fiscais impostas pelos defensores de políticas de austeridade, em nome da estabilidade do mercado financeiro, já se demonstravam antes um erro e um desperdício de oportunidades de crescimento. O programa neoliberal aumentará ainda mais as defasagens no sistema produtivo, já dando sinais de colapso no sistema de tratamento do covid-19 e na oferta dos demais bens e serviços necessários.   
O planejamento contribui com a demanda e na oferta de serviços. O sistema produtivo brasileiro, devidamente organizado para os fins de combate ao coronavírus, pode dar mais para amenizar enormes necessidades atuais. Por exemplo, a produção de álcool 70, que não tem sido encontrado com facilidade, em uma escala superior à atual, não deveria ser uma dificuldade relevante para o maior produtor de álcool do mundo, para um dos maiores produtores de bebidas  e com um sistema de logística urbana bem desenvolvido. Cabe forçar a conversão necessária das instalações, assegurando lucratividade justa aos produtores para garantir a oferta de bens e serviços. 
Não bastasse o corona, um dos problemas mais graves no Brasil é a falta de empregos. O combate ao coronavirus pode ser uma boa oportunidade para se colocar em prática um programa de geração de empregos. Sabe-se que é preciso convocar mais profissionais especializados para a missão, indo de médicos, enfermeiros, motoristas de ambulância, recepcionistas e outros, além de garantir que possam trabalhar com as melhores condições sanitárias que se possa prover. A oferta de condições seguras de trabalho e o pagamento justo não deverá ser de grande dificuldade, especialmente em uma economia com desemprego tão elevado e grande ociosidade industrial. O problema que enfrentamos, que tem solução: a mobilização dessa força produtiva até o limite máximo. Os ganhos sociais seriam enormes. As pessoas empregadas se sentiriam úteis e o nível de renda aumentaria. Mas, para insistir nesse ponto, a mobilização das forças produtivas não pode ser obstaculizada por exigências fiscais tolas. 
Há ainda que se ter atenção e respeito com a massa de famílias pobres e miseráveis, cujos responsáveis são desempregados e subempregados. O governo não apenas tem a obrigação de afirmar que as transferências sociais de quem já as recebe está garantida, como deveria aumentar o público alvo e os valores dos benefícios sociais pelo período que for necessário. Essa é uma medida que ajudará a combater o coronavírus, melhorando as precárias condições materiais dos mais pobres e miseráveis, permitindo-lhes, inclusive, manter o isolamento possível sem a pressão da luta desesperada pela sobrevivência. Ademais, o aumento das transferências ajudará a sustentar a demanda agregada de bens e serviços e os empregos.
Nessa hora mais difícil, infelizmente, mas não de forma surpreendente, podemos testemunhar que as lideranças do Congresso Nacional e a Presidência da República agem no sentido oposto ao que deveria ser feito, favorecendo os mecanismos mais perversos das economias de mercado, ao lhes dar legitimidade jurídica, e atuando contra os interesses da sociedade. Não reconhecem que a reforma trabalhista, ao contrário do que foi prometido, rebaixou os salários e tornou normal o trabalho precário. Não levam em conta que as medidas de austeridade enfraqueceram a economia, debilitando o serviço público, cuja expressão dos nossos tempos é o colapso do sistema de saúde. Precisam ser levados a mudar de posição, diante das limitadas condições da sociedade brasileira enfrentar a crise econômico-sanitária. Tem de ser convencidos a reverter as medidas que nos trouxeram até aqui. Ao invés disso, a realidade, ao menos até o momento, nos diz que a aliança Bolsonaro-Guedes-Alcolumbre-Maia tem se empenhado em apostar no caos.    
