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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O pior da extrema-direita: Olavo de Carvalho e Steve Bannon estão juntos



Do Canal do Paulo Ghiraldelli e, logo abaixo, texto da revista Unissinos:


Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, visita Olavo de Carvalho
O americano Steve Bannon, ex-estrategista de campanha do presidente americano Donald Trump, se encontrou na noite da quinta-feira, 17, com o filósofo Olavo de Carvalho. O encontro aconteceu na casa do brasileiro, que mora no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos, e durou cerca de três horas. Bannon é idealizador do grupo O Movimento, que promove a ascensão do nacionalismo e populismo de direita pelo mundo. Durante a campanha presidencial do Brasil no ano passado, ele demonstrou ter interesse pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro e se encontrou algumas vezes com o deputado Eduardo Bolsonaro, quem chegou a dizer que o americano era o “ícone no combate ao marxismo cultural”.
A reportagem é de Beatriz Bulla, publicada por O Estado de S. Paulo, 18-01-2019.
Olavo e Bannon se conheceram nesta quinta-feira e combinaram novos encontros futuros. O ex-estrategista de Trump tem casa e escritório em Washington, a cerca de duas horas de onde mora o brasileiro.
O pensamento de Olavo de Carvalho, que rejeita o rótulo de “guru” ou “ideólogo” do presidente Jair Bolsonaro, permeia ideias do novo governo. Um dos livros de Carvalho estava sobre a mesa de Bolsonaro na transmissão feita após a vitória eleitoral, em outubro. Além do presidente e de seus filhos terem admiração pelo filósofo, ao menos dois ministros do atual governo foram indicados pelo escritor: Ernesto Araújo(Relações Exteriores) e Ricardo Veléz (Educação). Há ainda uma lista de ex-alunos e admiradores de Olavo de Carvalho em cargos no governo federal, como o assessor de Assuntos Internacionais da presidência, Filipe Martins.
Além de Bannon e Olavo, estiveram presentes ontem o cineasta Josias Teófilo e o executivo do mercado financeiro em Nova York Gerald Brant, quem ajudou a organizar o encontro dos dois.
Teófilo foi o cineasta responsável pelo documentário "O Jardim das Aflições", sobre a vida e a obra de Olavo de Carvalho. Na visita a Virgínia, Bannon recebeu um DVD com o documentário. Ele também saiu carregando uma cópia de livro com o debate entre Olavo de Carvalho e o russo Alexandre Duguin.
Brant já esteve na articulação de outros encontros de Bannon com a família Bolsonaro. Segundo Gerald Brant, a conversa do americano com Olavo de Carvalho passou por assuntos como a situação atual do Brasil, o que consideram ameaças da China ao Ocidente e trocas de opinião sobre livros e filósofos. Bannon também contou experiências de sua época na Casa Branca.
Um dos responsáveis por fazer Trump assumir a presidência dos EUABannonchegou a ser braço direito e homem forte do republicano, mas foi forçado a deixar o cargo sete meses depois do início do governo, em 2017. Antes de se tornar estrategista-chefe de campanha de TrumpBannon integrou o conselho da empresa Cambridge Analytica - consultoria acusada de ter usado indevidamente dados de milhares de usuários do Facebook nas eleições de 2016 dos EUA, que elegeram Trump. Ele também já esteve à frente do site Breitbart News, considera uma voz da nova ultra direita americana, a “alt-right”.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Varoufakis e o mundo parasitado pelo Mercado Financeiro e os EUA, por Edemilson Paraná

