segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Não são as urnas quem definem as eleições, mas sim o sistema, por Armando Coelho Neto, advogado e jornalista, delegado aposentado da PF e ex-representante da Interpol

 


Um lobo da caserna que muito atuou na Polícia Federal costumava dizer que o povo é um cão preso a uma coleira, que o povo é livre para se movimentar na extensão dessa mesma coleira.

Do Jornal GGN:

Não são as urnas quem definem as eleições, mas sim o sistema

por Armando Rodrigues Coelho Neto

A esquerda formal – leia-se, partidária, bem-comportada e submissa às regras do jogo da sociedade burguesa -, não passa de uma concessão da direita – empenhada em se perpetuar no poder. A esquerda na disputa serve para que a direita pareça democrática, limpinha, cheirosa e brilhando como diamantes.

Difícil viver num país no qual se depende das instituições nas quais a pessoa não acredita. O que dizer das Forças Armadas Brasileiras (FFAA), que na prática é um canhão apontado para a democracia: braço forte contra o povo, mão amiga para as elites. Para elas, a democracia é uma concessão delas, não o contrário.

Movidas pelo sentimento absolutista, de presenteiam a sociedade civil com a democracia, são, na prática, guardiãs das classes dominantes, capitãs do mato da Casa Grande, quando não se confundem com a própria Casa Grande. Elas são a direita eternamente no poder, desde a Proclamação da República.

Jamais as FFAA escreveriam isso em lugar algum, mas agem como se todo o poder delas emanasse e em nome delas esse poder é exercido. Portanto, se escrevo, e se ontem votei, foi por generosidade delas, que não explicam seus gadanhos no Supremo Tribunal Federal, que de seu turno dá suporte às violações constitucionais.

Um lobo da caserna que muito atuou na Polícia Federal costumava dizer que o povo é um cão preso a uma coleira, que o povo é livre para se movimentar na extensão dessa mesma coleira. Justo o povo de onde supostamente emanaria todo poder, mas que só serve para legitimar os interesses das classes dominantes.

No país do povo encoleirado e oposição consentida tem urnas eletrônicas suspeitas, que são insuspeitas apenas por falta de prova em contrário, até porque é praticamente proibido que se produzam provas. São seguras apenas porque uma horda de crápulas com discursos doutorais e empolados dizem que o são.

Não creio em segurança de urnas, nem nos vídeos produzidos por ridículos minions, com suas engenhocas de plástico, com as quais difundem fake news e iludem o gado. Aliás, não creio, sequer, na honestidade intelectual de um certo Roberto Barroso, presidente do Superior Tribunal Eleitoral. Eu sei o que ele fez no verão passado.

Ok. Mas Lula/Dilma ganharam eleições nessas urnas. E daí? Entraram pelo sistema de concessão e pela própria exaustão da democracia necrosada. Quando não quiseram mais, destituíram Dilma e prenderam Lula. É, chega a um ponto em que a direita agoniza em si mesma, faz retiros estratégicos, respira e retoma o jogo.

Até hoje o sistema não esclareceu o erro dos institutos de pesquisas que davam vitória de Dilma Rousseff e Roberto Requião para o senado/2018. Não esclareceu a vitória de anônimos país afora e não importa como Bozo venceu, pois, as fraudes que se dispuseram a apurar “não tiveram o condão de desequilibrar o resultado”.

Não é de hoje que o Brasil vive de aparência. Durante a ditadura militar, havia eleições para vereadores, deputados, senadores, prefeitos e até para governadores. Assim definiram as FFAA, como também definiram ter apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Nos primórdios da redemocratização, sabedores das mazelas do povo e da política, a ditadura militar costumava mexer pedras pró-direita. Quando ameaçados, criaram os tais senadores biônicos, ou seja, indicados por militares, de forma a garantir, logo de cara, um senador “eleito” indiretamente. Os demais precisariam de voto popular.

Nos estados onde a oposição vencia, como o Rio de Janeiro e Guanabara, eles transformaram em um só. Desse modo, tomaram um senador, governador, parlamentar da esquerda. Já onde venciam, como Mato Grosso, para suas garantias políticas, foi dividido em dois (o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul).

Com a esquerda crescendo, apesar dos entraves criados, logo descobriram que a propaganda eleitoral lhes tirava voto. Então, reduziram o horário eleitoral a simples foto dos candidatos, apenas com número, profissão e reduzidíssimo currículo, sem condições de informar suas plataformas, propostas, formularem críticas.

Apesar de todas as manobras militarescas, o pensamento crítico e a esquerda avançavam. “Finda” a ditadura, surgiu o PT, que virava eleições com boca de urna. Logo a prática foi criminalizada, de forma que o eleitor desinformado pela grande mídia passou a não ter o direito, sequer, a receber um contraponto no dia da eleição.

Mais recentemente, de olho na perpetuação no poder e despolitização do povo, a programação eleitoral anual foi abolida. Já no pós-golpe/2016, para impedir a candidatura do ex-presidente Lula, programas eleitorais foram reduzidos, muitos outros prazos eleitorais foram encurtados.

Fernando Haddad e Guilherme Boulos, entre outros, por exemplo, certamente poderiam ter destinos diferentes com mais tempo de televisão.

Sim, com urnas suspeitas e hegemonia de pensamento, eis as regras do jogo às quais à esquerda formal se submete. É o que há de possível sob a perpétua ameaça do fantasma do comunismo, serpente dos medos que aterrorizam brasileiros encantados por igrejas.

Restou à massa crítica o simbólico dizer não, do anular, do abster-se para mostrar sua insatisfação, indignação. Não havia empates técnicos e os institutos de pesquisas estão falidos. Não são as urnas que definem as eleições, mas sim o sistema viciado, blindado, que se recicla eternamente para que tudo fique como está.

Por instantes a esquerda formal superdimensionou a ilusão do avanço com o encolhimento do fascismo, de quem o sistema nunca se desgrudou e ajudou no fortalecimento do centrão. Lulistas e mínions perderam e o recado para 2022 está dado, sobretudo para os ultrarrevolucionários com filiação partidária.

Rogério dos Santos, um desconhecido poeta, amigo meu escreveu:

“Não há nada de novo nas igrejas que descem do Norte. Há somente um céu pendurado na parede, e um homem de terno e gravata, querendo que somente sua trombeta seja ouvida e os tambores esquecidos. Tiram das pessoas simples o mínimo de conflito.

Eu quero a borboleta que esmaga diamantes e o elefante que se esconde atrás da rosa, não a velha serpente incutindo medos. Quero ir para a mataria com as mãos fechadas. Guardando nelas o caos – matéria essencial de vida.”

É o que temos para hoje!

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.

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