sábado, 3 de agosto de 2019

O caso Moro, para jamais esquecermos os crimes da toga. Por Rui Ferreira dos Santos, Juiz do Trabalho no RS



  "Parcial e, pois, suspeito, o ex-juiz Sérgio Moro, tão logo vencidas as eleições pelo adversário do metalúrgico (preso ilegalmente, lembre-se) acaba recebendo seu troféu, com toda a pompa que o caso e a imprensa requerem: Ministro da Justiça. Justiça, que Justiça?" - Rui Ferreira dos Santos, Juiz de Direito


Do site de estudos e críticas jurídicas Justificando:

Para jamais esquecermos os crimes da toga!

Segunda-feira, 29 de julho de 2019

Para jamais esquecermos os crimes da toga!

Imagem: Isaac Amorim/MJSP

Por Rui Ferreira dos Santos, juiz do trabalho

O maior crime do colarinho branco do período republicano, com direito a troféu e aplauso da classe média, da elite podre deste país e, triste realidade, de boa parte dos pobres, a base da pirâmide social
  
Eis que o Brasil vivia um período de certo marasmo na condução das questões econômicas do país, dificuldades de toda ordem, quando do início do segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff.  Um governo do Partido dos Trabalhadores, que se iniciou com Lula, com direito à reeleição, cujos mandatos encerraram com a maior e mais acachapante aprovação de um presidente como nunca antes na história deste país. Pois o Presidente Lula, um metalúrgico sem o caminho das letras que trilhou seu antecessor, o sociólogo FHC, ao contrário deste ilustre príncipe forjado na elite e no meio acadêmico, acabou por implementar avanços sociais de milhões de brasileiros, com notável incidência na base da pirâmide social e também na classe média. Tanto fez pelo povo brasileiro, pela classe média e até mesmo à classe alta – pois alavancou a economia, gerando renda e empregos – que fez sua sucessora, uma figura até então sem muita expressão no cenário político nacional. Bastou sua mão condutora, sua voz, seu carisma incomensurável e seu discurso preciso, cirúrgico, simples, direto ao povo, de onde saiu, origem que nunca esqueceu.
 E a elite podre deste país, em que pesem todos os benefícios sociais incontestáveis trazidos pelo governo do metalúrgico sem luzes, sem títulos acadêmicos – acabou por receber dezenas de títulos de Doutor Honoris Causa das mais renomadas Universidade mundo afora – não suportava a ideia de um retorno desse metalúrgico, o que seria inevitável nas próximas eleições, dado que sempre figurou, disparado, como o candidato da esmagadora maioria do povo brasileiro. Pois a elite não suportaria tanta humilhação. Aécio bem que tentou, via tapetão, anular as eleições, mas não logrou êxito. Então passou-se a articular uma forma de tomada do poder: golpe parlamentar. Criaram então a figura das ‘pedaladas fiscais’, espécie de manobra contábil, sob o manto da ilegalidade, o que conduziria ao reconhecimento de crime de responsabilidade e, pois, o impeachment da Presidente da República. Esse expediente de manobra contábil era e sempre foi comum em todos os governos nacionais e estaduais, inclusive pelo próprio FHC e mesmo de Lula. Mas essa era a única saída da elite podre deste país para retirar o governo do Partido dos Trabalhadores. E cumpriu-se a cartilha da elite, sob a articulação do corrupto-mor, Eduardo Cunha, então Presidente da Câmara dos Deputados, e com toda a cobertura e apoio da imprensa hegemônica – Globo à frente, sempre: o sonho do golpe parlamentar torna-se realidade, o impeachment é aprovado, escandalosamente aprovado. E tudo sob os olhos do Guardião da Constituição Federal, o STF, que silenciou. Eis a primeira, mais relevante, conivência do STF com os mandos e desmandos dos donos do poder econômico deste país.
Levado a efeito o golpe parlamentar da elite econômica e política deste país, assume o conspirador vice-presidente, Michel Temer (cujo principal assessor foi flagrado com uma mala de meio milhão de reais em propina), que governaria o país, até o final do mandato, não sem antes deixar marcas indeléveis na classe trabalhadora, aprovando uma legislação retrógrada, com supressão de direitos e retorno à barbárie. 
 Mas isso não seria o suficiente, pois logo adiante haveria novas eleições e o Partido dos Trabalhadores, sob o comando do sempre metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, ou simplesmente Lula, desde sempre, tinha o candidato imbatível, seja pela percepção da própria elite, seja pelos números incontestáveis de todas as pesquisas eleitorais: o próprio Lula. 
 Ah, mas a elite podre deste país não aceitaria, novamente, mais dois mandatos inexoráveis desse metalúrgico, fazendo, de novo, arrastão social, criando universidades, acesso do povo a curso superior, com casa própria, carro zero, celulares de última geração, viagens de avião transformando aeroportos em rodoviária, planos de saúde; não, isso seria admitir demais. Mas fazer o quê se estamos numa democracia, incipiente democracia é verdade, que já sofrera um golpe parlamentar, qual saída se os votos já estão praticamente contados para o metalúrgico, de novo? Havia, nesse meio tempo, processos relacionados à corrupção da Petrobrás, com vários réus presos e delatores aqui e ali que tentavam reduzir penas, num desespero de causa, notadamente os que se encontravam presos e já condenados. Mas o metalúrgico poderia estar envolvido nisso tudo, em toda essa corrupção da Petrobrás, pois não era ele o Presidente de República, não era ele quem nomeava os Diretores da Petrobrás, não era quem fatiava as inúmeras diretorias da estatual entre os partidos políticos e o próprio PT? Eis que surgiu, na Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, formalmente o chefe da operação, com um tal de Power Point, em que coloca Lula como chefe de toda a corrupção da Petrobrás. Pimba: esse é o caminho, pensavam toda a corja da elite podre deste país, a imprensa hegemônica e, claro, os operadores da Lava-Jato. 
 Desde então o entusiasmo tomou conta da imprensa, da elite política e econômica deste país. Mas – e sempre há um ‘mas’ em tudo – o devido processo legal, com ampla defesa e o contraditório, sob a condução de um juiz absolutamente imparcial pode demorar anos a fio, talvez uma década para culminar com uma possível condenação com trânsito em julgado de sentença penal condenatória, pois afinal vivemos num Estado Democrático de Direito. E a Constituição Federal está aí, em plena vigência, rezando, impondo, comandando, determinando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, art. 5º, LVII).
Eis que, num repente, empecilhos foram removidos do caminho da Justiça, pois se trata de caso excepcional e casos excepcionais precisam ser tratados assim, de forma excepcional. Então tratemos de relativizar esses princípios, desde o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, ao juiz imparcial, até a desconsideração da prisão sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Claro que numa democracia consolidada, em pleno Estado Democrático de Direito, isso seria impensável, muito menos levado a efeito.

