domingo, 15 de novembro de 2020

Alex Solnik: MIlitares são historicamente atrelados aos interesses da Casa Grande e promovem ou atuam em golpes de estado no Brasil desde 1889

 

"O que os historiadores convencionaram chamar de 'proclamação da República' e se transformou no feriado nacional de 15 de novembro foi o primeiro de uma série de golpes de estado e conspirações comandadas pelos militares brasileiros desde então", recorda o jornalista Alex Solnik



Por Alex Solnik, para o Jornalistas pela Democracia - O que os historiadores convencionaram chamar de “proclamação da República” e se transformou no feriado nacional de 15 de novembro foi o primeiro de uma série de golpes de estado e conspirações comandadas pelos militares brasileiros desde então.

O império caiu porque os militares não se consideravam recompensados como mereciam pelo imperador. Iam às guerras, sacrificavam vidas, enlutavam e condenavam suas famílias à miséria e a recompensa era parca.

As relações ficaram mais tensas a partir de 1883, quando Dom Pedro II resolveu punir o coronel Cunha Matos por se opor à decisão governamental de contribuições compulsórias para o montepio militar e o general Deodoro da Fonseca por se recusar a proibir seus subalternos de assinarem artigos em jornais.

Deodoro não derrubou o império para entregar o poder aos civis, ele próprio o empalmou. E para garantir a hegemonia militar, nomeou Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, seu vice. Pela alcunha se imagina seu temperamento.

Tanto Deodoro quanto seu sucessor, Floriano, governaram como ditadores.

Tiveram que entregar o poder aos civis, por meio de eleições diretas, em 1894, mas os militares nunca mais deixaram ou de tutelar ou de conspirar ou de derrubar governos eleitos, provocando clima de instabilidade e incerteza absolutamente incompatíveis com o progresso de um país.

Mesmo quando um militar chegou ao poder por meio do voto, como Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro, em 1910, o país teve sossego. Censura e atentados à imprensa, prisões políticas e estado de sítio foram seus legados.

Uma década depois surgiu o movimento tenentista que conspirou para derrubar o presidente Epitácio Pessoa, sem sucesso, em 1922.

Os militares só voltariam ao poder em 1930, abraçados a Getúlio Vargas, consumando seu segundo golpe de estado, que passou para a história como “Revolução de 30”.

Permaneceram unidos ao caudilho na decretação do Estado Novo, em 1937, seu terceiro golpe de estado (ou golpe dentro do golpe), período em que o país viveu sob censura à imprensa e às artes, prisões políticas, tortura, deportações, assassinatos, tudo sob a aquiescência dos comandantes militares.

Para não haver dúvidas a respeito de quem mandava, com a mesma convicção com que alçaram Getúlio ao poder em 1930 e 37, eles o retiraram em 1945, agora mais influenciados por seus aliados dos Estados Unidos. Quarto golpe.

A eleição direta de 1946 foi vencida pelo marechal Dutra, mais uma prova de que os militares nunca deixaram de estar na política.

Intervieram novamente em 1954, pressionando Vargas, eleito em 1950, a renunciar em razão do “mar de lama”. Ele preferiu renunciar à vida.

As conspirações contra presidentes eleitos não cessaram. Oficiais da Aeronáutica promoveram a Revolta de Aragarças, em 1955, contra a posse de Juscelino Kubitcheck. Fracassaram.

JK pôde governar em relativa paz.

No curto período em que os militares não se imiscuíram nos negócios do estado brasileiro o país viveu um de seus melhores momentos.

Orgulho nacional e joia da arquitetura moderna, Brasília, para espanto do mundo, foi erguida em quatro anos. Nasceu o Cinema Novo, a Bossa Nova. O teatro viveu seu auge criativo. Éramos respeitados por nossa música, por nosso futebol. Nos livrávamos do maldito complexo de vira-lata.

Não houve tempo, porém, para esse momento mágico prosperar.

Logo em 1961 os comandantes das Forças Armadas proibiram o vice-presidente da República, João Goulart de assumir o cargo depois da renúncia de Jânio Quadros. Mais uma conspiração contra a democracia.

Acenaram com as mais funestas ameaças. Derrubariam o avião que o trouxesse da China, onde estava em missão oficial.

Só o deixaram assumir quando os deputados concordaram em implantar o parlamentarismo, a fim de reduzir seus poderes.

A trégua foi quebrada quando Jango reverteu o parlamentarismo, por meio de um plebiscito. Não demorou para ser derrubado, em 1964, pelos militares, que então resolveram tomar o leme.

Seguiram-se vinte e um anos nos mesmos moldes do Estado Novo, dessa vez com generais em lugar do ditador civil: censura às artes e à imprensa, prisões políticas, fechamento do Congresso, tortura, assassinatos, atos institucionais, medo, insegurança, caos.

A ditadura caiu de podre. Envergonhados, os militares saíram de cena em 1985. A redemocratização, chamada de Nova República, começou claudicante com o governo deplorável de José Sarney e o breve e infame período Collor, mas os governos seguintes conseguiram debelar uma das heranças malditas do regime militar – a inflação descontrolada – no período FHC e a reduzir dramaticamente a desigualdade social no país, no período Lula-Dilma.

Temer acabou com o exílio voluntário dos militares da política em 2016. Consultou seus comandantes quando iniciou ao lado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a conspiração que resultou na queda de Dilma Rousseff. Entregou-lhes, por meio do general Braga Netto, a intervenção na segurança do Rio de Janeiro.

O presidente eleito a seguir, um ex-capitão que na caserna recebera o apelido Cavalão, promoveu a volta definitiva dos militares ao poder, colocando-os nos principais ministérios, o que jamais havia ocorrido em governos civis, além de empregar quase 3000 oficiais em postos menores, mas também relevantes e muito bem remunerados.

Derrubou a Nova República sem mostrar o que virá a seguir.

Se o comandante do Exército, general Edson Pujol quisesse mesmo afastar os militares da política já teria ordenado um "direita, volver" do governo Bolsonaro.

Enquanto não fizer isso – e não o fará porque seu chefe supremo é o presidente da República – este continuará sendo um governo militar eleito pelo voto direto que continuará disseminando instabilidade e atraso até o momento, em 2022, em que a sociedade terá a oportunidade de afastar, também pelo voto direto, a consolidação de mais um ciclo militar em nosso país.

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