quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Entrevista: “A imprensa ‘comprava’ tudo.” Assessora de Sérgio Moro por seis anos fala sobre a Lava Jato.. Reportagem do The Intercept





Christianne Machiavelli foi assessora de comunicação da Lava Jato até agosto, quando pediu demissão para abrir uma assessoria de imprensa voltada a clientes da área jurídica.


Entrevista: “A imprensa ‘comprava’ tudo.” Assessora de Sérgio Moro por seis anos fala sobre a Lava Jato.

Amanda Audi — 30 de Outubro

"Era tanto escândalo que as pessoas não pensavam direito. As coisas eram simplesmente publicadas."













Do The Intercept Brasil:



CHRISTIANNE MACHIAVELLI COSTUMA chamar cada repórter pelo nome, e não são poucos os que ela conheceu durante os seis anos em que trabalhou encastelada no vigiado e protegido prédio da Justiça Federal de Curitiba, de onde saem os despachos de busca, apreensão e prisão assinados pelo juiz Sérgio Moro.
Chris, como é conhecida, trabalhava sozinha no departamento de comunicação da Lava Jato até agosto, quando pediu demissão para abrir uma assessoria de imprensa voltada a clientes da área jurídica. Ela diz que identificou um filão de mercado no setor, e garante que não é beneficiada por ter trabalhado com Moro. “Ele é amado por uns e odiado por outros. Eu tenho que lidar com o ônus e o bônus disso.”
Ela não tinha ideia do volume de trabalho que teria pela frente quando passou no processo seletivo em 2012. Acostumada com a rotina tranquila de seu trabalho anterior, na comunicação da Igreja Metodista de Curitiba, ela passou a responder a dezenas de jornalistas todos os dias, das primeiras horas da manhã até a madrugada. Teve crises de estresse, começou a tomar remédios controlados, engordou 30 quilos.
O trabalho de Chris era a ponta de uma estratégia costurada acima dela. A imprensa foi responsável pelo sucesso da Lava Jato. E isso não foi por acaso: Moro se inspirou na operação Mãos Limpas – que prendeu centenas de pessoas e mudou o cenário político da Itália – ao definir que, sem a imprensa, a operação morreria nos primeiros meses, como tantas outras antes dela.
“Os responsáveis pela operação Mani Pulite [mãos limpas, em italiano] fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI [um dos partidos investigados, que acabou extinto], que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira”, escreveu Moro em um artigo de 2004, dez anos antes de dar início a operação que o tornou conhecido nacionalmente. Ele fez um copia/cola das estratégias do procurador italiano Antonio Di Pietro.
“Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e em outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva”, continuou o juiz, já dando pistas de como achava que uma operação desse tipo deveria ser tratada.
Desde o início, os órgãos da Lava Jato (Ministério Público Federal, Polícia Federal e Justiça Federal) mantiveram vivo o interesse da imprensa, alimentando os veículos sobre qualquer movimento da operação. O Brasil assistiu extasiado ao desenrolar de cada nova fase como se fosse uma novela. “E hoje, quem será preso? Quem será delatado?”.
Foi para entender os bastidores desse processo que conversei com Christianne Machiavelli, por telefone, no começo de setembro. Ela tinha esvaziado suas gavetas na Justiça Federal poucos dias antes, em 30 de agosto. Levou consigo banais livros, canecas, documentos e outros objetos pessoais. Em especial, três dicionários que ganhou de presente do pai, que carrega consigo em todos os empregos, seus amuletos.
Por quatro anos, ela foi o único preposto entre os jornalistas e Moro – a quem ela chama de SFM, sigla para Sérgio Fernando Moro. Se tornou amiga pessoal de alguns repórteres. Os mais próximos ainda a convidam para os churrascos de confraternização de fim de ano onde todos os setoristas da cobertura se encontram – vários veículos de imprensa mantêm equipes permanentes em Curitiba só para atender à Lava Jato.
O trabalho, diz ela, a fez repensar a forma como as pessoas investigadas pela Lava Jato foram tratadas pela operação e, em especial, pela imprensa. Para ela, houve exageros. “Era tanto escândalo, um atrás do outro, que as pessoas não pensavam direito. As coisas eram simplesmente publicadas”.
Leia a seguir os principais trechos da conversa, editada para ficar mais clara, e alguns parágrafos de contexto.
——
Você atuou no centro nervoso da Lava Jato desde o início, em 2014. Como vê a evolução da operação nestes anos?
A gente não tinha noção do que ia ser. No começo, a operação era contra doleiros que operavam no câmbio negro, e então apareceu o [ex-diretor da Petrobras] Paulo Roberto Costa, por causa de um presente que recebeu. Só fui entender o que era a Lava Jato na 7ª fase, em novembro de 2014, depois da delação do Júlio [Camargo] e do Augusto [Ribeiro, executivos da Toyo Setal]. Nesse momento é que apareceu a grande história: que existia um clube das empreiteiras, com as regras do jogo. Foi a partir daí que a imprensa comprou a Lava Jato.
A Lava Jato manteve o interesse da mídia por anos. Era uma estratégia pensada?
Não acho que houve estratégia, pelo menos por parte da Justiça Federal. Mas a responsabilidade da imprensa é tão importante quanto a da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. Talvez tenha faltado crítica da imprensa. Era tudo divulgado do jeito como era citado pelos órgãos da operação. A imprensa comprava tudo. Não digo que o trabalho não foi correto, ela se serviu do que tinha de informação. Mas as críticas à operação só vieram de modo contundente nos últimos dois anos. Antes praticamente não existia. Algumas vezes, integrantes da PF e do MPF se sentiam até melindrados porque foram criticados pela imprensa.
Pode citar exemplos?
O Maurício Moscardi Grillo [delegado da Lava Jato em Curitiba] quando deu entrevista para a Veja dizendo que perderam o timingpara prender o Lula foi muito criticado, e a polícia ficou melindrada. Mesma coisa quando o Carlos Fernando Santos Lima falou que o MPF lançou “um grande 171″ para conseguir delações. O powerpoint do Deltan Dallagnol sobre o Lula. Eles ficaram muito chateados quando a imprensa não concordou com eles. Todo mundo fica magoado, mas não se dá conta daquilo que fala. Não posso dizer que ele [Sérgio Moro] não ficasse melindrado, mas uma única vez respondemos a um veículo. Foi um caso do Rodrigo Tacla Duran, num domingo de manhã. Ele me chamou para a gente responder à notícia que dizia que Carlos Zucolotto, amigo, padrinho de casamento e ex-sócio da esposa de Moro, fazia negociações paralelas sobre acordos com a força-tarefa da Lava Jato . Nesse caso ele se sentiu ofendido, mais pelo processo do que pessoalmente.

