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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O "coiso" ignorante e autoritário, o Haddad que assusta o "coiso" a lógica das eleições, por Aldo Fornazieri



"Já, as eleições de 2018 são marcadas por várias negatividades: a sensação e/ou a certeza de que a democracia fracassou, de que a Constituição foi rasgada pelos seus guardiões, de que existe um autoritarismo contra direitos na sociedade e de que tudo pode piorar. As manifestações antidemocráticas e autoritárias da candidatura de Bolsonaro são expressões disso. Agora não se trata tanto de construir a jovem democracia como era em 1989, mas de defender os seus escombros. Aquela eleição era uma espécie de adeus definitivo à presença dos militares na política. Agora, vive-se o fantasma do seu retorno, mesmo que seja através de eleições."

Do Jornal GGN:




Bolsonaro, Haddad e a lógica das eleições
por Aldo Fornazieri
O jogo eleitoral está ainda sendo jogado e sempre podem surgir acontecimentos, imprevistos e realinhamentos de eleitores passiveis de contrariar as tendências indicadas pelas pesquisas. Mas, se nada disso acontecer, ocorrerá um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad  ou Haddad e Bolsonaro, conforme o eleitorado definir a posição de cada um deles. É verdade que a passagem de Bolsonaro para o segundo turno chega a ser surpreendente, mas ela não é ilógica.
Existem vários fatores que determinam ou orientam as motivações de voto dos eleitores tais como liderança, estruturas materiais de campanha, programas e propostas, força dos partidos, tempo de TV, perfil dos candidatos, suas capacidades persuasivas, a forma e o conteúdo das campanhas, carisma, fé, fascínio, ódio, paixão, repulsa, simpatia etc. As motivações são racionais e irracionais e o grau dessas duas determinações varia segundo das circunstâncias e a conjuntura de cada eleição. As atuais eleições, se as tendências das pesquisas se confirmarem, provam, mais uma vez, que o tempo de TV e o apoio da grande mídia não são determinantes por si sós.
Em que pese essa miscelânea de fatores, existe um fator que tem um peso geral para definir os candidatos que passam para o segundo turno e... o vencedor. Claro que esse fator, como regra geral, também tem suas exceções. Trata-se da natureza da conjuntura. Isto é: tomando-se como ponto de  referência o governo existente e a realidade social e econômica, genericamente, as conjunturas eleitorais ou são de continuidade (conservação) ou de mudança. Normalmente, as eleições tendem a se polarizar entre um candidato que representa a continuidade e outro que representa a mudança. Se a conjuntura é de continuidade - o governante é bem avaliado e existe uma satisfação com a situação social e econômica - o candidato que representa essa continuidade tende a vencer. Foi o que aconteceu com a reeleição de Lula em 2006 e com a eleição de Dilma em 2010. Sua reeleição em 2014 foi uma exceção à regra.
Se a conjuntura é de mudança, o candidato da continuidade tende a ser derrotado por aquele que encarna uma nova perspectiva. Foi o que aconteceu entre Lula e Serra em 2002, entre Haddad e Serra em 2012, só para ficar em dois exemplos. Mas existem determinadas conjunturas singulares que se constituem em situações críticas, de crise prolongada, o que suscita um descontentamento generalizado com o governante e com o status quo da situação social e econômica. As conjunturas de 1989 e de 2018 têm essa característica: o descontentamento generalizado. Nessas conjunturas, os candidatos que mais se identificam com a continuidade tendem a ser deslocados por candidatos que representam a mudança, mas sempre em posições polares. Foi isto que se viu em 1989, com Collor e Lula e é isto que está se vendo em 2018, com Bolsonaro e Haddad. É por isso que Alckmin tende a sobrar. Embora Ciro seja um candidato identificado com a mudança, Haddad a representa de forma mais nítida.
Existem algumas semelhanças e várias diferenças entre 1989 e 2018. O mal estar social e a repulsa aos presidentes Sarney, então, e Temer, hoje, são assemelhados. Naquela época, além do desemprego e da dramaticidade social, existia a hiperinflação. O medo acerca do que poderia representar a vitória de Lula foi muito explorado. Hoje o medo funciona em escala menor, pois Haddad não é Lula e Lula e Haddad já viveram experiência de governo e não comeram criancinhas e nem tomaram as casas dos ricos. Mas o que funciona hoje é o ódio e o antipetismo.
Fernando Collor representava a energia da juventude e a ideia de modernização, o caçador dos marajás, o inimigo dos privilégios, o redentor dos descamisados. Lula, também jovem, representava a esperança da justiça social, a inclusão dos pobres e dos trabalhadores, a ética na política, o sonho vívido de um Brasil melhor. Bolsonaro não é igual a Collor. A sua ideia de mudança não é modernizadora, mas conservadora, anti-sistêmica, autoritária, a encarnação do ressentimento e do ódio às camadas subalternas, a recusa de direitos sociais e civis, tudo isso com um aceno confuso de liberdade econômica e de mercado, entendida pela elites como liberdade de explorar e de negar direitos.
Haddad não representa o frescor daquela esperança de 1989, mas a ideia de uma reconecção, um religamento com uma experiência de bem estar e de inclusão que foi interrompida ilegalmente pelo golpe. É mais algo que representa a recuperação do que foi perdido do que uma ideia luminosa de futuro, um sonho libertador, uma terra prometida. Lula era quase pura emoção; Haddad é quase pura razão. É verdade que a modernização de Collor se frustrou pelos seus descaminhos e que a esperança de Lula só se tornou efetiva treze anos depois. Mas 1989 parecia ter mais potência do que 2018. Sim, claro, era também a primeira eleição presidencial direta após a ditadura e isto significava muito
Já, as eleições de 2018 são marcadas por várias negatividades: a sensação e/ou a certeza de que a democracia fracassou, de que a Constituição foi rasgada pelos seus guardiões, de que existe um autoritarismo contra direitos na sociedade e de que tudo pode piorar. As manifestações antidemocráticas e autoritárias da candidatura de Bolsonaro são expressões disso. Agora não se trata tanto de construir a jovem democracia como era em 1989, mas de defender os seus escombros. Aquela eleição era uma espécie de adeus definitivo à presença dos militares na política. Agora, vive-se o fantasma do seu retorno, mesmo que seja através de eleições. Nesses momento críticos, os eleitores tendem a escolher aquela mudança mais conservadora. Isto deveria servir de alerta para a campanha de Haddad num eventual segundo turno.
Independentemente do resultados das eleições, as esquerdas, os democratas, os progressistas e os movimentos sociais precisarão fazer um exame contundente para examinar onde erraram, pois é preciso aprender com os erros para evitar um novo ciclo de fracassos. O erro maior parece ter consistido em não construir uma ampla e sólida rede de trincheiras e casamatas capaz de sustentar os avanços da democracia e as conquistas sociais. A derrota pelo golpe, as reformas de Temer e a prisão e interdição de Lula mostraram que a força das esquerdas e dos progressistas não está assentada sobre sólidas estruturas graníticas, mas sobre frágeis paliçadas de madeira. Elas ruíram com ventos nem tão fortes soprados no Congresso e nos tribunais. Ou o problema da força organizada terá que ser resolvido ou novas derrotas se transmutarão em lamentos inúteis num futuro próximo. (Tendência de vitória conservadora)
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

