sábado, 5 de dezembro de 2020

Violência contra Dani Calabresa e cruel conivência da Globo, por Luciana da Cunha

 

"Que nós mulheres possamos viver em um mundo onde não precisemos mais ser injustamente corajosas assim!"

Jornal GGN:

Por Luciana Sérvulo da Cunha

No Jornalistas Livres

Começo essa escrita expressando minha solidariedade e carinho a Dani Calabresa exaltando sua coragem em denunciar o moribundo ex-humorista Marcius Melhem por assédio moral e sexual na Rede Globo. Manifestando também o desejo de que não precisemos mais ressaltar e admirar a coragem de uma mulher quando ela viveu o inferno, teve sua vida despedaçada e por uma questão de sobrevivência de seu corpo fragmentado e sua alma roubada tem que gritar suas feridas. Sim, estupradores são ladrões de corpos e não se diferenciam de abusadores(as), ladrões de almas. Que nós mulheres possamos viver em um mundo onde não precisemos mais ser injustamente corajosas assim!

Por Luciana Sérvulo da Cunha*

Passar por uma relação abusiva com pessoas famosas, admiradas, adoradas e seguidas por milhões de pessoas é o pior dos infernos, pois além do fato de involuntariamente termos que trombar constantemente com essa pessoa e sua “arte” na grande mídia e nas redes sociais, engolimos a seco e revivenciamos a dor a cada vídeo, show, espetáculo e comentários nos grupos de WhatsApp, geralmente seguidos de infinitos coraçãozinhos iludidos acompanhados de um surreal “perfeita(o)”, nos trazendo uma sensação de impotência corrosiva e massacrante, sentindo na pele o que significa ter que lidar com a opressão do status e o “poder” da imagem em uma sociedade narcísica em que eles são eleitos Reis. Falo do lugar de quem viveu uma relação de abuso emocional com essas características e até conseguir entender e principalmente assumir e nomear que o que tinha acontecido comigo tem nome e ele é “violência psicológica”, levou muitos tempos. Outro tempo tão longo, tem sido a profunda busca pela cura.

A violência emocional é a violência mais comum praticada contra as mulheres e uma das mais difíceis de ser reconhecida e combatida. Seja pela cultura machista e patriarcal em que somos criadas e estamos inseridas, seja pela falta de pesquisa, informação e ferramentas de combate a esta violência tão naturalizada e enraizada no cotidiano das brasileiras ou pelas suas características específicas: o abuso emocional não deixa marcas físicas. Ele é uma violência silenciosa por ser velada e insidiosa.

A violência psicológica está centrada na questão do poder e domínio sobre o outro e pode ser executada por pessoas com perversão narcísica ou algum tipo de transtorno de personalidade. A vítima a sofre de maneira silenciosa porque se trata de uma violência não assumida e negada pelo(a) agressor(a), que sutilmente inverte a relação acusando o outro de ser o culpado pela situação. Desta forma, a vítima se sente confusa e acaba por sentir-se culpada, o que, por sua vez, inocenta o(a) agressor(a). Não se trata de uma violência física, e esta não é pontual: estende-se ao longo do tempo. Como essa não é uma perversão explícita, ao contrário, ela se mistura no dia a dia, nos pequenos atos, nas pequenas relações, passa despercebida. Assim, o(a) agressor(a) vai deturpando de maneira sutil e pejorativa a visão que a vítima tem de si, retirando sua vitalidade e vivacidade, diminuindo, humilhando, fazendo ruir sua auto-estima e sua paz interior, induzindo-a a um estado de confusão, vulnerabilidade e consequentemente, de dependência emocional, levando um longo tempo para a vítima perceber, e sobretudo para reconhecer, estupefata, que está presa numa teia.

