sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Rede da dignidade contra o golpe e a vigarice da Rede Globo e seu fantoche na Câmara

  "A retaliação de Eduardo Cunha contra o governo e contra o PT guarda semelhanças com uma cena recorrente da crônica policial.   "Enredado em evidências grotescas de ilícitos e falcatruas, o presidente da Câmara sacou um processo de impeachment contra a Presidenta Dilma, depois que o PT –graças à corajosa decisão de seu presidente, Rui Falcão, determinou que o partido não acobertasse o delinquente no Conselho de Ética." 

O governo, emparedado pela lógica conservadora, paradoxalmente, passou a ter escolhas. Como disse a própria Dilma, 'não era mais possível viver chantageada'

por: Saul Leblon na Carta Maior

Lula Marques
A história apertou o passo e quando sacode a poeira ela derrama transparência por onde passa.

A retaliação de Eduardo Cunha contra o governo e contra o PT guarda semelhanças com uma cena recorrente da crônica policial.

Enredado em evidências grotescas de ilícitos e falcatruas, o presidente da Câmara sacou um processo de impeachment contra a Presidenta Dilma, depois que o PT –graças à corajosa decisão de seu presidente, Rui Falcão, determinou que o partido não acobertasse o delinquente no Conselho de Ética.

Cunha age como o sequestrador que saca o revólver e o coloca na cabeça do refém, exigindo salvo conduto para si e para o malote de dinheiro.

Eduardo Cunha aposta que os comparsas do lado de fora lhe darão cobertura na fuga cinematográfica para frente.

Talvez tenha razão a julgar pela adesão de pronto de tucanos, como os rapinosos Aécio e Serra, por exemplo.

Outros, aqueles que entendem a política como oportunismo, endossarão igualmente o meliante em nome da honradez.

Ou não é essa –há meses—a especialidade do colunismo isento na sua seletiva campanha anti-corrupção?

A cumplicidade desses comparsas está precificada no metabolismo político brasileiro desde 2005/2006.

Não se espere grandeza de onde impera a mediocridade básica das elites latino-americanas.

Aquela que sonega ao próprio país e ao povo o direito e a competência para se erguer como nação justa e soberana.

O vento implacável da história desnuda em 2015 os novos atores do velho enredo em cartaz em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989, 2002, 2005, 2006, 2010 e 2014.

Com um agravante: há um pedaço da sociedade que se descolou definitivamente do país e tem como pátria o capital flutuante que não quer pertencer ao destino de nenhum povo.

Seu interesse e visão de mundo, portanto, são imiscíveis com a ideia de um regime do povo, para o povo e pelo povo.

E isso não é retórica, mas uma ameaça: eles consideram que a Constituição de 1988 prometeu mais do que é justo o dinheiro grosso ceder e que o PT teima em lembrar.

São aliados naturais do assaltante que ameaça agora um  mandato subscrito por 54 milhões de brasileiros.

Daí não sai nada a não ser golpe e dilapidação.

A mudança terá que vir do outro lado.

O lado do país que se avoca o direito de enxergar na justiça social a finalidade e o motor da luta pelo desenvolvimento brasileiro. E que tem na democracia a principal garantia de que esse processo é crível e consistente porque negociado, repactuado e legitimado nas diferentes manifestações de liberdade de um povo --nas lutas, nos escrutínios e nas mobilizações históricas de uma nação.

Estamos diante de um desses momentos que Celso Furtado denominava de ‘provas cruciais de uma nação’.

É, sobretudo, no caso brasileiro, a hora da verdade para as forças progressistas.

Cabe-lhes superar o empate corrosivo que paralisa a sociedade e desacredita a democracia.

Trata-se de vencer a prostração e o sectarismo, fazendo da mobilização contra o golpe o impulso que faltava para uma repactuação do país em torno dos interesses majoritários de seu povo.

Lideranças políticas e sociais não podem piscar.

O enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a indiferenciação, diante  da qual a juventude não se reconhece e a militância se recolhe-- devem ser dispensados de uma vez por todas.

Que ninguém se iluda: o apoio ao impeachment tem por trás um projeto econômico devastador

Nele não cabem as urgências e direitos da maioria da população brasileira.

Um notável volume de investimentos é requerido nesse momento para adequar a logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.

Agora lhes deve a cidadania plena.

O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.

Uma tempestade perfeita cobra respostas em várias frentes: prover a infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o consumo.

Tudo junto e com a mesma prioridade.

Ao mesmo tempo, porém, o labirinto encerra a oportunidade histórica de inovar  metas e métodos.

A plataforma do arrocho, com a qual o conservadorismo capturou o governo  --e agora pretende concluir o assalto tomando-lhe o mandato,  envelheceu miseravelmente ao escancarar  sua incapacidade  para ir além de uma recessão destrutiva.

PIB, emprego, investimento e consumo despencam sob o timão de um ajuste que desajusta o bolso do povo pobre e agrava as contas fiscais da nação.

