segunda-feira, 11 de março de 2019

Um país aprisionado entre um par de aspas, por Jose Bulcão




Temos um “presidente” “eleito” por uma “maioria” de 29 porcento dos eleitores, que ganhou fazendo uma “campanha” sórdida, toda baseada em mentiras escabrosas via whatsapp


Um país aprisionado entre um par de aspas

por Jose Bulcão

As aspas são um sinal gráfico com múltiplas funções linguísticas. As mais usuais, creio eu, são as de (a) dar ênfase a um termo, expressão ou a uma frase completa, apesar de que, muitas vezes, esse destaque é melhor representado tipograficamente pelo negrito, e (b) fazer uma citação literal sobre algo dito, não pela pessoa que narra o texto, mas por uma terceira pessoa. Há algumas outras finalidades para as aspas, mas acho que essas duas são as mais comuns na linguagem escrita.
No entanto há uma outra forma que denota uma certa ironia, que é quando se usa uma palavra ou expressão querendo dar-lhe o sentido oposto ou bem distinto daquele que o termo significa literalmente. Essa forma é também bastante comum na comunicação verbal, onde certas pessoas, geralmente meio pedantes, exageram no emprego do gestual de dobrar os dedos indicador e médio das duas mãos simultaneamente quando querem enfatizar, de forma debochada, uma ação, um aspecto pessoal ou uma característica inexistente de uma terceira pessoa.
Dada a situação surreal que temos vivido na atual conjuntura, em que uma certa distopia tragicômica é o que impera desde o primeiríssimo dia do ano, o Brasil só pode ser mesmo explicado e compreendido pelo deboche.
São as aspas que comandam o discurso, dominam a linguagem de tal forma que já não tem sido nada fácil identificar claramente o significado das coisas. Tudo anda difuso, beirando o ridículo. Nos tornamos uma sociedade caricata, uma piada autoreferenciada. Senão vejamos.
Temos um “presidente” “eleito” por uma “maioria” de 29 porcento dos eleitores, que ganhou fazendo uma “campanha” sórdida, toda baseada em mentiras escabrosas via whatsapp onde “kits gays”, “mamadeiras de pinto” e inimigos imaginários como os “vermelhos”, os “comunistas”, “a ditadura gayzista”, “a corrupção do PT” e mais uma série de bobagens dignas de um folhetim de péssimo gosto desses que ninguém lê, mas que só o fato de saber que existem, diverte a todos.
O problema aqui reside no fato de que todos esses absurdos foram cinicamente tratados por “eleitores” como se fossem verdade. Sendo assim, os partidários do bolsonaZismo, convenientemente, “acreditaram” nessas mentiras, com o argumento de que era preciso “varrer os comunas do PT”, partido que nunca se postulou comunista e que sequer governava o país na ocasião.
O resultado é que esse “chefe da nação” hoje “governa” o país rodeado por um conjunto de tutores militares decrépitos, em seus pijamas quatro estrelas e suas pantufas-coturno, enquanto ele, o “mito”, seus filhotes abilolados e seus “ministros” disfuncionais escandalizam o Brasil e o mundo com suas respectivas “inteligências brilhantes e acima da média”, todos regidos pela batuta de um “filósofo” decadente e rancoroso, que acredita que a terra é plana.
E o pior é que ainda há quem diga que aqueles que criticam e condenam esse festival de demências consentidas está “torcendo contra”.
O resumo da ópera é que nos tornamos um país refém da mentira e do deboche, aprisionado, limitado e restringido por inteiro entre um par de aspas.
Esse é o “Brasil”.


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