Peça 1 – a teoria do choque



O Ministro da Economia Paulo Guedes apertou o botão de pânico, quando anunciou ter 
15 semanas para “salvar o Brasil”. Empregou pela última vez a retórica das reformas 
como boia de salvação, típica de economistas sem a mínima noção sobre a gestão 
de política econômica. E se deu conta de que acabou o prazo batizado pela Escola 
de Chicago de “teoria do choque”.

Consiste no seguinte:

Sempre que há um choque interno qualquer em um país, há uma desestruturação do 
sistema político e das formas de organização da sociedade. Por choque entenda-se 
desde choques econômicos até políticos, como golpes de Estado.
A perda de rumo geral abre espaço para a apresentação de fórmulas mágicas, liberais
(midiaticamente inculcadas).
A população aceita as perdas decorrentes dessa reforma, na esperança de que abram 
novas perspectivas.
A eleição de Bolsonaro consistiu no segundo tempo de um choque que começou com o
impeachment.

Agora, esse tempo começa a esgotar.

Peça 2 – o funcionamento da economia

A economia opera com quatro fontes de demanda:
  1. Gastos das famílias.
  2. Gastos do governo
  3. Gastos das empresas
  4. Demanda externa.
Vamos tentar entender, bem esquematicamente, o funcionamento dessa 
máquina.
Analisando as correlações:
1. Gastos do governo alimentam a demanda das empresas e famílias, não a
penas nos  investimentos – que aquecem a cadeia dos fornecedores -, como 
serviços públicos.
2. No caso das famílias, os gastos públicos têm impacto no emprego-renda e 
na economia doméstica.  Se a saúde não funciona, as famílias adoecem, 
por falta de atendimento, ou terão que gastar  com atendimento pago. 
O mesmo ocorre na educação e outros serviços públicos. Além disso, são 
fatores que afetam o bem estar das famílias e, portanto, têm consequências 
políticas.

Os cabeças de planilha, economistas com visão estritamente financeira da 
economia, sem conhecimento maior sobre como azeitar essa engrenagem, 
concentram toda sua esperança naquele círculo entre demanda e gastos de 
empresas: as expectativas.
Seu esquema de trabalho é assim:
  1. O empresário vai investir se tiver expectativa favorável.
  2. O único fator de expectativa que impacta empresário é o equilíbrio fiscal.
  3. A única maneira de conseguir equilíbrio fiscal é através do corte de despesas e de reformas.
Como não tem a menor noção sobre as operações de política econômica, e o funcionamento do mundo real, recorrem à palavra mágica: reformas. Só isso.
Abandonam estímulos à indústria, gastos com saúde, tecnologia, educação,
infraestrutura e concentram tudo nas reformas.
Mais que isso, eles recorrem à chamada falsa identidade. Analisam a riqueza 
do país e dividem entre setor público e privado. E supõe que, retirando o setor 
público, a riqueza continuará a mesma e será ocupada pelo setor privado. 
Simples assim. Em qualquer economia de mercado, despesa do setor público 
significa demanda do setor privado.
Ora, o empresário vai investir se houver demanda no presente e expectativa 
favorável de demanda no futuro. E essa expectativa não depende apenas da 
higidez fiscal, mas da certeza de que a economia vai crescer, mais empregos 
serão gerados, haverá mais renda das famílias para consumo.
Além disso, equilíbrio fiscal depende também do aumento da receita. E 
aumento da receita depende de crescimento.