A PRIMEIRA FASE da Lava Jato foi no dia 17 de março. Na época, ainda não havia nada sobre Lula, Aécio, Renan, Jucá, Odebrecht, Camargo Corrêa ou qualquer outro político e empresa que seriam notícia nos anos seguintes.
A imprensa noticiou, sem destaque, que a Polícia Federal havia deflagrado uma operação contra lavagem de dinheiro, cujo montante chegava a R$ 10 bilhões. O doleiro paranaense Alberto Youssef foi preso.
Youssef foi um dos principais doleiros do Banestado, considerado o maior caso de corrupção na década de 90, e o primeiro a fechar uma delação premiada no país. O escândalo reuniu os principais nomes da Lava Jato: Sérgio Moro e o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.
Os casos citados podem ter incomodado a cúpula dos agentes da Lava Jato, mas tiveram pouca repercussão na imprensa em geral. O papel de crítica ficou restrito a blogs e veículos mais identificados à esquerda – muitas vezes distorcendo fatos e apelando para fake news.

Para você, por que a imprensa ‘comprou’ a Lava Jato sem questionar?
Era tanto escândalo, um atrás do outro, que as pessoas não pensavam direito, as coisas eram simplesmente publicadas. O caso da cunhada do [ex-tesoureiro do PT, João] Vaccari foi bem significativo. Os jornalistas foram na onda do MPF e da PF. Todo mundo divulgou a prisão, mas ela foi confundida com outra pessoa. Foi um erro da polícia. Quando perceberam o erro, Inês já era morta. O estrago já tinha sido feito. Acho que a gente vem de uma fase que remonta à ditadura, em que a imprensa foi violentamente cerceada. Na Lava Jato a imprensa tinha muita informação nas mãos, dos processos, e entendeu que era o momento de se impor.
Qual a responsabilidade da imprensa?
Vou dar um exemplo. O áudio do Lula e da Dilma é delicado, polêmico, mas e o editor do jornal, telejornal, também não teve responsabilidade quando divulgou? Saíram áudios que não tinham nada a ver com o processo, conversas de casal, entre pais e filhos, e que estavam na interceptação. A gente erra a mão em nome de um suposto bem maior.

CADA DIA DE operação da Lava Jato seguia os mesmos rituais.
O celular dos jornalistas começava a apitar antes das 7h da manhã com um texto da PF. Por volta das 10h, os policiais faziam uma coletiva de imprensa junto com membros do MPF. Em seguida, o MPF divulgava o seu release, já com os dados da denúncia. Por fim, a Justiça Federal informava o número da ação judicial, junto com a chave para o acesso.
Com essa ferramenta, os jornalistas tinham acesso a tudo relacionado à operação: das investigações iniciais até os pedidos de prisão. Nos próximos dias, podiam acompanhar o andamento em tempo real.
Quem estava acostumado a cobrir operações deste tipo, como eu, sentiu que havia algo de diferente na Lava Jato.
Geralmente, operações de combate à corrupção — principalmente as que envolvem poderosos — costumam ser difíceis de acompanhar. É preciso ter boas fontes, gastar sola de sapato e batalhar para conseguir qualquer informação.
Na Lava Jato, tudo ficou muito fácil. Havia uma profusão de documentos disponíveis. Os agentes responsáveis eram acessíveis. Todo dia havia algo novo.
Em um país marcado pela falta de transparência, os gestos eram tidos como exemplares – e não estou dizendo que não sejam.
Mas o fato é que as facilidades fizeram com que a imprensa “comprasse” a Lava Jato quase que imediatamente. Denúncias do Ministério Público eram publicadas em reportagens quase na íntegra, assim como os inquéritos da PF e as decisões de Moro.
Foram poucos os jornalistas que se valeram daquele mundaréu de elementos para fazer o papel que cabe à imprensa: o de usar os dados para construir investigações mais aprofundadas.
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A divulgação dos áudios de Lula e Dilma gerou uma onda de insatisfação que levou milhares às ruas. O processo de impeachment da presidente se intensificou no Congresso. A ação de Moro foi questionada: ele não tinha competência e nem poderia ter acesso aos grampos.
 
Foto: Diego Padgurschi/Folhapress
Eu acho que bandido bom é o bandido que pode ser recuperado, apesar de tudo. A lei deve ser aplicada sempre. A questão aí é o peso da mão, da caneta, da maneira que o réu é tratado, o preso é tratado.
Você já disse que a Lava Jato mudou a visão sobre o direito. Antes era legalista, que olha apenas o cumprimento da lei. Agora é garantista, em que a lei deve ser cumprida preservando direitos. Por quê?
Como jornalista, minha base era na cobertura policial. Os repórteres que acompanham a polícia querem a imagem do preso, a história dele. Quanto mais sensacionalista, mais cliques, mais as pessoas vão ler. Mas, depois da Lava Jato, eu entendi o quanto a privacidade e intimidade do criminoso são necessárias. Lembro quando o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral apareceu com algemas nos pés e nas mãos e a imprensa abusou da imagem. Eu passei a olhar pro réu de uma maneira mais humanitária. Também acho que a lei de execução penal tem que ser aplicada, deve ser a base para garantir o direito dele de ser humano. Eu acho que bandido bom é o bandido que pode ser recuperado, apesar de tudo. A lei deve ser aplicada sempre. A questão aí é o peso da mão, da caneta, da maneira que o réu é tratado, o preso é tratado.
Isso envolve o hábito de levar os presos da operação para Curitiba e o circo midiático que se forma em torno disso?
Durante o período ostensivo das fases da Lava Jato, todos ficaram presos em Curitiba, com raras exceções, como Sérgio Cabral. Se criou essa cultura de trazer todos os presos pra cá, porque o juiz entende que o caso se desenrolou em Curitiba. Mas, no momento de uma execução penal, é a lei que vale, e ela diz que o preso tem direito a cumprir pena perto de seu domicílio, para a família poder visitá-lo. O José Dirceu, por exemplo, por um bom tempo não recebeu visita da família. Ele estava com os bens bloqueados e família não tinha condições. Os empreiteiros, por outro lado, as famílias vinham sempre.
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O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) é conduzido ao IML de Curitiba (PR) antes de ser transferido a prisão.
 
Foto: Giuliano Gomes/PR Press/Folhapress
EM GERAL, OS presos ficam detidos no local onde moram. A Lava Jato é um dos poucos casos em que o juiz demanda que eles sejam deslocados para o local de onde saem as decisões. Estar em Curitiba facilita a negociação de delação premiada e a ida a audiências presenciais. Mas, ainda assim, não seria necessário manter o preso na cidade o tempo todo.
Essa exigência de Moro criou uma espécie de “rota das imagens”. Os cinegrafistas e fotógrafos começam a registrar a prisão na cidade de origem, mostram o embarque no avião, a chegada em Curitiba, o exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e, finalmente, as visitas dos parentes.
Essa marcação faz com que qualquer pessoa saiba, por exemplo, que Eduardo Cunha jantou arroz, feijão e frango em sua primeira noite na prisão. Em que situação isso seria relevante?

