segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Volta da CPI expõe conluio entre governo Bolsonaro e Centrão

 

Na mira da comissão, os estranhos atos do chefe do escritório da Saúde no Rio, próximo a Eduardo Bolsonaro, e os contratos do governo com a VTCLog, engordados na gestão de Ricardo Barros. E mais: pandemia avança no Sudeste Asiático e África

Por Leila Salim e Raquel Torres | Imagem: Aroeira

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NOVAS FRENTES

Voltando após o recesso parlamentar, a CPI da Covid deve acelerar nesta semana as apurações e depoimentos sobre irregularidades na compra e negociação de vacinas. A ideia da cúpula da comissão, segundo apurou a Folha, é concentrar os primeiros esforços nos casos Covaxin e Davati e ganhar tempo hábil para, nas próximas semanas, se dedicar a novas frentes de investigação.

Entre os novos alvos, estão as suspeitas de corrupção nos hospitais federais do Rio de Janeiro e os negócios da empresa VTCLog com o Ministério da Saúde. A investigação sobre os hospitais está a cargo do senador Humberto Costa (PT-PE), que na próxima semana deve apresentar os nomes a serem convocados para depoimento. É possível que um dos primeiros seja Marcelo Lambert, superintendente do escritório da Saúde no Rio. Informações de bastidores dão conta, segundo a Folha, que Lambert teria sido indicado por Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) para o cargo. 

Já os contratos milionários da VTCLog com o Ministério, ampliados durante a gestão de Ricardo Barros, devem ser investigados a partir do depoimento da presidente da empresa, Andreia Lima. Como comentamos por aqui, a quebra de sigilo telefônico de Roberto Dias, ex-diretor de logística da pasta, mostrou repetidos contatos com a VTC, o que reforçou as suspeitas de irregularidades em licitações graúdas vencidas pela empresa. 

DESINFORMAÇÃO NA MIRA
 

A disseminação de notícias falsas também deve ganhar atenção da CPI. A ideia, segundo O Globo, é identificar agentes públicos que difundiram fake news durante a pandemia. Foram listados 26 parlamentares cujas postagens em redes sociais contém conteúdos de desinformação. 

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), no entanto, avalia que depoimentos nesse caso não serão necessários. Segundo ele, os próprios posts servem como provas contundentes e serão anexados ao relatório final das investigações. 

Mas não apenas os parlamentares serão investigados por difusão de notícias falsas. A CPI deve abrir outra linha de investigação para apurar a participação direta do governo, via Secretaria de Comunicação (Secom), no financiamento e estímulo à propagação de desinformação sobre a pandemia. O fio a ser seguido é o da quebra de sigilo fiscal da agência Artplan, contratada pela Secom. Há suspeitas de que esse contrato tenha sido usado para financiar influenciadores digitais que disseminaram conteúdos falsos. Os dados, no entanto, mostram que a verba paga pelo governo federal à agência foi redistribuída a duas empresas subsidiárias da Artplan. A CPI pretende, agora, pedir a quebra de sigilo das subsidiárias para descobrir quem recebeu – e como empregou – a verba pública.

Também suspeita de disseminar informações falsas, a rádio Jovem Pan entrou na mira da CPI. No entanto, após a sinalização de que a comissão discutiria hoje o pedido de quebra de sigilo bancário da rádio, representantes da mídia comercial reagiram. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) rapidamente emitiu nota de repúdio, argumentando que  “qualquer tentativa de intimidação ao trabalho da imprensa é uma afronta à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição Brasileira”. O pedido de quebra de sigilo foi apresentado por Renan Calheiros. 

