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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Obama, que foi exposto por Edward Snowden e Glenn Greenwald, salva a Globo com Bolsonaro e condena Lula. Texto de César Fonseca

 

 "A Globo, brilhantemente, lançou mão de Obama para se aproximar de Bolsonaro, visando, sobretudo, seus interesses ameaçados de não ter renovada, a partir de 2021", diz o colunista César Fonseca. Acusações do norte-americano teriam ou não relação com a resistência do STF em atender pedidos feitos pela defesa de Lula para ter acesso a processos judiciais vinculados ilegalmente aos interesses americanos?

Obama, o golpista, salva a Globo e condena Lula

Do 247:

Barack Obama, Família Marinho e o ex-presidente Lula

Barack Obama, Família Marinho e o ex-presidente Lula (Foto: Divulgação)

Novo lobista global

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deu entrevista ao repórter Pedro Bial, da Globo, divulgada em amplo espaço do JN, para fazer apreciações do momento político global e nacional, quando sai da Casa Branca, Donald Trump, e chega Joe Biden.

Aparentemente, parece entrevista, para lançamento de livro de memórias, como outra qualquer, destacando-se, é claro, a relevância da fala de um ex-presidente do Império, que, por sinal, foi o que conduziu os Estados Unidos em permanente guerra internacional, durante 8 anos, embora tenha sido condecorado com prêmio Nobel da paz, em 2009.

Certamente, é um criminoso de guerra.

Evidentemente, trata-se de cinismo monumental que a geopolítica constrói para conjugar interesses inconfessáveis de Oslo, na sua relação com os poderosos da América.

Mas, no fundo, a fala de Obama tem cara de puro lobby, do seu livro, mas, também, da causa da Globo.

Essencialmente, pelo que ficou explícito, a Globo, brilhantemente, lançou mão de Obama para se aproximar de Bolsonaro, visando, sobretudo, seus interesses ameaçados de não ter renovada, a partir de 2021, concessão estatal para continuar sua programação, politicamente, condenada pelo bolsonarismo fascista.

Obama seria ou não muito útil a Bolsonaro para abrir-lhe relações na Casa Branca, com o novo presidente dos Estados Unidos, que foi seu ex-vice presidente no período de 2013-2017, já que perdeu esse canal político com a derrota de Donald Trump?

Rei Morto, Rei Posto

Disse Obama a Bial que a recomposição das relações de Bolsonaro com a Casa Branca, a partir de agora, sob comando do Partido Democrata, não é algo impossível.

Ela será, perfeitamente, viável, se houver ajustes na condução bolsonarista em diversos setores, mas, principalmente, em relação à política ambiental.

Acompanhando, submissamente, Trump, que rompeu com o acordo de Paris, jogando para o espaço, os acertos globais sobre o clima, Bolsonaro fez o mesmo e abriu a porteira da Amazona para a devastação florestal.

Ficou sujo na praça mundial, comprometendo-se, consequentemente, sua relação com Biden.

Mas, na política cabe tudo.

Nesse contexto, tudo foi articulado de forma brilhante pela Globo, na entrevista conduzida com competência por Bial, alinhado ao neoliberalismo do Instituto Millenium, como se sabe.

A Globo, porta-voz de Washington, no Brasil, terá ou não barrado tentativa de Bolsonaro de detoná-la, negando-lhe mais um período de concessões, se Obama, atuando como lobista dela, usa um álcool-geo diplomático para desinfetar distúrbios verbais de Bolsonaro, que ameaçou, comicamente, Biden com pólvora, se não ocorrer diálogo, relativamente, ao debate sobre a Amazônia?

Bolsonaro recusaria pedido da Casa Branca para aliviar a Globo, tradicional parceira do poder americano em terra brazilis, desde 1964, depois do golpe militar, que apoiou, abertamente?

“O Cara” vira mafioso

De quebra, Barack, que volta a ser alvo dos comentários gerais, lança livro no qual detona o ex-presidente Lula, taxando-o de mafioso e condutor de interesses inconfessáveis, cujas consequências, no cenário político, nacional servem, também, para fortalecer tanto Bolsonaro quanto a própria Globo.