O interesse conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas, subtraindo-lhe conquistas e recursos, agora quer usar as ruas e o impeachment para derrubar o governo.

A bipolaridade reflete a ansiedade típica de quem sabe que tem pouco tempo porque aquilo que a rua exige e espera colide com o que o mercado pretende.

Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro nessa encruzilhada?

Antes turva, a resposta emerge límpida após o assaltante colocar a arma na cabeça do refém nesta tarde da terça-feira, 2 de dezembro de 2015.

A nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de forças redesenhada pela divisão entre os que se alinharão na cumplicidade ao chantagista e os que vão se juntar ao governo para ampliar o espaço  de um novo contrato de crescimento para a nação brasileira.

Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma, paradoxalmente, passou a ter escolhas.

Como disse a própria Presidenta, em desabafo, ’não era mais possível viver chantageada’.

Dilma deve, sim, negociar. Com o Brasil que trabalha e quer trabalhar. Com o capital que produz e quer produzir.

Isso define uma límpida conduta para as próximas horas, os próximos dias, meses e, sobretudo uma próxima reforma ministerial definidora de uma verdadeira governabilidade, com o direito de recorrer ao povo para construir o passo seguinte do crescimento.

O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.

O discurso cego às interações estruturais é confortável . Mas leva ao impasse autodestrutivo e à inconsequência histórica.

A responsabilidade de interferir num processo histórico pressupõe a adoção de balizas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência às mudanças.

O jogo é pesado.

Avançar à bordo da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.

Esgotou-se um capítulo.

Não apenas por conta da saturação de um ciclo econômico.

Mas também porque se descuidou de prover a sociedade de canais democráticos para viabilizar o passo seguinte do processo.

Faltava a locomotiva da história apitar outra vez para esticar os limites do possível na repactuação do novo capítulo do crescimento brasileiro.

Foi o que o assalto à mão armada de Cunha desencadeou nas últimas horas.

A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou.

Reagiu na direção certa em pronunciamento à Nação

Antes dela, Rui Falcão, Pimenta e outros tiveram a coragem de rechaçar o chantagista e alinhar o PT  ao clamor dos milhões de brasileiros que não aceitam mais compactuar com um sistema político que se tornou um biombo desmoralizado do poder econômico, a serviço de banqueiros e bandidos.

Ao assumir o risco de uma represália que se confirmou, o PT indiretamente reaproximou-se dos que entendem que a soberania popular é  o único impulso capaz de harmonizar os conflitos e sacolejos de uma transição de ciclo de desenvolvimento.

O tempo urge.

O assalto conservador ao mandato de Dilma  joga uma cartada de vida ou morte contra o relógio político.

À medida que apodrece a reputação de seus centuriões, e os savorolas da ética entram em combustão explosiva, restou-lhes apostar tudo no estreito espaço de tempo entre a desmoralização absoluta e a capacidade residual de articular o golpe.

A coragem de Dilma e do PT, a solidariedade do PSOL logo na primeira hora da escalada, o levante maciço nas redes sociais ensejam esperança e legitimidade.

Em 1962 Brizola opôs ao golpe contra Jango uma bem-sucedida mobilização nacional liderada pela Rede da Legalidade.

Que Lula, Luciana, Boulos, Stédile, Vagner Freitas, intelectuais, estudantes, empresários produtivos, personalidades e democratas em geral se unam e se organizem.

Essa é a hora e ninguém fará isso por nós.

Que Dilma recorra diariamente, se preciso, à cadeia nacional para afrontar o monólogo golpista e liderar a resistência nacional.

É o seu mandato que está em jogo.

E que disso nasça uma gigantesca rede da dignidade contra o golpe e a vigarice.


Com ela, e somente com ela, emergirá o impulso que falta para abrir passagem ao país que o Brasil poderia ser, mas que ainda não é –e que interesses poderosos não querem que venha a ser.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Cunhistão: Uma fábula moderna




Era uma vez uma raposa muito esperta que havia sido eleita líder de um grupo de raposas, quase por unanimidade.

Para suas apoiadoras, a raposa-líder era como uma deusa: conseguia planejar sucessivas invasões bem-sucedidas de galinheiros, proporcionando um banquete às suas comandadas.

Para suas opositoras, nem tanto: elas eram obrigadas a ficar no final da fila nas invasões e tinham de se contentar com os restos do banquete.

Essas raposas perceberam algo errado com a raposa-líder: ela parecia estar engordando muito, nos últimos tempos. Uma das opositoras resolveu seguir a raposa-líder, um dia, sem ser vista. E descobriu que ela possuía um galinheiro particular, administrado pelas raposas da própria família.

Guardou a informação comprometedora e, na primeira reunião, denunciou a raposa-líder ante todo o grupo de raposas.