a-lenda-do-minotauro

“O Minotauro Global”, expõe, com didatismo e profundidade, reviravoltas da Economia global no pós-guerra. Na fase atual, mundo serve aos EUA e à aristocracia financeira — mas ainda falta quem cumpra o papel de Teseu
Por Edemilson Paraná | Imagem: Daniel Carlos - | Outras Palavras
Certa vez, o economista e ex-ministro das finanças grego Yanis Varoufakis definiu a si mesmo como um “marxista errático”. Ainda que uma regra básica do bom senso nos aconselhe a não aceitar sem exame crítico aquilo que alguém diz sobre si mesmo, poucos qualificativos poderiam resumir melhor o conteúdo de seu livro que acaba de ser publicado no Brasil. Do começo ao fim, O Minotauro Global é, de fato, em todas as suas muitas riquezas e poucas lacunas, a obra de um perspicaz e criativo “marxista errático”.
Em sua abertura, franqueza e desapego a dogmas, a boa heterodoxia econômica de Varoufakis mostra-se fecunda tanto na demonstração das graves deficiências das teorias neoclássicas dominantes (aqui chamadas “teorias tóxicas”, em estreita relação com o seu papel no surgimento dos “ativos tóxicos”) – que soberbamente ousaram postular que uma crise global como a de 2008 não poderia acontecer –, quanto na construção de uma sólida narrativa alternativa sobre as origens e causas do atoleiro em que se encontra a economia mundial pós-crise.
TEXTO-MEIO
Desse modo, buscando explicações sistêmicas, e equacionando sofisticada leitura macroeconômica às dinâmicas geopolíticas, o autor consegue traçar o caminho que nos trouxe até a crise sem escorar sua análise, como se tornou corrente, em algum anedotário moralizante sobre ganância e rentismo, sobre a ação de bons e maus capitalistas, ou em qualquer outro discurso ad hoc sobre a reprovação per se da ação do Estado nas economias.
Talvez mais do que a especialistas e estudiosos, a obra se dirige a leigos interessados no que acontece a sua volta. Outro mérito: sua análise econômica não se furta a entrar no debate público. Sem com isso perder em profundidade, o texto é desenvolvido em linguagem fluída, didática e bem-humorada, recorrendo a potentes imagens da cultura pop e da mitologia grega para dissecar e apresentar, em inúmeros e elucidativos exemplos, cada um dos argumentos que mobiliza.
E é justamente uma destas alegorias que dá título à obra: o Minotauro de Creta. Metade homem, metade animal, o ser é produto da relação entre a mulher de Minos, rei de Creta, e um touro (um castigo dos deuses a Minos por este não ter atendido ordens divinas). De modo a conter a voracidade da besta, um labirinto foi construído como sua morada e, no interior deste, sua inusitada dieta se dava à base de seres humanos jovens. Para satisfazer sem maiores problemas o monstro, o rei Minos força os atenienses, após vencê-los em uma guerra, a todos os anos enviar sete rapazes e sete moças para serem devorados pelo Minotauro.
Conforme nos lembra Varoufakis, historiadores tendem a relacionar o mito à real hegemonia política e econômica de Creta na região do Mar Egeu – a quem cidades-estados menos poderosas tinham de pagar tributos regulares em troca de proteção e manutenção da paz. A imagem é mobilizada como analogia ao papel político-econômico dos Estados Unidos da América (EUA) no mundo pós-revogação do regime de Bretton Woods, a partir do início da década de 1970 – veremos por quê. O livro está encadeado, assim, pela descrição dos antecedentes que dão surgimento à besta ianque, passando pelo seu período áureo, até chegar a 2008, quando esta é praticamente ferida de morte. Percorrendo este traçado, apresenta uma didática e concisa história do capitalismo mundial, especialmente a partir do pós-guerra, até o momento presente.
A obra começa com uma breve e bastante pragmática discussão sobre os antecedentes de formação do capitalismo mundial, bem como o desenho de seus mecanismos gerais de funcionamento, explicados – raramente recorrendo a citações diretas – a partir das formulações de Karl Marx, John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter. Em alguns momentos, e mesmo que não sejam citados diretamente, argumentos presentes em Karl Polanyi, Suzzane de Brunhoff e Hyman Minsky aparecem – articulação, aliás, que se mostra bastante produtiva.
Assentado em tais bases, a história que Varoufakis desenha é composta por três eras. Primeiro, da revolução industrial até 1945 – período que inclui a Crise (com ‘C’ maiúsculo) financeira mundial de 1929 e as duas grandes guerras. Em seguida, o boom do pós-guerra, ou os “anos gloriosos” do capitalismo mundial, período que vai de 1945 até 1971. A esse período ele dá o nome de “Plano Global”, quando os EUA se tornam a maior economia superavitária a ocupar o centro da ordem econômica internacional. Finalmente, aparece o “Minotauro Global”, a era das altas finanças, de 1971 a 2008, quando os EUA se tornam uma grande economia deficitária, mantendo, de forma renovada, sua mesma posição central.
CAPA FRONTAL RÉGUA
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A tese fundamental e fio condutor teórico-conceitual da análise de Varoufakis ao longo deste percurso é a de que o capitalismo não pode funcionar de maneira minimamente estável sem dispor de umMecanismo Geral de Reciclagem de Excedentes(MGRE). Partindo da ideia de que as economias tendem a observar diferenciais de produtividade inerentes às diferenças setoriais e regionais, o autor sustenta que, diante deste fato, e a bem de uma composição comercial mais ou menos equilibrada, faz-se necessário a construção de mecanismos que permitam investir lucrativamente os excedentes acumulados nas regiões e setores superavitários em suas contrapartes tendencialmente deficitárias (“das áreas urbanas para as rurais, das mais desenvolvidas para as menos desenvolvidas”, etc.).
No interior de uma economia nacional, por exemplo, isso é feito por meio de unidade fiscal, que possibilita a realização de transferências da União (em bens, serviços, infraestrutura, isenções, incentivos, etc.) em prol dos Estados e regiões menos vigorosas economicamente – algo que também pode ser feito por meio de sistemas federalizados de seguridade e saúde, por exemplo.
Entre as economias nacionais, distintamente, as diferentes taxas de câmbio, a depender das condições, podem igualmente constituir um mecanismo natural de reciclagem: uma vez que o acumulo de déficits tende a levar à desvalorização cambial, esta pode acabar redundando em estímulo às exportações e desestimulo às importações, além de contribuir para atrair outros capitais excedentes graças às taxas de juros mais elevadas, bem como ao preço relativo mais baixo de seus ativos. Assim, tanto o “Plano Global” quanto o “Minotauro” são, em verdade, como veremos, arranjos sustentados em formas distintas de MGRE (o primeiro tendo nos EUA um imenso polo superavitário, o segundo, seu inverso, tendo neste um polo deficitário).
Tendo vivido e aprendido com a catástrofe econômica de 1929, que só seria plenamente resolvida, de acordo com o autor, graças à enorme destruição produzida pela Segunda Guerra Mundial, os idealizadores estadunidenses do “Plano Global” aproveitaram a enorme oportunidade com a qual se depararam ao fim do conflito para desenhar uma nova ordem. O novo arranjo deveria, ao mesmo tempo em que funcionasse de modo a impedir grandes desequilíbrios que pudessem levar a eclosão de uma nova crise global, servir para cristalizar sua nova posição hegemônica no interior do “mundo livre”.
Assim, com base em muitas das prescrições keynesianas, a Conferência de Bretton Woods deu nascimento a um sistema de governança econômica global que levou à criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e a constituição de um sistema de administração cambial que fixava a percentuais determinados a flutuação das taxas de câmbio dos demais países em relação ao dólar, e deste ao ouro – com a consequente conversibilidade direta do dólar em ouro.
Algumas das mais importantes (e ousadas) propostas de Keynes, no entanto, ficariam de fora do novo arranjo, graças a não aceitação do novohegemon: a criação de uma União Internacional de Divisas, um Banco Central Internacional e uma moeda única a ser utilizada em transações comerciais entre nações (o bancor), que objetivavam a constituição de uma governança econômica multilateral equilibrada, durável, e politicamente compartilhada. A razão da recusa não era nada ocasional: os EUA queriam gerir eles mesmos, e através de sua própria moeda, a nova ordem econômica mundial.
