A moderação de Covas é apenas uma questão de perspectiva. De fato, o tucano tem um perfil mais moderado que o de Bolsonaro e Doria, mas não hesitou em surfar a onda do radicalismo com eles em 2018. Por mais que Covas não tenha declarado voto em Bolsonaro, o tucano se aproveitou do Bolsodoria e depois voluntariamente tirou selfies sorridentes ao lado do presidente que sistematicamente ataca os outros poderes da República. Não é à toa que Celso Russomano, o candidato bolsonarista em São Paulo, declarou apoio a Bruno Covas.

Quando Doria chegou e rachou o PSDB, Bruno Covas preferiu ficar ao lado de João Doria em vez do de Alckmin. Não parece ter sido uma escolha difícil. Se havia algum traço de social democracia no PSDB, ele foi enterrado por Doria, que empurrou o partido ainda mais para a direita com o apoio de Bruno Covas. O “Bolsodoria” foi apenas um desdobramento natural desse processo.

No ano passado, ao se deparar com servidores municipais protestando contra a reforma da previdência, Covas sorriu e mandou beijinhos debochados para os trabalhadores que lutavam por suas aposentadorias enquanto caminhava escoltado. Esse é o candidato defendido como único representante do equilíbrio e da moderação.

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O candidato à releeição Bruno Covas ao lado de Bolsonaro na Marcha para Jesus, em 2019.

 

Foto: Rebeca Figueiredo Amorim/Getty Images

Hoje, com Bolsonaro bastante rejeitado na capital paulista, o prefeito se esforça para descolar sua imagem da dele. O senso de oportunismo é formidável. Alguma dúvida de que Covas surfaria novamente a onda bolsonarista caso o presidente fascistoide estivesse bem avaliado entre os paulistanos? Bom, dá para dizer com tranquilidade que nem todo eleitor do tucano é bolsonarista, mas todo bolsonarista é eleitor de Covas nestas eleições.

Na campanha do segundo turno, Bruno Covas tem flertado com o mesmo anticomunismo alucinado que embala o bolsonarismo. Toda hora a sua campanha coloca o fantasma do socialismo na mesa, como se Boulos fosse implantar a ditadura do proletariado caso seja eleito. A esquerda governou por três vezes a capital paulista, com Erundina, Marta Suplicy e Haddad. Nenhum desses governos flertou com o radicalismo em suas gestões, mas todos sofreram com essa pecha antes de se elegerem.

“A esperança vai vencer os radicais”, disse Bruno Covas quando soube que Boulos seria o seu adversário no segundo turno. Esse radicalismo imputado a Boulos está embutido na histórica criminalização dos movimentos sociais. É assim que os direitistas brasileiros, em sua grande maioria, encaram os movimentos populares que reivindicam direitos garantidos pela Constituição. A isso chamam de radicalismo. Pelo que se sabe, Boulos nunca cometeu crimes, mas é frequentemente associado à bandidagem.

Essa criminalização dos movimentos sociais pela direita não nasceu com o bolsonarismo. Praticamente todos os ditos moderados de direita compartilharam e continuam compartilhando desse pensamento. Quando Boulos passou a escrever uma coluna na Folha, houve jornalista que cobrou o jornal por abrir espaço para o “banditismo”.

Desacreditar Boulos como político pela sua falta de experiência administrativa é reduzir a prática política a uma técnica, minimizando outras dimensões muito mais importantes.

Boulos realmente não tem experiência na gestão pública. Mas qual é a experiência de Bruno Covas? Pouca. Foram três anos como secretário do Meio Ambiente de Alckmin e dois anos e meio como prefeito no resto do mandato de Doria. São cargos que ele conseguiu não pela experiência, mas pela força do sobrenome. É muito pouco para quem reivindica ser um candidato muito experiente. Experiência não se adquire por hereditariedade.

Até pouco tempo atrás, a cúpula tucana questionava a capacidade de Bruno Covas em assumir o comando da cidade. Quando Doria já dava sinais de que abandonaria o mandato no meio — o que já virou uma tradição do tucanato paulista —, pessoas importantes do PSDB se preocuparam com a possibilidade de Covas virar prefeito de uma cidade como São Paulo. Motivo? Falta de experiência em cargo executivo. A preocupação era tanta que parte da cúpula planejou criar um conselho para tocar a administração da cidade, o que transformaria Covas em um “prefeito decorativo”, conforme revelou a revista Piauí

Desacreditar Boulos como político pela sua falta de experiência administrativa é reduzir a prática política a uma técnica, minimizando outras dimensões muito mais importantes. Política é, sobretudo, representatividade. Na democracia, os governantes são eleitos através de votos, e não de concursos públicos que filtram os tecnicamente mais preparados. Não se aprende a fazer política com um cursinho de gestão pública do Renova.

Boulos tem a riquíssima experiência política adquirida como líder de um movimento social importante. Buscava atender demandas populares, mas sem se abster de negociar e dialogar com autoridades públicas — fato atestado por um ex tenente-coronel que negociou com Boulos em casos de reintegracão de posse. Segundo o militar aposentado, o psolista é “uma pessoa ética, ponderada que cumpre a palavra, que busca o diálogo e busca o entendimento”.

O radicalismo e a falta de experiência de Boulos são falácias que a direita joga na mesa para tentar se manter no poder. O fato é que enquanto Boulos representa os interesses dos mais pobres, Covas busca dar continuidade à representação dos interesses da elite paulistana identificada com Doria. A mesma elite que elegeu Bolsonaro.