Mas o Brasil – que se pensa pertencer aos brasileiros – tem dono, sempre teve dono: a elite política e econômica mais podre do planeta terra, pois não se contenta em deter o poder econômico e político, tem que manter o povo à margem de qualquer melhoria da sua condição social. E tudo faz para manter o seu status quo. E o que é, numa situação excepcional, uma flexibilizadazinha em alguns princípios de Direito? É nada! Depois retomemos aos dogmas do Direito e do tal Estado Democrático de Direito. Mas antes, ah, antes vamos varrer do cenário político o ‘sapo barbudo’, o metalúrgico, que nossos filhos, bem-nascidos, não merecem ter um presidente semialfabetizado, imagine…

Eis o segundo golpe se formando no seio da Lava-Jato, com os aplausos e cobertura total da imprensa hegemônica. E seguiram-se condução coercitiva ilegal, delações forçadas de réus presos, vazamentos ilegalmente obtidos de diálogos entre o ex-Presidente e a então Presidente da República, depoimentos de toda ordem até que, ao final, conseguiram, após um período de falta absoluta de prova contra Lula, uma delação premiada – de um réu preso – que levaria à condenação de Lula relacionado a um apartamento tríplex que teria recebido, fruto de corrupção, relacionado a contratos e propinas da Petrobrás. 

A perseguição – esse o termo preciso, perseguição política, diga-se logo – foi implacável, iniciou com a condução coercitiva e não teve mais fim. Culminou com uma sentença que já se sabia previamente condenatória, com uma velocidade na tramitação do processo sem precedentes num processo com essa complexidade e número de depoimentos e testemunhas. E a velocidade na tramitação do recurso não deixou a desejar ao primeiro grau: também bateu recorde. E o motivo era um só: afastar Lula da possibilidade de ser candidato nas eleições que se avizinhavam e que seria inevitavelmente eleito segundo todas as pesquisas, quiçá no primeiro turno. Então sobreveio a confirmação da sentença de primeiro grau; mais, aumentou-se a pena para não deixar dúvida da culpabilidade do réu. E, a toque de caixa, antes mesmo da publicação do acórdão (decisão do tribunal) no diário oficial da União, o então juiz de primeiro grau, Sérgio Moro, o mesmo que proferira a sentença condenatória, despachava determinando a expedição de mandado de prisão imediato de Lula. Determinação cumprida, incontinenti, pela Polícia Federal. Preso Lula, afastado da disputa às eleições presidenciais, agora o objetivo era não deixá-lo falar, dar entrevistas, pois poderia, com todo o poder do seu discurso incomparável e seu carisma, influenciar o leitor ‘desavisado’.
E também esse roteiro foi seguido pelos comandos da Lava-Jato, sempre sob a conivência de todas as instituições, seja o próprio TRF, STJ e o STF. Em decisão apertada o STF entendeu por manter a prisão de Lula e de quaisquer outros presos, sem o necessário trânsito em julgado de decisão penal condenatória, fazendo menoscabo dessa garantia prevista na Carta Política.