O sofisticado “Plano Global”, acreditavam seus idealizadores, parecia ter tudo para dar certo. Assim, os EUA, a maior economia superavitária do planeta, passaram, a bem da garantia de sustentabilidade do novo arranjo, a investir seus enormes excedentes na reconstrução dos países arrasados pela guerra. Esse investimento permitia ainda sustentar a demanda por seus produtos e a lucratividade dos capitais invertidos. De modo a constituir zonas regionais para o amortecimento de eventuais choques econômicos globais, os arrasados e humilhados Alemanha e Japão foram escolhidos como “pupilos” – os novos hubs, destinos preferenciais do mais generoso suporte político e econômico americano. Enquanto eram incentivados a fortalecer suas zonas econômicas e moedas regionais, estes dois países sustentavam a penetração e fortalecimento acelerado do dólar como dinheiro mundial. Um MGRE, sustentado no “privilégio exorbitante” do dólar, estava garantido e, com ele, a “idade de ouro” do capitalismo regulado nos países do capitalismo central.
Contudo, tal ordem de coisas só poderia permanecer inabalável sob uma condição: a de que os EUA seguissem indefinidamente como uma economia superavitária. Mas seus idealizadores não ousaram considerar a sério a hipótese de tal prospecto não ser sustentável no médio prazo. Foi exatamente isso que ficou patente, no entanto, a partir do início da década de 1970: os déficits americanos crescentes passaram a atentar contra o próprio arranjo que o país havia ajudado a conceber em seu favor.
Os déficits estadunidenses apareceram, explica Varoufakis, na esteira da rápida recuperação e dos ganhos de competitividade e produtividade dos outrora “pupilos” do pós-guerra (Alemanha e Japão), com a consequente queda de competitividade relativa dos EUA (junto da abertura de seu mercado para a entrada de produtos de tais competidores, especialmente do Japão), somado, ademais, aos crescentes gastos do governo, especialmente com guerras, como a do Vietnã. A expansão monetária vinculada ao aumento de gastos do governo americano redundou na desvalorização de sua moeda. Desse modo, vinculada à exportação de dólares para outros países e à consequente valorização das moedas nacionais destes, emergiram questionamentos sobre a real garantia de convertibilidade ouro-dólar então vigente. O “Plano Global” estava com os dias contados.
Diante de novos e sonoros questionamentos a sua posição “privilegiada”, os Estados Unidos responderam com ações enérgicas e medidas drásticas (que Paul Volcker, presidente do Federal Reserve durante os governos Jimmy Carter e Ronald Reagan, mais tarde denominou “uma desintegração planejada da economia mundial”): o rompimento unilateral do acordo de Bretton Woods, com a quebra da conversibilidade ouro/dólar, e consequente desvalorização da moeda americana. A depreciação do dólar representou um duro golpe nas exportações japonesas e europeias. Mas dado que todos estavam a esta altura já presos ao dólar como moeda de reserva global, pouco restava a fazer. A posição privilegiada que os americanos haviam construído estava garantida, e agora em bases renovadas. “A moeda é nossa. O problema é de vocês”. Começava, sob o tacão deste choque, a nova era do “Minotauro Global”.
Com seu nascimento, os EUA mostraram ao mundo que, contanto que fossem capazes de controlar a moeda mundial, que lhes permitiria continuar reciclando o excedente econômico global, ao mesmo tempo em que se mantivesse como a maior e mais importante força no comércio internacional, pouco importava ser uma economia superavitária ou deficitária. O que o mundo viu acontecer na era pós-1971 foi, então, uma reversão do fluxo comercial e dos excedentes de capital entre os Estados Unidos e os demais países. Pela primeira vez na história mundial, o poder hegemônico se fortalecia aumentando deliberadamente seus déficits.
Donos da moeda fiduciária mundial, os EUA tornam-se, sob um sistema monetário e financeiro internacional hegemonizado pelo dólar flexível, o grande polo de um novo MGRE às avessas: funcionando como uma espécie de “consumidor de primeira instância”, o enorme corpo gravitacional dos déficits gêmeos (comercial e orçamentário) americanos serviram como força de atração para o investimento dos excedentes acumulados em outras regiões do globo. Resumidamente: enquanto os seus persistentes saldos comerciais negativos suscitavam o avanço da produção em outros países e regiões, os déficits orçamentários serviam para transformar os excedentes comerciais destas em títulos da dívida americana. À medida que o mundo acumulava tais títulos, o capital mundial fluía inadvertidamente para o mercado financeiro estadunidense. Para se ter uma ideia da dimensão deste movimento, no início dos anos 2000, pouco antes da crise, mais de 70% das saídas globais de capitais tinham os EUA como destino final.
Tal qual um mostro cretense redivivo, a voracidade do Tio Sam era alimentada por oferendas estrangeiras. Com uma importante diferença: os “carismas do Minotauro” (seu poder geopolítico e a manutenção do dólar como moeda de reserva mundial), garantiam, distintamente ao mito, que os pagamentos ao “Minotauro Global” fossem “voluntários”. Para que o movimento global de capitais se configurasse e se comportasse exatamente sob esse padrão, duas tarefas foram necessárias: de um lado uma recuperação da competitividade das empresas americanas face, especialmente, às alemãs e japonesas, de outro a elevação da taxa de juros paga aos títulos de sua dívida soberana.
Como isso foi alcançado é história amplamente conhecida. À enorme redução dos custos do trabalho nos EUA somou-se a crise do petróleo (estimulado pelo próprio governo americano, segundo Varoufakis), que afetou de modo especial aos dependentes Japão e Alemanha, que não dispunham de produção própria significativa. Na outra ponta, as taxas de juros foram paulatinamente elevadas ao longo da década, até alcançarem níveis recordes em 1979 – uma verdadeira catástrofe para países endividados em dólar, como os latino-americanos e europeus do leste. A metamorfose havia sido concluída.
Mas ao conseguir emplacar mais este feito notável, o sucesso trágico de Washington, ao mesmo tempo em que reforçou seu domínio, implantou as sementes de sua própria desgraça: uma expansão financeira sem precedentes. Sob a direção dos “serviçais do Minotauro” (as teorias tóxicas, Wall Street, o sistema Walmart e as políticas da trickle-down economics), as décadas de financeirização acelerada sob esse equilíbrio desequilibrado redundaram, por fim, na hecatombe de 2008.
Enquanto absorvia uma imensidão de capitais vindos de todas as partes, Wall Street, livre de regulamentações, barreiras e constrangimentos políticos de outrora, se encarregava de ativar uma verdadeira farra desvairada de criação de dinheiro privado por meio de ativos tóxicos (dentre os quais estão as famigeradas classes de derivativos bizarros que o mundo veio a conhecer). Fusões e aquisições alavancadas por bolhas financeiras e a produção e circulação de capital fictício em quantidade inimaginável encontram-se, especialmente ao longo das últimas duas décadas, com a concessão de hipotecas e enorme expansão de crédito pessoal para aqueles mesmos trabalhadores que não percebiam aumento real em seus salários desde 1973. Ativado pela espantosa criação de dinheiro privado, o consumo sustentado parecia indicar que tudo estava indo muito bem obrigado.
Até as vésperas da crise, Wall Street, e todos as suas gambiarras outrora eufemisticamente conhecidas como “inovações financeiras”, atraiu capital mundial suficiente para reciclar a contento os excedentes obtidos pelos demais países e, inclusive, sustentar certa reconversão destes em mais investimentos produtivos, e novas vendas para os EUA – o que ensejava novos superávits daqueles países e, assim, a continuidade, em dimensão ampliada, da mesma roda-viva. Enquanto isso, os desiquilíbrios no comercio internacional seguiam se ampliando. Quando a música parou, o número de cadeiras era pequeno demais para a quantidade de pessoas que circulavam em seu redor. O dinheiro privado evaporou, e o sistema bancário quebrou. O resto é história (que nosso autor descreve, aliás, em minucias).
Desde então agonizante, gravemente ferido, o Minotauro, conforme aponta Varoufakis, não é mais capaz dos feitos de outrora: sua demanda por bens e serviços já não é mais a mesma, e tampouco Wall Street tem sido capaz, mesmo diante da astúcia em manter-se no comando, de gerar a enorme quantidade de dinheiro privado que outrora sustentou a escalada de consumo e investimento. Em consequência, com Europa, Japão e China em marcha lenta, os exportadores de commodities e produtos primários são juntos arrastados para o rosário de agonias do mundo pós-2008, um mundo de desesperança e acelerada desagregação política e social.
E assim nosso autor encerra sua teratologia da economia mundial. Seja desestabilizado pela expansão do dinheiro estatal-público, seja pelo avanço desgovernado do dinheiro privado-bancário, conclui o economista grego, MGREs dessa forma geridos – sem dispor de mecanismos de coordenação global multilateral análogos ao sugeridos por Keynes em Bretton Woods – tendem a sustentar, como em um equilíbrio desequilibrado, fôlego curto.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Maria Lúcia Fattorelli: "A dívida pública é um mega esquema de corrupção generalizado" que só beneficia o mercado financeiro e a Casa Grande