A raposa-líder jurou inocência. Então, a líder das opositoras sugeriu que todas as presentes a acompanhassem imediatamente até o local do crime, para se certificar da validade da denúncia, não dando tempo para que a raposa-líder escondesse as evidências.

Quando lá chegaram, comprovou-se a verdade.

A maioria das raposas, escandalizada com a falta de solidariedade da raposa-líder, exigiu a sua renúncia imediata. Mas ela alegou ter sido eleita legitimamente e que só poderia perder a função ao final do devido processo.

E assim foi feito. No dia em que as raposas votariam pela cassação ou não da raposa-líder, ela pediu a palavra.

— Caras amigas raposas, tenho uma importante notícia a dar. Fiz um acordo com os leões e… combinamos uma ação que, tenho certeza, será do agrado de todas.

Fez-se o suspense entre as raposas.

— Quando eu assim lhes ordenar, eles comerão todos os donos dos galinheiros desta região. Feito isso, nós cuidaremos dos galinheiros para todo o sempre.

Um murmúrio crescente de surpresa, admiração e júbilo seguiu-se a essa fala.

— Mas há uma condição.

O murmúrio cessou. A atenção era total.

— Vocês terão de esquecer o meu galinheiro particular e me tomarão como líder para o resto da minha vida.

De início, houve um silêncio constrangedor. Então, uma das raposas gritou:

— Apoiado!

E logo os gritos de apoio se tornaram mais numerosos e fortes, dominando todo o lugar da reunião.

– Então vamos à vitória!, gritou a raposa-líder.

Poucos segundos depois, suas apoiadoras a carregavam em triunfo, fazendo uma espécie de volta olímpica.

Ao final da reunião, a líder das opositoras se encontrou com a raposa-líder. E confessou, desolada:

— Eu não entendo. Não esperava esse comportamento delas. Tinham jurado que votariam pela cassação.

E a raposa-líder, com olhar matreiro, sentenciou:

— Miga, só você ainda não sabe que, para quem não tem caráter, os fins justificam os meios.

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Está fábula é dedicada:

À jornalista da GloboNews que virou cheerleader de bandido.

Ao âncora-vampiro que, afinal, sorriu, ao festejar a ação de um achacador, corrupto, sonegador e chantagista.

E a todos aqueles que foram às ruas exigir a queda da Presidenta porque eram “contra a corrupção”, e hoje apoiam o corrupto-mor da República.


Ignacio Delgado: Impeachment é a revanche dos derrotados



A união entre a hipocrisia, o cinismo e o golpismo

Ignacio Delgado, no Facebook e no Viomundo
A decisão de Cunha define os próximos lances e o alinhamento decisivo.
Quem se esconder nas (justas) críticas à condução da política econômica e nos diversos equívocos do governo para ficar indiferente ou jogar água no moinho do golpe é apenas companheiro de viagem do golpismo. É golpista.
O impeachment é a revanche dos derrotados, sem qualquer fundamento legal.
E se for preciso lembrar apenas as consequências, e não os princípios democráticos, é preciso ter clareza de que a derrubada de Dilma significa a porta aberta para a mudança do marco regulatório do Pré-Sal, para a aprovação da terceirização em atividades fins, para a revisão da política de valorização do salário mínimo.
Seria a vitória cabal dos entreguistas e do completo pesadelo neoliberal. Por isso, democratas, nacionalistas e os que se colocam no campo político dos trabalhadores não podem titubear. Contra o Golpe. Pela Democracia.
Leia também:

Eduardo Cunha e o Diabo: quando a concorrência parece ser um tanto desleal, o próprio cão dá risadas




Jean Wyllys critica Cunha e fala em "chantagem barata"


