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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Do Justificando, artigo do professor da PUC-MG Carlos Eduardo Araújo: Estratégia fascista de Bolsonaro segue os mesmos passos de outros líderes autoritários




A Alemanha nazista, dos primeiros anos da década de 30 do século XX, guardadas as abissais diferenças que nos separam, tem muito a “ensinar” ao Brasil de hoje sobre a escalada do poder autoritário, do arbítrio, da violência, do ataque aos “inimigos”, da conspurcação das instituições, da inércia do povo em face do perigo que o espreita.

Do site de estudos jurídicos Justificando:

Estratégia fascista de Bolsonaro segue os mesmos passos de outros líderes autoritários

Quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Estratégia fascista de Bolsonaro segue os mesmos passos de outros líderes autoritários


Por Carlos Eduardo Araújo Carlos Eduardo Araújo

“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência.” – Marco Tulio Cícero
  
Marco Tulio Cícero, grande tribuno e homem público romano, disse certa vez que a história é mestra da vida. A aludida expressão foi objeto de críticas, porque se percebeu com o passar do tempo, que conhecer os erros cometidos no decorrer da história não equivaleria a inocular um antídoto para que as sociedades humanas não os repetissem, como sistematicamente o têm feito ao longo dos séculos. Apesar da advertência, ainda hoje cabível, vamos buscar em um acontecimento específico do passado inspiração para reflexões, que se fazem necessárias no presente, com a pretensão de trazer um mínimo de luzes, na tentativa de dissipar as trevas que nos envolve hodiernamente.  

Todavia, não temos a pretensão de colher um ensinamento que nos “salve” de nossos desacertos e desatinos, mas para perceber como a história se repete, inexorável e infelizmente, sem deixar lições aos pósteros. Como já disse Marx “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. [1]

A Alemanha nazista, dos primeiros anos da década de 30 do século XX, guardadas as abissais diferenças que nos separam, tem muito a “ensinar” ao Brasil de hoje sobre a escalada do poder autoritário, do arbítrio, da violência, do ataque aos “inimigos”, da conspurcação das instituições, da inércia do povo em face do perigo que o espreita.

Há uma obra, de cunho testemunhal e histórico, de valor inestimável, que pode fornecer elementos para a análise e compreensão do presente momento da vida brasileira, sob o desgoverno de Jair Bolsonaro. Estou a me referir aos “Diários de Victor Klemperer”, que foram traduzidos e publicados no Brasil pela Companhia das Letras, cujo o subtítulo é “testemunho clandestino de um judeu na Alemanha Nazista”. O livro é um calhamaço de 895 páginas e cobre o período entre os anos 1933/1945, da ascensão de Hitler ao poder até o fim da segunda guerra mundial.

Victor Klemperer nasceu aos 9 de outubro de 1881, em Landsberg, na Alemanha. Era filho de um casal de primos, o rabino Wilheim Klemperer e Henriette Klemperer. Teve nove irmãos. De origem judia, ainda jovem se converteu ao Luteranismo. Era casado com Eva Klemperer, que não era judia, fato que foi determinante para fazê-lo escapar das garras do nazismo inúmeras vezes. Também contou a seu favor o fato de ter sido condecorado como soldado, que lutou nas fileiras do exército alemão, na primeira guerra mundial. Ainda assim, foi vítima de constantes humilhações e ameaças à sua integridade física e psíquica. Faleceu em Dresden, aos 11 de fevereiro de 1960.

A obra de Klemperer foi publicada logo depois do término da segunda guerra mundial, primeiramente na Alemanha Oriental. Após a reunificação da Alemanha torna-se mundialmente conhecida. Revela um testemunho de imenso valor e grande singularidade, visto que são poucos os relatos de uma testemunha ocular, como ele, que acompanhou, na condição de judeu culto e esclarecido, mesmo que convertido, o dia a dia da Alemanha sob Hitler e o nacional-socialismo. 

Nesse sentido, seu testemunho difere de outros, pelo ângulo mais abrangente de visão que propicia. Há dezenas de livros publicados por pessoas que vivenciaram a trágica experiência do holocausto, formando um substancial libelo acusatório em face do nazismo. Todavia, o universo de observação desses relatos, em regra, é mais restrito, não obviamente quanto à densidade e qualidade das narrativas, apenas quanto ao espaço geográfico e sócio-cultural que abarcam. 

Há testemunhos que se expressaram por meio de uma literatura de alta qualidade, como aquele que se depreende das obras do italiano Primo Levi, prisioneiro de Auschwitz, cuja visão dos acontecimentos encontra-se, contudo, restringida pelos limites do campo de concentração. Ou os diários de Anne Frank, escritos de dentro de um porão de uma casa em Amsterdã.

Os diários de Victor Klemperer atestam, efetivamente, o destino do povo judeu na Alemanha de Hitler, desde a perda dos direitos civis até a deportação e o extermínio. Tudo registrado com minúcias por um observador arguto, consciente e crítico, que foi antevendo para onde iam se dirigindo as ações e feitos maléficos do nazismo. Neles estão registrados os discursos dos líderes nazistas, as notícias sobre a guerra, as informações veladas sobre os campos de concentração, a conversa mantida na casa de amigos, enfim o dia a dia de alemães e judeus sitiados pela atmosfera plúmbea e irrespirável da Alemanha nazista daqueles tempos.

Por meio dos “Diários” tomamos contato com os atos violentos e arbitrários do nazismo e como os mesmos afetavam a vida e a saúde física e psíquica de Klemperer e sua esposa Eva, seus amigos e parentes. Os seus estados de saúde sofriam freqüentes abalos. Ele sofria de angina e problemas oculares. Em dado momento fora submetido ao trabalho forçado, de remover neve das ruas por semanas, sendo alvo de chacota e humilhação. Em seus diários encontramos registros de pensamentos de morte e a tentativa de suicídio de pessoas conhecidas. 