  Para ex-auditora da Receita, convidada pelo Syriza para analisar a dívida grega, sistema atual provoca desvio de recursos públicos para o mercado financeiro.

Veja o vídeo e leia a entrevista com Maria Lucia Fattorelli:




Entrevista - Maria Lucia Fattorelli

“A dívida pública é um mega esquema de corrupção institucionalizado”


por Renan Truffi — publicado 09/06/2015 publicado pela Carta Capital


Nilson Bastian / Câmara dos Deputados
Dois meses antes de o governo Dilma Rousseff anunciar oficialmente o corte de 70 bilhões de reais do Orçamento por conta do ajuste fiscal, uma brasileira foi convidada pelo Syriza, partido grego de esquerda que venceu as últimas eleições,para compor o Comitê pela Auditoria da Dívida Grega com outros 30 especialistas internacionais. A brasileira em questão é Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” no Brasil. Mas o que o ajuste tem a ver com a recuperação da economia na Grécia? Tudo, diz Fattorelli. “A dívida pública é a espinha dorsal”.
Enquanto o Brasil caminha em direção à austeridade, a estudiosa participa da comissão que vai investigar os acordos, esquemas e fraudes na dívida pública que levaram a Grécia, segundo o Syriza, à crise econômica e social. “Existe um ‘sistema da dívida’. É a utilização desse instrumento [dívida pública] como veículo para desviar recursos públicos em direção ao sistema financeiro”, complementa Fattorelli.
Esta não é a primeira vez que a auditora é acionada para esse tipo de missão. Em 2007, Fattorelli foi convidada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, para ajudar na identificação e comprovação de diversas ilegalidades na dívida do país. O trabalho reduziu em 70% o estoque da dívida pública equatoriana.
Em entrevista a CartaCapital, direto da Grécia, Fattorelli falou sobre como o “esquema”, controlado por bancos e grandes empresas, também se repete no pagamento dos juros da dívida brasileira, atualmente em 334,6 bilhões de reais, e provoca a necessidade do tal ajuste.
Leia a entrevista:

CartaCapital:
 O que é a dívida pública?
Maria Lucia Fattorelli: A dívida pública, de forma técnica, como aprendemos nos livros de Economia, é uma forma de complementar o financiamento do Estado. Em princípio, não há nada errado no fato de um país, de um estado ou de um município se endividar, porque o que está acima de tudo é o atendimento do interesse público. Se o Estado não arrecada o suficiente, em princípio, ele poderia se endividar para o ingresso de recursos para financiar todo o conjunto de obrigações que o Estado tem. Teoricamente, a dívida é isso. É para complementar os recursos necessários para o Estado cumprir com as suas obrigações. Isso em principio.
CC: E onde começa o problema?