O senhor Eduardo Cosentino da Cunha acaba de entrar para a história política brasileira como uma das personalidades mais carecedoras de respeito que já pisaram o nosso parlamento. Não há muito a se esperar de uma personalidade que não hesita em mentir, chantagear, ameaçar, ocultar, usar o cargo em benefício próprio e tomar o Executivo, o Legislativo e a República toda de reféns para salvar sua própria pele. Mas a chantagem barata de Cunha agora há pouco, acolhendo o pedido de impeachment da Presidenta no momento em que percebeu a real possibilidade da cassação de seu mandato, vai além do que jamais suporia Maquiavel.
Estou no Panamá, aguardando a conexão do meu voo de retorno ao Brasil, mas não queria deixar de me pronunciar sobre a situação de extrema gravidade institucional em que o réu da Justiça que preside a Câmara dos Deputados, formalmente acusado pelos crimes de corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro, tem colocado o país. Esse sujeito menor, eleito com a força da grana e das mais obscuras transações, esse representante dos "podres poderes" que ao longo do último ano impôs ao Congresso uma agenda de atraso civilizatório, perda de direitos, conservadorismo, ódio e preconceito, está agora colocando o país à beira do abismo institucional apenas por necessidade própria.
Estou extremamente indignado, como todo brasileiro e toda brasileira deveriam estar nesse momento, independentemente de sua opinião sobre o governo da presidenta Dilma Rousseff. Sim, independentemente disso.
Eu faço parte da oposição de esquerda ao governo Dilma e, embora tenha votado nela no segundo turno por considerar que o outro candidato era ainda pior, avalio o governo dela como a maioria do povo: é um governo ruim, cada vez mais afastado das expectativas e necessidades do povo que o elegeu. Mas não é isso que está em discussão. O instituto do impeachment não foi incluído na Constituição para destituir governos ruins. Quem avalia os governos é o povo, a cada quatro anos, quando vota, e ao longo de cada mandato constitucional, manifestando-se nas ruas se achar necessário. A democracia, esse sistema imperfeito, mas melhor do que todos os outros, supõe o respeito pelo mandato popular, gostemos ou não do resultado das urnas. O impeachment é um remédio drástico, só aplicável em última instância, quando existe crime de responsabilidade. E não é o caso.
A presidenta Dilma não está sendo acusada de qualquer crime e não há motivos constitucionais para sua remoção, gostemos ou não dela ou do seu governo. E aqueles que, como eu, não gostamos teremos a chance de oferecer ao país uma alternativa nas eleições de 2018. É assim que a democracia funciona.
O que Eduardo Cunha fez no dia de hoje chama-se chantagem. Diferentemente da Presidenta, ele está sim acusado de gravíssimos crimes. Não por mim, mas pela Procuradoria-Geral da República. Um bandido com contas na Suíça e um longo histórico de envolvimento em escândalos de corrupção desde que chegou ao poder junto a PC Farias e Collor de Melo está, há meses, valendo-se da ameaça do impeachment da Presidenta para negociar e chantagear ao mesmo tempo petistas e tucanos, usando o impeachment como moeda de troca com uns e outros para se salvar da perda do próprio mandato no Conselho de Ética da Câmara, no "leilão" mais vergonhoso da história da República.
Não contem comigo e nem com o PSOL para essa farsa!
Continuaremos fazendo oposição republicana e responsável ao governo Dilma, contra os ajustes e as concessões ao poder econômico e às corporações, mas jamais seremos cúmplices de um golpe institucional. E continuaremos denunciando a atitude do PT e do PSDB e seus respectivos aliados, que escolheram negociar com o Diabo em vez de enfrentá-lo e, por isso, também são solidariamente responsáveis por essa vergonhosa situação.
Fora, Cunha!

Washignton Novaes: "O Clima bate às portas e pede muita urgência"





  Washington Novaes é conhecido desta coluna, pois temos reproduzido muitos textos dele sobre questões ecológicas. Talvez seja o jornalista mais bem informado de nosso pais. Como estamos acompanhando, não sem preocupações, a Cúpula do Clima (COP 21) em Paris nos começos  de dezembro, oferecemos aqui um apanhado geral da situação climática atual e o impasse, já por nós denunciado num artigo nesse blog e confimado por Washington Novaes neste artigo a aparecer nos primeiros dias de dezembro em O Estado de São Paulo. Os chefes de Estado não despertaram ainda acerca da urgência deste problema que poderá nos preparar surpresas altamente desagradáveis em termos  de estresse da Terra e da dizimação de boa parte da biodiversidade, não poupando nem a espécie humana. Como nunca antes na história, o destino comum está em nossas mãos e sob o nosso cuidado: se queremos cair no abismo que nós mesmos criamos ou se nos livramos dele através de outra forma de habitar e cuidar da Casa Comum - Leonardo Boff

O Clima bate às portas e pede muita Urgência

Washington Novaes

Não está sendo nem será fácil ou tranquila a vida dos chefes de Estado e outros participantes da Cúpula do Clima em andamento em Paris, e que pretende definir novas metas para a redução de poluentes – gerais e em cada país -, além de outras regras para o setor. Já antes que ela começasse, o secretário de Estado John Kerry contrapôs-se ao presidente Obama, ao dizer  que seu país não aceitaria regras obrigatórias, vinculantes – a mesma postura do enviado especial norte-americano, Todd Stern. Este último chegou a propor um “modelo híbrido”, em que obrigatórias seriam apenas as regras para verificar as emissões de cada país – não os limites para estas. Um dos argumentos é o de que os EUA já definiram que pretendem reduzir as suas entre 26 e 28% até 2025 (confrontadas com as de 2005).

Não há surpresa até aí. Quando se encerrou a reunião preparatória em Bonn, há algumas semanas, o documento final com as posições dos países tinha 55 páginas, cada um deles defendendo seus interesses específicos – o que poderia levar à paralisia. Um especialista da CEPAL, Luis Miguel Galindo, advertia que já estamos emitindo no mundo 7 toneladas anuais de poluentes por habitante, ou entre 47 e 48 gigatoneladas (bilhões de toneladas) totais – há quem diga 50 gigatoneladas -, quando seria indispensável baixarmos para 20 gigatoneladas até 2050 (2 toneladas per capita).

