Não se falou em moeda única, mas em maneiras de reduzir a influência do dólar e proceder a uma desdolarização progressiva.
Do Jornal GGN:
Foto: Ricardo Stuckert

A cobertura das reuniões do Novo Banco do BRICS limitou-se às reuniões e discursos públicos. A parte mais relevante, no entanto, foram os relatórios com as conclusões.
Um dos temas centrais foram as formas de fugir ao domínio do dólar. Não se falou em moeda única, mas em maneiras de reduzir a influência do dólar e proceder a uma desdolarização progressiva.
Há grandes avanços sobre as propostas anteriores.
Em vez de insistir numa “moeda única”, o BRICS está montando modelos permitindo a convivência entre as diversas moedas do grupo, além da criação de instrumentos financeiros e de seguros para fortalecer os investimentos
Os organismos centrais em construção são:
- Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).
Já em operação. Uma das declarações conjuntas, no encontro no NBD no Rio de Janeiro, foi o apoio à liderança de Dilma Rousseff. É atribuída à sua gestão a expansão dos membros do BRICS e do NBD. A prioridade será a expansão do financiamento em moeda local e sua consolidação como instituição global de desenvolvimento.
- Plataforma Multilateral de Garantias (BMG)
Projeto piloto, incubado no NDB, para reduzir riscos e atrair investimentos privados em infraestrutura e sustentabilidade.
- Nova Plataforma de Investimentos (NIP)
Ainda em discussão, com foco na cooperação entre Ministérios da Fazenda e Bancos Centrais.
São mudanças significativas em relação às propostas anteriores.
Vamos entender esses instrumentos, com mais detalhes, com a IA ajudando a organizar as informações.
Peça 1 – Arranjo Contingente de Reservas (CRA)
O CRA é peça chave desse arranjo. O objetivo principal do CRA é proporcionar um colchão financeiro que possa ser utilizado para enfrentar choques externos, como crises econômicas, desastres naturais ou outras situações adversas.
Pretende-se ampliar a quantidade de moedas de pagamento elegíveis e novos membros com acesso aos recursos. E permitir que os países utilizem moedas locais em vez de dólares, em operações de swap.
Será uma espécie de Fundo Monetário Internacional (FMI), para acudir países em crises cambiais, mas sem as condicionalidades do FMI.
Confira uma simulação de swap (troca) de moedas funcionará da seguintes maneira:
1. Pedido formal de swap
- O Brasil aciona o CRA para trocar R$32,5 bilhões por US$5 bilhões.
- O montante equivale a 50% de sua cota total (US$18 bilhões).
- O CRA aprova com base nos critérios técnicos (sem necessidade de programa do FMI).
2. Moeda de liquidação: real x yuan
- Com a reforma de 2025, o swap pode ser feito em moedas locais.
- O Brasil opta por realizar o swap em yuan chinês (CNY):
- O Banco Central do Brasil recebe o equivalente a US$5 bilhões em CNY
- A operação reduz a pressão sobre o real sem depender do dólar
- Taxa acordada: 7,2 yuan por dólar (aprox. ¥36 bilhões)
3. Uso interno
O BC utiliza parte dos yuan recebidos para:
- Intervir indiretamente no mercado por meio de contratos com bancos que atuam em câmbio
- Aumentar liquidez e sinalizar confiança nos mercados
- Financiar importações da China diretamente em yuan, evitando saídas de dólares
4. Prazo e retorno
- O swap tem prazo de 6 meses, renovável
- Se o real se estabiliza, o Brasil recomprará os reais em yuan, com taxa de juro acordada (por ex., 2% ao ano)
- O custo final da operação é inferior ao de captar dólares nos mercados privados sob estresse
Peça 2 – As garantias do BMG
O BMG é um seguro-garantia multilateral, liderado pelos BRICS, que reduz riscos de investimento, mobiliza capital privado e fortalece a arquitetura financeira do Sul Global, de forma não subordinada ao sistema ocidental.
Ele usará a estrutura do NDB e terá como prioridade projetos de infraestrutura resiliente, energia, projetos verdes e digitais.
Haverá garantia de crédito parcial, garantia cambial e garantias políticas, entre outros. Pretende-se seu lançamento na Cúpula de 2026.
Confira uma pequena simulação para um projeto de Ferrovia Bioceânica, Trecho Mato Grosso-Porto de Santos:
O valor estimado é de US$ 1,6 bilhão. Os promotores são o governo federal, o estado de Mato Grosso e a concessionária privada brasileira. O financiamento será via NDB e bancos privados.
- O BMG garante até 40% da dívida emitida pelo consórcio. Isso reduz o risco percebido e permite taxas de juros menores no financiamento. Além disso, deverá atrair fundos de pensão e investidores institucionais.
- Oferece proteção contra a desvalorização do real acima de certo limite.
- O BMG ajuda a obter a classificação domo “projeto sustentável”.
