sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Golpe em 2016, eleição de Bolsonaro, fim de direitos e boçalidade: o resultado do ódio plantado contra o PT. Leia o artigo de Paulo Fernandes Silveira

 


  Numa entrevista de 2005, Luiz Felipe de Alencastro, professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, comentou uma frase proferida por um senador de direita comemorando a midiatização do Mensalão: “É o retorno do recalque mais boçal do Brasil, da UDN de 1952, que diz que ‘pobre é pobre porque pobre é burro’, que diz ‘nisso que dá eleger um encanador e uma empregada doméstica para morar no Alvorada’”.

Jornal GGN:
(Faixa esticada na Avenida Paulista nas jornadas de junho de 2013)

As consequências do ódio ao PT

por Paulo Fernandes Silveira

Numa entrevista de 2005, Luiz Felipe de Alencastro, professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, comentou a frase proferida por um senador logo após a midiatização do Mensalão: “É o retorno do recalque mais boçal do Brasil, da UDN de 1952, que diz que ‘pobre é pobre porque pobre é burro’, que diz ‘nisso que dá eleger um encanador e uma empregada doméstica para morar no Alvorada’”. A frase desse senador referia-se ao PT: “Nós agora vamos nos livrar dessa raça por muitos anos”. Segundo Alencastro, a campanha promovida contra o partido a partir desse caso poderia provocar uma onda conservadora no país.

O movimento de ódio ao partido foi intensificado com as jornadas de junho de 2013. Alguns meses antes, nas eleições municipais de 2012, o PT elegeu Fernando Haddad prefeito de São Paulo, e Adilson Pires, morador da Favela Vila Aliança, vice-prefeito do Rio de Janeiro. No segundo turno da eleição em São Paulo, o PSOL anunciou que não indicaria o voto em Fernando Haddad, em nota, o partido argumenta não ver diferenças entre o candidato do PT e o candidato do PSDB para aquele pleito. Na eleição do Rio de Janeiro, a chapa composta pelo PT venceu a chapa de Marcelo Freixo, candidato do PSOL, ainda no primeiro turno.

No primeiro reajuste anual das tarifas de transporte público, manifestantes foram às ruas, especialmente, em São Paulo e no Rio de Janeiro, protestar contra a medida determinada pelos novos prefeitos. Segundo Angela Alonso, professora de sociologia na Universidade de São Paulo e pesquisadora do CEBRAP, as manifestações em São Paulo apresentaram diferentes fases.

Na primeira fase, com menor número de participantes, os grupos autonomistas tiveram protagonismo. Alguns dias depois, numa segunda fase, grupos socialistas aderiram aos protestos. Após uma violenta repressão policial, a grande imprensa passou a apoiar as manifestações. Na terceira fase, as manifestações ganharam grandes proporções e passaram a atrair grupos com as mais diversas demandas sociais e políticas.

Uma faixa esticada na Avenida Paulista, provavelmente, na manifestação do dia 20 de junho, pedia a prisão dos mensaleiros e de Lula. Ativistas entrevistados na pesquisa de Angela Alonso relatam a presença de pessoas reacionárias a partir dessa fase dos protestos. Num artigo publicado no dia 21 de junho, o professor e jornalista Leonardo Sakamoto relata a presença de milhares de pessoas agressivas e ultraconservadoras, vestindo verde e amarelo e pedindo o fim dos partidos políticos.

Sakamoto foi uma voz isolada no meio acadêmico da época. Com o espaço oferecido pela grande imprensa para comentarem as jornadas de junho, sociólogos, filósofos e historiadores de renome, muitos deles, filados ao PSOL e a outros partidos de esquerda, sustentaram a narrativa de que as manifestações tinham sido totalmente progressistas, marcando a insatisfação popular contra os governos petistas. Certamente, os intelectuais que estiveram nas ruas precisaram fazer algum esforço para ignorar a presença massiva de pessoas ostentando faixas e discursos fascistas. Segundo José de Souza Martins, sociólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo, houve uma explosão do número de linchamentos após as jornadas de 2013. As manifestações criaram um horizonte de ódio e de violência.

Em suas reflexões costumeiramente brilhantes, a psicanalista Maria Rita Kehl evoca o conceito freudiano de “narcisismo das pequenas diferenças” para explicar o ódio dos bolsonaristas de classe média contra as pessoas mais pobres que passaram a frequentar os aeroportos nos governos do PT. Esses bolsonaristas não manifestam ódio contra pessoas muito ricas e diferentes, mas às pessoas pobres que ameaçam apagar as pequenas diferenças. Talvez também seja interessante incorporar o conceito de “narcisismo das pequenas diferenças” para compreender o ódio dos intelectuais da esquerda que se negam a apoiar o PT, mas que não se negaram dividir as ruas com milhares de manifestantes reacionários.

No final de 2013, respondendo à demanda da faixa esticada na Avenida Paulista nas jornadas de junho, acusados de participar do Mensalão, os deputados José Genoino e José Dirceu foram condenados à prisão. Antes das eleições de 2018, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Por razões diversas, grupos diferentes da sociedade defenderam e defendem a derrocada do PT. Uma das consequências, retomando as análises de Luiz Felipe de Alencastro é “o retorno do recalque”, algo que o maior partido de esquerda da América Latina tinha conseguido evitar até então.

Paulo Fernandes Silveira (FE-USP e IEA-USP)

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