MUITO MAIOR

Mas ainda há muito a ser apurado quanto às negociações de imunizantes. Amanhã, os olhos da CPI estarão concentrados nas empresas, revendedores e intermediárias que ofertaram vacinas ao governo federal sem autorização dos fabricantes dos imunizantes. E novas revelações indicam que o “rolo”, para usar a expressão de Bolsonaro sobre a Covaxin, pode ser muito maior do que se supunha…

O reverendo Amilton Gomes de Paula, fundador da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), vai ser o primeiro depoente. Ele foi convocado para esclarecer a participação da ONG na negociação feita por Luiz Paulo Dominguetti, o policial militar  que que ofereceu 400 milhões de doses de AstraZeneca sem autorização do laboratório e sem origem comprovada. É que, como se sabe, a ponte entre o Ministério da Saúde e Dominguetti, que dizia representar a empresa estadunidense Davati, foi feita justamente pela Senah. 

Mas as suspeitas acerca da ONG ganharam novos contornos. Reportagem da Folha mostrou que a Senah, autorizada pelo Ministério da Saúde a negociar a compra de vacinas para o Brasil, fazia tratativas também com outra empresa nos Estados Unidos. E o caso não é nada simples. 

A International Covid Solutions Corp, criada em janeiro deste ano, é uma empresa novaiorquina presidida por Charles Ramesar e gerenciada pelo policial aposentado Rudranauth Toolasprashad. Conhecido como Rudy, o policial-gerente já foi afastado da corporação por suspeitas de corrupção. A empresa, por sua vez, não conseguiu comprovar como disponibilizaria as doses de vacina que pretendia vender. 

A sede oficial da companhia fica nos fundos de um escritório de advocacia no bairro do Queens, em Nova Iorque. Mas, quando a reportagem da Folha visitou o local, foi informada pelo sócio do escritório, Darmin Bachu, que a empresa responsável pela venda de vacinas funcionaria em outro lugar. Supresa: nesse novo endereço, funciona na verdade um cinema de bairro. Pois é. 

Segundo a Folha, que teve acesso a troca de mensagens, a Senah falou em nome do governo brasileiro para negociar com essa curiosa empresa a compra de vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, além de luvas e seringas. Lembrete importante: a AstraZeneca nega que negocie venda para empresas privadas. 

A Senah conduzia a negociação com a International Covid Solutions Corp desde janeiro,. Segundo o advogado da empresa dos Estados Unidos declarou à Folha, as negociações com o Brasil não foram adiante. Ele diz ainda que a empresa tem acesso a fornecedores da Pfizer e da AstraZeneca para compra de vacinas, mas que os nomes dos responsáveis pela negociação seriam sigilosos. 

MAIS MISTÉRIOS

Quanto ao caso original, envolvendo a empresa Davati, há também  novidades: o dono da companhia, o americano Herman Cardenas, disse ao Fantástico, da TV Globo, que foi enganado pelos seus parceiros brasileiros. Segundo ele, Cristiano Carvalho (que era, junto a Dominguetti, representante da Davati no Brasil) fingiu estar em contato direto com Bolsonaro e chegou a forjar uma foto para simular uma reunião com o presidente. 

Cardenas, na mesma linha do dono da International Covid Solutions Corp , disse também que não pode contar de onde a companhia tiraria as 400 milhões de doses da vacina fabricada pela AstraZeneca negociadas com o Ministério da Saúde… Diante de tantas dúvidas, intermediárias e segredos, pararece que o reverendo terá muito a dizer à CPI amanhã. A ver. 

E O HACKER?

A versão do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre o aplicativo TrateCov parece não ter colado também para os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU). Eles concluíram que a ferramenta, usada em Manaus para auxiliar na identificação de casos de covid-19 e que prescrevia o famigerado ‘tratamento precoce’, não foi “roubada” ou “hackeada”, como disse à CPI da Covid. Segundo o relatório, o TrateCov foi originalmente planejado para  prescrever automaticamente o tratamento sem eficácia comprovada para a doença. A análise do aplicativo foi solicitada ao TCU pelos integrantes da CPI da Covid. 