MLF: O problema começa quando nós começamos a auditar a dívida e não encontramos contrapartida real. Que dívida é essa que não para de crescer e que leva quase a metade do Orçamento? Qual é a contrapartida dessa dívida? Onde é aplicado esse dinheiro? E esse é o problema. Depois de várias investigações, no Brasil, tanto em âmbito federal, como estadual e municipal, em vários países latino-americanos e agora em países europeus, nós determinamos que existe um sistema da dívida. O que é isso? É a utilização desse instrumento, que deveria ser para complementar os recursos em benefício de todos, como o veículo para desviar recursos públicos em direção ao sistema financeiro. Esse é o esquema que identificamos onde quer que a gente investigue.
CC: E quem, normalmente, são os beneficiados por esse esquema? Em 2014, por exemplo, os juros da dívida subiram de 251,1 bilhões de reais para 334,6 bilhões de reais no Brasil. Para onde está indo esse dinheiro de fato?MLF: Nós sabemos quem compra esses títulos da dívida porque essa compra direta é feita por meio dos leilões. O processo é o seguinte: o Tesouro Nacional lança os títulos da dívida pública e o Banco Central vende. Como o Banco Central vende? Ele anuncia um leilão e só podem participar desse leilão 12 instituições credenciadas. São os chamados dealers. A lista dos dealers nós temos. São os maiores bancos do mundo. De seis em seis meses, às vezes, essa lista muda. Mas sempre os maiores estão lá: Citibank, Itaú, HSBC...é por isso que a gente fala que, hoje em dia, falar em dívida externa e interna não faz nem mais sentido. Os bancos estrangeiros estão aí comprando diretamente da boca do caixa. Nós sabemos quem compra e, muito provavelmente, eles são os credores porque não tem nenhuma aplicação do mundo que pague mais do que os títulos da dívida brasileira. É a aplicação mais rentável do mundo. E só eles compram diretamente. Então, muito provavelmente, eles são os credores.
CC: Por quê provavelmente?
MLF: Por que nem mesmo na CPI da Dívida Pública, entre 2009 e 2010, e olha que a CPI tem poder de intimação judicial, o Banco Central informou quem são os detentores da dívida brasileira. Eles chegaram a responder que não sabiam porque esses títulos são vendidos nos leilões. O que a gente sabe que é mentira. Porque, se eles não sabem quem são os detentores dos títulos, para quem eles estão pagando os juros? Claro que eles sabem. Se você tem uma dívida e não sabe quem é o credor, para quem você vai pagar? Em outro momento chegaram a falar que essa informação era sigilosa. Seria uma questão de sigilo bancário. O que é uma mentira também. A dívida é pública, a sociedade é que está pagando. O salário do servidor público não está na internet? Por que os detentores da dívida não estão? Nós temos que criar uma campanha nacional para saber quem é que está levando vantagem em cima do Brasil e provocando tudo isso.
CC: Qual é a relação entre os juros da dívida pública e o ajuste fiscal, em curso hoje no Brasil?
MLF: Todo mundo fala no corte, no ajuste, na austeridade e tal. Desde o Plano Real, o Brasil produz superávit primário todo ano. Tem ano que produz mais alto, tem ano que produz mais baixo. Mas todo ano tem superávit primário. O que quer dizer isso, superávit primário? Que os gastos primários estão abaixo das receitas primárias. Gasto primários são todos os gastos, com exceção da dívida. É o que o Brasil gasta: saúde, educação...exceto juros. Tudo isso são gastos primários. Se você olhar a receita, o que alimenta o orçamento? Basicamente a receita de tributos. Então superávit primário significa que o que nós estamos arrecadando com tributos está acima do que estamos gastando, estão está sobrando uma parte.
CC: E esse dinheiro que sobra é para pagar os juros dívida pública?

MLF: Isso, e essa parte do superávit paga uma pequena parte dos juros porque, no Brasil, nós estamos emitindo nova dívida para pagar grande parte dos juros. Isso é escândalo, é inconstitucional. Nossa Constituição proíbe o que se chama de anatocismo. Quando você contrata dívida para pagar juros, o que você está fazendo? Você está transformando juros em uma nova divida sobre a qual vai incidir juros. É o tal de juros sobre juros. Isso cria uma bola de neve que gera uma despesa em uma escala exponencial, sem contrapartida, e o Estado não pode fazer isso. Quando nós investigamos qual é a contrapartida da dívida interna, percebemos que é uma dívida de juros sobre juros. A divida brasileira assumiu um ciclo automático. Ela tem vida própria e se retroalimenta. Quando isso acontece, aquele juros vai virar capital.  E, sobre aquele capital, vai incidir novos juros. E os juros seguintes, de novo vão se transformados em capital. É, por isso, que quando você olha a curva da dívida pública, a reta resultante é exponencial. Está crescendo e está quase na vertical. O problema é que vai explodir a qualquer momento.
CC: Explodir por quê?
MLF: Por que o mercado – quando eu falo em mercado, estou me referindo aos dealers – está aceitando novos títulos da dívida como pagamento em vez de receber dinheiro moeda? Eles não querem receber dinheiro moeda, eles querem novos títulos, por dois motivos. Por um lado, o mercado sabe que o juros vão virar novo título e ele vai ter um volume cada vez maior de dívidas para receber. Segundo: dívida elevada tem justificado um continuo processo de privatização. Como tem sido esse processo? Entrega de patrimônio cada vez mais estratégico, cada vez mais lucrativo. Nós vimos há pouco tempo a privatização de aeroportos. Não é pouca coisa os aeroportos de Brasília, de São Paulo e do Rio de Janeiro estarem em mãos privadas. O que no fundo esse poder econômico mundial deseja é patrimônio e controle. A estratégia do sistema da dívida é a seguinte: você cria uma dívida e essa dívida torna o pais submisso. O país vai entregar patrimônio atrás de patrimônio. Assim nós já perdemos as telefônicas, as empresas de energia elétrica, as hidrelétricas, as siderúrgicas. Tudo isso passou para propriedade desse grande poder econômico mundial. E como é que eles [dealers] conseguem esse poder todo? Aí entra o financiamento privado de campanha. É só você entrar no site do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e dar uma olhada em quem financiou a campanha desses caras. Ou foi grande empresa ou foi banco. O nosso ataque em relação à dívida é porque a dívida é o ponto central, é a espinha dorsal do esquema.
CC: Como funcionaria a auditoria da dívida na prática? Como diferenciar o que é dívida legítima e o que não é?
MLF: A auditoria é para identificar o esquema de geração de dívida sem contrapartida. Por exemplo, só deveria ser paga aquela dívida que preenche o requisito da definição de dívida. O que é uma dívida? Se eu disser para você: ‘Me paga os 100 reais que você me deve’. Você vai falar: “Que dia você me entregou esses 100 reais?’ Só existe dívida se há uma entrega. Aconteceu isso aqui na Grécia. Mecanismos financeiros, coisas que não tinham nada ver com dívida, tudo foi empurrado para as estatísticas da dívida. Tudo quanto é derivativo, tudo quanto é garantia do Estado, os tais CDS [Credit Default Swap - espécie de seguro contra calotes], essa parafernália toda desse mundo capitalista 'financeirizado'. Tudo isso, de uma hora para outra, pode virar dívida pública. O que é a auditoria? É desmascarar o esquema. É mostrar o que realmente é dívida e o que é essa farra do mercado financeiro, utilizando um instrumento de endividamento público para desviar recursos e submeter o País ao poder financeiro, impedindo o desenvolvimento socioeconômico equilibrado. Junto com esses bancos estão as grandes corporações e eles não têm escrúpulos. Nós temos que dar um basta nessa situação. E esse basta virá da cidadania. Esse basta não virá da classe politica porque eles são financiados por esse setor. Da elite, muito menos porque eles estão usufruindo desse mecanismo. A solução só virá a partir de uma consciência generalizada da sociedade, da maioria. É a maioria, os 99%, que está pagando essa conta. O Armínio Fraga [ex-presidente do Banco Central] disse isso em depoimento na CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] da Dívida, em 2009, quando perguntado sobre a influência das decisões do Banco Central na vida do povo. Ele respondeu: “Olha, o Brasil foi desenhado para isso”. 
CC: Quanto aproximadamente da dívida pública está na mão dos bancos e de grandes empresas? O Tesouro Direto, que todos os brasileiros podem ter acesso, corresponde a que parcela do montante?