Os ajustes fiscais que continuam sendo feitos na forma da introdução de restrições burocráticas à concessão de benefícios previdenciários e ao bolsa-família, prejudicando diretamente os mais pobres. Além disso, Bolsonaro e Paulo Guedes, com apoio irrestrito e decidido de Rodrigo Maia e de David Alcolumbre – miseravelmente infectado pelo COVID-19 – gastam seu capital político para aprovar uma emenda constitucional, a toque de caixa, que visa cortar os salários dos servidores públicos e sustentar uma MP que permitirá a supressão dos salários. Por fim, o governo federal continua insistindo em medidas que serão inúteis do ponto de vista fiscal, mas deixarão sequelas graves para o país, como o corte nas bolsas de pesquisa. Faz-se exatamente o oposto do que se deveria fazer quando a sociedade precisa mais da ciência. É um programa da miséria e da ignorância que tem de ser encerrado e substituído por uma política progressista de combate à crise econômico-sanitária.  
Essas e outras ações contraproducentes não apenas enfraquecerão demanda agregada e agravarão a concentração de renda como, ainda, aumentarão a já elevada antipatia e resistência contra o Congresso Nacional e ao Executivo. Isso é péssimo para o país, pois é precisamente agora que se exige confiança nas autoridades para uma ação conjunta e coordenada que visa combater a crise econômico-sanitária.  
crise econômico-sanitária que vivemos vai exigir dos estados e municípios muito esforço e o fortalecimento das ações federativas. Ocorre que não só não lhes cabe fazer política monetária como não são capazes de gerar recursos financeiros para executar suas políticas. Contudo, a sinalização do governo Bolsonaro-Guedes tem sido péssima, apontando para o ajuste das finanças em vez da sua expansão, para o conflito com os governadores ao invés do planejamento das ações e da cooperação. 
As medidas econômicas, até agora, tem sido uma estupidez que vai nos custar caríssimo em termos de desmobilização econômica. A começar com o fato de que o ajuste fiscal de Estados e Municípios será impossível: a contração esperada do PIB brasileiro vai agravar ainda mais as suas finanças já combalidas pela via da redução das receitas e pelo aumento brutal da demanda de serviços públicos.  Cabe ao governo federal, imediatamente, favorecer os gastos em geral com saúde para que não seja inevitável adotar medidas para conter uma revolta popular que já se pode projetar. 
Na condição de principal credor de estados e municípios, o governo federal deve, desde já, aliviar-lhes o pagamento das dívidas, se antecipando às medidas judiciais como a que garantiu o benefício a São Paulo.  Mas isso será claramente insuficiente: é preciso que patrocine as políticas dos entes, transferindo-lhes recursos em massa, e coordenar, com a maior precisão, as ações, pois, não nos esqueçamos, a crise econômico-sanitária é de demanda e oferta! Aqui o objetivo deve ser mitigar o sofrimento econômico e social e recuperar, o quanto antes, a produção de bens e serviços ao mesmo tempo em que se combate a pandemia.  Isso, a economia de mercado não pode fazer sozinha. 
Na relação federativa, o papel do planejamento é fundamental para assegurar que os resultados das políticas sejam adequados. A segurança pública, as ações rápidas de saneamento, o controle das estradas, das demais vias e a oferta de diversos serviços essenciais, como os de saúde e educação, cabe a estados e municípios. A atribuição clara e pactuada de hierarquias e responsabilidade, orientadas pela minimização de conflitos com as unidades da federação exigirá confiança mútua, que se atinge com negociações sérias, inteligentes, com generosidade fiscal, sempre orientadas pelo conhecimento, em ambiente democrático. 
Infelizmente, o que se vê, é o conflito, com o governo federal tentando manter seu poder por meio da imposição de restrições aos estados e municípios. Isso tem de parar imediatamente.    
Internacional
A solução da atual crise econômico-sanitária, que tem muitas facetas, afetando de forma diferente cada país, exigirá o aprimoramento das relações internacionais. 