Você questionava Moro sobre decisões controversas, como a de levar os presos para Curitiba?
O trabalho da assessoria não era de questioná-lo sobre suas decisões, mas dar publicidade aos seus atos.
Você acha que a Lava Jato influenciou as eleições deste ano? Por exemplo, o Moro ter levantado o sigilo da delação do Palocci na semana passada.
Só posso dizer que essa eleição é a mais atípica que vivi desde que tirei meu título. Quanto a colaboração do Palocci, entendo que quase a totalidade do termo divulgado já era de conhecimento público. Ele apenas deu nome aos bois, fato que também já teria sido mencionado pelo Paulo Roberto Costa e, se não me engano, por Youssef também. Portanto, não sei se influenciou. O que influenciou no resultado dessas eleições foram as notícias falsas, o ódio, o medo.
Além do Palocci, Moro adiou depoimento do Lula por causa do período eleitoral e o MPF pediu mais uma condenação a ele, dias antes da eleição. Acha que tem algo a ver?
Sim. Pelo que me lembre, o adiamento do depoimento do Lula ocorreu há alguns meses e o magistrado justificou em despacho. Sobre o pedido do MPF, não vejo relação também, pois estava no prazo das alegações finais. Destaco que o prazo para as alegações finais foi determinado há pouco tempo, pois ficou parado por meses a fio devido a quantidade de perícias peticionadas pela defesa de Lula e o MPF ao juízo. Caso nada disso tivesse acontecido, o processo já poderia ter sido sentenciado e, inclusive, com autos conclusos para um possível julgamento de apelação no 2° grau. Ou seja, a juntada das alegações finais por parte do MPF é apenas coincidência decorrente de uma tramitação processual lenta.
Mesmo estando dentro dos prazos, é inegável que esses fatos podem favorecer ou prejudicar candidatos. Não seria possível esperar passar o pleito para fazê-los? Isso não pode colocar em risco a legitimidade da Lava jato?
A celeridade processual é uma premissa do Judiciário e inclusive exigência do CNJ. Não é possível que o Judiciário pare em detrimento de um processo eleitoral. A celeridade processual é em prol do réu e não do magistrado. Pense: se o MPF tivesse se manifestado em favor do réu, então a celeridade processual seria boa? Mas como a manifestação é condenatória, a celeridade é ruim? Não há dois pesos e duas medidas. Há prazo que precisa ser cumprido.
O celular dos jornalistas começava a apitar antes das 7h da manhã com um texto da PF. Por volta das 10h, os policiais faziam uma coletiva de imprensa junto com membros do MPF. Em seguida, o MPF divulgava o seu release, já com os dados da denúncia.
O celular dos jornalistas começava a apitar antes das 7h da manhã com um texto da PF. Por volta das 10h, os policiais faziam uma coletiva de imprensa junto com membros do MPF. Em seguida, o MPF divulgava o seu release, já com os dados da denúncia.
O JUIZ E os procuradores sempre dizem que agem de modo isento. Mas é difícil negar que a Lava Jato foi, no mínimo, associada a um forte antipetismo.
Dias antes das eleições, Moro levantou o sigilo sobre a delação do ex-ministro de Lula, Antonio Palocci, e o MPF pediu a condenação do petista no processo sobre o terreno onde seria construído o Instituto Lula. Na semana desses acontecimentos, o presidenciável Jair Bolsonaro cresceu nas pesquisas de opinião frente ao candidato do PT, Fernando Haddad. Bolsonaro passou de 28% de intenções de voto em 28 de setembro para 39% em 4 de outubro, de acordo com o Datafolha.
O mesmo Moro havia decidido, semanas antes, adiar um depoimento de Lula alegando que poderia influenciar o período eleitoral.
Há até pouco tempo, Moro era avesso à imprensa. Aos poucos, foi se soltando. Em entrevista ao Roda Viva em março, ele até defendeu o auxílio-moradia – que recebe, mesmo tendo apartamento de meio milhão de reais em Curitiba. O juiz tampouco se sente constrangido ao aparecer em fotos ao lado de Aécio Neves e João Doria, ambos do PSDB.
Moro tampouco negou que Alvaro Dias, que concorreu pela presidência pelo Podemos, usasse o seu nome durante a campanha. Paranaense e ex-tucano, Dias usou quase todo o tempo que teve em debates para enaltecer a Lava Jato. Ainda assim, foi massacrado nas urnas.
Até o “japonês da Federal”, Newton Ishii, que ficou famoso por escoltar os presos da operação, se filiou ao Patriota, um partido abertamente antipetista, quando se aposentou da PF. Ele é o presidente da legenda no Paraná, que em nível nacional lançou Cabo Daciolo à presidência.)

Qual o seu maior acerto e o maior erro nesse período?
Meu maior acerto foi sistematizar e compilar todas as informações da Lava Jato em uma planilha, que servia para a imprensa acompanhar. E cumprir os deadlines dos jornalistas. Para mim foi sofrido. Eu engordei 30 quilos. Tomava remédio controlado para depressão e ansiedade. Cheguei a picotar um chip de celular porque as pessoas me ligavam até meia noite todos os dias. Eu trabalhava fim de semana, feriado… Agora chego em casa e vou fazer comida, ver série.
E agora, o que vai fazer?
Vou abrir uma empresa de gestão de crise, estou vendo nome, contador. Lidar com crise foi algo que aprendi na prática.

The Intercept: Olavo de Carvalho - o ideólogo do conservadorismo paranoico nacional


"Desses pregadores de ódio e desinformação, destaca-se a figura de Olavo de Carvalho, o principal guru do radicalismo de direita no Brasil há mais de duas décadas."




Olavo de Carvalho: o ideólogo do conservadorismo paranoico nacional

Alexandre Andrada — 29 de Outubro

Um mergulho no discurso do ideólogo do bolsonarismo. Há comunistas por todo lado.









