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sábado, 6 de julho de 2019

Do Justificando: Os fins justificam os ‘Moros’? Análise de Schleiden Nunes Pimenta Pravesh


Ruy Barbosa dizia, em outras palavras, que justiça “morosa” não é justiça. Tinha razão, em todos os sentidos.

 Os fins justificam os ‘Moros’?


Sexta-feira, 5 de julho de 2019

Os fins justificam os ‘Moros’?

Arte: André Zanardo

Algumas coisas nunca deixam de ser – ou de se confundir. Por exemplo, quem, ainda hoje, não hesitaria por um segundo em afirmar que o Senado é a bandeja posta para cima ou o prato virado para baixo? Bem como duvido, ah, se duvido!, que ninguém tenha se perguntado se a estátua com venda nos olhos está no Supremo Tribunal Federal por livre e espontânea vontade ou se eis à sua espera para lhe ajudar a atravessar a rua? 

Sua, sim. É para o senhor que me volto. Pois, e se eu te disser, Doutor, que o promotor e o juiz da sua causa trabalham juntos para incriminar o cliente que veio te contratar?

Aconselhar-te-ia: envie um ‘Whatsapp’ para Montesquieu. Diga-lhe sobre um possível acordo entre referidos órgãos, esnobando princípios basilares do devido processo legal – como o do juiz natural – para incriminar um ex-presidente que liderava as pesquisas de intenção de voto nas eleições que se aproximavam. Detalhe a celeridade incomum dos atos processuais, o atropelo das fases e a falta de provas apontada inclusive pela Organização das Nações Unidas.

Mande um ‘Telegram’ para Maquiavel
Mande um ‘Telegram’ para Maquiavel. Conte-lhe que somos contra uma obtenção de prova ilegal que visa a punir um magistrado que também se valeu de uma obtenção ilegal de prova para forçar uma condenação, alavancar a sua carreira, consolidar a vitória eleitoral de outro presidente que mais lhe agradasse e manipular a fé de uma nação vestido como o nosso maior símbolo anti-corrupção – para, de quebra, ser nomeado Ministro da Justiça alguns meses depois. Confesse-lhe o diálogo tão fluido entre os órgãos públicos e o apoio – bem como o linguajar tão pejorativo – dos jornais.

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Ou volte-se para Kant. Fale sobre moral. Revele para ele que confiamos em um juiz possivelmente improbo que abandonou a Magistratura para galgar ao cargo de Ministro da Justiça de um Presidente da República que também apoia a sua postura irregular. 

Pense que o Estado poderia encarar os novos dilemas tecnológicos, rever o diálogo e a aproximação entre os seus órgãos, autocriticar-se, combater a corrupção (perante o julgamento exatamente do maior símbolo [falso?] anti-corrupção no Brasil atualmente), mas que ao contrário de tudo isto fazemos vista grossa a uma praxe que talvez ocorra ao longo de todo o país, incentivando os seus praticantes à destruição de um pilar do Poder Judiciário e da nossa Constituição.

A aplicação do princípio da obtenção ilegal de provas – passível de modificação – versus todo um arcabouço constitucional que não se alterará tão cedo – ou jamais.

Vislumbrar-se-ia uma situação futura: um prejuízo factível e anos de atraso em vistas de uma interpretação legal que nem existe mais. Como uma pessoa que, após vinte anos preso, é solta porque o seu crime nem é crime mais; ou, então, um governante impeachmado que vê, logo após a sua exoneração, o ato que causou a sua ruína ser reinterpretado e relativizado pela Câmara dos Deputados para não ser mais condenado e nem objeto de futuras investigações.

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Cogite que o maior ponto em jogo não seja o cargo do magistrado, a prisão do ex-presidente ou o posto do atual líder do país… Mas, sim, um embate teórico, hermenêutico: uma ilusão. A capacidade que o Direito tem de submeter um fato real a uma ficção jurídica que está a serviço do Poder. Que o risco maior é o rachar de pilares importantes da República no intuito de proteger pessoas, interesses, ambições e investigações aleatórias e que logo passarão, de modo que o que não poderia passar mesmo é a Constituição.

Ruy Barbosa dizia, em outras palavras, que justiça “morosa” não é justiça. Tinha razão, em todos os sentidos. Pois, perguntar-lhe-ia, Doutor: se representantes do Ministério Público e da Magistratura atuam ilegalmente, em comum acordo, para incriminar o seu cliente, de que outro modo senão algo exterior ao Sistema seria possível de provar a ilegalidade que o próprio Sistema arquitetou?