MLF: Essa história do Tesouro Direto é para criar a impressão que a dívida pública é um negócio correto, que qualquer um pode entrar lá e comprar. E, realmente, se eu ou você comprarmos é uma parte legítima. Agora, se a gente entrar lá e comprar, não é direto. É só para criar essa ilusão. Tenta entrar lá para comprar um título que seja. Você vai chegar numa tela em que vai ter que escolher uma instituição financeira. E essa instituição financeira vai te cobrar uma comissão que não é barata. Ela não vai te pagar o juros todo do título, ela vai ficar com um pedaço. O banco, o dealer, que compra o título da dívida é quem estabelece os juros. Ele estabelece os juros que ele quer porque o governo lança o título e faz uma proposta de juros. Se, na hora do leilão, o dealer não está contente com aquele patamar de juros, ele não compra. Ele só compra quando o juros chega no patamar que ele quer. Invariavelmente, os títulos vêm sendo vendidos muito acima da Selic [taxa básica de juros]. Em 2012, quando a Selic deu uma abaixada e chegou a 7,25%, nós estávamos acompanhando e os títulos estavam sendo vendidos a mais de 10% de juros. E eles sempre compram com deságio. Se o título vale 1000 reais, ele compra por 960 reais ou 970 reais, depende da pressão que ele quer impor no governo aquele dia. Olha a diferença. Se você compra no Tesouro Direto, você não vai ter desconto. Pelo contrário, você vai ter que pagar uma comissão. E você também não vai mandar nos juros. É uma operação totalmente distinta da operação direta de verdade que acontece lá no leilão.
CC: Por que é tão difícil colocar a auditoria em prática? Como o mercado financeiro costuma reagir a uma auditoria?
MLF: O mercado late muito, mas na hora ele é covarde. Lá no Equador, quando estávamos na reta final e vários relatórios preliminares já tinham sido divulgados, eles sabiam que tínhamos descoberto o mecanismo de geração de dívida, várias fraudes. Eles fizeram uma proposta para o governo de renegociação. Só que o Rafael Correa [atual presidente do Equador] não queria negociar. Ele queria recomprar e botar um ponto final. Porque quando você negocia, você dá uma vida nova para a dívida. Você dá uma repaginada na dívida. Ele não queria isso. Ele queria que o governo dele fosse um governo que marcasse a história do Equador. Ele sabia que, se aceitasse, ficaria subjugado à dívida. Ele foi até o fim, fez uma proposta e o que os bancos fizeram? 95% dos detentores dos títulos entregaram. Aceitaram a oferta de recompra de no máximo 30% e o Equador eliminou 70% de sua dívida externa em títulos. No Brasil, durante os dez meses da CPI da Dívida, a Selic não subiu. Foi incrível esse movimento. Nós estamos diante de um monstro mundial que controla o poder financeiro e o poder político com esquemas fraudulentos. É muito grave isso. Eu diria que é um mega esquema de corrupção institucionalizado.
CC: O mercado financeiro e parte da imprensa costumam classificar a auditoria da dívida de calote. Por que a auditoria da dívida não é calote?
MLF: A auditoria vai investigar e não tem poder de decisão do que vai ser feito. A auditoria só vai mostrar. No Equador, a auditoria só investigou e mostrou as fraudes, mecanismos que não eram dívidas, renúncias à prescrição de dívidas. O que é isso? É um ato nulo. Dívidas que já estavam prescritas. Uma dívida prescrita é morta. E isso aconteceu no Brasil também na época do Plano Brady, que transformou dívidas vencidas em títulos da dívida externa. Depois, esses títulos da dívida externa foram usados para comprar nossas empresas que foram privatizadas na década de 1990: Vale, Usiminas...tudo comprado com título da dívida em grande parte. Você está vendo como recicla? Aqui, na Grécia, o país está sendo pressionado para pagar uma dívida ilegítima. E qual foi a renegociação feita pelo [Geórgios] Papandréu [ex-primeiro-ministro da Grécia]? Ele conseguiu um adiamento em troca de um processo de privatização de 50 bilhões de euros. Esse é o esquema. Deixar de pagar esse tipo de dívida é calote? A gente mostra, simplesmente, a parte da dívida que não existe, que é nula, que é fraude. No dia em que a gente conseguir uma compreensão maior do que é uma auditoria da dívida e a fragilidade que lado está do lado de lá, a gente muda o mundo e o curso da história mundial.
CC: Em comparação com o ajuste fiscal, que vai cortar 70 bilhões de reais de gastos, tem alguma estimativa de quanto a auditoria da dívida pública poderia economizar de despesas para o Brasil?