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Victor Klemperer imaginava, a princípio, que o nacional-socialismo fosse uma loucura passageira. No entanto, sua opinião vai se transformando à medida que o regime vai sofrendo crescente embrutecimento, à medida que concessões vão sendo feitas não impedindo, antes encorajando, o exercício do terror e da violência, que vão se intensificando de forma progressiva e inexorável. 

Apesar de Klemperer ter sido um judeu assimilado, não praticante do judaísmo e sim do protestantismo, perante as autoridades nazistas ele era judeu. Como diria Hannah Arendt “Os judeus haviam podido escapar do judaísmo para a conversão; mas era impossível fugir da condição de judeu”. [2]

Destarte, ele foi sofrendo um gradual processo de isolamento e segregação. Era professor catedrático na Universidade de Dresden desde 1920, onde lecionava filologia românica, sendo afastado de suas funções em 1935, dois anos depois da chegada de Hitler ao poder. Paulatinamente foi destituído de todos os direitos associados à cidadania alemã. Foi proibido de freqüentar a biblioteca da universidade e de prosseguir em suas atividades intelectuais. 

Ler esses “Diários” de Victor Klemperer, nestes primeiros meses da triste era bolsonaro, é como, guardadas as incomensuráveis proporções, se mirássemos um espelho intertemporal e nos identificássemos com os acontecimentos que, gradativamente, vão corroendo a vida e a alma do povo alemão. Quantas analogias possíveis, infelizmente para nós brasileiros.

A ascensão dos nazistas ao poder se deu por meio de uma combinação de sucesso eleitoral (à base de muita distorção e mentira) e grande violência política nos anos da grande depressão econômica de 1929 a 1933. Os nazistas formavam um grupo de pessoas amalucadas, que nutriam ideias racistas, posturas violentas, teorias da conspiração, muito ódio e sede de poder. Um ajuntamento de pessoas medíocres e ressentidas. Em muito pouco tempo conseguiram estabelecer uma ditadura de partido único na Alemanha, suprimindo, com brutalidade, potenciais e efetivos adversários, com ínfima resistência do povo alemão.

Quando Victor Klemperer começa redigir seus diários, em 14 de janeiro de 1933, a Alemanha já estava infiltrada com o germe daquilo que seria a selvageria do regime fascista alemão. A Klemperer não falta sensibilidade e acuidade para perceber a atmosfera que se vai formando. Escreve neste dia: “As angústias do ano novo, as mesmas de antes: a casa, temperaturas abaixo de zero, perda de tempo, perda de dinheiro, nenhuma possibilidade de crédito, a teimosia de Eva em relação à casa e seu desespero crescente. Ainda vamos afundar com essa história. Já pressinto isso, e sinto-me desamparado”[3] 

Pouco mais de um mês depois, no dia 21 de fevereiro, continua suas elucubrações: “Há mais ou menos três semanas, depressão devido ao regime reacionário. Não escrevo aqui história contemporânea. Porém, minha amargura, mais profunda do que jamais poderia imaginar senti-la, esta sim quero deixar anotada. É uma vergonha que a cada dia se torna pior. E todos se calam e baixam a cabeça, principalmente os judeus e sua imprensa democrática. Uma semana depois da nomeação de Hitler estivemos (no dia 5 de fevereiro) em casa dos Blumenfeld junto com Raab. Raab, o falastrão, economista, presidente do clube Humbolt, fez um longo discurso e explicou que se deveriam eleger os nacionais-alemães, para fortalecer a ala direita da coalização. Opus-me exasperadamente a ele. Mais interessante foi a sua opinião de que Hitler vai acabar num delírio religioso… O que mais perturba é nossa cegueira diante dos acontecimentos, e como ninguém tem noção da verdadeira divisão do poder”. [4]

Também, no caso brasileiro, o que mais perturba são nossa cegueira e passividade diante dos graves acontecimentos decorrentes dos quase oito meses do insano governo Bolsonaro, que segue em sua sanha destrutiva por todos os quadrantes da vida nacional. Destruição de nossos direitos a uma previdência social pública, destruição dos nossos direitos trabalhistas, da nossa educação pública de qualidade, do nosso direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (com a destruição da Amazônia em curso acelerado). Some-se a isso a entrega de nossas riquezas, a escalada da violência institucionalizada, o recrudescimento da violência urbana, a perseguição a grupos defensores dos direitos humanos, os ataques aos movimentos sociais, aos LGBTI, aos quilombolas, aos indígenas, sem que panelas tilintem, sem que brasileiros, tão ciosos do seu verde e amarelo, esbocem reação.  Nepotismo e corrupção sendo naturalizados e nada! Tudo tão desolador, tudo tão carregado de angústia, de tamanha letargia, de desalentado desamparo, de atormentado desespero.

Voltemos aos “Diários” de Klemperer e suas inquietações. Será que guardam alguma relação com as nossas? No dia 10 de março de 1933 escreve ele: “Hitler chanceler. O que denominei terror até o domingo da eleição, 5 de março, foi um prélude suave. Repete-se agora exatamente, apenas com outros sinais – com a suástica –, a situação de 1918. Mais uma vez, é surpreendente como tudo desmorona sem reação. Onde está a Baviera, onde está a bandeira do Reich etc. etc? Oito dias antes da eleição, aquele episódio grosseiro do incêndio do Reichstag, do Parlamento – não consigo imaginar que alguém realmente acredite em autoria comunista, em vez de trabalho encomendado pela SS. Logo em seguida, a selvageria das proibições e das agressões. E, além de tudo, a propaganda ilimitada pelas ruas, pelo rádio etc. No sábado, dia 4, ouvi um trecho do discurso de Hitler em Konigsberg. O hotel da estação, uma das fachadas iluminadas, desfile de tochas em frente, tocheiros e suportes para bandeiras com a suástica nas sacadas, e microfones. Só consegui ouvir palavras isoladas. Mas o tom! A gritaria patética – realmente gritaria – de um fanático religioso”. [5] 

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É curioso, para dizer o mínimo, o entorpecimento da sociedade brasileira, excetuando algumas minorias esclarecidas, que sozinhas pouco podem, em face das agressões diuturnamente perpetradas pelo desgoverno Bolsonaro, com seu séquito de ministros pândegos e aparvalhados. Com sua militância estulta e hidrófoba. Transpondo a fala de Klemperer para a atual realidade brasileira, podemos dizer: é surpreendente como tudo desmorona sem reação.

