sexta-feira, 1 de março de 2019

Segurança pública: Witzel e Bolsonaro simbolizam ‘derrota de projeto civilizatório’, diz especialista



"Elegem a nós como inimigos retóricos - especialistas, membros da sociedade civil, defensores de direitos humanos etc. - como se alguma vez tivéssemos conseguido implementar as políticas que defendemos, o que nunca tivemos a possibilidade real de fazer”, diz Ignacio Cano
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Jornal GGN – As propostas para a segurança pública do governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel e do presidente da República Jair Bolsonaro, apresentadas em apenas dois meses de gestão, apontam para a derrota do “projeto civilizador”. A avaliação é do coordenador do Laboratório de Análises da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV/UERJ), Ignacio Cano.
Em entrevista à BBC News Brasil, o sociólogo lembra que o contexto de violência enfrentando hoje no Rio de Janeiro o faz lembrar dos anos 1990, quando o Rio chegou a registrar um pico de 64,8 mortes por 100 mil habitantes. Hoje os dados oficiais apontam para uma taxa de 39,3, registrada no ano passado, batendo recordes das últimas décadas, destacando que a margem tende a aumentar por incentivo das políticas de estado.
“Há um claro encorajamento para a polícia matar mais, quando já batemos o recorde histórico (de mortes cometidas por policiais) no ano passado”, pontua Cano lembrando que a violência de estado dos anos 1990 ainda era vista como um resquício da ditadura militar.
Em fevereiro deste ano, uma operação policial no morro Fallet-Fogueteiro deixou 13 mortos no Rio. Antes das investigações serem concluídas, e após denúncias de familiares das vítimas afirmando que a polícia torturou e executou pessoas que já estavam rendidas, o governador disse que a operação foi legítima.
“Hoje vemos voltar com mais força que nunca aquele espírito de “é preciso matar o máximo possível”. Acho que as políticas tanto do Bolsonaro quanto do Witzel estão baseadas na ideia de que vamos resolver o problema matando o máximo de número de pessoas (criminosos). Que se vincula com a ideia da gratificação faroeste”, pondera o pesquisador.
Ele completa que o caso das 13 mortes é “muito simbólico”: “[É] o mesmo número de mortes que encontramos nas chacinas da Nova Brasília em 1994 em 1995 (somadas, 26 pessoas foram mortos nos dois episódios, na zona norte do Rio). Os casos resultaram na condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, condenação que está pendente e que é de cumprimento obrigatório pelo país”.
Cano destaca ainda que a operação de início de governo “simboliza” uma “política de extermínio que tem sido defendida abertamente pelo governador e pelo presidente, a velha política de “bandido bom é bandido morto””
O governador Wilson Witzel também planeja extinguir a Secretaria de Segurança Pública, sob o argumento de aumentar a autonomia das polícias Civil e Militar. Mas, para Cano, a proposta irá, na realidade, aumentar o descontrole das polícias, além do número e força de milícias no estado.
Outro fator de descontrole das polícias está no pacote de propostas anticrime entregue ao Congresso pelo juiz Sérgio Moro e que ampliar o direito a legítima defesa em casos de mortes cometidas por policiais. Se a justiça entender que o agente policial agiu por medo razoável ou violenta emoção, poderá reduzir a pena pela metade ou não aplicá-la.
“É o recuo do próprio direito. Cada um pode fazer o que quer. O policial faz o que quer, o juiz aplica a pena se quer. É um cenário de degradação da tutela jurídica da conduta social”.
“Os policiais corruptos e as milícias estão adorando essas falas de que a partir de agora não vai ter interferência, de que mortes pela polícia não vão ser investigadas. Tem coisa melhor para a milícia? Basta dizer que foi morto em troca de tiro. É muito perigoso o que está acontecendo em termos de descontrole, e os efeitos perversos que isso pode gerar”, completa o especialista.
Sobre a facilitação posse de armas à população, Cano entende que o decreto do presidente Bolsonaro, se torna mais um exemplo do “grande paradoxo” das políticas que vêm sendo propostas a nível federal e estadual.
“A posse de armas já vem crescendo muito nos últimos anos. As mortes pela polícia estão em um recorde histórico. Eles estão vendendo a continuidade como novidade”, destaca.
“Acho que vivemos uma derrota muito profunda desse projeto civilizador. As UPPs, para nós e para os setores mais abertos da polícia, eram uma oportunidade de mudar o modelo de segurança. Deixar para trás o modelo de confronto e tentar enveredar para um modelo de proteção, contenção de danos, redução de confrontos. Isso não aconteceu, e agora vem essa reviravolta, esse retorno ainda mais virulento às velhas políticas do confronto”, ressalta.
O papel da retórica
Cano sustenta que a retórica tem um papel importante na afirmação de políticas públicas. Ele destaca que, desde 2013, ocorre o aprofundamento da regressão civilizatória no Rio.
“Os avanços foram se perdendo. Perdeu-se a batalha retórica, se perderam as políticas públicas e hoje vivemos um momento de derrota de todos esses avanços que ocorreram ao longo desse período”, disse completando em seguida:
“Elegem a nós como inimigos retóricos – especialistas, membros da sociedade civil, defensores de direitos humanos etc. – como se alguma vez tivéssemos conseguido implementar as políticas que defendemos, o que nunca tivemos a possibilidade real de fazer”.
O sociólogo salienta que a retórica local é ainda mais importante, pois influencia diretamente a ponta da política de segurança:
“O que o comandante diz no batalhão, isso é o mais importante de tudo. A retórica num nível central também conta, mas a local, do batalhão, é decisiva. Quando o Bolsonaro vai ao Bope e fala que agora quem manda no Brasil são os capitães, isso é uma fala venenosa. Porque é interpretada nas bases da polícia como: “Agora somos nós. O comando não vai mais determinar o que nós fazemos”.
A previsão no desenrolar desse cenário não será boa nem mesmo para Witzel e Bolsonaro, que não vivem o dia a dia da mesma forma que a maior parte da população carioca.
“Acho que veremos uma multiplicação de conflitos com armas de fogo, acidentes, suicídio, ou mesmo casos como o do menino que vai à escola com a pistola do pai e atira nos colegas, como vemos nos EUA. E sempre que houver um caso de grande repercussão com armas recém-compradas, isso vai trazer um forte desgaste para o governo”, conclui. Para ler a entrevista na íntegra clique aqui.

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