sábado, 24 de fevereiro de 2018

No Festival de Berlim, documentário sobre o Golpe-Impeachment de Dilma Roussef é aplaudido e saudado com gritos de "Bravo!"


"Espécie de certidão de óbito da democracia brasileira, O Processo, documentário de Maria Augusta Ramos (Juízo) sobre o Impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, foi aclamado com uma ovação, incluindo gritos de "Bravo!" (e cinco minutos de aplausos) e um coro de "Fora Temer" em sua exibição no 68º Festival de Berlim"

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Fonte: site Omelete

Texto de Rodrigo Fonseca

Gritos de "Fora Temer!" também marcaram a sessão

Espécie de certidão de óbito da democracia brasileira, O Processo, documentário de Maria Augusta Ramos (Juízo) sobre o Impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, foi aclamado com uma ovação, incluindo gritos de "Bravo!" (e cinco minutos de aplausos) e um coro de "Fora Temer" em sua exibição no 68º Festival de Berlim. A partir do dispositivo narrativo habitual da diretora, de abordar seus temas retratando o espetáculo das representações sociais, o longa-metragem esmiúça o comportamento de cada um dos senadores envolvidos no julgamento de Dilma. A base de trabalho foram 400 horas de material filmado. A edição, assinada por Karen Ackerman, foi celebrada pela multidão na sala CineStar, da Berlinale, como sendo um marco da montagem documental.
"Não sei o que será deste filme no Brasil, mas desejo que ele seja visto e debatido para que sejamos um país menos dividido. O Fla x Flu que estamos vivendo é nocivo para o país", disse a cineasta.
Na condução de sua narrativa, que passa por cada uma das votações do Impeachment, a diretora evita cortes que ridicularizem ou enalteçam qualquer um dos documentados. Erros e acertos de ambos os lados estão na tela.
"Pessoas devem ser vistas como seres humanos", disse Maria Augusta ao explicar o cuidado que teve para não demonizar figuras de posição ética contestada. "Fiz esse filme com parcerias, contando com ajudas como o World Cinema Fund, Fundo de Cinema da Holanda e o Canal Brasil".

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Os limites da democracia brasileira - Le Monde Diplomatique



Com o golpe da cleptocracia e a tal “agenda de reformas”, o impasse entre direitos e mercado está sendo de algum modo resolvido, mudando a Constituição para bem pior. Ou seja, estamos num momento em que está sendo mandado às favas aquele pacto democrático capenga que, bem ou mal, nos dava alegrias cidadãs

Por Cândido Grzybowski - Le Monde Diplomatique

Crédito da Imagem: Cau Gomez

  
NAS TRINCHEIRAS DA RESISTÊNCIA

Os limites da democracia brasileira

   O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, legitimamente eleita em 2014, revelou as contradições e os limites da Constituição de 1988 e do processo de democratização no Brasil. O golpe é, de certo modo, o desfecho de uma democracia que vinha perdendo intensidade ou, de outro modo, que não havia conseguido superar suas contradições de origem. Ao mesmo tempo, o golpe, ao inaugurar um novo período político, aguçou as contradições anteriores e criou novas, que passaram a corroer o que ainda resta de democracia.