Como as tiranias se repetem. Como os ditadores guardam tanta similitude entre si, no longo decurso da história! Não há como não nos lembrarmos dos famosos discursos de Cícero, que viveu no século I a.C., contra Catilina. Bolsonaro é o nosso Catilina: “Uma nação pode sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos. Mas não pode sobreviver à traição gerada dentro de si mesma. Um inimigo exterior não é tão perigoso, porque é conhecido e carrega suas bandeiras abertamente. Mas o traidor se move livremente dentro do governo, seus melífluos sussurros são ouvidos entre todos e ecoam no próprio vestíbulo do Estado. E esse traidor não parece ser um traidor; ele fala com familiaridade a suas vítimas, usa sua face e suas roupas e apela aos sentimentos que se alojam no coração de todas as pessoas. Ele arruína as raízes da sociedade; ele trabalha em segredo e oculto na noite para demolir as fundações da nação; ele infecta o corpo político a tal ponto que este sucumbe. Deve-se temê-lo mais que a um assassino.” [6]

Regressemos ao indignado e amargo testemunho de Klemperer. Ainda no dia 10 de março de 1933 anota: “Desde então, dia a dia, comissários, governos desestruturados, bandeiras nazistas hasteadas, casas ocupadas, pessoas fuziladas, proibições etc. etc. ontem, “por ordem do Partido Nazista” – nem ao menos por ordem do governo –, demissão do dramaturgo Karl Wolff; hoje, de todo o ministério saxão etc. etc. Revolução total e ditadura do partido. E todas as forças de oposição desapareceram do mapa. [7] 

Em 20 de março de 1933 assenta: “Cada ato, notícia etc. do governo é ainda mais vergonhoso do que o anterior”. [8] Semelhanças com nossa realidade brasileira, sob Bolsonaro, talvez sejam mera coincidência. 

Será exagero dizer que estamos indo rumo ao abismo, eu queria dizer rumo ao fascismo? Como funciona o fascismo? Jason Stanley nos ensina que “A política fascista inclui muitas estratégias diferentes: o passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, apelos à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar público”. [9] Parece-me que vários desses ingredientes fazem parte do cardápio bolsonarista.

Segundo Jason Stanley: “A política fascista pode desumanizar grupos minoritários mesmo quando não há o surgimento de um Estado explicitamente fascista. O sintoma mais marcante da política fascista é a divisão. Destina-se a dividir uma população em “nós” e “eles”. Muitos tipos de movimentos políticos envolvem tal divisão”. [10]

Ainda segundo os estudos de Jason Stanley os fascistas buscam reescrever a compreensão geral da população sobre a realidade, promovendo sua ideologização reacionária por meio da linguagem, “por meio da propaganda e promovendo o anti-intelectualismo, atacando universidades e sistemas educacionais que poderiam contestar suas ideias. Depois de um tempo, com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam o lugar do debate fundamentado”. [11] 

A questão amazônica, com o desmatamento se alastrando como um rastilho de pólvora, provoca a atenção e apreensão de nós brasileiros e de todo o mundo. O governo Bolsonaro, com seu peculiar desdém pela verdade, vai, como lhe é próprio, espalhando fake news e desacreditando dados científicos e oficiais sobre o ecocídio em marcha. “O governo está em maus lençóis”, como registrou Klemperer do dia 27 de maio de 1933, se referindo ao governo nazista: “O governo está em maus lençóis. Do exterior, “propaganda das atrocidades” devido a sua campanha contra os judeus. O governo omite desmentidos constantes, não há pogroms, e manda associações judaicas divulgarem negativas. Por outro lado, ameaça abertamente agir contra os judeus alemães caso a agitação subversiva do judaísmo internacional não pare. Nesse ínterim, no país não há derreamento de sangue, apenas opressão, opressão, opressão. Ninguém mais respira livremente, não há liberdade de palavra, nem imprensa, nem fala.” [12] É só trocarmos algumas palavras e somos transportados para o presente momento brasileiro.

Aos 7 de abril de 1933, ainda no primeiro ano da triste era Hitler, que durará doze anos, mais um registro angustiado de Klemperer: “A pressão que me oprime é maior do que a da guerra e pela primeira vez na minha vida sinto ódio político por todo um grupo (o que não aconteceu na guerra), ódio mortal… Hoje (isso varia diariamente) já não estou certo de que a catástrofe virá logo”. [13] É impressionante a acuidade com que Klemperer capta os sinais do que está por vir. 

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Em 20 de abril de 1933 mais uma anotação atormentada: “Estou quase acreditando que não vou sobreviver ao fim desta tirania. E já estou quase acostumado à situação de ausência de direitos. Já não sou alemão e ariano, e sim judeu, e devo ficar agradecido se me deixarem vivo. Genial como eles entendem de propaganda. Anteontem, vimos (e ouvimos), no cinema, como Hitler passa as tropas em revista: a massa dos homens da SA diante dele, diante de seu púlpito, há meia dúzia de microfones que espalharão suas palavras a seiscentos mil homens da SA em todo o terceiro Reich – percebe-se sua onipotência e todos se curvam”. [14]

Já se fizeram analogias entre antissemitismo, na Alemanha de Hitler, e o antipetismo existente no Brasil de hoje, com enorme incremento durante a campanha à Presidência da República e sob o atual desgoverno Bolsonaro.  O indigitado senhor, quando em comício, de sua campanha eleitoral, na cidade de Rio Branco, no Acre, fez gestos de arma, como se tornou corriqueiro durante toda sua campanha, muitas vezes com as mãos a simular uma arma de fogo. Naquela ocasião, no Acre, usou um tripé de câmera imitando um fuzilamento enquanto discursava em cima de um carro de som, e disse as mortíferas e ignóbeis palavras: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”. 