Depois de considerar o presidente brasileiro “o cara”(para ser detonado?), refaz sua fala para expô-lo como criminoso internacional.

Que moral tem Obama para considerar alguém mafioso, logo ele, guerreiro de carteirinha, fantasiado de pacifista, que mandou espionar a presidenta Dilma Rousseff, preparando o golpe de 2016, e de, durante jantar no Itamarati, assinar ordem para bombardear a Líbia, para matar Kadafi, sob gargalhadas de Hilary Clinton?

O fato é que a acusação de Obama fortalece Bolsonaro  e a própria Globo.

O presidente, com essa denúncia obamista, passa a dispor de mais uma arma contra o ex-presidente brasileiro, e a Globo, da mesma forma, vai utilizá-la como mais um argumento na sua tarefa obsessiva de arrebentar com Lula, para inviabilizar, custe o que custar, sua retomada política rumo à Presidência da República.

Lawfaire jurídico

Teria ou não relação direta ou indireta essa acusação de Obama com as reiteradas resistências do Supremo Tribunal Federal em atender solicitações dos advogados de defesa do ex-presidente de acesso aos processos que, teoricamente, o livrariam de acusações por não conterem provas cabais, capazes de condená-lo?

Ao juízo de abalizados profissionais do Direito, no Brasil e no exterior, inexistiriam tais confirmações categóricas, mas tão somente manifestações explícitas das práticas de lawfare contra Lula, assim como contra políticos cuja sobrevivência política não interessa a Washington.

São os casos de Cristina Kirchner, na Argentina; Rafael Correa, no Equador; Evo Morales, da Bolívia etc, todos militantes do nacionalismo latino-americano contra os quais os neoliberais, alinhados a Washington, buscam inviabilizar, via golpes políticos, seja pela mão pesada militar, seja pela mão leve jurídico-política-parlamentar, como rolou no golpe de 2016, contra Dilma Rousseff etc.

Enfim, Obama, que, agora, parece, virou lobista da Globo, é aquele, que, segundo Mangabeira Unger, é serviçal dos interesses do Pentágono, senhor da guerra, laureado na periferia vira-lata como irresistível negro charmoso, sempre pronto a defender a supremacia branca racista guerreira norte-americana no mundo.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Bob Fernandes: Coronavírus chega à Presidência da República que dizia que os males da doença eram uma "fantasia", enquanto neofascistas empresários financiam ato a favor do golpe-ditadura e fake news



Do Canal do analista político Bob Fernandes:



CRÉDITOS

Direção Geral: Bob Fernandes

Direção Executiva: Antonio Prada

Edição: Yuri Rosat
Som: Miguel Breyton
Câmera: Miguel Breyton
Música de abertura e encerramento: Gabriel Edé
Arte e Vinhetas: Lorota
Este é o canal de Bob Fernandes. Vídeos novos todas terças e quintas, sempre, e demais

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O Acordo de Alcântara, em que Bolsonaro doa a base aérea aos Estados Unidos, sacrificaria a soberania do Brasil, o desenvolvimento, e os direitos dos quilombolas brasileiros, conforme analisa o pesquisador norte-americano Sean T. Mitchell



Como pesquisador norte-americano que viveu, estudou, e escreveu sobre Alcântara por muitos anos, entendo que o dito Acordo fará exatamente o contrário do que vem sendo afirmado por seus apoiadores.

Do Jornal GGN:


O Acordo de Alcântara sacrificaria a soberania, o desenvolvimento, e os direitos dos quilombolas brasileiros