Estamos diante de uma questão de disputa de hegemonia política – de coalizão de forças capaz de gerar poder político e imprimir direção – na sociedade brasileira. Como ponto de partida de minha análise, é fundamental identificar e qualificar o que estava e ainda está em disputa de forma capaz de aglutinar a sociedade em blocos. Considero que se trata de disputa de hegemonia por ter tal capacidade aglutinadora no seio da sociedade, nos imaginários sociais, na mídia, nas organizações e movimentos, nos partidos. Claro, as disputas políticas na sociedade são muitas e diversas, não podendo ser reduzidas a uma disputa de hegemonia do poder político em dado momento histórico. Considero estratégicas as muitas lutas e debates emergentes, mas por questão de espaço de análise neste artigo limito-me à luta por hegemonia política no contexto democrático, sabendo que ela é apenas um elemento indispensável, mas longe de responder a tudo.
Em termos simples, qualifico a conquista da democracia nos anos 1980 como alternativa à ditadura na promoção do desenvolvimento capitalista no Brasil, e não como alternativa ao próprio capitalismo. Ou seja, gestou-se um poderoso movimento de cidadania que contribuiu decisivamente para o fim da ditadura e para instaurar uma regulação democrática do capitalismo e seu desenvolvimento entre nós. O mal maior a superar, naquele momento, era o capitalismo selvagem identificado com a própria ditadura militar e seu projeto de Brasil potência a pau e fogo. Com a democratização, a disputa de hegemonia se deslocou e passou a se configurar de outro modo: de um lado, o conjunto de sujeitos coletivos que busca a radicalização da democracia com mais e mais direitos de cidadania, com enfrentamento das exclusões sociais, injustiças, racismo, patriarcalismo e a enorme desigualdade social, com um Estado mais republicano e indutor de um desenvolvimento capitalista inclusivo, com geração de empregos e distribuição de renda; e, de outro, o conjunto dos sujeitos coletivos que pensam e desejam uma democracia mais formal e uma cidadania sobretudo eleitoral, com um Estado a serviço do desenvolvimento, mas não seu indutor, com menos interferência na economia e mais liberdade ao mercado, tudo visto como condições para o investimento capitalista e a acumulação privada, capaz de gerar empregos e, consequentemente, com o possível crescimento do bolo, aumentar o consumo e o bem-estar de todos.
Apesar de a questão da hegemonia estar apenas esboçada, identifico alguns momentos fortes de tal disputa desde o fim da ditadura militar no Brasil. No entanto, como não pretendo fazer a história da democratização, limito-me a chamar atenção para alguns elementos, sem pretensão de esgotar a análise. Partindo do momento que estamos vivendo, com o aguçamento das contradições nele presentes, vou “escavar” o que está por trás e o que já passou, para melhor avaliar o que precisamos fazer hoje para revitalizar e radicalizar a democracia, desta vez como alternativa ao capitalismo globalizado, forte em nosso seio, que nos está levando à barbárie.
Golpe da cleptocracia
Creio que não preciso aqui, em nosso Le Monde Diplomatique Brasil, explicar por que o governo Temer nasceu praticando um golpe na institucionalidade democrática, com a conivência do Judiciário. Basta dizer que o golpe contra o governo Dilma se situa no limite de uma ruptura perigosa no que defini anteriormente como a disputa hegemônica no processo de democratização. Do golpe à volta ao autoritarismo é um passo. Não é de ficar surpreendido com a legitimação de atores e vozes autoritárias neste momento que, aliás, apoiaram desde a primeira hora o golpe e a volta do autoritarismo militar, inclusive com bandeiras nas grandes mobilizações ocorridas em 2015 e começo de 2016.
Deixo de lado tal questão e vou direto ao que o golpe significa. Talvez a melhor definição para o governo Temer seja que estamos diante de uma cleptocracia escrachada – segundo o Houaiss, trata-se de regime político-social em que práticas corruptas são admitidas e consagradas. O presidente lidera a lista dos fortemente envolvidos em corrupção. Oito ministros acusados de corrupção o secundam. Sua base parlamentar é liderada e composta por um bando de corruptos. Os partidos da base do governo no Congresso Nacional têm em comum, como liga que os une, a prática da corrupção e a busca de medidas legais para se livrar de possíveis investigações e condenações. Não vale a pena seguir a lista de escândalos e da pequenez política dos cleptocratas, pois isso é de conhecimento público.
Como foi que corruptos de tal quilate armaram o golpe… e, o que é mais incrível, em nome do combate à corrupção dos governos petistas? Aí é que entra a disputa de hegemonia. A Lava Jato e a percepção criada na sociedade sobre ela foram muito importantes. Para o golpe, porém, fundamental foi o papel da grande mídia, negócio privado e monopolista. Aí começamos a identificar o primeiro déficit – melhor, talvez, contradição – da democratização ocorrida. Não enfrentamos o poder privado e a mercantilização da comunicação, que afeta de morte a informação, a imaginação e a cultura, bens comuns fundamentais para a radicalização da democracia. O outro déficit fundamental foi não ter criado uma blindagem da política, outro bem comum essencial na democracia, de sua mercantilização ou, de outro modo, dos negócios empresariais que, para prosperar, corrompem a política em busca de favores. Ampliamos a cidadania política de forma abrangente – acabamos, por exemplo, com a vergonhosa exclusão do direito de votar e ser representados dos analfabetos e estendemos o direito de votar à faixa dos 16 aos 18 anos –, mas não livramos a cidadania da manipulação de partidos e campanhas eleitorais pelos donos de capital.
O golpe do impeachment se fez à base de corrupção e traições, numa negociata envolvendo financiamentos e partilhas com partidos e deputados migrando da coalizão com a presidenta Dilma para uma outra, sob liderança do vice Temer, do PMDB. Aqui está o terceiro déficit fundador de nossa democracia: a conciliação como estratégia de conquista do poder político e da governabilidade, formando maiorias nada programáticas e ideologicamente articuladas. No Executivo e nos parlamentos forjam-se maiorias com compra de lealdades momentâneas e loteamento do Estado. A negociata foi a tal “agenda de reformas”, com garantia de limitar as investigações de corrupção. As reformas são, na verdade, um desmonte da Constituição de 1988 e de direitos conquistados e consagrados. Ela já avançou perigosamente e talvez já destruiu o essencial em termos de uma democracia que mereça tal nome. Tudo vem sendo feito em nome de um projeto de futuro que nos remete ao capitalismo selvagem. Não se trata somente de menos Estado, mas de um Estado forte para favorecer as forças brutas do mercado, contra direitos. Sei que a afirmação é forte, mas precisamos encarar as mudanças em curso como estratégias que podem levar a uma instauração do fascismo… por via democrática, como foi na Alemanha com Hitler e na Itália com Mussolini.
