terça-feira, 29 de abril de 2025

Necropolítica, neofascismo e a Ascensão da Extrema Direita: O Caso do bolsonarismo no Brasil, por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

  

    O conceito de necropolítica enfatiza o controle soberano sobre os corpos humanos por meio de imposição de práticas, discursos e instituições, utilizando-se da violência e, na práitca,  da morte (real e moral) de seres humanos como instrumento político.



Introdução

O conceito de necropolítica  foi cunhado e apresentado pelo filósofo, historiador e cientista político camaronês Achille Mbembe. Descreve como o poder estatal, sob controle de uma elite econômica e suas estruturas de dominação na defesa dos seus interesses, decide quem pode viver e quem deve morrer. Essa noção parte do conceito de biopolítica de Michel Foucault, mas vai além, enfatizando o controle soberano sobre os corpos humanos por meio de imposição de práticas, discursos e instituições, utilizando-se da violência e, na práitca,  da morte (real e moral) de seres humanos como instrumento político. Historicamente, a expressão mais conhecida da necropolítica foi a aplicação da morte planejada dos chamados indesejados (segundo os interesses dominante e sua visão polarizada de mundo) por meio de processos de genocídio explícito, como o ocorrido na Alemanha na época da dominação nazista. Atualmente, como aponta os estudiosos da necropolítica, o drama dos palestinos em Gaza serve igualmente de infeliz e gritante exemplo do conceito.

Nos últimos anos, é visível a ascensão da extrema direita no mundo — e, no Brasil, o exemplo converge no fenômeno do bolsonarismo. A ascenção foi e é estimulada pela acentuação da exploração humana e ecológica no atual estágio do capitalismo, com a queda da qualidade de vida e a sensação difusa de que o futuro é perigoso. A frustração quanto isso é canalizada pela mesma estrutura que levou à situação de instabilidade, desfocando a perceção das causas reais pelos detendores do poder para inimigos e bodes expeiatórios através de estimulação do medo ao diferente e aos contestadores do estatus quo, pelo discuros de medo, ódio ou falso moralismo, que traz à tona ideias de eliminação do inimigo e práticas que exemplificam a necropolítica como instrumento de segregação e controle, seja através do descaso com vidas marginalizadas, da militarização da política, da exploração da fé em igrejas empresariais que dividem a comunidade entre "homens de bem" e "inimigos" ou da promoção de discursos que legitimam a exclusão e a violência.

Vejamos um panorama para entender como a necropolítica se articula com as ações da extrema direita global e, em particular, com o bolsonarismo, analisando suas consequências para a democracia e os direitos humanos.

1. Necropolítica: O Poder de Decidir Quem Pode Viver e Quem Deve Morrer

Achille Mbembe define a necropolítica como sendo a capacidade dos Estados e dos atores políticos associados à estrema direita, mas socialmente aceitos como autoridades, para gerenciar o uso da violência e da morte através de políticas de segregação, abandono ou extermínio de grupos considerados indesejáveis. Isso inclui:

  • militarização da vida cotidiana, como o uso excessivo da força policial contra populações pobres e negras, bem como da sedimentação calculada da figura do militar como exemplo de integridade moral por sobre os considerados marginais, periféricos e, em nível mais extremo, sobre a própria sociedade, vista como ignorante e potencialmente subversiva, portanto, devendo ser tutelada pelos mesmos militares em associação com as elites que querem manter o controle sobre a política e a economia que as sustentam.

  • O abandono sistemático de grupos vulneráveis, como índios, desempregados, sem tetos, aposentados, como foi visto na gestão de crises sanitárias, como no caso dramático da última pandemia de Covid -19, entre os anos 2020 a 2023.

  • retórica desumanizadora que justifica a morte de certos grupos (imigrantes, professores, cientistas críticos, favelados, LGBTQIA+, indígenas, etc.).

Essas dinâmicas não são exclusivas de regimes ditatoriais, no sentido clássico; elas podem ser observadas em democracias sob governos de extrema direita, que normalizam a violência como ferramenta de controle social. Isso, por exemplo, ocorre hoje mesmo no antes considerado “Farol da Democracia”, os EUA, sob o tacão da extrema direita plutocrática nucleada ao redor de Donald Trump.

