domingo, 30 de agosto de 2020

Enfrentamento da pandemia em um governo neoliberal, por Fernanda Bárbara


Bolsonaro chegou ao poder prometendo gerar empregos, mas o que conseguiu foi que as pessoas agora participem da “uberização” que se transformou o mercado e tenham salários cada vez menores.
Sergio Lima - Poder360

Enfrentamento da pandemia em um governo neoliberal

por Fernanda Bárbara

Desde o golpe parlamentar contra a ex presidenta Dilma Rousseff, em el 2016, o Brasil vem aprofundando o abismo social entre seus cidadãos. Com Michel Temer no poder, aprovou-se duas medidas que hoje tem efeitos profundos para o enfrentamento da crise do Coronavírus. O teto dos gastos (Emenda Constitucional 95)[1], que congela los gastos públicos em setores como saúde, educação e segurança pública, e a reforma trabalhista, que precarizou aos trabajadores, deixando-os com menos direitos e sem as proteções do Estado de bem-estar social que vigoravam antes da série de reformas.
Depois do governo Temer, Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 com amplo apoio das elites empresariais do país. Seu ministro Paulo Guedes, reconhecido como um “Chicago Boy”, Realizou seus estudos na Escola de Chicago, berço de ideias neoliberais. Guedes é defensor de um Estado mínimo, como o implementado no Chile durante a “doutrina de choque” (Klein)[2], ativada durante a ditadura de Pinochet (a quem por “coincidência”, Bolsonaro demonstra admiração). O Chile, que foi nos anos do governo de Pinochet um laboratório para pôr em prática as políticas neoliberales idealizadas por Milton Friedman e apoiadas por Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher na Inglaterra. Essas práticas em que as políticas públicas priorizam benefícios a empresas antes que ao povo, foram reconhecidas como políticas neoliberais. No Chile até hoje não existe um sistema de saúde amplo e público, tampouco há universidades públicas e é inclusive difícil mudar essa realidade por entraves da própria constituição. Guedes deu aula em universidades do Chile, e bebe dessa ideologia em que o Estado serviria apenas para reger contratos, e a própria “mão invisível” do mercado se autorregularia.
Para aprofundar o conceito que vem sendo bastante debatido no Brasil, o neoliberalismo a nível econômico se entende como governos que adotam medidas para aumentar a competição do mercado e reduzir o papel do Estado. Na teoria, a competitividade se atinge com desregulamentação e abertura dos mercados e, para reduzir o papel do Estado, esses governos costumam realizar privatizações das empresas públicas e limitar os gastos sociais. Mas o neoliberalismo também está na ideologia e no governo Bolsonaro, o ideológico está profundamente marcado.
Segundo a cientista política Wendy Brown, professora da Universidade da Califórnia em Berkeley, o conceito vale hoje como a imposição da lógica de mercado sobre todas as esferas da vida e a “razão neoliberal” estaria transformando o significado político das ações cotidianas em um significado econômico, impondo uma lógica de “empreendedorização” de todos os aspectos da vida[3]. Um exemplo é que ao possibilitar a que personas sejam pejotizados ou uberizados e não mais empregados, estamos com isso convertendo pessoas em empresas sem que o Estado ou as corporações garantam condições mínimas como licença maternidade remunerada, férias remuneradas.
Bolsonaro chegou ao poder prometendo gerar empregos, mas o que conseguiu foi que as pessoas agora participem da “uberização” que se transformou o mercado e tenham salários cada vez menores. Trabalhadores de aplicativos de entregas como Rappi, Ifood ou nos ubers e derivados não têm qualquer garantia inclusive em casos de acidentes.