No momento em que escrevo este texto, o governo Temer resiste na corda bamba, por causa das graves denúncias contra o presidente e seus mais próximos apoios no Palácio e no Congresso. A grande mídia já está caindo fora, especialmente a Globo. A tal base no Congresso é muito gelatinosa e pouco confiável, sem consistência programática, como o próprio governo, só oportunismo político e preocupação em preservar os mandatos conquistados, nada representativos da sociedade, mas fiéis aos financiadores eleitorais. Ou seja, estamos diante de algo de fachada, de institucionalidade legal, mas sem legitimidade democrática ou poder real. São outros, nada ou pouco visíveis, que impuseram a “agenda de reformas”, utilizando-se do governo fantoche que temos. O pós-Temer poderá ser uma inversão de tendência ou algo pior ainda.
Limito-me a sinalizar estes pontos e vou para o outro momento ou nível de análise. Não é um bando de corruptos que tem projeto, ele é somente pago para executá-lo. Quem está por trás? Qual é sua capacidade em impor a tal a agenda ao país, base para nos levar a um gigantesco retrocesso e até ao fascismo, ou, como afirma Boaventura de Sousa Santos, a uma democracia fascista, se é que tal híbrido é possível inventar?
As forças e os interesses que sustentam a volta de um capitalismo selvagem e a inserção submissa na globalização
Volto ao que já escrevi há pouco. O golpe do impeachment não só revelou uma conjuntura de grande mudança na correlação de forças políticas no Brasil, mas também trouxe com ele um projeto de arquitetura do poder de Estado que restringe seu poder garantidor de direitos democráticos de cidadania para todas e todos, amplia seu poder repressivo em nome da “ordem e progresso”, renuncia ao seu poder de regular o desenvolvimento e abre espaço à expansão das forças brutas do mercado. Trata-se de um “Estado mínimo” do ponto de vista democrático e de um “Estado fortaleza”, beirando o fascismo, para garantir privilégios de classe da nossa velha oligarquia capitalista. O projeto visa a uma mudança mais duradoura para que a assimetria do poder em favor das classes abastadas não seja ameaçada novamente, por isso o esforço de fazer o mais rápido possível as tais reformas constitucionais ou, se Temer cair, zelar por um substituto que leve a tarefa a cabo.
O poder formal está, por enquanto, nas mãos da cleptocracia. No entanto, o poder real está sendo exercido pelo “senhor mercado”. Mas quem é esse tal senhor? De maneira simples, podemos defini-lo como aquele 1% de privilegiados porque donos de vultosos capitais, empresas e conglomerados, proprietários de terras e de bens, banqueiros e especuladores. O “senhor mercado” tem seus analistas e ideólogos, estrategistas e gestores fiéis, além da grande mídia para o trabalho de convencimento e criação do senso comum sobre o bem e o mal. É incrível que tal sujeito abstrato – “o mercado” –, um verdadeiro feitiço que se mede por valores monetários milionários e até bilionários, com consumo suntuoso em ilhas fortalezas em nossas cidades, tenha tanto poder de sedução e indução, sem outra motivação que não sua própria acumulação. Para crescer e acumular, todos os meios são possíveis, legítimos e ilegítimos. Em sua visão, o poder estatal e as leis devem estar a seu serviço, caso contrário tudo se faz para mudá-los ou, então, contorná-los pela fraude, corrupção e paraísos fiscais.
A “agenda de reformas” formulada pelo gerentão de banco, ministro Meirelles, tem em seu DNA o sentido único e certeiro de adequar o país, especialmente o principal instrumento de fazer política do Estado, que é o orçamento, para limitar gastos com direitos sociais (em seu sentido amplo), vistos como desperdício, para assim priorizar o mercado e a acumulação – na verdade, favorecer os lucros de banqueiros e especuladores sanguessugas da dívida pública, alimentada por uma política de juros beirando a agiotagem oficial.
Um elemento adicional do projeto de Estado dos donos reais do poder é a volta de uma inserção submissa no capital globalizado. Nada de veleidades como Mercosul, Unasul, Brics, relações Sul-Sul. Querem mostrar que são amigos fiéis e subservientes da potência maior, os Estados Unidos. Será que o nacionalismo conservador de Trump quer isso? Na realidade, a globalização capitalista parece caminhar no sentido de desenhar uma espécie de geopolítica regional. Logo agora que os donos do poder por trás do golpe renunciam a ser potência regional? Por quê? Nossa sorte é que eles também têm um calcanhar de aquiles com seu capitalismo selvagem, extremamente dependente de extrativismo mineral e do agronegócio.
A favor dos donos reais do poder no Brasil é a conjuntura mundial de perda de vitalidade da democracia por toda parte e a volta de uma agenda reacionária e conservadora. Ou seja, eles não são uma exceção; embarcam numa onda maior de encurralamento das democracias reais e de redução de direitos. A onda do conservadorismo está associada ao aumento de visões nacionalistas estreitas e controle de migrações, de mais intolerância, de fundamentalismos e de racismo pelo mundo. Enfim, nosso golpe tupiniquim se dá numa conjuntura em que muitos golpes contra a democracia estão acontecendo pelo mundo. Será que a globalização capitalista, hoje radicalmente financeirizada, portanto não produtiva, saberá se reinventar sem levar o planeta Terra a uma desastrosa crise que escapa ao controle e dá lugar à mais pura barbárie? O incrível é que isso já está ocorrendo de forma radical no Brasil.
Rupturas do pacto democrático ou limites da própria democracia conquistada nos anos 1980?
Saímos da ditadura por meio de muitas trincheiras abertas pelo novo sindicalismo e pela CUT, pelos novos movimentos sociais, pelas comunidades de base, pela OAB liderada por Faoro e pela frente democrática, entre outros, que desembocaram no movimento da Anistia e, depois, no Diretas Já. O pacto democrático se esboçou naquele acórdão da Aliança Democrática, liderado por Tancredo e Sarney para ganhar a eleição indireta de presidente no Congresso Nacional, ainda no contexto da ditadura militar. Foi como juntar o lado menos radical dos democratas com o lado menos radical dos autoritários. Deu na Nova República, quase natimorta, pois o representante mais democrata, Tancredo, não tomou posse e veio a falecer. Seu vice, Sarney, saído do seio da ditadura e tornado democrata de ocasião, virou nosso presidente. Vicissitudes da vida, mas bota azar nisso! O fato é que essa se tornou a pedra fundamental do edifício democrático que acabamos construindo. Pedras fundamentais são apenas pedras, sinais de algo por fazer, que muitas vezes nunca acontece. Mas, no caso da Nova República…
