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domingo, 24 de janeiro de 2016

Luis Fernando Veríssimo sobre as duas asas do homem: a razão e a busca sensível de sentido... A caminhada para uma nova unidade...



Segundo o crítico George Steiner, os filósofos ocidentais poderiam ser divididos em dois times: os que, como Platão, Descartes, Spinoza, Pascal e Wittgenstein, entre outros, usaram a matemática como referência para entender o mundo e deram mais valor a códigos e padrões do que ao discurso e à especulação, e os que, como Aquinas, Hegel, Nietzsche, Heidegger e Sartre foram fundo nas motivações humanas e preferiram a História e suas surpresas às equações e suas certezas. No fim o que os diferenciava era o modo de encarar o tempo.

Havia o tempo mensurável do matemático sem o qual a ciência e a tecnologia seriam impossíveis, e o tempo como “durée”, ou duração, experimentada por seres em constante devir. O passado e o futuro articulados pela memória e pela imaginação, de maneiras que a ciência não explicava. A literatura contra o cronômetro, o mistério contra a lógica. Os filósofos “matemáticos” não representavam a razão sem alma assim como os outros não partiam, necessariamente, de premissas metafísicas (não se imagina Sartre começando por Deus) mas a oposição ciência/religião era parecida com a oposição cronômetro/literatura.

Todas as grandes religiões são construções literárias, narrativas episódicas e histórias de homens santos ou a caminho da santidade, e seu devir no mundo. Já a ciência lida com reincidências, com fenômenos sem história e sem desenlaces, com o que é e não com o que acontece. Mas isto mudou com o surgimento da teoria e das subsequentes experiências com a mecânica quântica, quando a ciência subitamente, fascinantemente, adquiriu características literárias.

Descobriu-se que há partículas subatômicas imprevisíveis como heróis picarescos e temperamentais como divas. O mundo natural, ai de nós, também tem sua retórica e suas ironias e também pode ser uma narrativa rumo a uma epifania ou mais. Na guerra ciência x religião, a ciência — quem diria — dá armas e argumentos para a religião, com a revelação do comportamento nada matemático, ou lógico, de partículas em constante devir. Impossíveis de serem cronometradas.

Uma das revelações mais intrigantes da mecânica quântica é a de que quando uma partícula subatômica é dividida e vai cada metade para um lado, o que acontece com uma metade afeta a outra, mesmo que estejam a grande distância uma da outra. Neste caso, a ciência apenas chegou onde a literatura já tinha estado, com histórias de gêmeos com a mesma sincronia a distância. Ponto para o mistério.

Luís Fernando Veríssimo