por Sean T. Mitchell

No dia 20 de agosto, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara aprovou o “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas” que permite aos Estados Unidos a utilização do Centro de Lançamento de Satélites de Alcântara, no Maranhão, passo chave para a possível ratificação final pelo Congresso brasileiro. 
O presidente Bolsonaro comemorou a votação, tweetando que “há 20 anos esperávamos a efetivação de um acordo que pudesse nos colocar no seleto grupo da corrida espacial.” Cabe ressaltar que tal afirmação representa uma mudança radical e estranha do presidente. Quando congressista, Bolsonaro foi energicamente contra um acordo semelhante que fora proposto no ano 2000. O Senador Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão, ecoando seu pai, tweetou que, “Se ele for revogado EUA seguirá lançando seus foguetes e satélites de outros locais. Mas como ficarão os quilombolas e os cidadãos de Alcântara?” Faz tempo que os defensores do Acordo, assinado em Washington no dia 18 de março, vem afirmando que os mesmo desenvolverá o programa espacial brasileiro e, ao mesmo tempo, ajudará as muitas comunidades quilombolas da região e protegerá a soberania do Brasil. Essas afirmações são corretas?
Como pesquisador norte-americano que viveu, estudou, e escreveu sobre Alcântara por muitos anos, entendo que o dito Acordo fará exatamente o contrário do que vem sendo afirmado por seus apoiadores. Em particular, se aprovado, o Acordo vai minar os direitos constitucionais dos quilombos de Alcântara às suas terras e à preservação do seu modo de vida, comprometendo também de uma vez por todas os planos brasileiros de desenvolver um programa espacial independente e uma política externa soberana. 
Quando o Centro de Lançamento foi anunciado na década de 1980, o (então) Ministério da Aeronáutica o apresentou como o mais ambicioso projeto científico a ser empreendido por um “país em desenvolvimento.” Ao abandonar essas ambições, o Brasil receberá pouco em troca. O fato é que não tem que ser assim. O Brasil pode desenvolver seu programa espacial e proteger os direitos de suas populações tradicionais e as populações minoritárias. 
A construção do Centro de Lançamento expulsou mais de 300 famílias de quilombolas de suas casas costeiras para agrovilas do interior, onde não tinham terra suficiente ou acesso aos recursos oceânicos para manter o modo de vida que desenvolveram após o declínio da exportação de algodão e do trabalho escravo na região durante o século XIX.  Esses moradores, antes independentes, agora se encontravam mais pobres e dependentes dos pequenos salários disponíveis no Centro de Lançamento. Decepcionados com o fracasso das promessas governamentais de desenvolvimento e com a pobreza visível nas agrovilas, as centenas de famílias quilombolas que ainda vivem nas suas comunidades costeiras resistem há muito tempo a expropriação de suas terras. São comunidades que vivem na península da periferia da Amazônia Legal que continuam a exercer pesca e agricultura sustentáveis. 
Essas famílias conseguiram permanecer no território por duas razões principais. Primeiro, o Centro de Lançamento existente já dispõe de terra suficiente. Os quase 9.000 hectares ocupados pelo atual Centro de Lançamento têm uma extensa infraestrutura de lançamento já construída. O programa espacial brasileiro pode florescer na terra que já possui. Segundo, o governo federal reconheceu os territórios de Alcântara como “remanescentes das comunidades dos quilombos” em 2004, assegurando seu direito constitucional às suas terras sob a Artigo 68 da Constituição (ADCT).  Mas apesar dessas proteções constitucionais, o novo Acordo faz parte de um projeto de expansão da área ocupada pelo Centro Espacial e resultaria na expropriação de cerca de 800 dessas famílias quilombolas de suas terras ancestrais. Para os defensores do mesmo, esse sacrifício seria necessário para assegurar que o Brasil entre no “seleto grupo da corrida espacial,” como disse o presidente Bolsonaro. Mas a realidade é muito diferente. 
Sob os presidentes Temer e Bolsonaro, o Brasil desistiu de investir no desenvolvimento de um programa espacial competitivo. Em 2019, por exemplo, apenas 179 milhões de reais foram autorizados para o programa espacial brasileiro, uma queda abrupta comparada aos 603 milhões autorizados em 2012, quando o Real era muito mais forte do que é hoje. Da mesma forma, quando o Brasil iniciou seu programa espacial, em 1961, teve um importante avanço em desenvolvimento espacial em relação aos países como Índia e China. Agora essas nações saltaram à frente, com programas espaciais independentes e bem-sucedidos, e que recebem investimentos na casa dos bilhões de dólares (EUA), enquanto o Brasil gasta apenas milhões nestas atividades científicas.  