Nesse cenário em que os trabalhadores já se encontravam fragilizados, o coronavírus chegou ao Brasil. O país demorou quase 2 meses para implementar medidas de atuação em relação a pandemia[4] e nesse momento já haviam 69 casos confirmados. As ações do governo foram mais focadas no sistema financeiro, com empréstimos a bancos através da MP 944. A ideia era ajudar pequenas e médias empresas a financiarem a folha de pagamento dos funcionários. Mas o resultado foi que os bancos estão dificultando os empréstimos justamente a esse setor[5]. Já em relação aos cidadãos, o governo a princípio anunciou que concederia 200 reais para auxiliar aos profissionais autônomos e desempregados durante o período de quarentena. Depois de críticas da oposição, se conseguiu o valor de 600 reais, mas com algumas restrições, como a de que os ganhos no ano anterior sejam inferiores a 28 mil reais. A medida deixou fora uma série de trabalhadores como os motoristas de Uber, por exemplo.
O governo também aprovou reduções de salários[6] sem garantir que não haja demissões em contrapartida.
Em relação a saúde, apesar de o Brasil ter um dos maiores e mais universais sistemas públicos, o Sistema Único de Saúde (SUS), este vem sendo desidratado e perdendo investimentos depois da aprovação do Teto dos gastos públicos. Agora, em meio a pandemia, profissionais de saúde, tem que muitas vezes trabalhar sem EPis básicos e há estados do norte e nordeste do país com superlotações nas UTIs.
Além dos problemas estruturais e da pandemia, o Brasil é governado por presidente que nega a gravidade do coronavírus, chegando a tratá-la como uma “gripezinha”,  se posiciona contra o isolamento social horizontal, participa de manifestações que pedem o fim dos demais poderes da República e teve dois ministros da saúde afastados porque se recusaram a defender o uso de hidroxicloroquina para os casos de contaminação, uma vez que não há evidências científicas que comprovem sua eficácia. 
O comportamento do presidente confunde a sociedade e muitos não  estao fazendo a quarentena. Hoje o Brasil tem mais de 100 mil mortos por coronavírus e se converteu no segundo país do mundo com mais casos. A lógica neoliberal como vimos, prioriza proteger as empresas antes que as pessoas. Quando o presidente manda sinais de desprezo pela gravidade do problema, faz com que a população também duvide e com isso dificulta a atuação dos governadores e prefeitos que incentivam o isolamento social. Diversos empresários de famosas redes no Brasil vieram a público com discursos de que não se poderia parar o mercado, pois era necessário proteger a economia, e que caso contrário as pessoas morreriam de fome, o que ajuda a propagar o caos. Mais que nunca é visível a necessidade de um Estado que garanta e priorize a saúde e assista a seu povo antes que aos interesses corporativistas. Atualmente temos hospitais das redes privadas com UTIs disponíveis enquanto o sistema público, utilizado por 75% da população, está a ponto de colapsar. Uma política que priorizasse a vida, seguramente poderia direcionar as pessoas para as unidades de tratamento vazias das redes privadas. Em São Paulo os bairros mais pobres têm taxa de mortalidade por el COVID-19 superior, o que se explica justamente pela ausência do Estado nessas regiões afastadas dos grandes centros. Isso sem falar nos povos indígenas, que além de enfrentar a pandemia e terem alta taxa de mortalidade, também tem que enfrentar o desmantelamento da FUNAI e a passagem da boiada de Salles e companhia.
Em meio ao enfrentamento da pandemia, Paulo Guedes disse em uma entrevista[7] que sair da crise dependerá do prosseguimento das reformas (neoliberales). Ou seja, ainda em um momento em que se faz necessário mais atuação do Estado, o governo neoliberal busca continuidade de políticas públicas já abandonadas por seus antes defensores nos anos 70. A saída, como demonstram os resultados da pandemia, é ao contrário, como disse o filósofo Slavoj Zizek: “O que se necessita é uma solidariedade total e incondicional e uma resposta coordenada a nível mundial, uma nova forma do que uma vez se chamou comunismo”.
Note, que Zizek fala em uma nova forma de solidariedade irrestrita, em que a vida importe mais que o lucro dos mesmos bilionários que compram o poder para garantir os próprios lucros a despeito de tantos que morrem.
Fernanda Bárbara é jornalista e cursou especialização em Estudos Políticos e é mestranda em Governo pela Universidad de Buenos Aires (UBA)
[2] Melanie Klein (2008):“A Doutrina do Choque: A Ascensão Do Capitalismo Do Desastre”.

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