Do The Intercept Brasil:


AINDA QUE O WHATSAPP seja a plataforma preferida na divulgação de notícias falsas e boatos nessas eleições, o YouTube também se tornou um dos principais meios de comunicação dos conservadores brasileiros. Quem analisa o ranking dos vídeos “em alta” da plataforma logo percebe a predominância de figuras da direita nacional. O YouTube, aliás, foi responsável pela fama e eleição de alguns deputados da bancada bolsonarista.
Desses pregadores de ódio e desinformação, destaca-se a figura de Olavo de Carvalho, o principal guru do radicalismo de direita no Brasil há mais de duas décadas. Dos EUA, onde vive, o pensador escreveu livros e deu cursos online que formaram uma geração de brasileiros.
Um de seus vídeos mais recentes, intitulado “O aviso mais importante que já dei aos brasileiros”, é uma rigorosa exposição do estado da arte do antipetismo vesicular, crônico, paranoico.
Segue uma tentativa de análise de seu pensamento, que ajuda a entender não apenas a cabeça de Olavo, mas a cabeça dos entusiastas de Jair Bolsonaro.
Olavo começa seu vídeo falando sobre o atentado sofrido por Bolsonaro. Em suas palavras, um “crime cometido por um membro do PSOL”. Aqui já começa o espetáculo de mentiras e meias verdades, características da retórica radical.
O autor do atentado, ainda que tenha sido filiado ao PSOL até 2014, é notoriamente uma pessoa desequilibrada e que, segundo investigação da própria Polícia Federal, agiu sozinho. Mas ao chamá-lo de “membro do PSOL”, Olavo instiga o ódio pelos agrupamentos de esquerda.
Como a polícia chegou a conclusões pouco excitantes, Olavo faz questão de colocar em dúvida a isenção do delegado responsável, chamando-o de “assessor condecorado pelo governador petista de Minas Gerais”. Ademais, diz que ele foi “proibido de divulgar os dados da investigação” de modo a “não ajudar o Bolsonaro”.
Vê-se aqui a conspiração esquerdista: o autor da facada é “membro do PSOL”, e o delegado é mancomunado com o “governador petista”.

Partidos Comunistas do Brasil

O Capitão Ensandecido reverberou essa mesma teoria em cadeia nacional.
Olavo faz então uma digressão histórica. Para entender o grande domínio da esquerda, diz, é preciso voltar à redemocratização do país.
Segundo sua paranoia, “todos os políticos que emergiram” naquele período e/ou “voltaram do exílio”, “eram esquerdistas”. Sendo que “alguns, profundamente comprometidos com o partido comunista”.
É certo que figuras de esquerda, como Luiz Carlos Prestes e Miguel Arraes, puderam retornar ao Brasil a partir da anistia em 1979.
Mas para Olavo, em verdade, eram “todos esquerdistas”.
A única exceção seria o PFL (Partido da Frente Liberal, atualmente Democratas), que nasceu de um racha no PDS, que deu também origem ao PP (Partido Progressista).
Porém, esse partido seria apenas “nominalmente liberal”, mas que tentava, a todo custo, mostrar que “não era tão direitista assim”, mostrando-se “a favor da causa gay, feminista, abortista”.
O “filósofo”, no alto de sua paranoia, insiste, assim, que a democracia brasileira era 100% comunista.
Aos mais jovens, vale lembrar, o PFL foi o grande partido a se coligar com FHC em 1994, tendo na sua liderança as figuras do catarinense Jorge Bornhausen e o baiano Antônio Carlos Magalhães.
Bornhausen, em 2005, ao falar sobre os petistas que agonizavam durante o escândalo do mensalão, afirmou: “estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos”.
ACM, em discurso no Senado em 2006, afirmou: “Quero dizer aos comandantes militares: reajam enquanto é tempo! Antes que o Brasil caia na desgraça de uma ditadura sindical, presidida por um homem, mais corrupto que já chegou ao governo da República”.
Esses são os “moderados”, segundo Olavo.
Ao afastar o PFL, Olavo afirma que havia três grandes partidos no Brasil: PT, que seria o “comunista mais radical”, o PSDB, o “comunista mais adocicado” e o PMDB, que “sempre foi controlado pelo Partido Comunista” e que “tinha a função de parecer o partido isento”, mas que estaria “100% a serviço dos comunistas”.
O “filósofo”, no alto de sua paranoia, insiste, assim, que a democracia brasileira era 100% comunista. Ou melhor, 99,9%, já que o PFL era menos comunista que os demais. Essa democracia, pois, seria uma farsa, já que ia contra os anseios da população, que é em sua maioria, conservadora.
Os conservadores, porém, não teriam partido, não teriam jornal, não teriam universidade, não teriam uma revista semanal conservadora…
Mas os comunistas não dominam apenas o Brasil: o “comunismo é uma rede internacional”, que tem “apoio das megafortunas”, apoio dos “bancos”, de gente como George Soros e Mark Zuckerberg.
Como os fanáticos que enxergam a imagem da Virgem numa mancha na parede, Olavo enxerga a imagem do comunismo até nos bilionários do capitalismo contemporâneo.

A Igreja vermelha

Nesta altura, Olavo cita o seu satanás particular: o Foro de São Paulo.
Diz que a democracia brasileira foi “calculada para consolidar o poder comunista/socialista, mais ainda após a fundação” do Foro.
Foro esse que em sua análise é “uma organização nitidamente criminosa, onde partidos supostamente legais, se associavam intimamente a organizações criminosas como as FARCS, o MIR, que tinha o monopólio dos sequestros na América Latina”, além de ser a “grande fornecedora de cocaína ao mercado brasileiro”.
E Lula, nosso ex-presidente, comandava essa organização, junto com o comandante das FARCS.
Como profeta, Olavo afirma que “durante 16 anos, a mídia inteira negou a existência do Foro”, que seria “a maior entidade política que já existiu na América Latina”.
Fundado em 1990, o Foro de São Paulo apareceu nos arquivos do jornal O Estado de São Paulo em 1997, por exemplo, quando da realização de seu 7º encontro, realizado em Brasília.
Foro de São Paulo no Estadão
Mas a suposta ocultação do Foro faz com que Olavo afirme que “a mídia inteira faz parte desse esquema”. Alerta seus seguidores que se algum deles ainda “tem um pingo de confiança na Folha de São Paulo, Globo, Estadão, Veja”, etc., isso significa que “você está sendo simplesmente enganado”. Deve-se negar o jornalismo e os jornalistas, pois essa classe de trabalhadores é “100% cúmplice desta coisa, são todos criminosos”.
E assim se faz o viés anti-intelectual e contra o jornalismo profissional, que são pilares do radicalismo verde-amarelo que tanto sucesso tem obtido no Brasil.
É assim que se convence a massa que os jornais são todos mentirosos e que eles só devem acreditar na verdade emanada a partir de centros e indivíduos autorizados pelo Führer, pelo Duce, pelo Mito.
Ao tratar de outro tema inescapável dos radicais brasileiros, Olavo afirma que “Hugo Chávez destruiu” a economia venezuelana, por ter financiado “o terrorismo e o narcotráfico no mundo inteiro, com a ajuda do sr. Lula e o PT”. Adiante, afirma que “essa gente está envolvida numa rede criminosa de um tamanho descomunal”.
É esse tipo de discurso que transformou a política no nosso país em uma barbárie.
Note-se que, para Olavo e seus seguidores, o PT não é um partido político, não é um agrupamento ideológico, é uma rede internacional de criminosos, envolvidos com tráfico de drogas, assassinatos, terrorismo, etc.
Essa é o elemento central do antipetismo patológico que vivemos.
Eis outro elemento do radicalismo nacional: divide-se a sociedade entre bolsonaristas e “petralhas”. Os primeiros são patriotas, cidadãos de bem, amam suas famílias, têm boa higiene pessoal, trabalham e estudam. Os outros, os “judeus” da ocasião atual, são os apátridas, os canalhas, os que querem destruir os valores familiares, os sujos, os parasitas, os ignorantes.
Exagero? Olavo afirma que “essa gente” – vocês devem saber a quem ele se refere – “está matando milhões de pessoas no Brasil, são genocidas todos eles”.
Olavo encerra afirmando:
“Gente, acordem, não é uma disputa política, eleitoral, é uma disputa contra o banditismo organizado, contra criminosos psicopatas, gente sem escrúpulo de espécie alguma, incluindo os colaboradores mais suaves, tipo Alckmin… Acordem, ou é eleger o Bolsonaro, ou dizer adeus ao Brasil”.
É esse tipo de discurso que transformou a política no nosso país em uma barbárie. Que provocou agressões de todo tipo às vésperas das eleições. É esse o tipo de mensagem que se entranhou no bolsonarismo mais radical. É essa mensagem de ódio e de divisão que Bolsonaro vai pregar, insistir e aumentar.
Nós, os que não somos bolsonaristas, mesmo os “colaboradores mais suaves”, estamos em risco. Nossa moral, nossa integridade física e emocional, tudo isso pode ser alvo de linchamentos.
Poucas vezes o futuro foi tão lúgubre neste país.

