quinta-feira, 1 de abril de 2021

Dia da Mentira, dia de relembrar e condenar o golpe empresarial-militar contra o povo do Brasil em 1964, por Fabio Gaspar e Pedro Martinez #DitaduraNuncaMais

 São 57 anos dessa ferida aberta na História brasileira e hoje temos na Presidência da República um mal-intencionado que homenageou a tortura dentro do Congresso Nacional e passou incólume.

Foto: El País


Dia da Mentira, dia de relembrar e condenar o golpe empresarial-militar de 1964

por Fabio Gaspar e Pedro Martinez

Você corta um verso, eu escrevo outro

Você me prende vivo, eu escapo morto

De repente, olha eu de novo

Perturbando a paz, exigindo troco

Vamos por aí, eu e meu cachorro

Olha um verso, olha o outro

Olha o velho, olha o moço chegando

Que medo você tem de nós, olha aí

(Maurício Tapajós/Paulo César Pinheiro)

São 57 anos dessa ferida aberta na História brasileira e hoje temos na Presidência da República um mal-intencionado que homenageou a tortura dentro do Congresso Nacional e passou incólume.

Nessa semana o Governo deixou explícita, para quem ainda tinha dúvidas, sua descendência direta do regime militar. Mais fraco do que nunca, Jair Bolsonaro reafirmou seus anseios autoritários, que dessa vez, por enquanto, não foram totalmente apoiados pelas Forças Armadas. São mais de 6 mil militares ocupando cargos no Governo, mas a instituição afirma funcionar em benefício do Estado e não da atual gestão.

Ainda assim, o novo Ministro da Defesa, braço-militar direito de Bolsonaro desde o início, divulgou “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964” defendendo a celebração dos acontecimentos da data, pois benéficos ao Brasil, enquanto o Vice-Presidente tuítou que os militares impediram que o “Movimento Comunista Internacional fincasse suas tenazes no Brasil”.

A ditadura empresarial-militar que usurpou o comando do Brasil por 21 anos deixou um legado de enfraquecimento das instituições públicas, concentração de renda, corrupção, desmonte da educação, censura à imprensa e cidadãos, tortura, mortes e retrocessos em direitos dos trabalhadores. A maioria da população tem consciência disso e defende a democracia como melhor forma de governo[1].

A Lei de Anistia imposta em 1979 foi feita sob medida para proteger os agentes do Estado que torturaram, mataram e cometeram vários outros crimes em nome do regime. Esses agentes continuaram suas vidas como se nada tivesse acontecido, inclusive ocupando cargos na burocracia nacional. Enquanto isso, milhares de brasileiros sofrem desde então pela perseguição que sofreram, ou por amigos e familiares. Alguns não tiveram sequer notícias dos seus, como a família de Fernando Santa Cruz desaparecido pelo regime militar aos 26 anos de idade.

O Poder Judiciário também não deve ser desresponsabilizado. Sofreu perseguições durante o regime militar, inclusive com a cassação de Ministros do Supremo Tribunal Federal, como Evandro Lins e Silva. Contudo, em 2010, o mesmo STF decidiu pela ratificação da Lei da Anistia e salvaguarda dos militares. Outras duas recentes decisões devem ser trazidas, ambas desse mês.

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região reverteu, por unanimidade, sentença que condenou a União a pagar indenização por danos morais à viúva de Antônio Torini, funcionário da Volkswagen e filiado ao Partido Comunista Brasileiro que passou 49 dias sob tortura no DOPS em São Paulo. O que chama atenção nesse caso é a fundamentação absolutamente ideológica[2]:

“Isto é dito para que fique claro que a prisão, a incomunicabilidade, o julgamento e o banimento sofridos por Torini eram as consequências jurídicas de seus atos que tendiam à implantação de uma ditadura comunista no Brasil, em confronto com a opção política vigente.

Logo, não há espaço para indenização do agente dessas condutas a ser paga, via judicial, pela União, eis que o infrator das leis vigentes era Antonio Torini, vinculado a movimentos e partidos defensores da ditadura do proletariado.”

Ou seja, para a 6ª Turma do TRF-3, Torini era um infrator que participava de grupos que buscavam a implantação de uma ditadura comunista no Brasil e, portanto, mereceu a prisão e tortura sofrida, pois eram as regras do jogo na época. Não importa que se tratava de uma ditadura autoritária, sem qualquer legitimidade, fato reconhecido até mesmo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 A segunda decisão se deu na 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que atendendo pedido da Advocacia-Geral da União cassou a liminar que determinou a retirada e proibiu que o Governo Federal fizesse apologia à ditadura militar. A ação tinha sido ajuizada pela Deputada Nathália Bonavides (PT/RN) em razão da Ordem do Dia publicada pelo Ministério da Defesa em 31 de março de 2020. A decisão do TRF-5[3] apontou que a referida manifestação não ofendia suficientemente os postulados do Estado Democrático de Direito de forma a merecer intervenção judicial. O resultado é que nessa semana tivemos nova ordem do dia, muito semelhante à anterior, invocando a celebração do golpe de 1964.

Como é possível que magistrados, símbolos de um dos Poderes da República, profiram decisões totalmente apartadas dos valores democráticos, constitucionais e internacionais aos quais o Brasil se submete, para defender a narrativa golpista que Bolsonaro e seus asseclas tentam fortalecer? Vemos até hoje essas confortáveis manifestações de autoridades que homenageiam os anos de chumbo porque não tivemos uma transição democrática que identificasse e responsabilizasse as autoridades ditatoriais.

O golpe de 1964 não deve mesmo ser esquecido. Deve ser rememorado para que seus terríveis efeitos sobre o povo brasileiro estejam sempre frescos em nossos corações e mentes, para que não nos deixemos iludir por messias com projetos autoritários. Não há alternativa possível distante da participação popular.

Sindicato das Advogadas e Advogados de São Paulo, por seu papel ativo nas lutas democráticas, teve sua Carta Sindical cassada em 1968, permanecendo na ilegalidade perante o Estado brasileiro até o ano de 1985. Muitas fizeram parte dessa história de resistência, como os ex-Presidentes Valter Uzzo, João José Sady e o ex-Diretor José Carlos Arouca, espionados por agentes da ditadura; os ex-Diretores Aton Fon Filho e Ricardo Trigueiros, bem como o atual Diretor Takao Amano, presos durante o regime por suas atividades políticas. Ricardo Gebrin, Maria da Penha Guimarães e tantos outros integrantes do SASP que travaram corajosa luta em defesa da democracia e direitos sociais.

Por respeito aos que vieram antes de nós, aos que convivem conosco e aos que virão depois é que não devemos aceitar qualquer celebração ou distorção da História em relação ao golpe de 1964 e nem vacilar diante das novas ameaças autoritárias. Ditadura nunca mais!

Fabio Gaspar, Presidente do Sindicato das Advogadas e Advogados de São Paulo e advogado trabalhista.

Pedro Martinez, Coordenador de Direitos Humanos do Sindicato das Advogadas e Advogados de São Paulo e advogado criminalista.


[1] https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2020/06/1988776-apoio-a-democracia-atinge-75.shtml

[2] https://www.conjur.com.br/dl/quem-combateu-ditadura-assumiu-risco.pdf

[3] https://www.conjur.com.br/2021-mar-17/trf-autoriza-governo-manter-texto-celebra-golpe-1964

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