Economista e pesquisadora internacional defendeu a necessidade de um Estado que esteja a serviço da população e da proteção social e não de bancos e especuladores do mercado financeiro
Opera Mundi - No programa 20 Minutos Entrevistas desta segunda-feira (29/03), o jornalista Breno Altman entrevistou a economista Monica de Bolle, que trabalhou no Fundo Monetário Internacional e é professora na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Na conversa, de Bolle declarou ter reavaliado o papel do Estado devido à pandemia do novo coronavírus. “Cenários diferentes exigem políticas econômicas diferentes e acho que a pandemia exige revisar o papel do Estado", disse.
Para de Bolle, não se pode gerir uma crise de saúde pública, que provoca uma crise econômica, “sem um Estado muito atuante a serviço da população”. Neste caso, a economista até criticou políticas de teto de gastos que, para ela, “funcionam muito bem para auxiliar os países a controlar os gastos públicos, mas quando você pega a situação do Brasil e uma crise do tamanho dessas, você tem que defender o gasto público porque só assim você sustenta a economia enquanto o país não sai da crise sanitária”.
Além disso, ponderou que nem sempre bastam medidas estatais. É necessário ter uma consciência coletiva de que é preciso obedecer às medidas impostas pelo Estado, como lockdowns, para poder superar uma crise sanitária do nível da atual.
“Todos os países que tiveram uma boa comunicação sobre a pandemia, conseguiram ter a confiança da população e mantê-la durante boa parte da crise, foram os que se saíram melhor. Países asiáticos, principalmente. O que acontece é que muitos têm uma consciência coletiva de que o comportamento individual afeta o todo e, portanto, a preservação da vida das pessoas só ia acontecer se elas aderissem ao que era esperado delas. Esse pensamento fracassou totalmente no Brasil”, disse.
‘Vai piorar antes de melhorar’
Discorrendo sobre a situação brasileira, a economista alertou que é provável que o cenário piore antes de melhorar. Segundo ela, o Brasil está vivendo “a tempestade perfeita”, com um sistema de saúde colapsado, que imediatamente gera o colapso da economia, em um governo que ignorou todos os alertas, e segue fazendo-o.
Para sair dessa situação, de Bolle defende um lockdown severo e um auxílio emergencial que não seja inferior ao valor da cesta básica.
“E a gente precisa de um orçamento decente para o SUS. Se a campanha de vacinação depende totalmente do SUS, precisamos injetar dinheiro no sistema com uma política de saúde pública decente”, afirmou.
Reconstruindo o Brasil pós-pandemia
A economista afirma que a saúde pública pode ser o novo eixo de desenvolvimento do futuro. Seja do ponto de vista industrial, comercial, tecnológico ou de serviços: “de equipamentos hospitalares, desenvolvimento de vacinas, de criação de empregos". "A saúde tem a capacidade de multiplicar os eixos de produção”, afirmou.
“Mas é um modelo de desenvolvimento totalmente diferente daquele que estamos acostumados a pensar. Toca nas necessidades do mundo atuais e futuras. A realidade hoje é que saúde e economia vão permanecer como eixos entrelaçados durante muito tempo e sem esse foco, o Brasil vai ficar para trás porque o resto do mundo vai se reordenar assim”, argumentou.
Para que o Brasil faça essa reorientação, de Bolle voltou a reforçar a centralidade do SUS e a necessidade de se refletir sobre o papel do Estado.
“Uma vez que sairmos do colapso, temos que pensar como vamos reordenar a economia no Brasil: vamos voltar para história de que o Estado tem que ser mínimo ou vamos pensar de forma mais moderna de que os eixos principais de reconstrução devem girar em torno de eixos que, aliás, já estão previstos na nossa Constituição? Isto é, proteção social, educação, saúde e meio ambiente”, questionou.
Para tanto, a economista explicou que seria necessária uma estrutura tributária que ajudasse a coordenar tais eixos: “a gente precisa pegar a nossa pirâmide tributária e colocá-la de cabeça para baixo”.
Monica de Bolle também defendeu a instituição de uma renda básica permanente, pois acredita que o principal problema do país é a desigualdade social estrutural.
“A desigualdade é de acesso para tudo: saneamento básico, educação, saúde, cidadania, inserção na sociedade… A nossa Constituição prevê o acesso, mas a nossa sociedade não está preparada para entregar o que a Constituição prevê. A única coisa em que conseguimos garantir alguma igualdade de acesso foi no SUS”, colocou.
Ela, no entanto, não descartou a importância de instituições privadas, como bancos. “Existem muitos problemas no mercado bancário brasileiro, por estar concentrado em grandes grupos financeiros que gera toda uma segmentação de bancos médios e pequenos. Uma estrutura tão concentrada não é boa, mas o Estado pode trabalhar lado a lado com o mercado, desde que se tenha as regulações corretas e linhas claras para que o interesse privado não atravesse o interesse público”, argumentou.
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