Em certos círculos reacionários, se confessar de esquerda ou petista representa sérios riscos à integridade física e moral. As perseguições começaram a se exasperar durante os anos que antecederam ao pleito presidencial e se acirraram com a chegada ao poder do “Terceiro Reich” tupiniquim. Professores acuados, intimidados, filmados, ameaçados, agredidos. Universidades Públicas, agora identificadas como inimigas, porque associadas, num imaginário tosco e grotesco, ao ideário de esquerda, são deixadas à míngua, sem recurso para suas mais comezinhas necessidades. Líderes de movimentos sociais sendo vitimados por todo tipo de violência, alguns, como aqueles que lutam por moradia em São Paulo, sendo jogados no cárcere, por meio de processos que se constituíram a margem da ordem legal. Indígenas sendo trucidados e suas terras invadidas ou sob constantes riscos. Creio que não é exagero a identificação com o ambiente alemão, durante os anos 30 do século XX, inventariados pelo filólogo Victor Klemperer.

Narra Klemperer, em 10 de abril de 1933: “A terrível sensação do “Graças a Deus! Estou vivo!“. A nova lei para os funcionários públicos permite-me ficar em meu posto como um soldado na frente de batalha – provavelmente, pelo menos e por enquanto. Mas, por toda a parte, açodamento, miséria, o mais puro medo. Um primo de Dember, médico em Berlim, foi arrancado de seu consultório, em mangas de camisa, e violentamente espancado; conduzido ao Hospital Humbolt, ali morreu, aos 45 anos. A Sr.ª Dember relata-nos a história, sussurrando, a portas fechadas. Fazendo isso, ela estaria espalhando “boatos alarmistas”, mentirosos, obviamente”. [15]

Em 17 de setembro de 1933 um desabafo desalentado: “A nós dois, a Eva e a mim, magoa desmedidamente o fato de a Alemanha profanar de tal modo toda a justiça e toda a cultura”. [16] Dois depois desse registro, constata: “Que manipulação das massas e que histeria! Hitler procede à benção de novas bandeiras por meio do toque com “a bandeira de sangue” de 1923. A cada toque das bandeiras, um tiro. (Eva diz: “histeria católica”).” [17]

Fiz uma incursão por uma parte ínfima dos Diários de Victor Klemperer. Todavia, penso que suficiente para estabelecer um cotejo possível entre os primeiros meses da ascensão de Hitler ao poder, com estes primeiros e desastrosos meses sob o desgoverno de Jair Bolsonaro. É possível perceber como os regimes autoritários ou fascistas ganham volume e consistência à medida que vão perpetrando seguidas e cada vez maiores transgressões à ordem legal e democrática e não encontram reação, seja dos demais poderes institucionalizados da nação, seja da sociedade civil organizada, seja de parte substancial de sua população. E quando a sociedade se apercebe já se instaurou o mais duro e ignóbil dos regimes de força. Torço por um despertar e que não demande muito mais tempo. O país não agüentaria. Espero que o texto tenha despertado o interesse de eventuais leitores, possibilitado uma visada crítica sobre este momento crucial e tenebroso da vida nacional. 


Carlos Eduardo Araújo é Professor Universitário e Mestre em Teoria do Direito (PUC – MG).

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Notas:
[1] MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Napoleão. Boitempo, 2011.
[2] ARENDT, Hannh. Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras, 1990.
[3] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[4] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[5] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[6] CÍCERO, Marco Tulio. As Catilinárias. Edipro, 2019.
[7] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[8] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[9] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. L&PM Editores, 2018.
[10] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. L&PM Editores, 2018.
[11] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. L&PM Editores, 2018.
[12] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[13] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[14] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[15] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[16] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.
[17] KLEMPERER, Victor. Os Diários de Victor Klemperer – Testemunho Clandestino de um Jovem Judeu na Alemanha Nazista. Companhia das Letras, 1999.


sábado, 3 de agosto de 2019

O caso Moro, para jamais esquecermos os crimes da toga. Por Rui Ferreira dos Santos, Juiz do Trabalho no RS



  "Parcial e, pois, suspeito, o ex-juiz Sérgio Moro, tão logo vencidas as eleições pelo adversário do metalúrgico (preso ilegalmente, lembre-se) acaba recebendo seu troféu, com toda a pompa que o caso e a imprensa requerem: Ministro da Justiça. Justiça, que Justiça?" - Rui Ferreira dos Santos, Juiz de Direito


Do site de estudos e críticas jurídicas Justificando:

Para jamais esquecermos os crimes da toga!

Segunda-feira, 29 de julho de 2019

Para jamais esquecermos os crimes da toga!

Imagem: Isaac Amorim/MJSP

Por Rui Ferreira dos Santos, juiz do trabalho

O maior crime do colarinho branco do período republicano, com direito a troféu e aplauso da classe média, da elite podre deste país e, triste realidade, de boa parte dos pobres, a base da pirâmide social
  
