sexta-feira, 27 de novembro de 2020

"Anauê Jaci", Vargas, o militarismo, a elite e a cultura fascista da sociedade brasileira em análise de Leonan Benax Morais Befort e Bruno de Morais Martins Ferreira

 



 "No Brasil, a comissão nacional da verdade (CNV), instituída em 2011 pelo governo federal e encerrada em 2014, tinha como principal função a investigação e apuração de fatos históricos objetivando filtrar violações contra os direitos humanos ocorridas durante os anos de 1946 e 1988. O sucesso da comissão nas investigações provou não somente o quão obscuro é a história do Brasil, como o quanto ela também é encoberta pelo próprio governo com práticas de manipulação dos fatos históricos. O perigo desta prática é inquestionável, logo quando, seu efeito é de longo prazo e pode preservar uma autocracia sutil onde todo cidadão é privado da verdade, fazendo com que o indivíduo seja parcialmente manipulado. Uma citação do livro 1984 de George Orwell: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” (Eric Arthur Blair;—”George Orwell”, 1984 — 1948 p. 17)."

Do site de Estudos e Crítica Jurídica Justificando:


Imagem: Colégio Bastos Maia – Montagem: Gabriel Pedroza / Justificando

 

 

Por Leonan Benax Morais Befort Bruno de Morais Martins Ferreira

 

A história retrata didaticamente Getúlio Vargas como um emblemático herói nacional e o mais honroso homem público que a política brasileira já teve. Esse plano didático-pedagógico, que é o distribuído nos livros escolares de história fez com que popularmente fosse atribuída à Vargas essa imagem heroica e martirizada. 

 

Todavia, isso abre portas para um questionamento: até quando o material didático não vem a ser distorcido e contraditório com relação a veracidade dos fatos? Comprovadamente o Brasil possui uma instrução educacional de cunho elitista, não em sua infraestrutura, mas em seu conteúdo. Na verdade, num país que adere ao sistema socioeconômico capitalista, é quase impossível que a história relatada não seja distorcida ou mal contextualizada, uma vez que no capitalismo os privilégios históricos fomentaram um sistema político oligárquico constituído por uma cúpula elitista que redige todas as esferas do governo, consequentemente promovendo a educação, e essa educação é tutelada por um conselho do governo que define o que é história e o que não é. 

 

No Brasil, a comissão nacional da verdade (CNV), instituída em 2011 pelo governo federal e encerrada em 2014, tinha como principal função a investigação e apuração de fatos históricos objetivando filtrar violações contra os direitos humanos ocorridas durante os anos de 1946 e 1988. O sucesso da comissão nas investigações provou não somente o quão obscuro é a história do Brasil, como o quanto ela também é encoberta pelo próprio governo com práticas de manipulação dos fatos históricos. O perigo desta prática é inquestionável, logo quando, seu efeito é de longo prazo e pode preservar uma autocracia sutil onde todo cidadão é privado da verdade, fazendo com que o indivíduo seja parcialmente manipulado. Uma citação do livro 1984 de George Orwell: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” (Eric Arthur Blair;—”George Orwell”, 1984 — 1948 p. 17).

 

A sociedade brasileira e a cultura do fascismo

Para entender a popularidade de Vargas em sua época e o que faz a martirização emblemática de sua figura ser tão perigosa, é essencial entender também como a sociedade brasileira se comporta mediante ao fascismo e ao arianismo. 

 

De acordo com a tese defendida por Cristiano Bodart, doutor em Sociologia (USP) e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), um dos pilares fundamentais do fascismo é o desprendimento da realidade: o quão você é capaz de ser fiel à uma farsa. Afinal, nas palavras de Adolf Hitler, “Uma mentira repetida mil vezes, torna-se uma verdade”. Outra estrutura que também sustenta o fascismo é o individualismo. A sociologia reconhece três instituições como sendo as mais poderosas da civilização. São elas; a igreja; a família e o Estado. No fascismo a tendência é que na família, o sentimento individualista remete ao ser humano preservar sua família, sobrepor sua função na sociedade de preservar o bem comum. Da igreja, que sua crença em Deus se torne maior do que a sua crença no que a ciência comprova como verdade através dos fatos (estudos práticos, técnicos e etc.). E do Estado, ser projetor de uma ideologia reacionária cuja população fielmente seguirá a fim de uma “libertação intelectual” contra um sistema de mentiras, justamente nesta perspectiva, imposto pela ciência e pelo Estado cujo “libertador” acusa ser antagonista de todo o progresso social, político e moral daquela determinada nação. A correlação esquelética dessas três estruturas é que quando aplicada ao contexto do Fascismo, o indivíduo a conselho do Estado, protegerá sua família mesmo que isso signifique atacar outras famílias. A igreja será a portadora da verdade, onde tudo o que for contestado é fruto de uma sistemática e conspiradora mentira. E o Estado, se resguardará sobre a proteção da igreja, onde tudo dito contra ele será uma farsa, e controlará através do ódio e do medo o indivíduo que almeja preservar sua família, seja em prol do governo ou de outras causas (nesta perspectiva, o representante do Estado é o herói libertador perseguido pela mentira e pelo sistema). 

