terça-feira, 11 de maio de 2021

Do El País: Violência e corrupção: as duas aliadas dos políticos milicianos. Reportagem de Pedro Abramovay

 

Do El País:

A dicotomia entre as duas é perversa porque autoriza a violência, coloca quem está contra como aliado da corrupção, e enganosa porque nada mais próximo da corrupção policial do que a repressão policial

     Policial na favela do Jacarezinho em dia de protestos após a chacina.CARL DE SOUZA / AFP

PEDRO ABRAMOVAY

chacina de Jacarezinho é a maior de todas na cidade do Rio de Janeiro. Mas, infelizmente, não surpreende. Choca, mas não surpreende. O quarto da menina de nove anos sendo limpo porque um policial executou uma pessoa ali não parece ser uma imagem forte o suficiente para reverter cenas que são cotidianas.

E como é possível que a escala, absolutamente única, da violência da polícia fluminense se mantenha de forma tão persistente? Uma das hipóteses seria dizer que a sociedade está assustada com a criminalidade e aceita conviver com uma polícia tão violenta como um custo para que o problema seja resolvido.

Mas o problema está sendo resolvido? A letalidade policial no Rio de Janeiro nunca conseguiu baixar a criminalidade. Ao contrário, a violência da polícia tem sido um elemento de piora da segurança pública no Estado. E os apoiadores dessa violência como solução são —conscientemente ou não— cúmplices da crise de segurança no Rio.

O filme Tropa de Elite prestou um grande desserviço ao debate sobre polícia no Brasil. Não vou discutir se essa foi ou não a intenção do seu diretor. Mas uma leitura corrente do filme, um dos mais vistos da história do cinema nacional, foi a de que duas polícias distintas eram apresentadas. Uma corrupta e outra violenta. Uma má e outra boa. Como quase tudo que é tão maniqueísta, tratava-se de ficção. Há apenas uma polícia. Com corrupção, violência, com gente séria e gente incompetente.

A dicotomia entre corrupção e violência é particularmente perversa. E particularmente enganosa. É perversa porque autoriza a violência, justifica a violência e coloca quem está contra a violência como aliado da corrupção. E é enganosa porque nada mais próximo da corrupção policial do que a violência policial. São fenômenos que se alimentam.

A corrupção necessita da violência. A corrupção policial —e aí falando especificamente do Rio de Janeiro— se constrói em uma rede de extorsão e cumplicidade que setores da polícia montam com a criminalidade. A polícia é violenta em algumas comunidades e isso permite que bandas podres da polícia possam extorquir, participar da venda de armas, ameaçar.

A violência autorizada é, na verdade, um cheque em branco para que a polícia aja fora da lei. Para que as corregedorias não investiguem a relação entre o crime organizado e a polícia. Afinal, investigar a polícia é romper o pacto de impunidade que os agentes da lei criam. Esse pacto se utiliza de um discurso de guerra no qual as leis, a Constituição e seus defensores seriam apenas entraves para que a polícia possa cumprir o papel que a sociedade quer que ela exerça nessa guerra. E é a partir desse pacto de impunidade, de uma certeza de que a polícia não será investigada, que floresce a polícia corrupta. A polícia que se alia à milícia. A polícia que é instrumento de setores políticos que vendem violência e embolsam corrupção.

O segundo filme do Tropa de Elite tenta desenhar um pouco essa relação. O inimigo agora é outro? Mas era tarde demais. A imagem da polícia violenta como honesta era poderosa demais. E útil demais para a máquina política criminosa. É o desenho perfeito. A população tem medo. O medo não pede uma solução de políticas públicas a longo prazo. O medo pede respostas fortes, imediatas. A violência é essa resposta. E a violência policial tem o duplo condão de abrir novos mercados para as bandas criminosas e milicianas dentro do Estado, escolhendo qual facção controlará determinado território, recebendo seu quinhão —via corrupção— no lucro dos mercados ilegais do Rio de Janeiro e, também, de criar o discurso político que entrega sangue para receber votos.

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