Professores podem denunciar assédio moral de alunos bolsonaristas nas salas de aula




Para Thayara Castelo Branco, advogada e membra da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Maranhão (OAB-MA), coagir um docente  é um “absurdo”. “Em determinados setores, é impossível não tocar em certos assuntos, como Direito, Ciências Sociais e Ciência Política”, afirma.


Do Justificando:

Professores podem denunciar assédio moral de alunos bolsonaristas nas salas de aula

Imagem: Reprodução Instagram 

Professores podem denunciar assédio moral de alunos bolsonaristas nas salas de aula

Após a eleição presidencial de 2018, a deputada catarinense Ana Caroline Campagnolo (PSL) convocou estudantes a denunciarem seus professores caso estes viessem a falar sobre política. Professores possuem meios para denunciar excessos
Por Caroline Oliveira
No dia em que o pesselista Jair Bolsonaro ganhou o pleito presidencial, 28 de outubro, a deputada estadual por Santa Catarina Ana Caroline Campagnolo, também do Partido Social Liberal (PSL), pediu que alunos denunciem professores que venham a falar sobre política em sala de aula.
Em suas redes sociais, a parlamentar afirmou que na segunda-feira pós eleições os “professores doutrinadores” estariam “inconformados e revoltados. Muitos deles não conterão sua ira e farão da sala de aula um auditório cativo para suas queixas político partidárias em virtude da vitória de Bolsonaro”. Ao final, Campagnolo pede que aos alunos catarinenses que gravem todas as manifestações e enviem os vídeos com o nome do professor, da cidade e da instituição de ensino.
Para Thayara Castelo Branco, advogada e membra da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Maranhão (OAB-MA), coagir um docente desta maneira é um “absurdo”. “Em determinados setores, é impossível não tocar em certos assuntos, como Direito, Ciências Sociais e Ciência Política”, afirma.
A advogada afirma que vem “percebendo que os professores estão um tanto desassistidos nesse aspecto, de acordo com os últimos acontecimentos que tiveram aqui em universidades públicas”. Ela recomenda que a primeira providência a ser tomada pelos docentes é se dirigir às direções das universidades, as quais possuem regimentos internos que conseguem atender a essa demanda. De acordo com a advogada, todos os casos que chegaram dentro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) tiveram uma reação apropriada da universidade.
Para ela, a solução deve se dar da maneira mais “pedagógica” possível, “para que a gente faça valer os direitos de todos tentando o discurso da comunicação não violenta”. Caso o docente sofra alguma agressão verbal, pode se instaurar um processo jurídico por difamação, calúnia ou injúria, a depender do caso. “Se um aluno grava sem a permissão, tem o direito à imagem, isso pode judicializar essas questões. Em alguns aspectos mais graves, acho perfeitamente cabível ações judiciais”, diz.
Branco, que é também professora da Universidade Ceuma, diz que não vê problemas quando seus alunos pedem para gravar suas aulas. No entanto, “dentro dessa política autoritária e de movimentos extremamente violentos que vêm agredindo diretamente o Estado Democrático de Direito e a própria legalidade, a coisa muda totalmente”. Ela lembra que todos os casos que chegaram dentro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) tiveram uma reação apropriada da universidade.
Nesse caso, a docente acredita que o direito à liberdade, que não abarca somente aquele de ir e vir, mas também o de expressão e pensamento, está ameaçado. “Dizer o que professor deve trabalhar e falar enquanto conteúdo histórico, político e social, é inaceitável. Isso afeta toda a liberdade de expressão na democracia, os direitos humanos, a liberdade de trabalho. Isso ataca, inclusive, o sistema educacional”, afirma a advogada.
Nessa ascensão de riscos aos direitos fundamentais, o maior medo da professora para os próximos anos é esse cerceamento na educação, “um ensino que não tenha possibilidade de diálogo, que não combina com democracia”. Segundo Thayara, o discurso utilizado por Jair Bolsonaro durante a campanha “nos leva a concluir que teremos um tempo difícil com retrocessos”. Para ela, “estamos novamente numa estrutura autoritária”.
O artigo 206 da Constituição Federal afirma que o ensino deve ser ministrado com base em alguns princípios. Entre estes, estão “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”.
Tramita na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei (PL) 7180, de 2014, do então deputado Erivelton Santana, do Patriota da Bahia, que prevê o “Escola Sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, reverenciado pela deputada Ana Caroline Campagnolo em sua postagem. O PL “inclui entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, segundo o documento legislativo.
Bernardo Mello Franco, colunista do O Globo, afirmou que a atitude da deputada lembra “os tempos sombrios” do macarthismo nos Estados Unidos. “Nos anos 1950, o senador Joseph McCarthy liderou uma feroz campanha anticomunista nos EUA. O humorista Charles Chaplin foi uma das vítimas mais ilustres da caça às bruxas. Mais tarde, McCarthy perdeu o apoio da opinião pública e caiu no ostracismo”, afirmou em sua coluna.
Após o ocorrido, professores e estudantes criaram um abaixo-assinado onlinepara impugnar a candidatura da recém eleita deputada. “Nós, professores, entendemos que a referida Ana Caroline está incitando ódio, provocando um ambiente escolar insalubre, visto que nas atribuições em sala de aula, os professores (…) apresentam e promovem debates com a total lisura respeitando o livre pensamento dos alunos e da comunidade educacional em geral”, afirmam na petição.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina reiterou a legislação local ao lembrar que o uso de celulares em sala de aula é proibido. Ainda, o órgão atentou à liberdade de ensino e aprendizagem assegurada pela Constituição, na qual “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”.
Os sindicatos representantes dos trabalhadores em educação das redes pública e privada municipal, estadual e federal de Santa Catarina se posicionaram com “perplexidade” contra a parlamentar. Em nota, afirmaram que Campagnolo “pratica justamente aquilo de que acusa os docentes: o estímulo à violência e à barbárie”.
“Esse tipo de ameaça publicada em rede social é um ataque à liberdade de ensinar do professor (liberdade de cátedra), tipicamente aplicado em regimes de autoritarismo e censura. É mais grave ainda por partir justamente de alguém recém-eleita para um cargo público, e que deveria fiscalizar o cumprimento das leis. A sugestão de denúncia dos professores por estudantes caracteriza um assédio e uma perseguição em ambiente escolar, algo que remonta aos tempos da ditadura civil-militar brasileira”, disseram os sindicatos no documento.
O Ministério Público de Santa Catarina abriu um um inquérito para investigar a parlamentar que, as redes sociais, se define como “professora de história, cristã, antifrágil, antimarxista e antifeminista”. A investigação foi aberta de ofício, ou seja, de iniciativa própria do promotor de Justiça Davi do Espírito Santo, da 25ª Promotoria de Justiça da Capital.
Na segunda-feira pós eleições, 29 de outubro, houve um outro ocorrido envolvendo o nome de Campagnolo. Desta vez, panfletos com a imagens da parlamentar de armas em punho dentro de uma caixa foram enviados ao diretório do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Florianópolis. O material também vinha com os dizeres “petistas, não se metam com o Bolsonaro, depois falam que não avisei”.
Em seu canal no Youtube, a parlamentar afirma que o Estado relega aos pais das crianças apenas o papel do sustento e de pagar boleto, tomando para si “qualquer função que os pais deveriam ter”. Em uma imagem publicada no Facebook, ao lado do tio e do pai, Campagnolo afirma “sangue de colona com muito orgulho”. Em um dos comentários da mesma postagem, ela afirma que é “50% italiana, 25% alemã, 12,5% portuguesa e indígena. Posso pedir terras para a Funai?”.