Eis que o Brasil vivia um período de certo marasmo na condução das questões econômicas do país, dificuldades de toda ordem, quando do início do segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff.  Um governo do Partido dos Trabalhadores, que se iniciou com Lula, com direito à reeleição, cujos mandatos encerraram com a maior e mais acachapante aprovação de um presidente como nunca antes na história deste país. Pois o Presidente Lula, um metalúrgico sem o caminho das letras que trilhou seu antecessor, o sociólogo FHC, ao contrário deste ilustre príncipe forjado na elite e no meio acadêmico, acabou por implementar avanços sociais de milhões de brasileiros, com notável incidência na base da pirâmide social e também na classe média. Tanto fez pelo povo brasileiro, pela classe média e até mesmo à classe alta – pois alavancou a economia, gerando renda e empregos – que fez sua sucessora, uma figura até então sem muita expressão no cenário político nacional. Bastou sua mão condutora, sua voz, seu carisma incomensurável e seu discurso preciso, cirúrgico, simples, direto ao povo, de onde saiu, origem que nunca esqueceu.
 E a elite podre deste país, em que pesem todos os benefícios sociais incontestáveis trazidos pelo governo do metalúrgico sem luzes, sem títulos acadêmicos – acabou por receber dezenas de títulos de Doutor Honoris Causa das mais renomadas Universidade mundo afora – não suportava a ideia de um retorno desse metalúrgico, o que seria inevitável nas próximas eleições, dado que sempre figurou, disparado, como o candidato da esmagadora maioria do povo brasileiro. Pois a elite não suportaria tanta humilhação. Aécio bem que tentou, via tapetão, anular as eleições, mas não logrou êxito. Então passou-se a articular uma forma de tomada do poder: golpe parlamentar. Criaram então a figura das ‘pedaladas fiscais’, espécie de manobra contábil, sob o manto da ilegalidade, o que conduziria ao reconhecimento de crime de responsabilidade e, pois, o impeachment da Presidente da República. Esse expediente de manobra contábil era e sempre foi comum em todos os governos nacionais e estaduais, inclusive pelo próprio FHC e mesmo de Lula. Mas essa era a única saída da elite podre deste país para retirar o governo do Partido dos Trabalhadores. E cumpriu-se a cartilha da elite, sob a articulação do corrupto-mor, Eduardo Cunha, então Presidente da Câmara dos Deputados, e com toda a cobertura e apoio da imprensa hegemônica – Globo à frente, sempre: o sonho do golpe parlamentar torna-se realidade, o impeachment é aprovado, escandalosamente aprovado. E tudo sob os olhos do Guardião da Constituição Federal, o STF, que silenciou. Eis a primeira, mais relevante, conivência do STF com os mandos e desmandos dos donos do poder econômico deste país.
Levado a efeito o golpe parlamentar da elite econômica e política deste país, assume o conspirador vice-presidente, Michel Temer (cujo principal assessor foi flagrado com uma mala de meio milhão de reais em propina), que governaria o país, até o final do mandato, não sem antes deixar marcas indeléveis na classe trabalhadora, aprovando uma legislação retrógrada, com supressão de direitos e retorno à barbárie. 
 Mas isso não seria o suficiente, pois logo adiante haveria novas eleições e o Partido dos Trabalhadores, sob o comando do sempre metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, ou simplesmente Lula, desde sempre, tinha o candidato imbatível, seja pela percepção da própria elite, seja pelos números incontestáveis de todas as pesquisas eleitorais: o próprio Lula. 
 Ah, mas a elite podre deste país não aceitaria, novamente, mais dois mandatos inexoráveis desse metalúrgico, fazendo, de novo, arrastão social, criando universidades, acesso do povo a curso superior, com casa própria, carro zero, celulares de última geração, viagens de avião transformando aeroportos em rodoviária, planos de saúde; não, isso seria admitir demais. Mas fazer o quê se estamos numa democracia, incipiente democracia é verdade, que já sofrera um golpe parlamentar, qual saída se os votos já estão praticamente contados para o metalúrgico, de novo? Havia, nesse meio tempo, processos relacionados à corrupção da Petrobrás, com vários réus presos e delatores aqui e ali que tentavam reduzir penas, num desespero de causa, notadamente os que se encontravam presos e já condenados. Mas o metalúrgico poderia estar envolvido nisso tudo, em toda essa corrupção da Petrobrás, pois não era ele o Presidente de República, não era ele quem nomeava os Diretores da Petrobrás, não era quem fatiava as inúmeras diretorias da estatual entre os partidos políticos e o próprio PT? Eis que surgiu, na Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, formalmente o chefe da operação, com um tal de Power Point, em que coloca Lula como chefe de toda a corrupção da Petrobrás. Pimba: esse é o caminho, pensavam toda a corja da elite podre deste país, a imprensa hegemônica e, claro, os operadores da Lava-Jato. 
 Desde então o entusiasmo tomou conta da imprensa, da elite política e econômica deste país. Mas – e sempre há um ‘mas’ em tudo – o devido processo legal, com ampla defesa e o contraditório, sob a condução de um juiz absolutamente imparcial pode demorar anos a fio, talvez uma década para culminar com uma possível condenação com trânsito em julgado de sentença penal condenatória, pois afinal vivemos num Estado Democrático de Direito. E a Constituição Federal está aí, em plena vigência, rezando, impondo, comandando, determinando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, art. 5º, LVII).
Eis que, num repente, empecilhos foram removidos do caminho da Justiça, pois se trata de caso excepcional e casos excepcionais precisam ser tratados assim, de forma excepcional. Então tratemos de relativizar esses princípios, desde o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, ao juiz imparcial, até a desconsideração da prisão sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Claro que numa democracia consolidada, em pleno Estado Democrático de Direito, isso seria impensável, muito menos levado a efeito.

Mas o Brasil – que se pensa pertencer aos brasileiros – tem dono, sempre teve dono: a elite política e econômica mais podre do planeta terra, pois não se contenta em deter o poder econômico e político, tem que manter o povo à margem de qualquer melhoria da sua condição social. E tudo faz para manter o seu status quo. E o que é, numa situação excepcional, uma flexibilizadazinha em alguns princípios de Direito? É nada! Depois retomemos aos dogmas do Direito e do tal Estado Democrático de Direito. Mas antes, ah, antes vamos varrer do cenário político o ‘sapo barbudo’, o metalúrgico, que nossos filhos, bem-nascidos, não merecem ter um presidente semialfabetizado, imagine…

Eis o segundo golpe se formando no seio da Lava-Jato, com os aplausos e cobertura total da imprensa hegemônica. E seguiram-se condução coercitiva ilegal, delações forçadas de réus presos, vazamentos ilegalmente obtidos de diálogos entre o ex-Presidente e a então Presidente da República, depoimentos de toda ordem até que, ao final, conseguiram, após um período de falta absoluta de prova contra Lula, uma delação premiada – de um réu preso – que levaria à condenação de Lula relacionado a um apartamento tríplex que teria recebido, fruto de corrupção, relacionado a contratos e propinas da Petrobrás. 