 

A sociedade brasileira por sua vez, possui um ponto de fragilidade imenso quando se trata do fascismo, podendo malear-se facilmente, uma vez que, historicamente o povo brasileiro insiste, culturalmente em proteger suas tradições conservadoras do âmbito familiar. Segundo os dados da nova etapa de divulgação do Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente 83% da população são cristãos, sendo 64,6% católicos e 22,2% protestantes. Essa crença não é nada saudável, se considerar que 38 milhões de brasileiros são   analfabetos funcionais. Segundo a pesquisa mundial do Ipsos, realizada no ano de 2017, o povo brasileiro se encontra em 2° lugar no ranking de ignorância sobre a própria realidade. Esse desprendimento da realidade, e a falta de consciência, seguida da demasiada e ignorante fé, torna o povo brasileiro um alvo fácil de aspirações fascistas. Esses dados são atuais, e mesmo nos tempos modernos com todo o avanço da tecnologia da informação e das comunicações, o Brasil mantém-se assim, logo, é presumível que há 90 anos a sociedade brasileira encontrava-se em uma posição de vulnerabilidade ainda maior. 

Retornando ao século XX, nos anos de 1920, o fascismo que se iniciou na Europa e disseminou-se pela América Latina, quase dominando o mundo, havia chegado ao Brasil. 

 

A mídia globalmente demonizava as revoluções comunistas e as repúblicas de cunho marxistas que tentavam se instaurar naquela época. As revoluções eram expostas como algo amedrontador, violento, impositivo e autoritário. Diante da falta de informação e a divisão entre as nações, as informações deturpadas tornaram-se um senso comum entre as populações de países do mundo inteiro, principalmente, de potências capitalistas ameaçadas que queriam afastar as revoluções comunistas a qualquer custo e para isso propagandearam fortemente contra o comunismo. 

 

No Brasil não fora diferente, logo a população instigada pelo medo e pela falta de conhecimento, começou a pensar de modo perverso dando espaço ao anticomunismo, e assim funcionava: a única coisa que faz distinção entre seus iguais biologicamente é o materialismo, logo, ninguém quer ter seus bens “roubados”. Então, as aspirações anticomunistas e o ódio seguido pelo medo, se fez presente. A população brasileira foi cada vez mais se tornando individualista e revoltada. Até que em fruto disso, no ano de 1932 surge o primeiro grupo de viés fascista no Brasil: a Ação Integralista Brasileira (AIB) com o slogan: ”Deus, pátria e família”. 

 

A familiarização da sociedade brasileira com o slogan foi estarrecedora. Agora, a sociedade civil de viés um tanto fascista estava começando a ganhar representatividade política, e isso marcaria para sempre a história e cultura do povo brasileiro. 

 

Vargas e o Fascismo

Para entender a aproximação de Vargas com o fascismo, é necessário saber como líderes fascistas da época possivelmente foram inspirações para as estratégias políticas de Getúlio Vargas quando candidato. 

 

Dentre todas as figuras fascistas da época, uma delas se destacava nas notáveis semelhanças com as estratégias populistas de Vargas, e esse era Adolf Hitler. 

 

A ascensão de Adolf Hitler na Alemanha teve início em setembro de 1919 quando juntou-se ao partido político conhecido como o Deutsche Arbeiterpartei (abreviado como DAP – Partido dos Trabalhadores Alemães) cujo o nome fora alterado em 1920 para Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei – (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista). O nome “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães” era nitidamente uma maneira de se popularizar entre a classe trabalhista, tendo em vista que naquele período, as revoluções da classe proletária estavam ganhando força por boa parte da Europa (Essa narrativa de que o nome é inteiramente uma estratégia política de cunho populista é atestada durante o período do governo Nazista, pois banir o comunismo e o socialismo da Alemanha era a principal prioridade do Nazismo).

 

Hitler e seu partido foram ganhando força nacionalmente entre os anos de 1920 à 1930, até que os nacionalistas radicais, especificamente os do partido Nazista, tornaram-se maioria no parlamento Alemão com a nomeação de Hitler ao cargo de Chanceler. 