O Acordo de 2019 é muito semelhante ao outro que fora feito em 2000, mas rejeitado pelo Congresso brasileiro por várias falhas apontadas, inclusive pelo então deputado Jair Bolsonaro, que disse que tal acordo iria “abrir mão de parte da nossa soberania para ganharmos alguns milhões de dólares por ano, não alugando o Centro de Lançamento de Alcântara, mas, na verdade, alienando-o“. Isso era verdade quando o deputado Bolsonaro o disse em 2001 e continua sendo verdade agora que ele é presidente. 
A criação de “áreas restritas” em Alcântara fora do alcance dos brasileiros, parte central do novo Acordo, talvez pudesse ser justificada pela dita necessidade de proteger e prevenir a transferência da tecnologia americana. No entanto, sob seus termos, o Acordo também imporá limites rígidos à transferência de tecnologia de outros países e das suas empresas para o Brasil. Além disso, o Acordo restringe os países que poderão aguar em Alcântara. Países que não tenham assinado o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, em inglês), por exemplo, estarão proibidos de transferir tecnologia, financiamento, ou pessoal para projetos desenvolvidos em Alcântara. A China, principal parceiro brasileiro no lançamento e desenvolvimento de satélites na última década, não é signatária do MTCR e, portanto, será proibida de participar de ações em Alcântara, bem como qualquer nação que os Estados Unidos considerem ter cometido “atos de terrorismo”.
Essas limitações darão aos Estados Unidos um veto efetivo à cooperação internacional brasileira em seu principal centro de lançamento. Além disso, o Acordo proíbe que o Brasil “use o dinheiro dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores”, colocando limites ao desenvolvimento do próprio programa de lançamento de satélites do Brasil. Fica claro, pois, que o prometido Acordo limita severamente a capacidade do Brasil de possuir essa tecnologia em si, tornando o Brasil dependente dos Estados Unidos. 
Nada disso, nem o sacrifício das comunidades quilombolas, nem o sacrifício de um programa espacial soberano, são necessários. O Brasil já esteve muito próximo de desenvolver com sucesso a tecnologia de lançamento de satélites, principalmente antes da trágica explosão do foguete VLS-1 em 2003, que matou 21 engenheiros e técnicos, e da qual o programa de lançamento de satélites do Brasil nunca se recuperou. Com este acordo, e com os atuais níveis lamentáveis de financiamento do programa de lançamento de satélites do Brasil, o programa espacial brasileiro nunca se recuperará, e o governo brasileiro limitará desnecessariamente sua soberania e minará os direitos dos quilombolas de Alcântara.  
A Índia e a China não precisaram colocar cláusulas destruidoras da soberania em acordos de salvaguardas tecnológicas, porque já têm programas espaciais independentes que lhes permitem negociar a partir de uma posição de força.  O Brasil, ao abandonar seu próprio programa espacial e ao minar o desenvolvimento tecnológico e social brasileiro, está negociando a partir de uma posição de fraqueza. 
Há uma solução para Alcântara que une os direitos dos quilombolas de Alcântara a um projeto de desenvolvimento tecnológico brasileiro soberano. O Brasil deve retomar o investimento em seu próprio programa espacial e buscar parcerias internacionais que não requeiram o abandono de uma política tecnológica soberana. Os quase 9.000 hectares de terra já expropriados em Alcântara, e a formidável experiência em instituições brasileiras como o INPE e o IAE, fornecem ampla base para um programa de lançamento que poderia aproveitar as vantagens gravitacionais de Alcântara nos mercados de lançamento internacionais. O que é necessário é investimento e garantia dos direitos do povo brasileiro.  
Como um estrangeiro que ama e acredita no Brasil e no povo de Alcântara, espero que o Congresso rejeite este Acordo e, em vez disso, reinvista no desenvolvimento tecnológico soberano e atue para proteger os direitos das populações minoritárias do Brasil, objetivos que são ao mesmo tempo alcançáveis e desejáveis. 
Sean T. Mitchell é professor de Antropologia na Rutgers University, Newark (EUA). Realizou muitos anos de pesquisa em Alcântara e é autor de “Constellations of Inequality: Space, Race, and Utopia in Brazil” (University of Chicago Press, 2017).