Reflita sobre a situação hipotética descrita até aqui. 

Caso metade dessas possibilidades sejam verdadeiras, Doutor… Se os fins justificam os meios, quer dizer que eles são justificados para quem? Tenho certeza que, neste caso, não seriam em favor do senhor.


Schleiden Nunes Pimenta Pravesh é escritor, advogado, especialista em Filosofia e Teoria Geral do Direito e atua como conciliador judicial.



Sexta-feira, 5 de julho de 2019

Do Justificando: Dissecando a moral e o direito nessa aliança entre polícia, ministério público e juiz. Por Plínio Vieira, filósofo e jornalista


   "Em peroração, o uso de uma moralidade oportuna eventualmente encontrará sua incoerência. Se perceberá que se trata apenas de um grupo diferente, trabalhando em benefício de si mesmo, pervertendo valores de sua profissão por falta de limites claros, na confusão entre o que se pode, por escrito e por princípios, e o que foi precedente pragmático. Será válido qualquer meio para o fim de ser um pouco mais numa sociedade em que a corrupção se mostra cíclica pela proteção incondicional dos pares, sem autocrítica e de ansiedade oportunista de troca de uns grupos pequenos para usar o máximo de uma grande fatia de poder a seu favor. Trata-se de um investimento na continuidade da verticalização de grupos que deveriam ser horizontais em uma democracia."




Dissecando a moral e o direito nessa aliança entre polícia, ministério público e juiz
Sexta-feira, 5 de julho de 2019

Dissecando a moral e o direito nessa aliança entre polícia, ministério público e juiz

Arte: André Zanardo

Por Plínio Vieira

No Direito as relações entre juiz e partes de um processo são estritamente públicas, exatamente para sequer parecerem, ora, particulares – trata-se de zelo necessário com a transparência, a imparcialidade e a paridade de armas. O que é do expediente público deve acontecer em público e o que é expediente privado deve acontecer em ambiente privado.


É conhecido que o expediente do juiz Sérgio Moro nos julgamentos da Lava Jato são admirados país afora. O movimento de expectativa de inversão de poder começou com o mensalão, ação penal 470, na qual se viu um fenômeno social inesperado no Brasil – a condenação e prisão de políticos e corruptos de elite. A Lava Jato seguiu esse paradigma, esse modelo de ser. Políticos e grandes empresários foram julgados e presos.

No momento, divulgações do site The Intercept Brasil revelaram supostas conversas de Moro, da época de juiz, que mostram um efeito aliança entre polícia, ministério público e juiz, já muito discutido nas academias críticas de Direito. Não só no Direito mas nas ciências sociais se tem observado desde o século XX a queda do discurso do objetivismo, para estudo do subjetivismo. Isto significa que o papel do sujeito que produz conhecimento influencia em quê conhecimento será produzido, como deve ser produzido e, assim, qual matéria e que forma de proceder são considerados “a verdade” ou “verdades”. No jornalismo e no Direito se enfrentou, e ainda se enfrenta, daí, uma quebra do discurso da imparcialidade. No Direito esse debate levou ao desmembramento da imparcialidade em dois institutos – neutralidade e imparcialidade. A neutralidade trata da subjetividade do indivíduo, de modo que ninguém é neutro. Cada sujeito tem uma história, seus móbeis, opções e ações sobre o meio em que viveu, o que mais ou menos o define. Já a imparcialidade é possível e significa não apoiar uma das partes no curso de um processo jurídico. Não haver interesse no resultado buscado no caso ou não ter relação de amizade ou inimizade com uma das partes, por exemplos. Conforme a lei positivada, portanto, um juiz que tenha interesse na solução de uma causa ou que seja amigo de uma das partes deve se declarar, em respeito à ética e à imparcialidade, incompatível para julgar uma causa.