Estudos da própria ONU dizem que, nos padrões de hoje, não alcançaremos o objetivo de limitar a 2 graus Celsius o aumento da temperatura na Terra – ficaremos com pelo menos 2,7 graus no fim do século. Para intensificar as medidas de adequação será preciso um fundo anual de US$100 bilhões, sobre o qual não há acordo entre possíveis financiadores.

Não é o único complicador. Relatório da Corporate Accountability International (24/11) entra no pantanoso terreno das finanças das corporações patrocinadoras das negociações sobre o clima. São empresas petrolíferas e de outros combustíveis fósseis, bancos, geradoras de energia etc. Segundo o relatório, contar com elas é como “contratar uma raposa para guardar um galinheiro”.

Como fazer, então, se a Agência Internacional de Energia diz (10/11) que as fontes “limpas” não garantem que fiquemos nos limites adequados ? E até 2040, na marcha atual, as renováveis devem representar apenas 15% do total do investimento no mundo – US$7,4 trilhões. Os combustíveis fósseis receberam subsídios de US$ 490 bilhões em 2014. Pouco menos que isso seria necessário investir em tecnologias de renováveis até 2030. Além disso, será preciso eliminar as usinas que queimam carvão, as mais poluidoras – mas que fornecem principalmente aos setores mais pobres (e há 1,2 bilhão de pessoas sem energia no mundo).

Poucos dias antes da abertura da conferência de Paris, morreu aos 86 anos Maurice Strong , a cuja persistência devemos a criação da Convenção do Clima, depois de ser o chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Quando o jornal “The Guardian” lhe perguntou, há poucos anos, o que pensava do panorama na área, ele respondeu que “operacionalmente” era otimista, pois “ainda é possível fazer o que sonhamos” – apesar de uma realidade preocupante a pontos de os participantes da conferência de Paris se dizerem alarmados com a situação da China e da Índia, com suas capitais cobertas por “nevoeiros sufocantes” (Francepress, 1/12). E com o panorama geral das emissões.

De fato, o total das emissões , que em 1990 era de 38 gigatoneladas anuais (com os EUA como maior emissor), em 2010 já está perto de 50 gigatoneladas (agora a China é o maior emissor com 23%, seguida dos EUA, com 15,5%). Se nada mudar, diz o PNUMA, poderemos ter aumento da temperatura entre 3 e 3,5 graus no fim do século.O estudioso Bill McKibben calcula em 556 gigatoneladas o máximo de dióxido de carbono que poderemos colocar na atmosfera sem ultrapassar 2 graus no aumento da temperatura. No Brasil, seria um despautério globalse queimássemos todas as reservas de combustíveis, inclusive no pré-sal

Há avanços importantes. Nos EUA, o presidente Obama rejeitou a proposta de construir o oleoduto Keystone XL, ligando o Canadá ao Golfo do México e depois espalhando-se pelo centro dos Estados Unidos, com passagem inclusive pelo Aquífero Ogalalla – o que seria inadmissível. A Grã-Bretanha fechará todas as suas usinas a carvão em poucos anos (elas geram 30% do total da energia no país) e passará para o gás e a energia nuclear (também discutível).

Mas também seguem as advertências. A ONU tem alertado o Brasil (ESTADO, 7/11) sobre o crescimento preocupante das emissões de poluentes nas cidades e pelo complexo industrial, segundo as palavras de Achim Steiner, do PNUMA. O jornal “Le Monde” (25/11) tem assinalado a dificuldade crescente de a floresta brasileira regular o clima (em 40 anos, diz, 63 mil quilômetros quadrados de florestas foram abatidos;e 2004, foram 27.772 km2; em 2013, pouco mais de 5 mil; o Brasil já perdeu na região mais de 200 mil quilômetros quadrados de florestas, mais que o território do Reino Unido ). No Cerrado, perto de 40% já foram desmatados.

Do lado mais otimista, o respeitado cientista Carlos Nobre, do INPE, lembra que estamos com emissões de 7,5 toneladas por pessoa/ano, mas poderemos chegar a 4 toneladas anuais em 2030 e 2 toneladas em 2050 (Eco 21, setembro). A própria presidente da República tem afirmado que temos condição de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e reimplantar florestas em 5 milhões de hectares.

É importante que tudo isso aconteça, que se detenha a progressão de temperaturas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que se implante de fato um Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima em 11 setores. Muito tem de ser feito. Não é por acaso que se reúnem em Paris os chefes de governo. Não será para trocar amabilidades.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Agressividade da direita é um fenômeno orquestrado global, por Boaventura Sousa Santos, sociólogo, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.