O abuso emocional geralmente está presente em todas as outras formas de abuso e pode ser uma porta para outros tipos de violências, como a violência sexual. Ele pode começar de forma sutil, com desencorajamentos à realização de projetos próprios, por um constante apontar de erros, falhas e defeitos da vítima bem como a subestimação de sua capacidade, até chegar à xingamentos, gritos, cobranças excessivas, falsas acusações, perseguição, desautorização das decisões pessoais (roupas, escolhas, amizades, horários, estudos/trabalho), chantagens, ameaças, depreciações, ciúmes frequentes, ironias e exposição da figura. Alguns exemplos aqui dados podem parecer óbvios, mas ressalto que quando o abusador(a) lança mão deles em uma relação, seja ela amorosa ou uma relação de amizade, a presa já está enredada em sua teia e não consegue ter clareza suficiente para assim perceber. Algumas relações onde já existe um nível de entrega e confiança da parte da vítima, o abusador (a) não precisa se utilizar de uma violência mais brutal e explícita mantendo um comportamento sedutor, encantador com medidos tons de manipulação e dubiedade, uma vez que o amor da vítima já é o suficiente para ser seu suprimento narcísico por bastante tempo.

Pondero aqui que pessoas narcísicas perversas podem estar presentes em nossas vidas em um número muito maior do que possamos imaginar e elas geralmente tem por características imediatas a inteligência, a sedução, a amabilidade, a diplomacia, a boa retórica e o bom humor. Não existe abusador ou abusadora que não seja atraente e encantador(a). E no fundo, quando convivemos na intimidade com eles(as), o que percebemos é uma insegurança gritante, uma inveja incontrolável, uma solidão colossal, uma falta de empatia abismal, grande imaturidade emocional e incapacidade total de olhar pra dentro e lidar com seus próprios sentimentos e emoções. O narcisista perverso é incapaz de admitir seus erros, sempre se colocará como vítima e projetará nos outros seus monstros internos e todos os fracassos de sua vida, autojustificando as punições e crueldades cometidas ao longo de muitas relações abusivas, deixando vidas literalmente como terras arrasadas.

Além da violência sofrida, muito está oculto no silêncio doído das vítimas e na omissão dos(as) agressores(as). Um país que ignora os altos índices de violência contra a mulher, pouco estuda cientificamente os perfis e as relações entre vítimas e agressores(as), acaba alimentando o silêncio cortante que beneficia agressores(as), levando as vítimas à depressão, em alguns casos ao suicídio ou à morte por doença degenerativa grave, mantendo assim intacto o ciclo de abusos. O pouco que se estuda no Brasil, limita-se em geral ao assédio moral no trabalho, mas que, devido ao preconceito, à misoginia e ao racismo estrutural que permeiam a nossa sociedade e a elite brasileira, faz com que os resultados desse combate sejam cada vez mais favoráveis aos agressores(as), principalmente quando uma boa parte deles podem ser pessoas dotadas de algum poderio (capital político, financeiro, religioso ou artístico) e as vítimas, além do dano psicológico sofrido, ainda devem lidar com a pressão da opinião popular, ou as ameaças e retaliações dos(as) agressores(as), seus cúmplices, fiéis seguidores e toda sua rede de poder a lhe garantir imunidade e proteção.

Por isso que hoje, por mais torto ou doído que pareça, é um dia para ser lembrado. Por maior “poder” que uma empresa ou imagem possa ter nessa nossa doente sociedade narcísica do espetáculo, quando vazia, ou melhor, quando construída com energias sugadas e almas roubadas, ela vai, ahhh se vai, um dia, ruir e murchar!

*Luciana Sérvulo da Cunha é documentarista, diretora artística, terapeuta holística e ativista. Foi assessora especial da Presidência da República e Diretora de Patrocínios da SECOM no governo Lula. Participou como executiva do projeto WE de Empoderamneto de Mulheres na Índia em parceria com a ONU. Foi assessora da EBC/ TV Brasil e Diretora da TV INES, primeira web TV para surdos do Brasil.

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