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Petróleo, guerra e corrupção seletiva: para entender Curitiba, por José Luís Fiori e William Nozaki



O "mercado mundial” do petróleo nunca teve nada a ver com o que os economistas ortodoxos e liberais chamam de “livre concorrência”, e sempre foi um “campo de guerra” entre grandes corporações  e grandes potências.

Petróleo, guerra e corrupção: para entender Curitiba.                                   

 por José Luís Fiori[1] e William Nozaki[2], no GGN

Os norte-americanos costumam festejar as duas grandes gerações que marcaram sua história de forma definitiva: a geração dos seus founding fathers, responsável pela criação do seu sistema político, na segunda metade do século XVIII; e a geração dos seus robber barons, responsável pela criação do seu capitalismo monopolista, na segunda metade do século XIX. Dentro da geração dos “barões ladrões”, destaca-se a figura maior de John D. Rockefeller, que ficou associada de forma definitiva ao petróleo e à criação da Standard Oil Company, a primeira das “Sete Irmãs” que controlaram o mercado mundial do petróleo até o final da II Guerra Mundial, e ainda ocupam lugar de destaque entre as 15 maiores empresas capitalistas do mundo.
A Standard Oil foi criada logo depois da Guerra Civil, em 1870, mas no final do século XIX, a empresa de Rockefeller era a maior petroleira dos EUA, e a maior fornecedora do querosene que iluminava as grandes cidades de todo o mundo. Segundo seus biógrafos, Rockefeller era um homem piedoso e costumava viajar acompanhado por dois pastores que lhe davam assistência religiosa,[3] mas ao mesmo tempo dirigia sua empresa com métodos impiedosos, na busca desenfreada da ganância capitalista, chegando até a destruição de seus concorrentes sempre que se fizesse necessário. Por isso talvez, seu irmão, William Rockefeller, costumasse se referir à concorrência no mercado do petróleo como um exercício de “guerra e paz”.[4] Na medida em que avançou a centralização do capital, e o petróleo se transformou na commodity mais importante e estratégica do mundo, o comportamento de John Rockefeller virou uma espécie de “paradigma ético” da indústria mundial do petróleo.
No início do século XX, a indústria do petróleo se associou à indústria da guerra e se transformou na “energia” que passou a mover navios, tanques e aviões das Forças Armadas das Grandes Potências, sobretudo na Segunda Guerra Mundial, e em todos os conflitos militares que se seguiram até o século XXI. O petróleo teve papel decisivo na Guerra do Pacífico, desencadeada pelo ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, e foi o motivo central do ataque alemão à União Soviética, em 1941, que se propunha chegar ao Azerbaijão, conquistando o petróleo do Cáucaso e do Mar Cáspio. Depois disso, o petróleo foi decisivo para o Golpe de Estado no Irã, em 1953, patrocinado pelos EUA e pela Inglaterra, e também para a Crise do Canal de Suez em 1956. E voltou a ter papel central na Guerra do Yom Kippur, em 1973, na Guerra Irã-Iraque da década de 80, na Guerra do Golfo, em 1991, na Guerra do Iraque, em 2003, na Guerra da Líbia, em 2011, e na Guerra da Síria que se prolonga até hoje.
Em 1945, logo depois do fim da guerra, os EUA firmaram sua principal aliança estratégica em todo o mundo, e até hoje, com a Arábia Saudita, que naquele momento detinha a maior reserva de petróleo do mundo. Em 1979, depois da Revolução Islâmica do Irã, o presidente Jimmy Carter estabeleceu a sua famosa doutrina estratégica de que tudo o que envolvesse o controle do petróleo do Golfo Pérsico (e do mundo, se poderia agregar) passaria a ser considerado como uma questão de segurança nacional dos EUA. Uma doutrina estabelecida com a plena consciência de que o petróleo também é uma questão de segurança estratégica para todas as demais potências do mundo que disputam as mesmas reservas mundiais que têm dois terços concentrados no território de apenas 15 países, dos quais em 13 as reservas são controladas por seus próprios Estados-nacionais e suas empresas petroleiras estatais.