A perseguição – esse o termo preciso, perseguição política, diga-se logo – foi implacável, iniciou com a condução coercitiva e não teve mais fim. Culminou com uma sentença que já se sabia previamente condenatória, com uma velocidade na tramitação do processo sem precedentes num processo com essa complexidade e número de depoimentos e testemunhas. E a velocidade na tramitação do recurso não deixou a desejar ao primeiro grau: também bateu recorde. E o motivo era um só: afastar Lula da possibilidade de ser candidato nas eleições que se avizinhavam e que seria inevitavelmente eleito segundo todas as pesquisas, quiçá no primeiro turno. Então sobreveio a confirmação da sentença de primeiro grau; mais, aumentou-se a pena para não deixar dúvida da culpabilidade do réu. E, a toque de caixa, antes mesmo da publicação do acórdão (decisão do tribunal) no diário oficial da União, o então juiz de primeiro grau, Sérgio Moro, o mesmo que proferira a sentença condenatória, despachava determinando a expedição de mandado de prisão imediato de Lula. Determinação cumprida, incontinenti, pela Polícia Federal. Preso Lula, afastado da disputa às eleições presidenciais, agora o objetivo era não deixá-lo falar, dar entrevistas, pois poderia, com todo o poder do seu discurso incomparável e seu carisma, influenciar o leitor ‘desavisado’.
E também esse roteiro foi seguido pelos comandos da Lava-Jato, sempre sob a conivência de todas as instituições, seja o próprio TRF, STJ e o STF. Em decisão apertada o STF entendeu por manter a prisão de Lula e de quaisquer outros presos, sem o necessário trânsito em julgado de decisão penal condenatória, fazendo menoscabo dessa garantia prevista na Carta Política.

E ao longo de todo o processo, os partidários de Lula sempre afirmavam que havia simples perseguição política, que não havia crime algum, que não havia prova de quaisquer atos de corrupção praticados por Lula. Mais, que a operação lava-jato tinha como objetivo final a prisão do Lula; que o Juiz que conduzia o processo estava sendo clara e manifestamente parcial; que a condenação não teve respaldo nas provas do processo. Houve, inclusive, expedientes utilizados pela defesa de Lula tentando que os Tribunais reconhecessem a parcialidade do Juiz Sérgio Moro, tudo em vão.

E nesse meio tempo transcorreram as eleições, sem que Lula pudesse sequer dar entrevistas. A esquerda, não percebendo o perigo por que passava nossa frágil democracia, deixou a direita e a extrema direta chagarem ao segundo turno. E, ainda não percebendo o perigo, mais por soberba, a esquerda não se articulou suficientemente e a extrema direita venceu as eleições, com um candidato totalmente desqualificado, uma criatura patética, envolvido até a alma com milicianos. Tudo para não deixar a esquerda retornar ao poder. Mas esse é um capítulo à parte.

Passadas as eleições, com a supressão do direito de Lula – que inexoravelmente seria eleito, repise-se – ser candidato, eis que surge, de repente, não mais do que de repente – como diria o poeta – um jornalista americano (Glenn Greenwald), radicado no Brasil há 15 anos, trazendo à luz (através do site The Intercept) – pois até então tudo estava nas sombras dos operadores da Lava-Jato – diálogos, troca de figurinhas entre o então Juiz Sérgio Moro e o Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato. Os diálogos revelam, inclusive, que o então Juiz Moro sugeriu alteração de operações, orientava na mudança de Procurador para atuar nas audiências, numa promiscuidade entre Julgador e acusador sem precedentes e, pois, notadamente imoral e ilegal. A suspeição de que se insurgia a defesa de Lula, sempre negada pelo Juiz e também pelas cortes superiores, agora ficou escancarada. Não há outro caminho senão o STF declarar a parcialidade do então juiz Moro e, por consequência, declarar nulos todos os atos processuais, absolutamente todos, e não apenas a sentença. Mais, os procuradores também devem ser impedidos de atuar no novo processo, todas as fases têm de ser retomadas na origem. Mais que isso, tenho que o juízo competente sequer é o da república de Curitiba, como ficou conhecido e agora confirmado, pois o tal objeto da corrupção fica no Estado de São Paulo. Mas isso não é nada frente à parcialidade manifesta do Juiz que conduziu a operação, conduziu a investigação e proferiu a sentença. Nulidade total, absoluta, inexorável.

Toda essa parcialidade do então Juiz Sérgio Moro, que importa nulidade absoluta de todo o processo contra Lula e, pois, da respectiva prisão, teve efeitos nefastos na história política, econômica e social do Brasil. E notem, sempre sob a anuência do STF, que assegurou, garantiu, que Lula ficasse preso antes de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Ora, sob a dogmática jurídica, ato nulo não gera efeitos, não suplanta o plano jurídico da validade e não superando esse plano de validade, não há que se falar em efeitos. Esses planos jurídicos da existência, validade e eficácia, são as primeiras lições em Direito. Não se compreendendo os planos por que passam os atos-fatos jurídicos, sua essência, torna-se difícil apreender todo um sistema jurídico de validades, nulidades, anulabilidade e eficácias de normas jurídicas.  

Com perdão do juridiquês inevitável, em resumo, um ato jurídico declarado nulo absolutamente, dele não podem e não devem surtir quaisquer efeitos, pois sequer pode-se falar em eficácia de ato nulo, que não geram efeitos. Ou não deveriam.
 A prisão ilegal do ex-Presidente Lula, nula absolutamente, importou na sua retirada da disputa eleitoral, em cuja eleição figurava como principal candidato à frente, esmagadoramente, em todas as pesquisas. O que isso significa? Que as eleições, levadas a cabo com o candidato principal preso, sequer poderiam ter existido, e, em existindo, tem de ser declaradas nulas absolutamente. Óbvio que o TSE e tampouco o STF chegarão a esse ponto, pois quem sequer guarda a Constituição, desconsiderando cláusula pétrea, tampouco irá levar a cabo uma dogmática jurídica que pode, essa sim, ser flexibilizada por uma questão de “pacificação social”.
 Parcial e, pois, suspeito, o ex-juiz Sérgio Moro, tão logo vencidas as eleições pelo adversário do metalúrgico (preso ilegalmente, lembre-se) acaba recebendo seu troféu, com toda a pompa que o caso e a imprensa requerem: Ministro da Justiça. Justiça, que Justiça?
  