E o general da ativa talvez tenha ainda mais explicações a dar. Na sexta, a coluna de Mônica Bergamo na Folha revelou que Laura Appi, primeira-tenente, infectologista e diretora de programa na Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde e namorada de Pazuello, recebeu R$ 29.538,72 da pasta entre maio de 2020 e março deste ano como pagamento de diárias de viagens.

Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência do Governo Federal. Em ao menos nove viagens reembolsadas, Laura Appi justificou a viagem se  apresentando como acompanhante do ministro de Estado.

LONGE DO FIM

A Indonésia é hoje, em números absolutos, o epicentro da pandemia, com uma média de mais de 1,7 mil mortes diárias por covid-19 – para comparação, em todo o ano passado esse número nunca passou de 200. Na capital Jacarta, um novo cemitério foi inaugurado em março para receber 7,2 mil corpos, mas o espaço não deve ser suficiente: as curvas seguem subindo, e a cidade planeja abrir mais 10 hectares para aumentar a capacidade de realizar enterros.

Esse não é o único país do Sudeste Asiático lutando com uma piora brusca em seus índices. Vietnã e Mianmar, que conseguiram passar praticamente incólumes pelo vírus até junho, começaram a ver suas hospitalizações e mortes crescerem desde então. Em Mianmar, se for levado em consideração o número de habitantes, a situação é tão ruim quanto na Indonésia. No Vietnam, embora os números absolutos continuem baixos (foram apenas 1.161 mortes por Covid-19 ao todo até o último sábado), o que assusta é a variação: nas últimas duas semanas, a média de mortes diárias foi de 20 para 133.

Já quando se olha para a as mortes em relação ao tamanho da população, é na África que estão os piores países: Tunísia, Namíbia e Botswana são as três nações com mais mortes por milhão de habitantes. Em todo o continente, as mortes subiram nada menos que 80% no mês de julho. Como a população africana em geral é muito jovem – portanto com menos chance de adoecer gravemente e morrer por covid-19 –, isso é ainda mais impressionante. Os números de casos e óbitos seguem baixos em muitos desses países, mas, como existem dificuldades de registro, provavelmente há muita subnotificação. 

TEMPESTADE PERFEITA

A cepa Delta provavelmente está por trás de boa parte das infecções nesses países, embora só tenhamos encontrado dados sobre dois deles: na Indonésia e em Botswana essa variante já reina quase absoluta, representando 93% e 80% dos casos, respectivamente. E ela já foi relatada em 14 países africanos, estando presente na maior parte das amostras sequenciadas em julho em Uganda e na República Democrática do Congo, segundo o Centre for Investigative Journalism Malawi.

Mas um dos principiais ingredientes dessa tempestade perfeita é a baixa cobertura vacinal. Só 7,5% dos indonésios e 0,64% dos vietnamitas estão totalmente vacinados. Na Namíbia, são menos de 2%; na Tunísia, 8%. Na sexta, o diretor da OMS Tedros Ghebreyesus disse que apenas 3,5 milhões de doses estão sendo administradas por semana em todo o continente africano. Para cumprir a meta de vacinar 10% da população até setembro, porém, esse número teria que subir para 21 milhões, o que não está nem perto de acontecer.

Temos falado muito aqui sobre a desigualdade entre os países ricos e os de média/baixa renda quanto à distribuição de imunizantes, e esse é um nó gigantesco. Mas infelizmente não é o único. Duas reportagens interessantes tratam especificamente do caso da Nigéria, onde menos de 1% da população está totalmente vacinada.

A primeira, da Foundation for Investigative Journalism, explica que 80% dos centros de saúde do país não têm capacidade para administrar os imunizantes. As falhas são principalmente na infraestrutura (em 20% deles não há qualquer forma de energia elétrica, e mais de metade não tem os refrigeradores recomendados).