Hitler desde 1920 mantinha o seu discurso bem forte entre os cidadãos alemães fazendo sempre uso de uma retórica contra o Estado democrático, alegando que o governo democrático na Alemanha era ineficaz e falhara com o seu objetivo de manter uma Alemanha soberana. Como forma de se popularizar, o discurso de ideário nazista prometia o fim da miséria e pobreza do povo, obviamente, esse discurso encantou os cidadãos alemães.

 

Mesmo com tudo isso, Adolf Hitler perdeu a eleição presidencial Alemã no ano de 1932. Mas, elegeu-se no ano de 1934 através do voto direto, provando que seu discurso retórico e suas estratégias populistas funcionavam. 

 

O discurso de Getúlio Vargas não era diferente. O populismo marcou historicamente a figura de Vargas como sendo uma de suas principais características. E não é atoa que mais tarde, passou a ser conhecido como “pai dos pobres”.

 

Então, Getúlio concorreu à eleição presidencial pelo partido da Aliança Liberal (AL) em 1930, sendo derrotado por Júlio Prestes do Partido Republicano Paulista (PRP). Vale ressaltar que Júlio Prestes NÃO possui parentesco algum com Luiz Carlos Prestes. 

 

Tempos após sua derrota, o Vice de Getúlio, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, morreu de causas naturais, Getúlio utilizou disso como estratégia de campanha anti Estado democrático, e foi quando começaram as acusações de Getúlio contra o candidato eleito democraticamente de que Prestes havia ordenado o assassinato de João Pessoa, e que isso era um crime político. Por mais que não houvessem bases factíveis ou comprovações da veracidade das acusações, Vargas continuara com seu discurso de ataque, e assim iniciou-se a trajetória dele com as práticas fascistas. 

 

Como mencionado anteriormente no texto, o fascismo consiste no desprendimento da realidade e Getúlio já estava trabalhando a sociedade brasileira, ensinando-a aos poucos a crer na retórica e não nos fatos. 

 

Além disso, Vargas também acusava constantemente seu opositor político de ser um comunista, ainda que o PRP não possuísse viés comunista algum, quem dirá membros. 

 

A população passou cada vez mais a aderir ao anticomunismo e se revoltar contra o Estado democrático, pois instruídos, acreditavam estarem sendo manipulados por um sistema mentiroso, controlador, corrupto e prestes a se instaurar comunista e totalitário. O anticomunismo e reacionarismo presentes no discurso retórico e extremista de Vargas já expressavam suas aspirações fascistas. 

 

Vargas também apoiou a Ação Integralista desde sua fundação com Plínio Salgado. A AIB seria mais tarde de grande ajuda na sua ascensão ao poder. A Ação Integralista tinha até mesmo na sua estética publicitária, grande semelhança com o fascismo italiano. Essa era a prova de que independente da estratégia política de Vargas ser idêntica a de Hitler, o Nazismo não era sua inspiração, até porque Vargas não se declarava racista, muito pelo contrário, e a ação integralista também não, por mais que alguns membros tivessem posicionamentos antissemitas, o Nazismo não tinha lugar no varguismo. É como se Vargas houvesse criado uma organização fascista original, que se inspirou em outras figuras, mas seguiu com suas próprias concepções idealistas de fascismo. 

 

 

Leonan Benax Morais Befort é aluno na instituição de ensino Colégio Estadual Dr Albert Sabin.

 

Tutor: Bruno de Morais Martins Ferreira é professor e historiador graduado na Universidade Federal Fluminense, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Leciona em escolas da rede pública municipal e estadual de ensino do Rio de Janeiro. 


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Referência Bibliográfica

ULLRICH, Volker. Adolf Hitler: Os anos de ascensão (1889 – 1939), 2016 editora Manoele ltda. 

The democratic and theauthoritarian State – Essays in política land legal theory. Glencoe, Illinois, The Free Press, 1957, pp. 250-51. Ed. bras.: Estado democrático e Estado autoritário. Rio, Zahar, 1969.

História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, v. 3. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1990.

https://www.google.com/amp/s/veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/amp/  (31 jul 2020, 08h29 – Publicado em 29 jun 2012, 16h56) 

https://www.google.com/amp/s/exame.com/brasil/brasil-fica-em-2o-em-ranking-de-ignorancia-sobre-a-realidade/amp/ ( 6 dez 2017, 12h10 – Publicada em 6 dez 2017, 11h35) 

https://www.ipsos.com/pt-br/perigos-da-percepcao-2017 (7 dez 2017, 12h35)

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