Essa consciência coletiva de que o petróleo é um recurso indispensável à segurança estratégica dos países acabou consolidando uma parceira indissolúvel entre seus Estados-nacionais e suas empresas petroleiras, na luta pela expansão e monopolização dos recursos e dos mercados petroleiros. Isto também no caso das grandes corporações privadas norte-americanas que operam em conjunto com o governo dos EUA, suas Forças Armadas e suas Agências de Informação. É esta estreita aliança, e a visão do petróleo como uma “commmodity geopolítica”, que explicam a utilização de todo e qualquer meio que seja necessário para assegurar o controle dos novos recursos e mercados que apareçam, mesmo que seja necessário mudar regimes e governos, ou corromper governantes, políticos e executivos, ou mesmo juízes, procuradores, religiosos e quem quer que seja necessário para a realização de seus objetivos estratégicos.
Relembremos apenas alguns casos mais recentes e divulgados pela imprensa internacional, de compra de favores e de promoção de mudança de governos, ou mesmo de guerras civis, motivadas por questões petroleiras, ou financiadas diretamente pelas grandes corporações do petróleo.
  1. Nos anos 1990, a Mobil e outras petroleiras americanas teriam pago um suborno de US$ 80 milhões para a conta bancária suíça do presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbaev, numa operação casada com a Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA;[5]
  2. Entre 2000 e 2002, a Chevron teria pago sobretaxas para corromper o Programa Petróleo por Comida, da ONU, na época em que Condoleezza Rice era conselheira daquela empresa;[6]
  3. Em 2003, a Exxon teria pago US$ 500 milhões ao presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguem Mbasogo, depositados numa conta bancária privada e pessoal nos Estados Unidos;[7]
  4. Ainda em 2003, a petroleira norueguesa Statoil teria pago US$ 2,9 milhões para garantir contratos no Irã;[8]
  5. Entre 2004 e 2006, Gazprom, a maior empresa de gás natural da Rússia, teria pago suborno em conexão com a construção do gasoduto Yamal, que liga a Sibéria à Alemanha;[9]
  6. Em 2005, um inquérito independente liderado por Paul Volcker denunciou um sistema regular de propinas, sobretaxas e pagamentos a indivíduos com acesso ao petróleo iraniano, dentro do Programa Petróleo por Comida, incluindo a petroleira francesa Total, que foi acusada de suborno, cumplicidade e tráfico de influência no período 1996-2003, apesar de ter sido depois inocentada por um tribunal criminal de Paris, tão francês quanto a própria empresa;[10]
  7. Em 2006, a empresa francesa Total teria comprado o apoio de políticos e empresários italianos para garantir concessões a preço abaixo do mercado, num golpe avaliado em 15 milhões de euros;[11]
  8. Em 2009, a Exxon teria vencido uma concorrência na Nigéria com uma proposta muito inferior a dos seus concorrentes, mediante suborno das autoridades locais;[12]
  9. Em 2011, a Exxon teria se enredado na corrupção do setor petroleiro da Libéria para a compra de um bloco petrolífero envolvendo outras empresas, incluindo a de Visconde Astor, sogro do ex-primeiro ministro da Inglaterra, David Cameron;[13]
  10. Também em 2011 a Shell e a ENI teriam pago mais de US$ 1 bilhão como suborno a executivos nigerianos do petróleo;[14]
  11. Nesse mesmo ano, 2011, a Statoil foi denunciada por ter feito pagamento sistemático de propinas para consultores da Líbia e de Angola, no valor de US$ 100 milhões, pagos desde o ano de 2000;
  12. Em 2017, na própria Arábia Saudita, uma longa investigação de corrupção no mundo do petróleo prendeu dezenas de príncipes e empresários proeminentes;[15]
  13. Mais recentemente, em 2019, na Guiana, segue avançando uma investigação sobre o uso de suborno de autoridades governamentais, pela ExxonMobil e a Tullow Oil, para obter o direito de exploração da mais nova região petrolífera de águas profundas do mundo;[16]