A segunda trata da hesitação vacinal, que, apesar do resultado igualmente ruim, tem motivações distintas ao redor do mundo. O Premium Times fala especificamente do estado de Sokoto, onde os temores se fundam em um criminoso ensaio clínico conduzido pela Pfizer há quase três décadas em Kano, estado próximo. Foi em 1996, quando uma epidemia de meningite assolou todo o país. No ensaio, a Pfizer testou um novo antibiótico em 100 crianças e bebês sem pedir o consentimento das famílias; 11 crianças morreram e dezenas tiveram algum tipo de sequela. Durante anos, a Pfizer alegou que os problemas haviam sido causados pela meningite, e não pelo remédio. Apenas em 2011, após um longo litígio e testes genéticos nas vítimas, foi feito um acordo para indenizar as famílias. 

O efeito dessa história na pandemia hoje é uma desconfiança que sequer se restringe à Pfizer. “Sim, concordamos que o coronavírus existe, mas nunca vou aceitar nada vindo dos brancos como solução. Prefiro usar ervas tradicionais”, diz uma gestante entrevistada. “Acredito que exista o vírus e estou entre as pessoas que se mobilizaram para esclarecer as pessoas sobre ele. Mas não quero a vacina porque não sei como meu corpo reagiria a ela. Pode ser útil, mas eu não quero”, afirma outra mulher.

A piora nos indicadores da pandemia, porém, tem feito parte dessa população relutante mudar de ideia, diz a Associated Press.

MENOS TEMPO

A reportagem do Washington Post sobre a variante Delta, que repercutimos na sexta-feira, gerou um enorme debate sobre a transmissibilidade da variante Delta por pessoas vacinadas. O texto se baseou em uma apresentação vazada do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, segundo a qual haveria carga viral semelhante nas vias superiores de pessoas infectadas, vacinadas ou não. Essa descoberta indica que a capacidade de transmissão pode ser semelhante. 

A reportagem do STAT explica, porém, que os vacinados provavelmente permanecem contagiosos por um período de tempo mais curto do que quem não se vacinou, já que o sistema imune entra em ação rápido. Por isso, em média, devem passar o vírus para menos gente.

Os Estados Unidos continuam com casos em alta. Anthony Fauci, principal conselheiro da Casa Branca na pandemia, espera que as coisas ainda piorem por conta dos não-vacinados. “Temos 100 milhões de pessoas neste país que são elegíveis para serem vacinadas e que não estão sendo vacinadas”, disse. Ele não acredita, porém, que não serão necessários novos lockdowns e que a situação não vai ficar tão ruim quanto em 2020.

PASSAPORTE

Na França, seguem pela terceira semana consecutiva os protestos contra a adoção do ‘passaporte da vacina’, o documento obrigatório para acesso a espaços culturais e de lazer formulado pelo governo de Macron. A partir da semana que vem, ele deverá ser apresentado em bares, restaurantes, aviões e trens. No sábado, a marcha em Paris reuniu milhares de pessoas que clamavam por “liberdade” e contra a obrigatoriedade das vacinas. Outras cidades também registraram protestos, que foram convocados para cerca de 150 localidades. 

A reivindicação por “liberdade” para ignorar as medidas de controle à pandemia também apareceu na Alemanha. Lá, os protestos se voltaram contra as restrições sanitárias e foram convocados, segundo o UOL, pelo movimento ‘Querdenker’ (Pensadores Livres). As manifestações estavam proibidas pela justiça e, segundo a polícia, mais de 600 pessoas foram presas em Berlim. 

A SITUAÇÃO AQUI

No sábado, a média diária de mortes por covid-19 no país ficou abaixo de mil pela primeira vez desde 20 de janeiro. Ontem, ficou em 984. Cerca de 48% da população tomou alguma dose de vacina e 19,6% está com o regime completo. 

O Instituto Butantan pediu à Anvisa autorização para ampliar a a faixa etária da indicação da CoronaVac no país, para incluir o público de 3 a 17 anos.

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