E ao longo de todo o processo, os partidários de Lula sempre afirmavam que havia simples perseguição política, que não havia crime algum, que não havia prova de quaisquer atos de corrupção praticados por Lula. Mais, que a operação lava-jato tinha como objetivo final a prisão do Lula; que o Juiz que conduzia o processo estava sendo clara e manifestamente parcial; que a condenação não teve respaldo nas provas do processo. Houve, inclusive, expedientes utilizados pela defesa de Lula tentando que os Tribunais reconhecessem a parcialidade do Juiz Sérgio Moro, tudo em vão.

E nesse meio tempo transcorreram as eleições, sem que Lula pudesse sequer dar entrevistas. A esquerda, não percebendo o perigo por que passava nossa frágil democracia, deixou a direita e a extrema direta chagarem ao segundo turno. E, ainda não percebendo o perigo, mais por soberba, a esquerda não se articulou suficientemente e a extrema direita venceu as eleições, com um candidato totalmente desqualificado, uma criatura patética, envolvido até a alma com milicianos. Tudo para não deixar a esquerda retornar ao poder. Mas esse é um capítulo à parte.

Passadas as eleições, com a supressão do direito de Lula – que inexoravelmente seria eleito, repise-se – ser candidato, eis que surge, de repente, não mais do que de repente – como diria o poeta – um jornalista americano (Glenn Greenwald), radicado no Brasil há 15 anos, trazendo à luz (através do site The Intercept) – pois até então tudo estava nas sombras dos operadores da Lava-Jato – diálogos, troca de figurinhas entre o então Juiz Sérgio Moro e o Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato. Os diálogos revelam, inclusive, que o então Juiz Moro sugeriu alteração de operações, orientava na mudança de Procurador para atuar nas audiências, numa promiscuidade entre Julgador e acusador sem precedentes e, pois, notadamente imoral e ilegal. A suspeição de que se insurgia a defesa de Lula, sempre negada pelo Juiz e também pelas cortes superiores, agora ficou escancarada. Não há outro caminho senão o STF declarar a parcialidade do então juiz Moro e, por consequência, declarar nulos todos os atos processuais, absolutamente todos, e não apenas a sentença. Mais, os procuradores também devem ser impedidos de atuar no novo processo, todas as fases têm de ser retomadas na origem. Mais que isso, tenho que o juízo competente sequer é o da república de Curitiba, como ficou conhecido e agora confirmado, pois o tal objeto da corrupção fica no Estado de São Paulo. Mas isso não é nada frente à parcialidade manifesta do Juiz que conduziu a operação, conduziu a investigação e proferiu a sentença. Nulidade total, absoluta, inexorável.

Toda essa parcialidade do então Juiz Sérgio Moro, que importa nulidade absoluta de todo o processo contra Lula e, pois, da respectiva prisão, teve efeitos nefastos na história política, econômica e social do Brasil. E notem, sempre sob a anuência do STF, que assegurou, garantiu, que Lula ficasse preso antes de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Ora, sob a dogmática jurídica, ato nulo não gera efeitos, não suplanta o plano jurídico da validade e não superando esse plano de validade, não há que se falar em efeitos. Esses planos jurídicos da existência, validade e eficácia, são as primeiras lições em Direito. Não se compreendendo os planos por que passam os atos-fatos jurídicos, sua essência, torna-se difícil apreender todo um sistema jurídico de validades, nulidades, anulabilidade e eficácias de normas jurídicas.  

Com perdão do juridiquês inevitável, em resumo, um ato jurídico declarado nulo absolutamente, dele não podem e não devem surtir quaisquer efeitos, pois sequer pode-se falar em eficácia de ato nulo, que não geram efeitos. Ou não deveriam.
 A prisão ilegal do ex-Presidente Lula, nula absolutamente, importou na sua retirada da disputa eleitoral, em cuja eleição figurava como principal candidato à frente, esmagadoramente, em todas as pesquisas. O que isso significa? Que as eleições, levadas a cabo com o candidato principal preso, sequer poderiam ter existido, e, em existindo, tem de ser declaradas nulas absolutamente. Óbvio que o TSE e tampouco o STF chegarão a esse ponto, pois quem sequer guarda a Constituição, desconsiderando cláusula pétrea, tampouco irá levar a cabo uma dogmática jurídica que pode, essa sim, ser flexibilizada por uma questão de “pacificação social”.
 Parcial e, pois, suspeito, o ex-juiz Sérgio Moro, tão logo vencidas as eleições pelo adversário do metalúrgico (preso ilegalmente, lembre-se) acaba recebendo seu troféu, com toda a pompa que o caso e a imprensa requerem: Ministro da Justiça. Justiça, que Justiça?
  
Rui Ferreira dos Santos é juiz do Trabalho em Torres, RS.

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