No caso concreto das conversas privadas entre Moro e Dallagnol, embora seja questionável, primeiro, a legalidade da forma de obtenção das mensagens nas quais falam; segundo, a autenticidade das mensagens, isto é, a não alteração do conteúdo, o próprio Ministro da Justiça afirmou que não viu problema no que foi veiculado nas matérias, pois é normal que o juiz converse com as partes do processo e que o Telegram apenas foi um meio mais fácil de fazê-lo. Para investigar se esta afirmação é justa, basta inverter o procedimento, fazendo uma antilogia. Se Moro tivesse o contato pessoal de advogado(a) de um dos acusados na Lava Jato, por exemplo, e tivesse trocado mensagens com ele(a) por um aplicativo sobre assuntos do processo, seria um escândalo evidente ao mundo do Direito pátrio. Isso independente de o indivíduo ter sido condenado ou absolvido, independente do resultado do processo. Um jurista sabe que há violações que importam apenas conduta do agente (violação formal), sem que o resultado se consolide a posterior. Por exemplo, é o caso dos crimes de corrupção. Não é necessário que se receba a vantagem, mas apenas a conduta de conluio já é punível. Daí, não é necessário analisar se o resultado dos contatos pessoais teve repercussão nos processos, ou se foram confirmadas condenações em instâncias superiores, mas, antes disso, se houve contato sobre assuntos de processos conduzidos pelo então juiz com uma parte do processo. Ética e imparcialidade são questões de processo e de conduta processual, não de direito material ou de mérito.

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Agora, é válido falar de uma das transposições de valores do mundo político pós-moderno para o Direito: na política, as relações privadas e públicas entre pessoas se complementam, são típicas da articulação. No Direito as relações entre juiz e partes de um processo são estritamente públicas, exatamente para sequer parecerem, ora, particulares – trata-se de zelo necessário com a transparência, a imparcialidade e a paridade de armas. O que é do expediente público deve acontecer em público e o que é expediente privado deve acontecer em ambiente privado. Por óbvio um juiz não conversa em particular, fora dos locais de trabalho, e usando meios que não são os de trabalho, com nenhuma das partes. Apenas nos locais públicos, nos quais há oficiosidade e transparência, o juiz e as partes se falam e estes lugares são o gabinete, o cartório, o Tribunal. A admissão de que um juiz tem o telefone particular e fala com um sujeito sobre um caso no qual angularam como juiz e parte é, por si só, totalmente estranha ao Direito. Eis aí a confusão da vida privada com a pública. Juiz de Direito não fala de caso que conduz com parte alguma por celular, em sua casa ou na casa da parte, num almoço ou jantar, mas só em seus locais de trabalho público. Quem é do Direito sabe que, no mais das vezes, um servidor é chamado a acompanhar a conversa da parte com o juiz, como garantia da lisura e transparência. Também não é preciso muito esforço para um leigo interessado ver na lei que um juiz não pode ser amigo, ter relação ou interesse pessoal, ou aconselhar quaisquer das partes do processo, no art. 145, I, II e IV, do Código de Processo Civil, elaborado, inclusive, por Fux, ou nos arts. 252, IV, e 254, I e IV, do Código de Processo Penal.

O que se nota, no entanto, é que a política na sociedade brasileira (saúde, segurança, educação, infraestrutura e economia) tem uma carência moral tão grande que se tem proposto, constantemente, a hierarquização da moral sobre o Direito. Como do Direito se espera a Justiça, se espera que ele resolva as mazelas da política. Daí, de forma que Moro foi duro e prendeu políticos e parte de uma elite corrupta, isto é mais importante do que discutir o procedimento jurídico adequado para fazê-lo. É onde se chocam os métodos, em uma guerra, nas fronteiras política e jurídica – da moral, de um lado, e do Direito escrito e principiológico, de outro. E confundem-se os papéis de um agente político e os de um juiz. 

Aparente múltipla e eterna interpretação de acontecimentos, a moral como método maior torna toda questão um julgamento maniqueísta de bem e mal. De modo que o país goza de certa pluralidade política, bem e mal são apenas perspectivas de forças políticas que esperam trazer juízo popular para si. Uma possibilidade de concessão moral ampla, com a qual talvez muitos acedam, se encontra no que é indubitável: que a Lava Jato reforçou o paradigma de resistência à corrupção no discurso nacional. Mas isto custará que limites da legalidade e princípios do Direito?

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Decerto o eventual descumprimento do Direito escrito e principiológico em prol do bem parece útil para solucionar um problema nacional, de maneira pragmática, ou seja, buscar um sucesso casual para uma carência política e social grave. Foi assim com a prisão a partir da condenação em segunda instância e assim parece ser, agora, com a questão da relação assumida de Moro com o Ministério Público. Não é surpreendente, no entanto, que num mar plural aquilo que é bom ou que é o bem é perspectivo, costuma ter ponto de partida de uma força politizada e tem alvos certos, escolhidos. Basta notar que diversos políticos que tiveram áudios vazados ainda estão por aí, que situações graves permanecem com investigações morosas, não tão “Morosas” o quanto foram para certos condenados.