  14. Voltando um pouco atrás, ainda em 1994, a Halliburton teria pago um suborno de U$ 182 milhões a governantes da Nigéria, para participar do Projeto de Gás Natural Liquefeito de Bonny Island.[17]
  15. E já se pode acrescentar nesta lista a importante confissão do Sr. Pedro Barusco, que foi gerente de Serviços da Petrobras, entre 1995 e 2010, e que participou das negociações com a empresa Halliburton para a entrega das plataformas P43 e P48.[18] Segundo o engenheiro, executivos da petrolífera brasileira já vinham recebendo propinas, pelo menos desde 1997, as mesmas que depois foram pagas por empresas brasileiras – como Odebrecht, OAS, entre outras – que substituíram empresas estrangeiras como fornecedoras da Petrobras.[19]
  16. Paremos por aqui, pois tais casos parecem intermináveis; basta dizer que um estudo do cientista político da Universidade da Califórnia, Paasha Mahdavi, constatou que dos 141 processos movidos entre 1977 e 2013 pela Security and Exchange Commission (SEC) e pelo Departamento de Justiça norte-americano (DoJ), 41 – praticamente um terço – foram ações anticorrupção relacionadas ao setor de óleo e gás.
    Mas ainda assim, não há dúvidas de que o caso recente mais emblemático de como opera este “mercado mundial” de petróleo, é o caso da Guerra do Iraque de 2003, concebida pelo vice-presidente Dick Cheney, e que foi travada em nome do combate às armas de destruição em massa. Ainda que tenha servido de fato como uma forma de mudar o governo e o regime político do Iraque, o objetivo final era mesmo impor a supremacia das empresas americanas na exploração do petróleo iraquiano, incluindo o escandaloso caso do favorecimento da empresa norte-americana Halliburton, que havia sido presidida pelo próprio vice-presidente dos EUA Dick Cheney, entre 1995 e 2000.
    Todas estas histórias nos permitem extrair pelo menos três conclusões que podem nos ajudar a entender os acontecimentos recentes aqui no Brasil:
    1. O “mercado mundial” do petróleo nunca teve nada a ver com o que os economistas ortodoxos e liberais chamam de “livre concorrência”, e sempre foi um “campo de guerra” entre grandes corporações  e grandes potências;”
    2. Dentro deste “campo de guerra”, aquilo que os pastores, os juristas e o “homem comum” chamam de “corrupção” – goste-se ou não – foi sempre uma prática regular da competição entre as grandes petroleiras, na sua disputa por novos recursos e novos mercados;
    3. Por fim, há fortes evidencias de que estas mesmas corporações que subornam e “corrompem” costumam utilizar a surpreendente acusação de ”corrupção” contra seus concorrentes e contra todo e qualquer tipo de concorrentes ou adversário que se interponha no seu caminho.
    4. Agora bem, se esta foi sempre a “ética do petróleo”, não causa surpresa a confissão do Sr Pedro Barusco, de que as grandes petroleiras e fornecedoras da Petrobras tenham pago propinas aos dirigentes da empresa, pelo menos desde 1997, durante o governo do Sr. Fernando H. Cardoso, e provavelmente desde muito antes. Por outro lado, conhecendo as regras deste jogo extremamente violento, seria possível que tenham sido estas mesma petroleiras americanas que tenham repassado a informação do seu “suborno”, para o Departamento de Justiça americano,  no momento em que foram prejudicadas pela política do governo Lula de proteção dos fornecedores nacionais da Petrobras, e muito mais ainda, depois do anuncio da descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, em 2006. E por último, faz sentido pensar que o próprio governo americano tenha repassado estas informações para os seus subordinados brasileiros:  escritórios de advocacia, juízes, procuradores, jornalistas, militares, e todos que participaram da “conspiração de Curitiba”. De qualquer forma, devido a performance presidencial desta figura patética que foi parida pela conspiração, o mais provável é que sejam os próprios norte-americanos que venham a revelar, em breve, os detalhes desta história, como já passou com o documentário,  “A Privacidade Hakeada”.