MLF: Essa estimativa é difícil de ser feita antes da auditoria, porém, pelo que já investigamos em termos de origem da dívida brasileira e desse impacto de juros sobre juros, você chega a estimativas assustadoras. Essa questão de juros sobre juros eu abordei no meu último livro. Nos últimos anos, metade do crescimento da divida é nulo. Eu só tive condição de fazer o cálculo de maneira aritmética. Ficou faltando fazer os cálculos de 1995 a 2005 porque o Banco Central não nos deu os dados. E mesmo assim, você chega a 50% de nulidade da dívida, metade dela. Consequentemente para os juros seria o mesmo [montante]. Essa foi a grande jogada do mercado financeiro no Plano Real porque eles conseguiram gerar uma dívida maluca. No início do Plano Real os juros brasileiros chegaram a mais de 40% ao ano. Imagina uma divida com juros de 40% ao ano? Você faz ela crescer quase 50% de um ano para o outro. E temos que considerar que esses juros são mensais. O juro mensal, no mês seguinte, o capital já corrige sobre o capital corrigido no mês anterior. Você inicia um processo exponencial que não tem limite, como aconteceu na explosão da dívida a partir do Plano Real. Quando o Plano Real começou, nossa dívida estava em quase 80 bilhões de reais. Hoje ela está em mais de três trilhões de reais. Mais de 90% da divida é de juros sobre juros.
CC: E isso é algo que seria considerado ilegal na auditoria da dívida pública?
MLF: É mais do que ilegal, é inconstitucional. Nossa Constituição proíbe juros sobre juros para o setor público. Tem uma súmula do Supremo Tribunal Federal, súmula 121, que diz que ainda que tenha se estabelecido em contrato, não pode. É inconstitucional. Tudo isso é porque tem muita gente envolvida, favorecida e mal informada. Esses tabus, essa questão do calote, muita gente fala isso. Eles tentam desqualificar. Falamos em auditoria e eles falam em calote. Mas estou falando em investigar. Se você não tem o que temer, vamos abrir os livros. Vamos mostrar tudo. Se a dívida é tão honrada, vamos olhar a origem dessa dívida, a contrapartida dela.
CC: Ao longo da entrevista, a senhora citou diversos momentos da história recente do Brasil, o que mostra que esse problema vem desde o governo Fernando Henrique Cardoso, e passou pelas gestões Lula e Dilma. Mas como a questão da dívida se agravou nos últimos anos? A dívida externa dos anos 1990 se transformou nessa dívida interna de hoje?
MLF: Houve essa transformação várias vezes na nossa história. Esses movimentos foram feitos de acordo com o interesse do mercado. Tanto de interna para externa, como de externa para interna, de acordo com o valor do dólar. Esses movimentos são feitos pelo Banco Central do Brasil em favor do mercado financeiro, invariavelmente. Quando o dólar está baixo, e seria interessante o Brasil quitar a dívida externa, por precisar de menos reais, se faz o contrário. Ele contrai mais dívida em dólar. Esses movimentos são sempre feitos contra nós e a favor do mercado financeiro.
CC: E o pagamento da dívida externa, em 2005?
MLF: O que a gente critica no governo Lula é que, para pagar a dívida externa em 2005, na época de 15 bilhões de dólares, ele emitiu reais. Ele emitiu dívida interna em reais. A dívida com o FMI [Fundo Monetário Internacional] era 4% ao ano de juros. A dívida interna que foi emitida na época estava em média 19,13% de juros ao ano. Houve uma troca de uma dívida de 4% ao ano para uma de 19% ao ano. Foi uma operação que provocou danos financeiros ao País. E a nossa dívida externa com o FMI não era uma dívida elevada, correspondia a menos de 2% da dívida total. E por que ele pagou uma dívida externa para o FMI que tinha juros baixo? Porque, no inconsciente coletivo, divida externa é com o FMI. Todo mundo acha que o FMI é o grande credor. Isso, realmente, gerou um ganho político para o Lula e uma tranquilidade para o mercado. Quantos debates a gente chama sobre a dívida e as pessoas falam: “Esse debate já não está resolvido? Já não pagamos a dívida toda?’. Não são poucas as pessoas que falam isso por conta dessa propaganda feita de que o Lula resolveu o problema da dívida. E o mercado ajuda a criar essas coisas. Eu falo o mercado porque, na época, eles também exigiram que a Argentina pagasse o FMI. E eles também pagaram de forma antecipada. Você vê as coisas aconteceram em vários lugares, de forma simultânea. Tudo bem armado, de fora para dentro, na mesma época.
CC: O que a experiência grega de auditoria da dívida poderia ensinar ao Brasil, na sua opinião?
MLF: São muitas lições. A primeira é a que ponto pode chegar esse plano de austeridade fiscal. Os casos aqui da Grécia são alarmantes. Em termos de desemprego, mais de 100 mil jovens formados deixaram o país nos últimos anos porque não têm emprego. Foram para o Canadá, Alemanha, vários outros países. A queda salarial, em média, é de 50%. E quem está trabalhando está feliz porque normalmente não tem emprego. Jornalista, por exemplo, não tem emprego. Tem até um jornalista que está colaborando com a nossa comissão e disse que só não está passando fome por conta da ajuda da família. A maioria dos empregos foram flexibilizados, as pessoas não têm direitos. Serviços de saúde fechados, escolas fechadas, não tem vacina em posto de saúde. Uma calamidade terrível. Trabalhadores virando mendigos de um dia para o outro. Tem ruas aqui em que todas as lojas estão fechadas. Todos esses pequenos comerciantes ou se tornaram dependentes da família ou foram para a rua ou, pior, se suicidaram. O número de suicídios aqui, reconhecidamente por esse problema econômico, passa de 5 mil. Tem vários casos de suicídio em praça pública para denunciar. Nesses dias em que estou aqui, houve uma homenagem em frente ao Parlamento para um homem que se suicidou e deixou uma carta na qual dizia que estava entregando a vida para que esse plano de austeridade fosse denunciado.