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O rinoceronte brasileiro, por Marcelo Matte Rodrigues



    "Nessas eleições, os rinocerontes brasileiros surgiram nas ruas do Brasil inteiro. Sem pensamento crítico, acabaram por aceitar ideias preconceituosas e perigosas. Alguns talvez até saibam o que fizeram, mas outros são tão fáceis de manipular que não fazem ideia que eles mesmos possam ser os maiores afetados no futuro."



Do Justificando:

O rinoceronte brasileiro

O rinoceronte brasileiro

Arte  Gabriel Prado 
Èugene Ionesco é considerado o pai do Teatro do Absurdo, posto que, para muitos, divide com Samuel Beckett. Um modelo de teatro que demonstra segundo o crítico de teatro Martin Esslin “o sentido do sem sentido da condição humana”. Uma modalidade teatral que mostra que nem tudo na vida é racional, que ressalta as banalidades cotidianas, e que foge da busca por um significado da vida.
Em 1960, Ionesco escreve “O Rinoceronte” (Rhinocéros). Apresenta a história de uma tranquila cidade que se transforma completamente após o surgimento inexplicável de um rinoceronte correndo em suas ruas. Debates sem sentido sobre o animal surgem por parte dos moradores da cidade e, de maneira misteriosa, o modo de ser do animal vai se proliferando de maneira irreprimível, até que os próprios habitantes da cidade vão, aos poucos, se transformando em rinocerontes. Sim, um absurdo, mas entendendo o contexto da criação dessa história, se torna facilmente compreensível.
Contexto da criação do roteiro
Ionesco descreve que o escritor francês Denis de Rougemont estava em uma ocasião em Nüremberg quando teve a oportunidade de assistir a uma manifestação nazista (lembra alguma coisa relacionada ao Brasil?).
Uma multidão esperava o Führer. Quando o cortejo de Hitler surgiu, o povo foi adotando uma histeria tão contagiosa, que o próprio Rougemont se sentiu tocado. Já estava prestes a submeter-se àquele sentimento, quando, afastando-se, parou para refletir: que espécie de sentimento alienado era aquele, para ficar tentado pela ideia de se entregar, como os outros, ao delírio insano daquele ditador? 
O rinoceronte brasileiro
Esse pensamento crítico a respeito do sentimento que tomou Rougemont por um instante é o que faltou a muitos dos indivíduos que apoiaram Bolsonaro nessas eleições.
Sentimento de “querer mudança”, porém, sem uma análise crítica das ideias de quem propunha essas mudanças, o que foi prejudicado ainda mais pelo fato do candidato eleito ter faltado aos debates com justificativas ridículas.
A obra de Ionesco é uma crítica às ideias autoritárias, uma indireta aos governos totalitários, que compartilham com as ideias do novo presidente. Governos que não aceitam oposição, que falam em encarcerar ou expulsar do país seus críticos, e que recebem o aval dos mal intencionados e também da grande maioria desinformada.
 A história criada pelo autor Romeno demonstra a consequência do conformismo. É mais fácil “seguir a manada” do que pensar de forma crítica, é mais fácil não criticar e aceitar o totalitarismo do que ser oposição.
 Nessas eleições, os rinocerontes brasileiros surgiram nas ruas do Brasil inteiro. Sem pensamento crítico, acabaram por aceitar ideias preconceituosas e perigosas. Alguns talvez até saibam o que fizeram, mas outros são tão fáceis de manipular que não fazem ideia que eles mesmos possam ser os maiores afetados no futuro.
No final da peça, Bérenger, o personagem principal da história se pergunta “Quem está certo, afinal? Os homens ou os rinocerontes?”. Espero que os homens se multipliquem e se tornem mais numerosos que os rinocerontes. Assim, o Brasil pode escapar desse pensamento conformista, e, através do pensamento crítico ter condições de ser uma oposição atuante e inteligente.
 Marcelo Matte Rodrigues            

Precisamos falar francamente sobre os bolsonaristas, por Tainá Ferreira Nakamura, Procuradora da Fazenda Nacional





  "No ano em que a nossa jovem Constituição celebrou trinta anos de sua existência, ironicamente, elegemos para presidente do país um candidato DECLARADAMENTE comprometido com as ideias e as forças políticas de um passado recente onde a palavra democracia tinha sido abolida dos dicionários. "