A convocação de uma Constituinte fazia parte do tal acórdão. Ela foi feita, mas não na forma demandada pela cidadania de uma Assembleia Constituinte exclusiva, e sim de uma Assembleia formada pelos deputados e senadores eleitos em 1986, somados aos senadores eleitos em 1982, ainda em plena ditadura. Como a Nova República nasceu como transição e não como ruptura, a Constituinte acabou tendo uma hegemonia do pensamento conservador, já que as mesmas regras de eleição da ditadura determinaram a conformação do Congresso virado Constituinte. Isso deu origem ao “Centrão”, em que tudo cabia, mas a liga era a linha extremamente conservadora e a favor do “mercado”, muito semelhante à tal base do Temer no Congresso hoje.
A contradição de origem acabou moldando uma Constituição híbrida, extremamente contraditória em seu âmago. Graças à pressão popular, de uma sociedade organizada e participante, a Constituição aprovada em 1988 incorporou o essencial das emendas populares em termos de direitos sociais e do valor da dignidade humana – especialmente seguridade social, saúde e educação – mais Código do Consumidor, erradicação da pobreza e meio ambiente. Porém, deixou de fora tudo o que diz respeito à economia e ao desenvolvimento, tributação mais justa, reforma agrária e imobiliária urbana. Um aspecto fundamental, hoje pouco lembrado, é que a Constituição de 1988 não reformou a política elegendo-a como bem comum democrático essencial. Destaco aqui a falta de uma blindagem da política aos interesses patrimonialistas e à mercantilização, deixando-a mais dependente de negócios do que de cidadania, em sua diversidade. Já sinalizei anteriormente os grandes déficits de nossa Constituição, pacto democrático importante naquele momento histórico, mas não renovado e radicalizado nos trinta anos que nos separam dele.
O espaço aqui não me permite aprofundar a questão. O fato é que deixar a economia de fora de uma leitura e regulação democrática sobre ela deixou nossa Constituição de 1988 com uma contradição monumental para o futuro democrático do Brasil: direitos sociais de cidadania de feição mais para a radicalização da democracia e falta de regulação radical da economia como condição para o Estado democrático garantir tais direitos sociais. Os momentos de democratização que se seguiram à Constituição de 1988 se configuraram como formas em que tal contradição foi vivida. Nos termos em que aqui estou analisando, isso conformou a disputa de hegemonia dos últimos trinta anos no Brasil. Em meu modo de ver, gestamos uma democracia limitada nela mesma, sem condições constitucionais para rupturas de fundo com um capitalismo patrimonialista, destruidor e excludente, machista e racista, gerador de muita desigualdade.
Seria necessário analisar os momentos, diversos e muito contraditórios, que fizeram a história real e ligam a Constituinte de 1988 ao que acontece hoje. Tivemos o ajuste estrutural e seu impacto interno, antidemocrático em sua essência, passando por Sarney e seus planos econômicos, o aventureiro Collor, o interino Itamar, o Plano Real e a doma da inflação com FHC – aquele que pediu que se esquecesse seu passado de pensador da teoria da dependência –, que apostou no neoliberalismo e, a bem da verdade, na submissão à nascente globalização. Tivemos os treze anos de Lula-Dilma, com suas políticas distributivas e avanços em direitos sociais, mas sem enfrentar e transformar os tais fundamentos da economia. Foram anos importantes em termos de distribuição de renda – sem tocar na riqueza e acumulação – e inserção no consumo de amplas camadas excluídas e pobres, sem mudanças estruturais para dar sustentabilidade e mais democracia. Estimulou-se a participação democrática, sem transformar a cidadania ativa em força de mudança da própria política como desenhada pela Constituição de 1988. Com um “reformismo fraco” (André Singer), avançamos sem mudar o essencial. O resultado está aí: numa penada as conquistas estão indo para o ralo.
Estou somente esboçando os pontos e sei que tal análise é insuficiente, mas precisamos fazê-la para que nas trincheiras de resistência de hoje possamos reinventar a democracia em novas bases. O fato é que ninguém, nos vários momentos políticos que vivemos, enfrentou a contradição original do pacto democrático conciliador e propício a ser corrompido. Os governos petistas renunciaram a ser isso, mesmo que a cidadania esperasse tal vontade política de Lula, em particular na questão da disputa de hegemonia. Os outros nem mesmo se propuseram a enfrentar o dilema de base da Constituição. Agora, porém, com o golpe da cleptocracia e a tal “agenda de reformas”, o impasse está sendo de algum modo resolvido, mudando a Constituição para bem pior. Ou seja, estamos num momento em que está sendo mandado às favas aquele pacto democrático capenga que, bem ou mal, nos dava alegrias cidadãs.
No entanto, as possibilidades sempre continuam abertas
É assim que vejo os limites da democracia entre nós. Mas a história não acabou. Analiticamente, parece difícil sairmos da atual encrenca e voltar a sonhar com democracia. No entanto, o pessimismo da racionalidade não deve subjugar o otimismo da vontade, como nos ensinou Gramsci. Devemos apostar no que nossa cidadania sonha e deseja, uma sociedade democrática, justa, vibrante, boa para todo mundo, dançante de alegria, como é próprio de nossa cultura comum. A possibilidade não virá por si só, pois ela nunca é uma espécie de inevitável histórico. Ela se forja no devir, ela se faz na história, na resistência e na ousadia da ação, enfrentando as relações contraditórias para nós e, não esqueçamos, para os que combatemos. Acreditar na experiência e na força que adquirimos no processo de democratização, em nossas ideias e, sobretudo, em nossa capacidade. O que mais ganhamos em trinta anos de Constituição foi aperfeiçoar nosso ativismo cidadão. Claro, no momento estamos perdendo com o descrédito na política, que se alastra perigosamente. Afinal, somos uma potencial maioria. Temos de extrair o bom senso do senso comum que está aí a nos emparedar, como nos ensinou Gramsci. Outro Brasil e outro mundo sempre são possíveis. Saídas existem, precisamos achá-las e construir o caminho.
*Cândido Grzybowski é sociólogo e assessor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Funaro: Temer e Cunha tramavam impeachment de Dilma “diariamente”




