sábado, 8 de maio de 2021

Massacre no Jacarezinho, as táticas para desviar a atenção de ações contra Bolsonaro e, para isso, o permanente estado de terror e exceção contra pobres e pretos, por Jorge Folena

 

É importante repetir que, em sociedades democráticas, a polícia não é constituída para matar, ou pelo menos não deveria ser. Polícia assassina é comum em regimes ditatoriais e autoritários, como os defendidos por Jair Bolsonaro.

Vatican News

Massacre no Jacarezinho e o permanente estado de terror

por Jorge Folena[1]

A Polícia do Governador do Estado do Rio de Janeiro (cujo nome ninguém sabe nem de onde surgiu, sabendo-se apenas que é aliado de Jair Bolsonaro e que este é apoiado pelas “milícias” e muitos integrantes das forças policiais) desafiou o Supremo Tribunal Federal e a Constituição brasileira, ao invadir e promover matança generalizada na comunidade pobre do Jacarezinho, na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro.

O Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 635, determinou que, durante o estado de pandemia da COVID-19, não ocorressem incursões policiais em comunidades do Estado do Rio de Janeiro. E que tais operações, caso necessárias e excepcionalmente, deveriam ocorrer sempre acompanhadas pelo Ministério Público, de modo a evitar os abusos, os excessos e a costumeira violência da polícia contra as pessoas pobres.

O que se viu no Jacarezinho foi mais uma tragédia e uma grave violação ao princípio fundamental do direito à vida, na medida em que mais de 28 pessoas morreram na ação policial. É importante repetir que, em sociedades democráticas, a polícia não é constituída para matar, ou pelo menos não deveria ser. Polícia assassina é comum em regimes ditatoriais e autoritários, como os defendidos por Jair Bolsonaro.

Aqui no Brasil, em particular no Rio de Janeiro, a polícia mata demais e frauda essa matança com supostos “autos de resistência.” Por essa razão foi que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (e não apenas o relator do caso, o ministro Edson Fachin) proibiu a realização, durante o período especial da pandemia, de ações policiais em comunidades pobres do Rio de Janeiro, uma vez que ali não vivem apenas “bandidos” (ao contrário do que afirmou o sempre infeliz vice-presidente Hamilton Mourão, ao referir-se aos mortos da absurda operação policial), mas mulheres, homens, anciãos e crianças pobres. A quantidade de crianças mortas nos últimos anos, nestas comunidades, é absurda demais e se manifesta como consequência do preconceito racial e do constante abuso das autoridades, que acham que vidas pobres e negras nada valem.

Não há dúvida de que a polícia não deveria ter atuado da forma como fez no Jacarezinho e sua ação representou grave descumprimento da ordem do Supremo Tribunal Federal e expôs a já combalida ordem democrática, diariamente minada por Jair Bolsonaro e seus seguidores; que têm no atual governador do Estado do Rio de Janeiro e na sua polícia aliados declarados para isto, inclusive ao ponto de levaram adiante o grave e afrontoso enfrentamento institucional.

Neste caso, em razão da chacina promovida pela polícia, além da prática de delitos contra a pessoa humana (que poderão ter a sua apuração federalizada, caso não haja resposta eficiente do Ministério Público do Rio de Janeiro), a violação da decisão do Supremo Tribunal Federal poderia possibilitar uma intervenção federal no Rio de Janeiro e a abertura de processo de impeachment do governador do Estado.

Entretanto, nada disso ocorrerá, uma vez que no Governo Federal há um apoiador contumaz das práticas violentas, odiosas e ameaçadoras contra a vida das pessoas pobres e faveladas; além disso, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro foi desautorizada e enfraquecida depois da venda da CEDAE, ocorrida na semana passada, quando teve seu decreto legislativo (que proibia a venda da empresa) desrespeitado pelo governador e por um desembargador, que passou por cima de uma decisão anterior do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Ou seja, Bolsonaro age conscientemente para extrapolar os limites constitucionais, de forma a tentar implantar o terror e a intimidação por meio de suas forças paralelas, visando enfraquecer a resistência do Supremo Tribunal Federal e de quem mais ousar contrapor-se a ele, para assim impor um estado autoritário, abusivo e tirano no Brasil, no qual a Constituição e a lei seriam unicamente a sua vontade e seus desejos.

O Supremo Tribunal Federal tem o dever de continuar na sua resistência institucional (com a Constituição em punho) e ir até o fim, somando esforços com outras vozes do parlamento (como estamos vendo na CPI do Genocídio da COVID-19), da sociedade civil, dos trabalhadores e dos movimentos populares, para darmos um basta a Bolsonaro e sua turma, que estão destruindo o país e a nossa dignidade.

Na verdade, o que se viu no Jacarezinho em 6 de maio de 2021 é muito semelhante ao ocorrido em Cáli, na Colômbia, neste mês de maio, onde as forças policiais e militares assassinaram jovens de comunidades pobres que protestavam contra as ações abusivas e autoritárias do governo de extrema-direita de Iván Duque. Duque e Bolsonaro são frutos envenenados da mesma árvore do autoritarismo, do fascismo e do neoliberalismo.

A história nos mostra que todas as vezes que este sistema mergulha em crise (decorrente dos excessos que lhe são inerentes e por sua incapacidade de promover verdadeira transformação social, que pressupõe a inclusão das massas na distribuição da riqueza), colocam-se em marcha as forças subterrâneas que lhe dão sustentação, para reprimir os movimentos populares e progressistas atuantes nas favelas, periferias, comunidades indígenas e quilombolas e no campo, que se rebelam contra a injustiça social e resistem diariamente no Brasil.


[1] Advogado e cientista político. Integrante da coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano do Senge/RJ. Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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