domingo, 12 de julho de 2015

A máfia dos bancos e o silêncio da mídia



   "Já virou até motivo de piada de que basta se filiar ao PSDB para não ser investigado, julgado ou preso no Brasil. A escandalização também inexiste quando atinge poderosos empresários. Na semana passada, pequenas notinhas informaram que vários bancos são suspeitos da formação de um criminoso "cartel do câmbio". A bombástica notícia, entretanto, já sumiu da mídia."

 Segue texto de Altamiro Borges, extraído do Contexto Livre

A máfia dos bancos e o silêncio da mídia



Com o intento de "sangrar" o governo Dilma, a mídia privada promove diariamente a escandalização da política — com base nas prisões arbitrárias, nos vazamentos seletivos e nas "delações premiadas" de notórios bandidos. Este denuncismo, porém, desaparece do noticiário quando envolve algum cacique da oposição demotucana. Já virou até motivo de piada de que basta se filiar ao PSDB para não ser investigado, julgado ou preso no Brasil. A escandalização também inexiste quando atinge poderosos empresários. Na semana passada, pequenas notinhas informaram que vários bancos são suspeitos da formação de um criminoso "cartel do câmbio". A bombástica notícia, entretanto, já sumiu da mídia.

Segundo relato da Folha, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu um processo para investigar o "suposto" cartel formado por 15 instituições financeiras estrangeiras com o objetivo de manipular o mercado de câmbio. "É o primeiro processo antitruste no Brasil por manipulação de índices do mercado financeiro. Parte dos bancos já foi investigada pela mesma prática no Reino Unido, na Suíça e nos Estados Unidos, em processos que vieram a público a partir de 2013 e que somaram mais de US$ 5,8 bilhões em acordos e multas".

Ainda de acordo com o jornal, a investigação do Cade é mantida sob total sigilo — não há vazamentos seletivos ou prisões arbitrárias. Sabe-se, apenas, os nomes das instituições financeiras envolvidas no suposto cartel no Brasil: Banco Standard de Investimentos, Banco Tokyo-Mitsubishi UFJ, Barclays, Citigroup, Credit Suisse, Deutsche Bank, HSBC, JPMorgan Chase, Merrill Lynch, Morgan Stanley, Nomura, Royal Bank of Canada, Royal Bank of Scotland, Standard Chartered e UBS, além de 30 pessoas físicas. "Procurados pela Folha, os bancos disseram que não vão comentar o assunto".

A máfia dos banqueiros

As investigações do Cade comprovaram até agora a existência de "fortes indícios" de que os bancos adotaram práticas anticompetitivas, como a combinação de preço e de volume de moeda vendida a clientes e comprada deles. "Os operadores trocavam informações por meio de chats da plataforma da agência de notícias Bloomberg. O grupo se autodenominava com expressões como o 'cartel' e a 'máfia'. As indicações preliminares são de que as condutas ocorreram, pelo menos, de 2007 a 2013 — mesmo período em que os bancos são investigados no exterior".

Para o superintendente-geral do Cade, Eduardo Frade, os bancos investigados tentaram influenciar a Ptax — taxa calculada diariamente pelo Banco Central com base na média das operações de câmbio — e também as taxas de referência do Banco Central Europeu e da Reuters. Essas taxas são utilizadas para liquidar contratos em outros negócios, como financiamento de comércio exterior e proteção contra oscilação de moedas estrangeiras (hedge). "As supostas condutas teriam comprometido a concorrência, prejudicando as condições e os preços pagos pelos clientes", afirma o Cade.

Os acusados terão um prazo de 30 dias para apresentar sua defesa. "Concluída a investigação, caberá à Superintendência-Geral do Cade recomendar a condenação ou o arquivamento do caso, que terá de ser julgado pelo tribunal do conselho. Não há um prazo para o julgamento, e Frade disse que não deve sair uma decisão ainda neste ano. Em caso de condenação, as multas previstas variam de 0,1% a 20% do faturamento do banco no ramo de atividade em que ocorreu a infração. Os administradores pessoas físicas podem ser multados de 1% a 20% do valor das empresas pelas quais operavam".

A grave denúncia, que envolve bilhões de dólares, até agora não virou manchete nos jornalões, nem resultou em reportagens especiais nas revistonas ou em comentários histéricos contra a corrupção nas emissoras de rádio e tevê. Na prática, a mídia privada de há muito tempo está totalmente associada ao capital financeiro — é quase sua refém. Daí o silêncio ensurdecedor. A tendência é de que as apurações do Cade sumam totalmente da mídia. Esta operação-abafa não causaria qualquer surpresa. 

Isto já ocorreu com a Operação Zelotes, que investiga as fraudes fiscais de vários ricaços — como os donos da Gerdau e da RBS, afliada da Globo. O mesmo fim teve a denúncia sobre a sonegação de impostos forjada pelo HSBC da Suíça — que também envolve figurinhas carimbadas da mídia. Na prática, a escandalização da corrupção sempre serviu a interesses econômicos e políticos. Só mesmo os ingênuos e os otários acreditam nos princípios éticos e na imparcialidade dos barões da mídia.