    "Trechos da delação de Lúcio Funaro, operador de propinas do “quadrilhão” capitaneado por Michel Temer, vazados para o Estadão confirmam, com todas as letras, aquilo que só o Supremo Tribunal Federal fingia não ver, quando mantinha, meses a fio, Eduardo Cunha, já soterrado por provas de corrupção, no cargo de presidente da Câmara: que o hoje preso deputado era o operador de Michel Temer no desfecho do golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff." 

Funaro: Temer e Cunha tramavam impeachment de Dilma “diariamente”

funarotemercunha
Trechos da delação de Lúcio Funaro, operador de propinas do “quadrilhão” capitaneado por Michel Temer, vazados para oEstadão confirmam, com todas as letras, aquilo que só o Supremo Tribunal Federal fingia não ver, quando mantinha, meses a fio, Eduardo Cunha, já soterrado por provas de corrupção, no cargo de presidente da Câmara: que o hoje preso deputado era o operador de Michel Temer no desfecho do golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff.
“Na época do impeachment de Dilma Rousseff, eles confabulavam diariamente, tramando a aprovação do impeachment e, consequentemente, a assunção de Temer como presidente”, diz Funaro em um dos seus termos de delação.
Como fica agora a cara dos que diziam que não era golpe? Era e antecedido de uma conspiração nas barbas da Justiça. Que bonitas as suas caras, não é, Doutores Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin, assistindo calados o golpe de Cunha-Temer. E a alma de Teori Zavascki, tão severo, mantendo na gaveta, por meses a fio, o pedido de afastamento de Cunha da Presidência da Câmara, afinal retirado do cargo depois de cumprida a sua missão de destituir Dilma?
Os ministros do Supremo não são tolos, ingênuos, “bobinhos”. São sim, cúmplices por omissão covarde de uma conspiração golpista, agora confirmada por um dos “tesoureiros” da quadrilha de Temer.


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Da idade do Kim, na idade da treva, por Fernando Brito



"A onda moralista simplesmente nos afogou num copo d’água que começou com o “padrão Fifa” e passou a um “padrão Moro”.
"Não obstante, enquanto a pilantragem continua correndo solta – ou o dinheiro de Geddel era antigo? – seu combate vai servindo de cobertura para a liquidação de todos os setores promissores da economia brasileira."
blackpolicia
Segue o artigo de Fernando Brito, no Tijolaço
Viramos num país de black blocs.
O fato de serem blocs de direita (e os originais não são?) e vários deles serem engomadinhos e “institucionais” não reduz o estrago que provocam, nas coisas e nas mentes, afastando as pessoas da política e das discussões sobre o essencial neste país.
Parece que a única divisão que existe é a entre velhacos e histéricos.
Como nos tempos de criança, tudo virou uma disputa entre “bandidos e mocinhos”, num enredo primário próprio de mentes infantis e, quando vem a idade, estúpidas.
Nossos “men in black” abduziram o debate político e o reduziram a uma missão de extermínio.
O acaso revelou a sordidez do acordo de Joesley, mas em quantos outros a sordidez ficou guardada nos encontros com bandidos em tenebrosas transações penais. Joesley escondeu provas? Mas o que dizer de só agora, meses depois de sua premiação por delatar, tenha sido fornecido o acesso ao computador pessoal de Marcelo Odebrecht?
Não podemos dizer nada, porque  se estabeleceu  não apenas o monopólio da verdade nas mãos dos órgãos persecutórios (polícia e Ministério Público) como a eles se deu, pelos acordos de delação, o poder de moldar esta verdade.
A onda moralista simplesmente nos afogou num copo d’água que começou com o “padrão Fifa” e passou a um “padrão Moro”.
Não obstante, enquanto a pilantragem continua correndo solta – ou o dinheiro de Geddel era antigo? – seu combate vai servindo de cobertura para a liquidação de todos os setores promissores da economia brasileira.
De cara, a Petrobras e o pré-sal, em seguida a construção pesada, um dos únicos campos industriais onde tínhamos presença mundial e, agora (alguém tem dúvidas?) o mercado de carnes processadas.
Os moralistas destroem a economia e a velhacaria cuida de  liquidar os direitos sociais. Em poucos dias, entra em vigor a reforma trabalhista e haverá nova ofensiva pela contrarreforma previdenciária.
Dos guris que foram para a rua em 2013, sobrou-nos o Kim Kataguiri.
Realmente, não eram apenas 20 centavos.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Ex-ministra da Justiça alemã critica Temer, Gilmar e Moro: "Brasil é outro mundo"


"Eu ouço que existem muitos acontecimentos preocupantes. Sob a perspectiva alemã, devo dizer que não é comum ver juízes interferirem nas disputas políticas cotidianas na Alemanha. Esse comportamento é, absolutamente, um "no go". Isso não pode acontecer de forma alguma. Isso compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição. Isso coloca também a confiança da população na instituição em cheque." - Herta Däubler-Gmemlin