RESULTADO FINAL
Indicador | Sem BMG | Com BMG |
Custo médio da dívida | 12% a.a. | 8% a.a. |
Participação privada no CAPEX | 30% | 55% |
Proporção de dívida em real | 50% | 80% |
Tempo de estruturação financeira | Longo e incerto | Acelerado com apoio técnico do NDB/BMG |
Risco político percebido | Alto | Mitigado com selo BRICS/BMG |
São nítidas as vantagens sobre os financiamentos apoiados pelo BID.
Elemento | Financiada com BMG (hipotética) | Financiada com BID (histórica) |
Nome | Trecho brasileiro da Ferrovia Bioceânica | Corredores logísticos Goiás–Minas |
Investidor privado | Elevada participação viabilizada por garantia de risco BRICS | Baixa: financiamento e risco predominantemente público |
Moeda | Reais com garantia BRICS | Em dólar com risco cambial ao governo |
Estrutura | Projeto com selo verde e integração regional sul-sul (China–Peru–Brasil) | Projeto com foco em integração regional hemisférica (Mercosul–EUA) |
Autonomia nacional | Alta: controle da estrutura de garantias e política de crédito | Limitada: regras de procurement, salvaguardas e governança impostas pelo BID |
Participação local | Bancos públicos e privados brasileiros integrados desde o início | Muitas vezes, empresas estrangeiras têm vantagem nos processos de licitação |
Peça 3 – Pagamentos Transfronteiriços
Outro arranjo relevante será permitir comércio em moedas nacionais, sem a necessidade do uso do dólar. Para tanto, os estudos buscarão:
- Interoperabilidade entre sistemas de pagamentos nacionais, para substituir o swift (o sistema para troca de dólar, que ficou comprometido pelo uso político contra a Rússia).
- infraestrutura de pagamentos rápidos, baratos, acessíveis, eficientes e seguros. Integração do Pix (Brasil), UPI (Índia), CIPS (China) e SPFS (Rússia)
- Facilitar comércio e investimentos intra blocos.
Conversão automática em moedas locais
- Exemplo: um pagador na Índia envia em rupias, o recebedor no Brasil recebe em reais de forma quase instantânea.
- Sem necessidade de passar por dólares ou bancos correspondentes nos EUA.
Taxas de câmbio definidas bilateral ou multilateralmente
- Baseadas em acordos entre bancos centrais
- Possibilidade futura de câmara de compensação multilateral BRICS (modelo parecido com a da ALADI)
Vantagem | Explicação |
Redução de custos | Elimina taxas de bancos intermediários e de conversão cambial em dólar |
Velocidade | Pagamentos quase em tempo real, como o Pix |
Segurança jurídica e digital | Padrões compartilhados de cibersegurança e verificação |
Menor dependência do dólar | Pagamentos diretamente em real, yuan, rupia etc. |
Apoio ao comércio intra-BRICS | Incentiva empresas a exportar/importar no bloco com maior previsibilidade |
Peça 4 – os avanços no sistema
Do início de discussões para cá, houve grandes avanços na arquitetura do novo sistema – que deverá ser mais aprimorado para a reunião de 2026.
As mudanças em relação ao modelo anterior em discussão:
COMPARATIVO: MOEDA ALTERNATIVA NOS BRICS
Aspecto | Propostas Anteriores | Iniciativas Atuais (2025 – Rio de Janeiro) |
Objetivo principal | Criar uma moeda comum dos BRICS para reduzir a dependência do dólar | Criar infraestruturas técnicas e financeiras para transações em moedas locais |
Tipo de moeda proposto | – Moeda comum dos BRICS (não nacional)- Alternativa digital (cripto lastreada em commodities ou moedas nacionais) | – Pagamentos via moedas locais (real, yuan, etc.)- Integração de sistemas nacionais (ex: Pix, UPI, SPFS) |
Veículo institucional | Propostas políticas ou acadêmicas sem estrutura executiva consolidada | – BRICS Payment Task Force- CRA reformulado- Novo Banco de Desenvolvimento (NDB)- BRICS Multilateral Guarantees (BMG) |
Base tecnológica | Discussões sobre stablecoins ou plataforma blockchain própria | Relatório técnico sobre interoperabilidade de sistemas de pagamentos nacionais |
Uso em crises cambiais | Sem mecanismo claro | CRA incorporando moedas locais e aumentando flexibilidade |
Relação com o dólar | Substituição direta como moeda de comércio e reserva | Redução gradual da dependência, via moeda local e compensações multilaterais |
Envolvimento do NDB | Inicialmente periférico | Central: NDB expande emissão de dívida e financiamento em moedas locais |
Exemplo real mais próximo | Proposta russa de cripto-BRICS (2022) e estudos indianos sobre moedas digitais | Desenvolvimento de um sistema BRICS semelhante ao EUROCLEAR, SWIFT alternativo e garantias de crédito BRICS |
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