Do Justificando:


Precisamos falar francamente sobre os bolsonaristas

Precisamos falar francamente sobre os bolsonaristas


No ano em que a nossa jovem Constituição celebrou trinta anos de sua existência, ironicamente, elegemos para presidente do país um candidato DECLARADAMENTE comprometido com as ideias e as forças políticas de um passado recente onde a palavra democracia tinha sido abolida dos dicionários. Esse mesmo candidato, agora Presidente da República eleito pelo direito de voto garantido pela Constituição Cidadã, declarou, há poucos dias atrás, que seus adversários seriam banidos do país ou iriam para cadeia, declaração dada logo após um de seus filhos afirmar que para fechar o STF bastaria apenas um cabo e um soldado.
Pois bem. São ironias como essas que os historiadores terão o árduo trabalho de tentar explicar às gerações futuras. Mas até lá, a resistência que faremos a esse projeto antidemocrático depende não apenas da nossa mobilização social, mas também da nossa capacidade de compreender como pensam os atores principais dessa estória, os 57,7 milhões de eleitores que votaram em Bolsonaro.
Na semana que antecedeu o primeiro turno das eleições, assistimos a uma movimentação, um tanto surpreendente, de parte do eleitorado em direção a uma extrema-direita, cujo discurso, até então, não vinha sendo levado a sério pela esquerda e pela direita tradicional. Na pesquisa Ibope divulgada no dia 28/09, a diferença entre os candidatos do PSL e do PT chegou ao menor índice, de apenas 6%, sendo que as simulações de segundo turno apontavam a derrota do candidato militar em um possível enfrentamento com os candidatos do PT, do PDT e do PSDB. Bolsonaro apresentava, ainda, naquela pesquisa, índice de rejeição de 46% contra 30% do candidato petista.
O que teria motivado parte significativa dos eleitores a se movimentar de um extremo a outro, há uma semana do primeiro turno? É dessa parcela do eleitorado que precisamos falar. Candidatos da extrema-direita que, sequer, apareciam como fortes concorrentes, alavancaram na reta final e foram para o segundo turno em alguns Estados, saíram vitoriosos na disputa por algumas vagas do Senado e obtiveram a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados.
Em pesquisa divulgada pelo Datafolha no dia 02/10, 81% do eleitorado do Bolsonaro afirmaram ter contas nas redes sociais, sendo que 60% disseram se informar sobre as notícias pelo WhatsApp e 40% afirmaram compartilhar notícias e vídeos relacionados à política.
Ainda não é possível avaliarmos o impacto causado pelo envio de milhões de mensagens falsas pelo WhatsApp, patrocinado por empresários pró-Bolsonaro, nessas eleições, cujos detalhes só foram trazidos a público, após denúncias publicadas pela Folha de São Paulo. Não há dúvida, porém, de que o abuso do poder econômico permaneceu interferindo no processo eleitoral, mesmo após o STF ter declarado inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas. E o que vimos, até agora,foi um TSE claudicante e amedrontado ao tratar dessas questões.
Em razão das repercussões negativas sobre a disseminação de informações falsas nas últimas eleições dos EUA, o Facebook vem adotando, desde então, políticas de segurança para identificar e coibir o compartilhamento de conteúdos falsos, o quel evou ao cancelamento de dezenas de perfis, relacionados, em sua grande maioria, a grupos de extrema-direita aqui no Brasil. Ou seja, antes mesmo da realização do primeiro turno, já era totalmente previsível que práticas fraudulentas seriam utilizadas para interferir no processo eleitoral.
Coincidentemente, no mesmo dia em que foram marcadas manifestações por todo o país contra o candidato do PSL, o líder da maior igreja evangélica do país declarou,oficialmente, seu apoio ao candidato militar, colocando à sua disposição todo o aparato da Igreja Universal, diga-se, concessões públicas de rádio e televisão. Ou seja, mais um caso gritante de abuso do poder econômicoe de um conveniente silêncio do Poder Judiciário e do Ministério Público que, até outro dia, entoavam o mantra: “a lei é para todos”.
Logo, não há como negar que parcela do eleitorado ficou totalmente exposta e suscetível a todas essas manipulações, no período que antecedeu a votação em primeiro turno.
No entanto, existia uma crença, por parte da esquerda e também de setores da direita,que o discurso de ódio às minorias, de desprezo aos direitos sociais, de cunho pseudorreligioso e totalmente esvaziado de propostas sérias não se sustentaria com o início da propaganda eleitoral e dos debates, pois atingiria um teto.
Sabemos que parcela significativa do eleitorado do Bolsonaro se identifica, de fato, como discurso de ódio, elitista e preconceituoso propagado por ele, cujas raízes remontam ao nosso passado (e presente) escravocrata e oligárquico. O discurso antipetista é tão antigo quanto a própria criação do partido e sempre esteve umbilicalmente ligado a um pavor que parte da nossa elite sempre teve de perder seus privilégios com a mobilidade social do outro.
O que mudou de lá para cá foi que essa parcela raivosa da sociedade ganhou, nos últimos anos, uma nova vestimenta para o seu discurso de ódio,o do combate a corrupção, tornando-o palatável por aquela outra parte do eleitorado que, embora não se identifique com o discurso fascista, não acredita mais no sistema político atual.
Não devemos poupar críticas ao PT pelos erros e desvios cometidos nos quase quinze anos em que governaram o país. Mas temos que ter a clareza de que aquela mesma elite que sempre usou e abusou de seu poder econômico para interferir nos destinos políticos do país forjou, nesses últimos anos, uma narrativa no sentido de atrelar a corrupção a um único partido e que foi, oportunamente, apropriada por essa extrema-direita que está aí. Apresentando um discurso antissistema, moralista e com soluções totalmente superficiais, mas de fácil assimilação, essa direita soube canalizar a insatisfação de parcela do eleitorado que passou, então, a rejeitar o partido que, segundo ela,seria a causa de toda a crise política e econômica dos últimos anos.
Boa parte dos eleitores do Bolsonaro definiu seu voto na semana que antecedeu o primeiro turno motivada por esses sentimentos de frustração e descrença com a política, encontrando guarida em um discurso superficial e camuflado de combate à corrupção e antipetista. O discurso anticorrupção, principalmente aquele veiculado nas redes sociais, conferiu uma certa identidade de grupo a essa parcela do eleitorado que vinha buscando respostas às suas insatisfações e que se viu acolhida pela onda criada no mundo virtual.
Pesquisas realizadas pela socióloga Esther Solano, professora da UNIFESP, já vinham sinalizando essa tendência de parte do eleitorado que, embora rejeitasse o discurso de ódio pregado pelo candidato do PSL, estaria disposta a votar em candidatos que não estivessem ligados aos escândalos de corrupção. E a esquerda teria falhado ao não procurar dialogar com essa parcela da população.
Precisamos entender que parte dos eleitores do Bolsonaro são pobres,pertencem a minorias e já foram, no passado, eleitores do PT. Outra parcela é composta por uma classe média, também vulnerável, pois assalariada, mas que, tradicionalmente, tende a fazer o discurso da elite, porque acredita que um dia fará parte dela.
Se com aqueles eleitores cultivadores do ódio e de preconceitos não é possível estabelecer um diálogo sobre os caminhos para construção de uma sociedade mais justa para todos, pois eles declaradamente rejeitam essa via, é com aquela parcela mais vulnerável que precisamos dialogar, poisnão se deram conta de que o projeto do Bolsonaro visa, justamente,eliminar os poucos direitos sociais que ainda lhe são assegurados.
A esquerda falhou quando permaneceu se comunicando consigo mesma, com aquela base já alinhada ideologicamente ao campo progressista, esquecendo de dialogar com aquela parcela da população que procurava respostas às suas insatisfações. E isso possibilitou que grupos da extrema-direita se aproximassem desse eleitorado com um discurso sedutor, porque de fácil assimilação, embora totalmente vazio de conteúdo.
Bolsonaro e sua trupe estão prestes a assumir o poder e parte do seu eleitorado, infelizmente, não se deu conta daquilo que, de fato, representam. As políticas públicas nacionais, nos próximos quatro anos, serão definidas por pessoas que representam o que temos de mais reacionário, retrógrado e abjeto nesse país. Se a tentativa de união dos partidos progressistas falhou antes das eleições, agora, mais do que nunca, ela é necessária.No entanto,a única via que temos para combater o avanço desse projeto antidemocrático é aquela que for liderada pela própria sociedade.
Somos 47 milhões de brasileiros que votaram, de forma convicta, contra tudo aquilo que Bolsonaro representa. E é, justamente, nessa consciência que reside nossa força. Parte do nosso desafio,agora,não é apenas resistir, mas tentar estabelecer uma ponte com aquela parcela da população que, consciente ou inconscientemente,decidiu se auto boicotar.
Tainá Ferreira Nakamura é advogada e Procuradora da Fazenda Nacional.
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Bolsomoro: a moeda ideológica do novo governo, por Fuad Faraj, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná


  "Nesta nova Ordem Bolsonáriaquem será o Juiz Moro a nos atribuir a cor vermelha, mesmo que seja uma cor que nunca tivemos e nunca foi nossa, para nos jogar numa masmorra ou nos mandar para a morte ignominiosa de nossas reputações? Vermelhos ou não, nós merecemos isso? "


Do Justificando:

Bolsomoro: a moeda ideológica do novo governo

Bolsomoro: a moeda ideológica do novo governo



Arte Gabriel Prado
Para quem não dá conta sequer de 5 dedos a cavalgada de 5 amazonas com o suposto fake Jão Dólar dá um certo desalento e uma ponta amargurada de inveja. Inobstante isso e o dadivoso prazer egoísta e ganancioso do envolvido, estes 5 centímetros de trégua( doze centímetros e sete milímetros, segundo o Jão) foram suficientes para amenizar a guerra declarada entre familiares e amigos dentro dos grupos de WhatsApp invadidos pela legião demoníaca que odeia, baba e vocifera patrocinada pelos amigos do Capitão Borso, o herói de alguns norte-americanos.
Alguns destes amigos anunciam-se nas empresas de disparo de WhatsAppcomo as amigas do Jão se anunciam. Junto com todas as virtudes do serviço e respectivos valores, fecham o anúncio assim:faço porque quero, faço porque gosto. Aceito cartão de crédito, caixa 1 e caixa 2. Outros, mais amigos,  empolgando-se sentados na tocha da estátua da liberdade, dizem: faço até de graça.
Meu amigo, minha amiga, pense como foi bom para você. Como foi bom parar e pensar e, pensando,ver se afastarem as espirais da fumaça do cigarro e perceber que esses 5 centímetros de trégua deram a tênue mas alegre esperança de antever que este ano haveria natal a ser celebrado e que o presente de amigo secreto pudesse estar até garantido.
Pensando, e pensando de novo, passado um tempo, o medo voltou e aquele discursoque prometeu varrer da face da humanidade quem pensa diferente também voltou a grudar feito chiclete no seu cérebro, inundando-o com o mais terrível pânico dos desesperados. Cadeia, caixão ou exílio, é isso que nos espera junto com a trevas do autoritarismo de um discurso de doido varrido. Em especial é isso que espera os vermelhos.
Nesta nova Ordem Bolsonáriaquem será o Juiz Moro a nos atribuir a cor vermelha, mesmo que seja uma cor que nunca tivemos e nunca foi nossa, para nos jogar numa masmorra ou nos mandar para a morte ignominiosa de nossas reputações? Vermelhos ou não, nós merecemos isso? Ou se for vermelho tudo bem pra você? Este é o tamanho da sua humanidade? Este é o ser divino que habita neste envólucro de carne e sangue que é você?
Há gente desesperada neste país. Gente que pensa que a partir de 28 de outubro teríamos oficializado o bullying praticado por uma legião de bárbaros contra pessoas indefesas nas ruas, em suas casas, em suas vidas.Que a partir de 28 de outubro se instituirá o terror praticado pelo governo contra os seus cidadãos, tudo autorizado pela Chefe máximo da nação.
O futuro Chefe da nação é um subversivo da ordem, da hierarquia e da disciplina militares. Adorador da tortura, éum Unabomber frustrado. E, pasmem, será o Comandante-em-chefe das Forças Armadas. Há o medo de não haver judiciário altivo e independente a nos garantir. Há o temor de ver o prezado Dr. Robalinho do MPF já acenar à nova ordem com o mais sedutor e encantador dos seus sorrisos. Há o medo, o pânico e o terror de que a Ordem Bolsonária seja responsável pela desmoralização suprema do Exército Brasileiro ao se ver que,“seguindo planos militares contingencias”, um cabo e um soldado foram mandados fechar um acovardado STF. Enfim, vamos virar uma Venezuela!
Novo governo, nova vida, nova ordem. Assim, natural se cogitar trocar o real por um novo padrão monetário: o bolsomoro. A nova moeda celebrará a subversão da ordem constitucional de 1988, dedicada aos dois de seus maiores heróis. Uma moeda de duas caras e nenhuma coroa.
Sendo uma moeda de duas caras, trará certa dúvida de saber se  é verdadeira ou não ou se valerá pelo valor de face.
 Tendo duas caras, a moeda e a Nova Ordem Bolsonária, em qual delas acreditar?
Fuad Faraj é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.

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