Foto: Deutsche Welle

Jornal GGNEx-ministra da Justiça da Alemanha entre os anos de 1998 e 2002, Herta Däubler-Gmelin criticou o presidente Michel Temer e afirmou que o Brasil "é outro mundo". Disse, ainda, que a "intromissão" de magistrados em conflitos políticos cotidianos "compromete a neutralidade e a independência do juiz". 
Sobre Temer, foi direta: "nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo".
A afirmação da advogada, ex-deputada federal e professora na Universidade Livre de Berlim foi dada em entrevista à Deutsche Welle Brasil, que esteve no Brasil para participar de um debate público sobre democracia.
Leia a entrevista concedida à Agência DW:
DW Brasil: A senhora veio ao Brasil participar de um debate ao lado do ex-ministro Tarso Genro que, pelo título – "Política x Justiça: Qual o futuro da democracia?" –, coloca Justiça e política em lados opostos.
Herta Däubler-Gmelin: A intenção é refletir sobre a democracia que queremos. É uma democracia em que as decisões são tomadas de cima para baixo, em que algumas pessoas não são consideradas cidadãs, em que o sistema judiciário é usado apenas para privilegiar ricos e poderosos, para preservar privilégios? Ou queremos uma democracia participativa? Quais elementos precisam pertencer a essa democracia? Há bons exemplos, mas há exemplos muito ruins nesse sentido.
DW: Dentro dessas reflexões, qual é a tendência do Brasil?
Eu ouço que existem muitos acontecimentos preocupantes. Sob a perspectiva alemã, devo dizer que não é comum ver juízes interferirem nas disputas políticas cotidianas na Alemanha. Esse comportamento é, absolutamente, um "no go". Isso não pode acontecer de forma alguma. Isso compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição. Isso coloca também a confiança da população na instituição em cheque.
Por outro lado, nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo.
Tivemos um caso notório na Alemanha [renúncia do presidente Christian Wulff, em fevereiro de 2012]. Tratava-se de 700 Euros. Mas, obviamente, assim que o procurador-geral apresentou a denúncia, estava claro para a opinião pública que o presidente tinha que renunciar. E foi o que ele fez.
Aqui é outro mundo. Então eu posso entender a certa descrença que há aqui no atual desempenho do Judiciário, de alguns juízes e juízas – mas é claro que não estamos falando de todos, também há tendências completamente diferente, como sabemos.
DW: Como a senhora acompanha e avalia a atual crise política no Brasil?
Os acontecimentos políticos no Brasil estão sendo noticiados pela imprensa alemã e internacional. E depois de tudo o que vi e li nestes últimos dias, temo que esteja havendo um retrocesso cruel com impactos para a população mais pobre. É lamentável.
DW: O Brasil tem um sistema presidencialista, e, atualmente, boa parte do Congresso está sendo investigada. Como a senhora avalia o desempenho do Judiciário em garantir o bom funcionamento da democracia?
Quando o objetivo é garantir uma democracia participativa, os elementos que pude observar na Justiça daqui nem sempre são favoráveis. Existem muitas possibilidades de que alguns atores influenciem e conduzam processos de maneira parcial. E nessa interação, quando também se considera o papel do presidente, vemos uma estranha parcialidade entre Judiciário e Legislativo, ou até uma cegueira em relação às suspeitas de corrupção envolvendo políticos que precisam ser investigadas. Isso é muito preocupante e não é de se admirar a queda extraordinária da confiança nas instituições.
DW: Quão importante é investigar suspeitas de corrupção para manter a democracia fortalecida?
A corrupção parece ser um problema muito grave no Brasil. Por isso eu apoio muito o combate a corrupção. Mas é necessária uma luta ampla, em todas as direções, independentemente do partido. Se um presidente governa pelos interesses de poucos poderosos e recebe um tratamento diferente, mesmo anteriormente tendo se posicionado a favor de uma democracia participativa e da inclusão dos mais pobres, então é uma catástrofe.
DW: O autoritarismo e extremismo político parecem estar se espalhando pelo mundo. Como a senhora avalia essa tendência?
Há diferentes ameaças à democracia. As correntes mais autoritárias e conservadoras estão mais fortes não apenas na América Latina, mas também na Europa. Lá também vemos uma queda significativa da confiança na democracia, por motivos diferentes. Também há a questão do autoritarismo, como alguns partidos na Polônia ou na Hungria, que pregam de maneira muito forte elementos antidemocráticos e que tentam, dessa forma, se estabilizar como um poder. Pessoalmente, não acho que isso possa se concretizar em médio prazo.
Por outro lado, naturalmente há também problemas relacionados à globalização que têm um efeito muito negativo sobre a democracia. Pois muitas pessoas têm a impressão de que as decisões não acontecem mais na política, mas no campo da economia. Então elas ficam inquietas quando têm a sensação de que os políticos não cuidam mais de seus interesses ou de suas necessidades.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Luis Nassif, em entrevista com Jessé Souza, Luis Felipe de Alencastro e Rodrigo de Almeida, faz uma retrospectiva do Golpe 2016



Nessa edição especial: Jessé Souza, Luiz Felipe de Alencastro e Rodrigo de Almeida

Fonte: GGN

 
Jornal GGN -  O Brasil enfrenta hoje as consequências da crise política iniciada em 2013, reforçada a partir de 2015 e que, em 2016, leva ao impeachment da presidente Dilma Rousseff a partir de um golpe jurídico-parlamentar.
 
Nesta edição especial do programa Sala de Visitas - retrospectiva 2016 - você acompanha as entrevistas completas de Jessé Souza, Luiz Felipe de Alencastro e Rodrigo de Almeida, que ajudam a reunir as peças que ocasionaram o golpe contra a presidente eleita Dilma Rousseff e o PT, nesse intrincado jogo.
 
Na primeira, o cientista político, professor titular da UnB e ex-presidente do IPEA, Jessé Souza fala do seu último livro, “A radiografia do golpe: entenda e como e porque você foi enganado”, onde descreve a origem da crise política, em junho de 2013.
 