    "O fenómeno não é português. É global, embora em cada país assuma uma manifestação específica. Consiste na agressividade inusitada com que a direita enfrenta qualquer desafio à sua dominação, uma agressividade expressa em linguagem abusiva e recurso a tácticas que roçam os limites do jogo democrático: manipulação do medo de modo a eliminar a esperança, falsidades proclamadas como verdades sociológicas, destempero emocional no confronto de ideias, etc., etc." - Boventura Sousa Santos




O que está em causa

Boaventura Sousa Santos
A União Europeia pode estar a mudar no centro mais do que a periferia imagina.
 
O fenómeno não é português. É global, embora em cada país assuma uma manifestação específica. Consiste na agressividade inusitada com que a direita enfrenta qualquer desafio à sua dominação, uma agressividade expressa em linguagem abusiva e recurso a tácticas que roçam os limites do jogo democrático: manipulação do medo de modo a eliminar a esperança, falsidades proclamadas como verdades sociológicas, destempero emocional no confronto de ideias, etc., etc. Entendo, por direita, o conjunto das forças sociais, económicas e políticas que se identificam com os desígnios globais do capitalismo neoliberal e com o que isso implica, ao nível das políticas nacionais, em termos de agravamento das desigualdades sociais, da destruição do Estado social, do controlo dos meios de comunicação e do estreitamento da pluralidade do espectro político. Donde vem este radicalismo exercido por políticos e comentadores que até há pouco pareciam moderados, pragmáticos, realistas com ideias ou idealistas sem ilusões?
 
Estamos a entrar em Portugal na segunda fase da implantação global do neoliberalismo. A nível global, este modelo económico, social e político tem estas características: prioridade da lógica de mercado na regulação não só da economia como da sociedade no seu conjunto; privatização da economia e liberalização do comércio internacional; diabolização do Estado enquanto regulador da economia e promotor de políticas sociais; concentração da regulação económica global em duas instituições multilaterais, ambas dominadas pelo capitalismo euro-norte-americano (o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) em detrimento das agências da ONU que antes supervisionavam a situação global; desregulação dos mercados financeiros; substituição da regulação económica estatal (hard law) pela autoregulação controlada pelas empresas multinacionais (soft law). A partir da queda do Muro de Berlim, este modelo assumiu-se como a única alternativa possível de regulação social e económica. A partir daí, o objectivo foi transformar a dominação em hegemonia, ou seja, fazer com que mesmo os grupos sociais prejudicados por este modelo fossem levados a pensar que era o melhor para eles. E, de facto, este modelo conseguiu nos últimos trinta anos grandes êxitos, um dos quais foi ter sido adoptado na Europa por dois importantes partidos sociais-democratas (o partido trabalhista inglês com Tony Blair e o partido social-democrata alemão com Gerhard Schröder) e ter conseguido dominar a lógica das instituições europeias (Comissão e BCE).
 
Mas como qualquer modelo social, também este está sujeito a contradições e resistências, e a sua consolidação tem tido alguns reveses. O modelo não está plenamente consolidado. Por exemplo, ainda não se concretizou a Parceria Transatlântica, e a Parceria Transpacífico pode não se concretizar. Perante a constatação de que o modelo não está ainda plenamente consolidado, os seus protagonistas (por detrás de todos eles, o capital financeiro) tendem a reagir brutalmente ou não consoante a sua avaliação do perigo iminente. Alguns exemplos. Surgiram os BRICS (Brasil, Rússia, India, China e Africa do Sul) com a intenção de introduzir algumas nuances no modelo de globalização económica. A reacção está a ser violenta e sobretudo o Brasil e a Rússia estão sujeitos a intensa política de neutralização. A crise na Grécia, que antes de este modelo ter dominado a Europa teria sido uma crise menor, foi considerada uma ameaça pela possibilidade de propagação a outros países. A humilhação da Grécia foi o princípio do fim da UE tal como a conhecemos. A possibilidade de um candidato presidencial nos EUA que se autodeclara como socialista (ou seja, um social-democrata europeu), Bernie Sanders, não representa, por agora, qualquer perigo sério e o mesmo se pode dizer com a eleição de Jeremy Corbyn para secretário-geral do Labour Party. Enquanto não forem perigo, não serão objecto de reação violenta.
 
E Portugal? A reação destemperada do Presidente da República a um qualquer governo de esquerda parece indicar que o modelo neoliberal, que intensificou a sua implantação no nosso país nos últimos quatro anos, vê em tal alternativa política um perigo sério, e por isso reage violentamente. É preciso ter em mente que só na aparência estamos perante uma polarização ideológica. O Partido Socialista é um dos mais moderados partidos sociais-democratas da Europa. Do que se trata é de uma defesa por todos os meios de interesses instalados ou em processo de instalação. O modelo neoliberal só é anti-estatal enquanto não captura o Estado, pois precisa decisivamente dele para garantir a concentração da riqueza e para captar as oportunidades de negócios altamente rentáveis que o Estado lhe proporciona. Devemos ter em mente que neste modelo os políticos são agentes económicos e que a sua passagem pela política é decisiva para cuidar dos seus próprios interesses económicos.
 