Peça 3 – a relação gastos públicos x receita privada

Ora, gasto público impacta positivamente a receita privada e ajuda a gerar 
emprego, crescimento do PIB e, consequentemente, crescimento da receita 
fiscal. Ou seja, aumento do gasto público permite atingir o equilíbrio fiscal 
se o aumento da receita fiscal, dali decorrente, for maior do que o nível de gastos.
Em outras palavras: se gasto 100 e esse gasto estimula a economia a tal 
ponto que a receita fiscal aumenta 120, estou no melhor dos mundos.
O desafio consiste em acertar essa medida. Se a despesa crescer de forma desproporcionalmente maior que seu impacto no aumento do PIB – e das receitas
fiscais – o caldo entorna. Foi o que ocorreu no festival Guido Mantega de subsídios.
No entanto, se deprimo o gasto público sem nenhuma preocupação com os impactos
 no setor privado e nas famílias, a economia não cresce e não conseguirei segurar as expectativas dos empresários.
É o que está ocorrendo no festival continuado de mercadismo dos cabeças de 
planilha, através de Joaquim Levy, Henrique Meirelles e Paulo Guedes, com a 
ajuda valiosa do Congresso, que criou a tal Lei do Teto, amarrando em todas as 
pontas as despesas públicas.
Criou-se um terraplanismo ideológico dos mais nefastos da história do Brasil.
Como foi celebrado por algum Weintraub econômico da equipe de Guedes,
“conseguimos reduzir o Estado”. Isto é, no PIB ridículo de 2019, a queda da
contribuição do Estado foi maior do que o do setor privado. Um despencou;
o outro, despencou menos.
Reparem que eles não têm a menor informação (ou interesse) sobre a 
correlação entre gasto público e demanda privada. Não conseguem entender 
que o desempenho pífio do setor privado tem relação direta com o corte 
drástico das despesas públicas.
Tanto assim que, nos primeiros meses à frente do Banco Central, Roberto 
Campos, o neto, deu uma declaração se dizendo surpreso com a “dependência” 
do setor privado em relação aos gastos públicos. Anunciou até a criação de um 
grupo de trabalho para estudar o “fenômeno”. Bastava consultar os dados do 
IBGE que mostrariam que a economia brasileira é exatamente igual a de 
qualquer outra economia de mercado,  com ligação direta entre gastos públicos 
e receita privada.

Peça 4 – o fim do sonho

De Meirelles-Temer a Guedes-Bolsonaro, os empresários viveram de ilusão. Basta a reforma trabalhista, para todos os empregos serem gerados. Ah, não, perdão, faltaram outras. Mas agora, com a reforma da Previdência, haverá um pote no final do arco-íris. Não deu certo? É porque faltam as reformas administrativa e a fiscal. E tome carnaval em
cima de estatísticas falsas, como a da Alshop, e da celebração macabra de qualquer melhora mínima nos indicadores. Tipo, o emprego estava em 100, caiu para 80, mas
no mês passado subiu para 81: alvíssaras!, é o começo da recuperação. E no mês seguinte, voltava para 80 de novo.
E assim vai, e assim foi. A crise foi trágica e não escapou nem a demanda externa,
com as exportações brasileiras sendo cada vez menos intensidade tecnológica e, por consequência, cada vez menos geradora de emprego e renda.
As consequências são trágicas e estão à vista de todos. Com a divulgação do Pibinho
de 1,1%, não tem maia que segure mais as expectativas empresariais.
O corte draconiano de despesas quebrou as pernas da economia – daí o Pibinho – e acendeu o fogo no caldeirão da política. Ah, esqueci que na planilha dos cabeções não existe a variável política, opinião pública etc. E na cabeça dos seus colegas,
terraplanistas, opinião pública é o que sai no Twitter e no WhatsApp.
Ainda conseguiram segurar um pouco a queda com liberação de FGTS, PIS-Pasep e aumento do endividamento – mas sem tocar no custo do dinheiro. Com tudo isso,
chegou-se ao Pibinho ridículo de 1,1%. Mas com a certeza dos ignaros e dos malandros, que daqui para frente tudo será diferente.

Peça 5 – as consequências

Dificilmente as expectativas empresariais resistirão ao anúncio de um PIB de 1,1%. Já havia caído a ficha do próprio Bolsonaro, quando deixou vazar a informação de que
havia um prazo para Guedes apresentar resultados.
Por outro lado, há um acirramento cada vez maior na opinião pública, com a falta de expectativas econômicas e as provocações permanentes de Bolsonaro, além do
estímulo à rebelião das PMs. Do lado da população, abandono das famílias no Bolsa Família, nas filhas da Previdência, na uberização.
Os próximos meses serão emocionantes e quem tiver certeza sobre o que ocorrerá,
estará mentindo. O país enfrentará momentos decisivos tendo na presidência uma
pessoa violenta, acuada e ligada às milicias privadas e públicas

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