Não que a manifestação, iniciada por um grupo puramente de esquerda – Movimento Passe Livre – tivesse esse intuito, mas sim porque a força das ruas foi, posteriormente, manipulada e manejada pela grande imprensa em favor dos objetivos da elite brasileira. No livro, Jessé chega a avaliar as notícias dadas pelo Jornal Nacional, dia após dia, montando a narrativa de que a insatisfação popular era generalizada e baseada na corrupção estritamente Estatal. 
 
Dalí em diante foram construídos os pilares para formular a imagem de Lula e do PT como símbolos da corrupção no seio do Estado, e do Judiciário e, notadamente, Sérgio Moro, como símbolos da moralidade e salvação do país. 
 
Em seguida, você acompanha as conclusões do historiador e cientista político, Luiz Felipe de Alencastro, sobre o papel dos meios de comunicação na condução do frágil governo de Michel Temer, ora pressionando-o para viabilizar a bolsa-mídia; ora dando a entender que estaríamos perto da queda do peemedebista, dando abertura a uma eleição indireta realizada pelo Congresso. Para Alencastro, nesse último caso o afastamento de Michel Temer poderá levar a um aprofundamento da repressão contra grupos contrários ao impeachment e que hoje se dividem entre aqueles que querem a volta de Dilma ao poder e aqueles que pedem novas eleições diretas. 
 
Por fim, o Sala de visitas reprisa a entrevista do jornalista, escritor e ex-secretário de imprensa da Presidência da República, Rodrigo de Almeida, que recentemente lançou "À sombra do poder", livro que conta os bastidores da crise e descreve os episódios que marcaram a vida no Palácio da Alvorada no segundo e conturbado mandato da presidente Dilma Rousseff. 
 
Na obra ele destacou um lado de Dilma pouco explorado pela imprensa brasileira. "Ao longo da crise, como um todo, talvez aquilo que mais chama atenção, e isso é possível perceber no livro, é uma imensa fortaleza, porque ao redor dela muitos caíam, caíam por exaustão, por estresse, por crises sucessivas, por problemas físicos ou por denúncias, mas caíam. Ela não".

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Dilma, a cada dia mais inocente, busca justiça. Por Mauro Donato

“A Lava Jato abriu um processo contra Lula por ele não ter recebido um terreno, que segundo a operação, seria destinado ao Instituto Lula. A Lava Jato reconhece, porque é impossível não reconhecer, que o terreno não é nem nunca foi do Instituto Lula ou de Lula. É o grau de loucura que a Lava Jato chegou na sua perseguição contra o ex-presidente”, afirmaram. O local é um terreno até hoje.


Postado em 22 Dec 2016
por : , no DCM


dilma

A ex-presidente Dilma Rousseff entrou com requerimento no Ministério Público Eleitoral solicitando que Otávio Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, seja investigado.
Em sua delação, Otávio Azevedo mentiu na cara dura. Afirmou que sua Andrade Gutierrez havia feito doação ilegal de R$ 1 milhão para a campanha de Dilma. Como que a comprovar o que estava dizendo, ainda relatou ter tratado da ilicitude em encontro com Edinho Silva (ex-tesoureiro de campanha e ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social de Dilma) e mais um correligionário. Tudo mentira cabeluda.
A reunião com os petistas nunca aconteceu e a defesa de Dilma apresentou ao TSE comprovante do pagamento do tal R$ 1 milhão. Não foi em dinheiro, foi em cheque, portanto declarado e dentro da legalidade. Mais: o cheque era nominal e destinado a Michel Temer.
O TSE então convocou Otávio Azevedo para que se explicasse. “Veja bem, me equivoquei”, foi mais ou menos o que disse candidamente o executivo engravatado. Aquilo não foi um engano, mas falso testemunho. Azevedo deveria estar preso por isso. Até porque não foi seu único lapso de memória.
Otávio Azevedo em um outro depoimento ‘esqueceu’ de mencionar R$ 7 milhões (esses sim, por fora) doados pela Andrade Gutierrez para Aécio Neves. Não tinham sido R$ 12,5 milhões e sim R$ 19 milhões. Coisa boba, fácil de esquecer. E há hoje um grande empenho na república de Curitiba em aceitar suas versões de ‘equívoco’ ou ‘confusão’.
Quanto mais o tempo passa, menos crédito pode-se dar à Lava Jato. Uma operação que até agora não conseguiu assegurar aos brasileiros de que não esteja premiando com a liberdade caguetas mentirosos que estejam fazendo afirmações convenientes para sabe-se lá quem.
As mais recentes fizeram com que advogados de Lula reagissem com ironia e afirmassem que a coisa agora atingiu ‘grau de loucura’. Referiam-se a três delatores que induziram a operação a investigar um terreno que ‘teria sido’ comprado, onde ‘seria construído’ o Instituto Lula. Tudo assim, no condicional.
“A Lava Jato abriu um processo contra Lula por ele não ter recebido um terreno, que segundo a operação, seria destinado ao Instituto Lula. A Lava Jato reconhece, porque é impossível não reconhecer, que o terreno não é nem nunca foi do Instituto Lula ou de Lula. É o grau de loucura que a Lava Jato chegou na sua perseguição contra o ex-presidente”, afirmaram. O local é um terreno até hoje.
Nem todas as delações mentirosas como a do ex-presidente da Andrade Gutierrez serão desmascaradas. E, de resto, o estrago já está feito.
Mas voltemos a Dilma. No meio de tanta lama, nada apareceu sobre ela até agora. Nenhum ato ilícito, nenhuma falcatrua, nenhuma vantagem pessoal. Ao contrário, a todo momento ficamos sabendo que deu liberdade para a Polícia Federal (reconhecida publicamente por seus agentes), não intercedeu para brecar a Lava Jato nem mesmo quando seus companheiros de partido eram alvos, fez o possível para barrar as sacanagens de Romero Jucá, Eduardo Cunha e companhia limitada.
E foi enviada para a guilhotina.
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Sobre o Autor
Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.