Serão necessários acordos comerciais para facilitar e planejar a exportação e importação dos bens e serviços necessários ao combate do coronavirus, planos de contenção de migrações desordenadas e de repatriação, de controle de vetores de contágio, de cooperação técnica e científica além da coordenação de programas financeiros que, ao que tudo indica, serão de larga escala. Entre as áreas de cooperação, um programa global de expansão dos gastos públicos, especialmente aqueles voltados para populações vulneráveis seria crucial. O estímulo a indústrias e infraestruturas especiais que sejam valiosas para a erradicação da ameaça do Corona e de novas pandemias globais devem ser intensificados. A erradicação da habitação em condições precárias, o acesso generalizado ao saneamento e o fortalecimento de sistemas integrados de saúde parecem ser candidatos a ações de curtíssimo, curto, médio e longo prazos em escala internacional. As várias ações, conduzidas por líderes confiáveis e comprometidos com soluções inteligentes será crucial para que se estabeleçam medidas cooperativas e democráticas.
Essa experiência pode ser um embrião para o tratamento de questões globais contra as quais as defesas têm se mostrado limitadas. O combate às mudanças climáticas pela conversão das economias atuais em direção àquelas de baixo carbono, o estabelecimento de estratégias de controle de pandemias e as reformas financeiras visando a mitigação de crises internacionais estão na agenda, ainda que seu apelo seja muito grande quando se tornam eventos e percam interesse nos demais momentos. Evidentemente, para levar adiante uma agenda robusta, exige-se liderança, planejamento e discussões de alto nível em ambiente democrático e ilustrado. Terraplanistas, criacionistas, participantes de movimentos anti-vacina devem ser obviamente mantidos à distância. 
Conclusões
É preciso reconhecer que será difícil ultrapassar essa crise econômico-sanitária. Os desafios urgentes são enormes e as possibilidades de superá-los com a eliminação completa de sacrifícios é uma esperança vã. Não obstante, a aposta no acaso e nas forças de economia de mercado para resolver os problemas de oferta e demanda imporá dor e sofrimento elevados e desnecessários à população, em especial, aos mais pobres. A pandemia e a crise financeira gerarão ainda consequências graves, como o aumento radical do desemprego e a escassez de bens e serviços, em especial, se apenas as forças de mercado e os interesses mais mesquinhos sustentarem as políticas neoliberais. Dependendo da escala que esses problemas podem alcançar, a segurança pública e os laços de convivência sofrerão grandes ameaças. O governo não pode dar vazão aos comportamentos vis e abjetos demonstrados por aqueles que, para garantir a sobrevivência e lucros extras no curto prazo, não hesitarão em medidas econômicas contrárias ao interesse público. Tais medidas abatem a confiança e atacam  a solidariedade necessária para que a sociedade vença as atuais dificuldades, abrindo espaço para a perseguição de grupos sem capacidade de defesa, perseguição sempre aconselhada por preconceitos latentes e interesses não confessáveis, que, nessas horas, podem abrir o caminho medidas autoritárias ou para o autoritarismo.  
Vencer o caos exige que se considere a múltipla natureza da atual crise. Ela é de falta de demanda e é de estresse financeiro, mas também de restrições de oferta e de ameaça direta à vida. A obediência a qualquer mito e às rotinas levará ao fracasso não apenas do Executivo e do Legislativo, mas da sociedade, uma vez que as consequências dos desdobramentos dessa crise apontam para um desastre iminente. É urgente a ruptura das tolas amarras fiscais atualmente vigentes e a atenção total à estabilização de fluxos financeiros. A afirmação do planejamento, orientado pela ciência e pelos especialistas, será fundamental para guiar a oferta de bens e serviços necessários para a resolução dos problemas de curtíssimo e curto prazo ligados à pandemia e à crise econômico-financeira. Isso exigirá a um ambiente de confiança mútua, formado a partir da negociação política interna e externa em um ambiente democrático, envolvendo todo o povo. Mais do que nunca, o esforço, a determinação, a perseverança e a inteligência serão exigidas das lideranças. Não se poderá vacilar nesse momento para que se possa almejar e merecer as recompensas de uma sociedade mais solidária, operando em busca do pleno emprego e com muita saúde.
Assinam
  1. Antonio José Alves Junior
  2. Alexandre Freitas
  3. Marcelo Pereira Fernandes
  4. Rúbia C. Wegner 
  5. Miguel Carvalho

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