Rui Ferreira dos Santos é juiz do Trabalho em Torres, RS.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

As confissões da Polícia Federal sobre a ilegal prisão de Lula. Texto do criminologista Felipe da SIlva Freitas


Do Justificando:

As confissões da Polícia Federal sobre a ilegal prisão de Lula

Terça-feira, 14 de agosto de 2018

As confissões da Polícia Federal sobre a ilegal prisão de Lula


O chefe da Polícia Federal, Rogério Galloro, revelou em entrevista no último dia 12 detalhes da prisão do presidente Lula e da pressão exercida por Sérgio Moro, Raquel Dodge e Thompsom Flores para que Lula não fosse posto em liberdade, mesmo perante a decisão do desembargador plantonista do TRF4, Rogério Favretto[1]. As declarações do Delegado Galloro assustam pela objetividade com que descrevem as práticas de assédio desenvolvidas pelas autoridades públicas envolvidas no caso e pela naturalidade com que o sistema de justiça e a imprensa nacional estão lidando com estas gravíssimas afirmações.
O imbróglio começou já com a ordem de prisão do presidente Lula quando, após uma controvertida decisão do STF (05 de abril), o Juiz Sérgio Moro iniciou uma cruzada para acelerar o encarceramento do ex presidente. A operação envolveu inclusive a pressão de Moro sobre a Polícia Federal e o risco – real e iminente – de que os manifestantes na porta do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo fossem atingidos pelo açodamento no cumprimento da decisão.
Em seguida, as ilegalidades se sucederam em episódios capazes de assustar ao mais arguto e perspicaz roteirista de filme kafkaniano. Com a participação da juíza federal Carolina Lebbos, responsável pela Vara da Execução, Sérgio Moro restringiu o acesso de visitas a Lula e impediu que a imprensa pudesse entrevistá-lo, mesmo que por meio de vídeo conferência ou através do deslocamento de uma equipe de TV à carceragem da Superintendência da PF.
A participação de Lula no debate da TV Bandeirantes também foi negada assim como foi indeferido o pedido de sua participação na entrevista da GloboNews e no debate da Rede TV. Algo completamente esdruxulo uma vez que se trata de um candidato a presidência da república no pleno gozo dos seus direitos políticos e que é corriqueira a autorização de matérias jornalistas com entrevista a pessoas presas até mesmo em presídios de segurança máximo no país. (Fernandinho Beira Mar, Nem da Rocinha e outras pessoas presas no Sistema Penitenciário Federal já foram entrevistadas várias vezes por equipes de TV sem qualquer problema ou sobressalto institucional)
Mas, o mais surpreendente fora mesmo revelado pelo delegado Galloro na referida entrevista ao Estadão. O que antes era especulação dos defensores do presidente Lula agora é fato relatado pela autoridade máxima da Polícia Federal Brasileira. Perguntado se a havia cogitado soltar o presidente Lula o Diretor da PF afirmou que:
Diante das divergências, decidimos fazer a nossa interpretação. Concluímos que iríamos cumprir a decisão do plantonista do TRF-4. Falei para o ministro Raul Jungmann (Segurança Pública): ‘Ministro, nós vamos soltar’. Em seguida, a (procuradora-geral da República) Raquel Dodge me ligou e disse que estava protocolando no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a soltura. ‘E agora?’ Depois foi o (presidente do TRF-4) Thompson (Flores) quem nos ligou. ‘Eu estou determinando, não soltem’. O telefonema dele veio antes de expirar uma hora. Valeu o telefonema.
A naturalidade com que estes ilícitos são relatados na entrevista é perturbadora e o silêncio acerca do caso muito desestabilizador.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Antropólogo e professor de Filosofia Política discute Intervenção no Rio




"Um projeto dessa magnitude não seria implantado sem um acordo com a grande mídia, porque sua descrição dos fatos e sua escolha de focos serão decisivas para o êxito político da operação. Ela consistirá essencialmente no deslocamento de Bolsonaro, abrindo-se um espaço para que uma candidatura de centro-direita, em nome da lei e da ordem, mas legalista, capture o eleitorado de direita: ter-se-ia, assim, uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro. Sai o capitão aventureiro e desorienatdo, e entram generais formalmente legalistas, embora “duros”. Abre-se novo espaço para candidaturas no Rio e no país, e para a emergência de lideranças “de fora da política” e “impolutas”. Parece que está em curso uma transição: aos poucos, deixamos de ser o país dos juízes para nos tornarmos a nação dos generais –de novo, ainda que, dessa vez, com cobertura legal, uma vez que, depois do impeachment, qualquer atropelo às leis poderá ser tolerado desde que os fins justifiquem, para seus operadores, os meios. As denúncias relativas ao auxílio moradia contra Moro e Bretas, poucos dias depois da condenação de Lula em segunda instância, deixa claro que, para a mídia e as elites que mandam no país, em particular o capital financeiro e seus sócios internacionais, o papel dos magistrados já foi cumprido e agora é tempo de “cortar suas asinhas” para evitar que acreditem no próprio" -  Leonardo Mota Coutinho

Do site Justificando:

A Intervenção militar no Rio: dos juízes aos generais

Domingo, 18 de Fevereiro de 2018

A Intervenção militar no Rio: dos juízes aos generais



Foto: Alan Santos/Presidência
A situação da segurança pública no Rio é gravíssima e, portanto, não há mais lugar para discursos oficiais defensivos e auto-indulgentes. O crime organizado se espalhou como por metástase, mas note bem: só há crime organizado quando estão envolvidos agentes do Estado. Segmentos numerosos e importantes das instituições policiais não apenas se associaram ao crime, mas o promoveram –e aqui se fala sobretudo no mais relevante: tráfico de armas, crime federal. O que fez a polícia federal ? O que fez o Exército, responsável com a PF pelo controle das armas? O que fez a Marinha para bloquear o tráfico de armas na baía de Guanabara? O Estado do Rio está falido, suas instituições profundamente atingidas, mas o que dizer do governo federal e dos organismos federais? De que modo uma ocupação militar resolveria questões cujo enfrentamento exige investigação profunda e atuação nas fronteiras do estado, além de reformas institucionais radicais e grandes investimentos sociais?
Os próprios militares sabem que não podem nem lhes cabe resolver o problema da insegurança pública. Sua presença transmitirá uma sensação temporária de que o Rio se acalmou, porque os sintomas estarão abafados, mas nada será solucionado e a solução sequer será encaminhada. Basta analisar o que se passou na Maré: o Exército ocupou as favelas por um ano, desgastou-se na relação com as comunidades, a um custo de 600 milhões de reais, e tão logo as tropas se retiraram, os problemas retornaram com mais força.
Já que não se trata de enfrentar os verdadeiros e permanentes desafios da segurança pública, muito menos resolvê-los, a que serve a intervenção: são três, a meu ver, suas funções, todas de natureza eminentemente política – é lamentável que os militares se prestem a esse papel, deixando-se manipular, politicamente, como peões em um jogo de cartas marcadas.
1) Muda-se a narrativa sobre a realidade do Rio, investindo-se na expectativa sebastianista da redenção, que se realizaria, nesse caso, pelas Forças Armadas, em especial o Exército, e pelo governo federal. Um projeto dessa magnitude não seria implantado sem um acordo com a grande mídia, porque sua descrição dos fatos e sua escolha de focos serão decisivas para o êxito político da operação. Ela consistirá essencialmente no deslocamento de Bolsonaro, abrindo-se um espaço para que uma candidatura de centro-direita, em nome da lei e da ordem, mas legalista, capture o eleitorado de direita: ter-se-ia, assim, uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro. Sai o capitão aventureiro e desorienatdo, e entram generais formalmente legalistas, embora “duros”. Abre-se novo espaço para candidaturas no Rio e no país, e para a emergência de lideranças “de fora da política” e “impolutas”. Parece que está em curso uma transição: aos poucos, deixamos de ser o país dos juízes para nos tornarmos a nação dos generais –de novo, ainda que, dessa vez, com cobertura legal, uma vez que, depois do impeachment, qualquer atropelo às leis poderá ser tolerado desde que os fins justifiquem, para seus operadores, os meios. As denúncias relativas ao auxílio moradia contra Moro e Bretas, poucos dias depois da condenação de Lula em segunda instância, deixa claro que, para a mídia e as elites que mandam no país, em particular o capital financeiro e seus sócios internacionais, o papel dos magistrados já foi cumprido e agora é tempo de “cortar suas asinhas” para evitar que acreditem no próprio personagem e avancem sobre o PSDB, os bancos e as corporações midiáticas. Como se vê, a intervenção militar no Rio complementa a exclusão de Lula da disputa eleitoral, uma vez que não seria suficiente exclui-lo e prosseguir na sistemática marginalização da candidatura Ciro Gomes, se a direita e o centro não se entendessem e criassem uma alternativa viável.
2) Atuando-se reativamente na emergência, impede-se mais uma vez que alcancem a agenda pública temas fundamentais: (a) a política de drogas; (b) a reforma do modelo policial e a refundação das polícias, com a mudança do artigo 144 da Cosntituição (por exemplo, com a aprovação da PEC-51 que o senador Lindbergh Faria apresentou em 2013); (3) a repactuação entre o Estado e as comunidades que vivem em territórios vulneráveis, em especial a juventude, de modo a que as instituições policiais deixem de ser parte do problema e se transformem em parte da solução. Hoje, as execuções extra-judiciais são a regra, o que leva analistas a declarar que essas áreas estão sob a regência de um Estado de exceção. Infelizmente, isso ocorre com a anuência, por cumplicidade ou omissão, do Ministério Público e as bençãos do poder Judiciário; (4) o investimento em infra-estrutura, educação e cultura, e a abertura de novas oportunidades para a juventude mais vulnerável, respeitando-se as camadas populares e, assim, bloqueando o aprofundamento do racismo estrutural. Os recursos, aos bilhões, viriam do corte no pagamento de juros aos rentistas.
3) Um efeito lateral nada desprezível seria a suspensão das votações no Congresso da reforma da previdência, salvando o governo de uma derrota, no item que supostamente justificaria sua ascenção ao poder. Por mais que, hoje, o governo negue essa possibilidade, está aberta a temporada de caça a brechas judiciais para obstar o processo de votação.
Não posso concluir sem chamar atenção para os riscos que a intervenção militar representa para os moradores das comunidades e para os próprios militares, que são jovens e não foram treinados senão para o enfrentamento de tipo bélico. A primeira morte provocada por um militar, em decorrência da nova legislação, será julgada pela Justiça militar, o que poderá transferir para a arena jurídico-política internacional a problemática da ocupação do Exército, tornando a operação política um desastre, a médio prazo, a despeito do provável apoio ufanista da grande mídia. Por outro lado, se um militar for atingido mortalmente, as consequências serão imprevisíveis, fazendo girar mais rápida e intensamente o círculo, ou a espiral da violência.
Além de tudo, não nos esqueçamos do exemplo mexicano: quando as Forças Armadas se envolvem na segurança pública, abrem-se as portas para sua degradação institucional.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo, escritor, dramaturgo e professor de filosofia política da UERJ. Foi secretário nacional de segurança pública. Seu livro mais recente é “Rio de Janeiro; histórias de vida e morte” (Companhia das Letras, 2015).