Mas a procura da captura do Estado vai muito além do sistema político. Tem de abarcar o conjunto das instituições. Por exemplo, há instituições que assumem uma importância decisiva, como o Tribunal de Contas, porque estão sob a sua supervisão negócios multimilionários. Tal como é decisivo capturar o sistema de justiça e fazer com que ele actue com dois pesos e duas medidas: dureza na investigação e punição dos crimes supostamente cometidos por políticos de esquerda e negligência benévola no que respeita aos crimes cometidos pelos políticos de direita. Esta captura tem precedentes históricos. Escrevi há cerca de vinte anos: “ Ao longo do nosso século, os tribunais sempre foram, de tempos a tempos, polémicos e objeto de acesso escrutínio público. Basta recordar os tribunais da República de Weimar logo depois da revolução alemã (1918) e os seus critérios duplos na punição da violência política da extrema-direita e da extrema-esquerda. (Santos et al., Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas - O caso português. Porto. Edições Afrontamento, 1996, página 19). Nessa altura, estavam em causa crimes políticos, hoje estão em causa crimes económicos.
 
Acontece que, no contexto europeu, esta reacção violenta a um revés pode ela própria enfrentar alguns reveses. A instabilidade conscientemente provocada pelo Presidente da República (incitando os deputados socialistas à desobediência) assenta no pressuposto de que a União Europeia está preparada para uma defenestração final de toda a sua tradição social democrática, tendo em mente que o que se passa hoje num país pequeno pode amanhã acontecer em Espanha ou Itália. É um pressuposto arriscado, pois a União Europeia pode estar a mudar no centro mais do que a periferia imagina. Sobretudo porque se trata por agora de uma mudança subterrânea que só se pode vislumbrar nos relatórios cifrados dos conselheiros de Angela Merkel. A pressão que a crise dos refugiados está a causar sobre o tecido europeu e o crescimento da extrema-direita não recomendará alguma flexibilidade que legitime o sistema europeu junto de maiorias mais amplas, como a que nas últimas eleições votou em Portugal nos partidos de esquerda? Não será preferível viabilizar um governo dirigido por um partido inequivocamente europeísta e moderado a correr riscos de ingovernabilidade que se podem estender a outros países? Não será de levar a crédito dos portugueses o facto de estarem a procurar uma solução longe da crispação e evolução errática da “solução” grega? E os jovens, que encheram há uns anos as ruas e as praças com a sua indignação, como reagirão à posição afrontosamente parcial do Presidente e à pulsão anti-institucional que a anima? Será que a direita pensa que esta pulsão é um monopólio seu?
 
Na resposta a estas perguntas está o futuro próximo do nosso país. Para já, uma coisa é certa. O desnorte do Presidente da República estabeleceu o teste decisivo a que os portugueses vão submeter os candidatos nas próximas eleições presidenciais. Se for eleito(a), considera ou não que todos os partidos democráticos fazem parte do sistema democrático em pé de igualdade? Se em próximas eleições legislativas se vier a formar no quadro parlamentar uma coligação de partidos de esquerda com maioria e apresentar uma proposta de governo, dar-lhe-á ou não posse?
 
Director do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, da Universidade de Coimbra

José Saramago: "A alternativa ao neoliberalismo se chama Consciência"




Segue, para reflexão, discurso do Prêmio Nobel de literatura, José Saramago, sobre o neoliberalismo e uma das formas, talvez a única forma eficaz, de vencê-lo...


Armandinho e sua crítica à truculência de Alckmin e Richa quanto às escolas, alunos, professores e à educação pública





















terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Marcio Valley: "Lava Jato poderia ser uma ótima operação, mas não é"