    5. 28 de agosto de 2019
  17. [1] Professor titular do Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional (IE/UFRJ); pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP).
    [2] Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP).
    [3] Yergin, D. O petróleo. Uma história mundial de conquista, poder e dinheiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010, p. 53.
    [4] Idem, p. 37-54.
  18. [18] Barusco, P., “Comecei a receber propina em 1997, 1998. Foi uma inciativa minha, pessoal. De forma mais ampla, com outras pessoas da Petrobras, a partir de 2003, 2004”. In: “Barusco diz que começou a receber propina em 1997”, EBC, Agência Brasil, 10/03/2015.
    [19] Fiori, J. L.; Nozaki, W. “Conspiração e corrupção: uma hipótese muito provável”. Disponível em: https://www.jb.com.br/pais/artigo/2019/07/1011357-conspiracao-e-corrupcao–uma-hipotese-muito-provavel.html

domingo, 7 de julho de 2019

Xadrez de como a Lava Jato não seguia sequer a ética dos bandidos, por Luis Nassif




  "Não há um advogado, juiz ou procurador sério que aceite endossar essas ilegalidades. Apenas um ou outro jurista ou Ministro, que abdicou do direito em favor do proselitismo político, ou que já entrou até o meio do pântano da Lava Jato, sem possibilidade de retorno, esboça alguma defesa desses absurdos.

    "Nesse momento, o silêncio é aval para a desmoralização final do Supremo, do Ministério Público, do Judiciário em geral. Não há tergiversação possível: ou se é a favor da lei e das instituições, ou se é apenas um vociferante membro da torcida, da plebe ignara e inculta que ameaça invadir os palácios." - Luis Nassif


Do Jornal GGN:






Não há tergiversação possível: ou se é a favor da lei e das instituições, ou se é apenas um vociferante membro da torcida, da plebe ignara e inculta que ameaça invadir os palácios.

As novas revelações da Vazajato, pela Folha, reforçam os pontos centrais dos outros vazamentos (aqui):

1.     O não cumprimento dos acordos de delação.


O acordo de delação exige a mútua confiança de ambas as partes. O réu delata se houver o compromisso do procurador em cumprir o combinado. A legislação é clara sobre os termos do acordo.


 


Um trecho do acordo mostra que a Lava Jato não seguia nenhum princípio legal nem ético.  Tratava com bandidos e não obedecia sequer a ética dos bandidos, que é o cumprimento do combinado.


 


2.     O uso do vazamento como instrumento político.




Esse trecho é fantástico. Tema da maior gravidade – a crise política e humanitária da Venezuela -, na qual países mais responsáveis procuram fazer a mediação, potências globais interferem, a alta diplomacia internacional se digladia. E um procurador regional do Paraná, deslumbrado, messiânico, provinciano, imaturo a ponto de ser completamente controlado pelo juiz, tendo nas mãos um inquérito policial, decide o que é bom ou ruim para os cidadãos venezuelanos.
É a subversão total de toda ordem institucional e das atribuições dos poderes.

3.     Comando total de Sérgio Moro, exercido através de Dallagnol.


Depois das discussões, Dallagnol vai até Moro pedir a bênção. E volta com luz verde, comprovando mais uma vez quem chefiava o esquema.


4.     Cooperação informal ilegal com autoridades de outros países.


Fica claro na combinação dos procuradores, sobre como atual com a ex-Procuradora Geral da Venezuela, demitida por Maduro. Acolhem a procuradora, combinam compartilhar delações, atuações políticas. E ainda entregam o vazador mor do grupo, um tal de CF, que a Folha presume ser Carlos Fernando.

E aqui, a combinação para acolhimento clandestino dos venezuelanos.

5. Vazamentos praticadas pelas três instâncias do MPF

Nesse trecho, planeja-se abertamente o vazamento. E mencionam-se fontes internas que poderiam estar por trás dos últimos vazamentos, tratando como se fosse algo natural. Não afirmam que a Cooperação Internacional da PGR vazou, mas apontam com naturalidade essa possibilidade.


 

Conclusão

Não há um advogado, juiz ou procurador sério que aceite endossar essas ilegalidades. Apenas um ou outro jurista ou Ministro, que abdicou do direito em favor do proselitismo político, ou que já entrou até o meio do pântano da Lava Jato, sem possibilidade de retorno, esboça alguma defesa desses absurdos.


Nesse momento, o silêncio é aval para a desmoralização final do Supremo, do Ministério Público, do Judiciário em geral. Não há tergiversação possível: ou se é a favor da lei e das instituições, ou se é apenas um vociferante membro da torcida, da plebe ignara e inculta que ameaça invadir os palácios.

Luís Nassif
No GGN