Ora, e por que isso acontece? Quanto ao objeto, trata-se de um [numeral] moralismo, que pode ter face de “bem público”, mas é apenas uma reforma, uma reposição daqueles que ocupam o poder. É um novo bem particular oligarca que se mostrará com o tempo, talvez tarde demais. Pode deixar alguns sucessos? Sim. Com certeza. Mas é preciso estar bastante atento(a) aos custos desta transação e o quanto a corrupção de limites apenas não muda de âmbito indevidamente – a política é flexível à moral como argumento, o Direito, nem tanto. Tem por fontes primárias leis e princípios e o que mais se aproxima da moral, cujo esforço por busca é universal, talvez sejam os costumes e a equidade. Quanto aos sujeitos, é possível dar um exemplo desta troca da oligarquia, eis que a elite política tem sido substituída por membros do judiciário e da polícia, isto é, a aristocracia tradicional tem perdido espaço para a critarquia, assim como os aristocratas têm perdido espaço para as forças armadas e grupos religiosos. Disso, teremos apenas uma nova oligarquia, uma nova “elite” e uma mera expectativa de que seus valores morais serão melhores que os anteriores. É uma esperança de democracia com um discurso que busca adesão popular ora moralizante, mas que pouco ou nada entregará a tais massas. Antes, delas extirpará bens materiais e a intelectualidade, tal como sempre foi, para minar a oposição digna do pluralismo. Se vê que da pura moral que se põe acima da ciência humana [política] nem na política se colhem bons frutos. Basta ver que os valores defendidos atualmente não são plurais, mas beneficiam, antes, os grupos que estão no poder. Não representam corpos fracos (minorias) ou de desenvolvimento (estudantes, professores e pesquisadores) da sociedade, mas os inimizam e excluem. Irônica é uma esperança de democracia sob esta forma exclusivamente moral, enquanto a política profissional em si segue, como esperado, aos trambolhões.

O paradigma moralizador da política no Direito se vê por um lado positivo e outro negativo. Do positivo, o Direito precisará buscar combater a corrupção no futuro tal como fez no passado, pelos precedentes que criou, a fim de prezar pela coerência. Do negativo, o Direito politizado, dotado de moralidade sectária e proselitista, que eventualmente deixa a lei e princípios de lado para resolver problemas em busca de um sucesso rápido e simplista, encontra novos alvos, passa a ignorar outros e, assim, aquele mesmo argumento que se usou para não se aplicar a lei e princípios só será notável quando vier a público, por debaixo dos panos, eventualmente do lado “do mal”.

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Exemplo, parece moral um juiz conversar com o advogado de um outro juiz ou de membro do ministério público, por aplicativo, por via particular, não oficial, sobre um processo que conduz, e aquele juiz ou membro do MP ser parte neste processo? Ora, se isto já não se viu antes, apenas em um ambiente diferente – política? Não é difícil notar que a disputa por credibilidade no dizer a verdade, na proteção dos seus e da ampliação dos seus poderes por persuasão da sociedade por via exclusivamente moral é um pueril fenômeno político e não jurídico. No Direito este método (corporativista) deve ser combatido, com lei e princípios, para o bem e para o mal. Pois, quando não o for para fazer o bem, quando precisar ser para combater o mal, haverá dúvida, hesitação. A incoerência do procedimento sequer permitirá o ânimo de prezar por ele.

Em peroração, o uso de uma moralidade oportuna eventualmente encontrará sua incoerência. Se perceberá que se trata apenas de um grupo diferente, trabalhando em benefício de si mesmo, pervertendo valores de sua profissão por falta de limites claros, na confusão entre o que se pode, por escrito e por princípios, e o que foi precedente pragmático. Será válido qualquer meio  para o fim de ser um pouco mais numa sociedade em que a corrupção se mostra cíclica pela proteção incondicional dos pares, sem autocrítica e de ansiedade oportunista de troca de uns grupos pequenos para usar o máximo de uma grande fatia de poder a seu favor. Trata-se de um investimento na continuidade da verticalização de grupos que deveriam ser horizontais em uma democracia.

Novos ídolos, novos poucos, nova oligarquia. Enquanto outro panteão se forma para gozar da acrópole, o(a)s homens/mulheres continuam morando nas choupanas nos entornos logo abaixo. Até quando?


Plínio Ubiratan Figueiredo Vieira é Mestrando em Filosofia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS – UFRJ; Graduado em Direito, pela Faculdade Nacional de Direito – UFRJ. Graduado em Comunicação Social, jornalismo, pela UNESA – Niterói.

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Sexta-feira, 5 de julho de 2019