A Lava Jato poderia ser uma ótima operação, mas não é.
Não tenho dúvida alguma de que crimes ocorreram e ainda ocorrem na política brasileira, antes e após o ingresso do PT no governo federal. Tampouco tenho dúvida alguma de que, infelizmente, continuarão a existir após a saída do PT.
É evidente que esses criminosos, sempre que possível, devem ir para a cadeia. Qualquer pessoa minimamente honesta assim deseja.
Não é por apologia à corrupção que defendo o governo e critico a Lava-Jato, mas por verificar que essa operações se degenerou, transformando-se num mecanismo antidemocrático de oposição ao governo. Praticamente todos os ilícitos praticados por pessoas públicas da oposição estão sendo acobertados. De que forma isso pode ser classificado como combate honesto à corrupção?
Penso tratar-se de um projeto pensado e planejado pelos cabeças da Lava-Jato.
O primeiro ponto que precisa ser compreendido é que não existem vestais somente pela integração a uma determinada categoria funcional. Antes de serem policiais, promotores e juízes, as pessoas são apenas pessoas, com todas as idiossincrasias que dessa natureza decorre, como, por exemplo, um sentido de proteção de tudo ou todos por quem se nutre simpatia, perseguição das antipatias e temor de retaliações.
Quem trabalha ou trabalhou no setor policial e no judiciário, sabe que operações de certo porte demandam reuniões para o planejamento prévio quanto aos seus objetivos e suas possíveis repercussões. Os alvos são selecionados com cuidado. Se gravadas as reuniões nas quais se planeja uma intervenção-invasão a alguma favela, não seria difícil escutar altas autoridades policiais respondendo com um "foda-se" a alguém que indagasse sobre os transeuntes eventuais e inocentes. Claro, o que interessa é o alvo, danos colaterais que não atinjam pessoas queridas são plenamente suportáveis.
Pessoas públicas, que exercem cargos públicos, são apenas homens e mulheres, e, como tal, capazes de cometer as maiores atrocidades e insensibilidades a título de interesses materiais rasos, como em geral os seres humanos são, mesmo os mais gentis (Hanna Arendt descobriu isso, perplexa).
Penso que ingenuidade é imaginar, como inacreditavelmente se imagina de ordinário, que empresários milionários e bilionários possuam qualquer identidade de interesse com o povo.
Não chego ao ponto de afirmar a existência de um canal direto entre a Lava-Jato e o PSDB, embora até seja possível. O projeto político, contudo, é idêntico. Não há necessidade de uma conspiração para que essa identidade se forme, basta uma similaridade memética de pensamentos e comportamentos adquiridos ao longo da vida para que se saiba exatamente o que fazer e como fazer.
Como todos os demais animais, somos propensos a repetir os padrões aprendidos. Obviamente, para quem é criado num ambiente de favela, esses padrões são distintos daqueles aprendidos por quem cresce numa cobertura da Park Avenue. Com o software correto instalado, nada mais precisa ser dito. Claro que tudo isso admite exceções, mas são somente isso: exceções.
A Lava Jato poderia ser uma grande operação, saudável. Infelizmente, não é. Está sendo daninha para o Brasil.
Nada justificava que, para pôr fim a uma guerra que já estava no fim, e não mataria mais do que algumas centenas de pessoas ainda resistentes, os americanos despejassem duas bombas atômicas no Japão, matando, imediatamente ou logo a seguir, quase duzentas e cinquenta mil pessoas, mas incrivelmente existem pessoas que conseguem racionalizar essa catástrofe.
Isso é o que chamo de remédio muito pior do que a doença e é assim que classifico a Lava Jato.

Márcio Valley

Fonte: Blog do Marcio Valley

Darwin desmentido... Texto de Luis Fernando Veríssimo





Richard Nixon, aquele incompreendido, certa vez defendeu a nomeação de um correligionário notoriamente medíocre para um cargo federal com o argumento de que a mediocridade também precisava ser representada no governo. Certo o Nixon.

No caso brasileiro, por exemplo, uma maioria de congressistas capazes e honestos convive com uma boa amostra da mediocridade nacional, que não pode se queixar de estar sub-representada. O que mantém nossa fé na democracia representativa é a esperança, seguidamente frustrada mas sempre renovada, de que os bons prevalecerão sobre os ruins.

E que uma elite moral e intelectual acabará vindo à tona, nas duas casas do Congresso, por um processo darwiniano de seleção natural. Mas a realidade política brasileira insiste em desmentir o Darwin.

A evolução, nos nossos legislativos, tem produzido não líderes por mérito, mas líderes por esperteza processual, como Eduardo Cunha e Renan Calheiros, e a sobrevivência dos piores. Como é que alguém como o Delcídio Amaral chega a líder da bancada do governo no Senado, se não como um prêmio à mediocridade prestativa?

O bom dessa trama florentina de delações, conspirações nos bastidores e traições em que vive a pátria desde que o juiz Moro pôs-se a campo é que nunca faltam novidades para nos surpreender. Agora entrou em cena o filho do Cerveró, o ator Bernardo Cerveró, que, leio, fez sucesso recentemente numa peça infantil chamada “O principezinho do deserto” ou coisa parecida, e cujo gravador fatídico registrou tudo o que se dizia numa reunião com o Delcídio para combinar a fuga do seu pai antes que ele contasse o que sabe sobre o escândalo da Petrobras.

Bernardo levou sua gravação ao Ministério Publico. “O Pequeno Príncipe” do Saint-Exupéry jamais imaginou que um dia poderia derrubar uma república. Não sei se Bernardo leu o livro, mas talvez, antes de entregar a gravação, se lembrasse de uma das frases do Príncipe: “Só conheço uma liberdade, a liberdade do pensamento”. Foi a liberdade que Bernardo preferiu para o seu pai.

Não adianta suspirar por um Congresso acima de suspeitas e livre de lideranças lamentáveis, o que equivaleria a suspirar por menos democracia ou por uma Humanidade perfeita. Contentemo-nos com eventuais derrotas da mediocridade.

Luís Fernando Veríssimo

Fonte: Contexto Livre