2. A Extrema Direita Global e a Necropolítica

Movimentos e governos de extrema direita ao redor do mundo têm adotado práticas diferenciadas de necropolíticas:

  • Políticas anti-imigração: Na Europa e nos EUA, governos como o de Viktor Orbán (Hungria) e Donald Trump (EUA) promoveram medidas cruéis contra refugiados, incluindo campos de detenção e deportações em massa.

  • Negacionismo da Covid-19: A gestão da pandemia por líderes como Jair Bolsonaro (Brasil), Donal Trump (EUA) e Boris Johnson (Reino Unido) revelou um cálculo político que privilegiou a economia em detrimento de vidas, especialmente de idosos e pobres.

  • Negacionismo científico: Questionamento dos estudos e pesquisas, tanto naturais quanto sociais, que apontem para os erros da percepção de mundo e de socidade da extrema-direita naquilo que frustra seus intesses (por exemplo, a crítica dos ambientalistas aos incêndios estimulados em áreas ambientais, exploração irracional dos recursos naturais, associados aos ataques à disciplinas que fazem pensar como a História, Filosofia e Sociologia, em busca contante de desmoralização e controle de instituições críticas de educação e de pesquisa, especilamente Universidades ) e seu discurso de poder destroçando direitos sociais e ambientais. 

  • Ataques a minorias: Discursos de ódio contra opositores e em minorias como LGBTQIA+, negros e indígenas legitimam violências físicas e simbólicas, reforçando hierarquias sociais baseadas na exclusão.

Esses exemplos mostram como a extrema direita opera sob uma lógica que naturaliza a morte de certos grupos em prol de uma ordem política excludente.

3. O Bolsonarismo como Expressão da Necropolítica no Brasil

O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi um caso paradigmático claro e patente de necropolítica na América Latina. Entre suas práticas, destacam-se:

  • A gestão genocida da pandemia: Bolsonaro minimizou a Covid-19, opôs-se a medidas de isolamento, promoveu tratamentos ineficazes (como a cloroquina) e atrasou a compra de vacinas. O resultado foi mais de 700 mil mortes, muitas evitáveis.

  • A política armamentista: O estímulo ao porte de armas, à inolerância com críticos e opositores e a defesa da violência policial aumentaram os homicídios, especialmente em periferias.

  • O ataque a povos indígenas e ao meio ambiente: O avanço do agronegócio sobre terras indígenas e o desmonte de órgãos de fiscalização ambiental (como o IBAMA) levaram ao aumento de assassinatos de lideranças e à destruição de biomas.

  • A retórica da exclusão e do ódio: Bolsonaro incitou ódio contra mulheres, negros, LGBTQIA+ e opositores, criando um clima de permissividade para a violência.

Essas ações não foram meros erros de gestão, mas parte de um projeto político que deliberadamente sacrificou vidas em nome de uma agenda conservadora e neoliberal e no culto a personalidade de um pretenso “mito” e “líder forte, imbrochável, incomível e imorrível”.

Conclusão: A Necropolítica como Ameaça à Democracia

A necropolítica não é um acidente, e assim como o fascismo clássico de Mussolini e Hitler, constitui uma estratégia de poder. A extrema direita, incluindo o caso do bolsonarismo, utiliza-a para consolidar um projeto autoritário que divide a sociedade entre pretensos "cidadãos de bem", formada pela elite tradicional rica que não tem o mínimo pudor de financiar golpes, e os "inimigos a serem eliminados", que questionam o poder da mesma elite que segrega e explorar esse últimos.

O desafio para as democracias contemporâneas é resistir a essa normalização da morte, reafirmando a dignidade humana e a justiça social como valores centrais. Caso contrário, o futuro será marcado pela barbárie institucionalizada — onde o Estado não protege, mas decide, segundo seus critérios e interesses, quem merece viver.

Reconhecer a necropolítica insidiosa que se espraia até mesmo pelo discurso convencional da grande mídia nas mentes e nas atitudes das pessoas sem tempo ou costume de refletir criticamente sua realidade, naturalizando a violência e o assassinato de “indesejados” é um passo importante para se compreender o retorno do fascismo nos dias atuais. A luta contra a naturalização da violência de Estado e a desumanização de grupos vulneráveis é urgente, e debates como esse são fundamentais para entender e combater esses mecanismos de poder.

Referências Bibliográficas

  • MBEMBE, Achille. Necropolítica. 2016. Editora N-1 Edições.

  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. 1976. Ed. Paz & Terra

  • Dados sobre violência e pandemia no Brasil (Fontes: CPI da Covid, Anistia Internacional).



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