quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Secretário olavete do MEC compra guerra ideológica na alfabetização




“Se a escola usa um método ou outro, não é determinante. O importante é se é bem organizado”, contrapõe educadora que implementou programa de alfabetização bem-sucedido em Sobral (CE)
Foto: Reprodução Youtube

Jornal GGNO novo secretário de alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalim, é defensor do "método fônico" no lugar do modelo "construtivista", acusando o uso intensivo do segundo modelo no sistema educacional brasileiro como responsável pelo alto nível de analfabetismo funcional - a incapacidade de uma pessoa demonstrar ou não compreender textos simples - no país.

"Há tanta preocupação em fomentar a socialização e em promover uma visão crítica na criança que resta pouco tempo e pouco investimento para ensinar o básico, o fundamental", concluiu o atual secretário em um dos seus vídeos no canal que mantém no YouTube.  
Em entrevista à BBC Brasil, a educadora Magda Soares e professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais, uma das figuras criticadas por Nadalim, analisa com preocupação a visão do secretário.

Magda é tida como referência nacional em alfabetização no Brasil, ganhadora do prêmio Jabuti em duas categorias em 2017, pelo seu livro "Alfabetização: a questão dos métodos": melhor obra de não ficção e de Educação e Pedagogia. Nadalim é um dos discípulos do escritor de extrema-direita Olavo de Carvalho, que chegaram ao governo Bolsonaro.

"As crianças aprendem com mais interesse e entusiasmo quando se alfabetiza com base em palavras e frases de textos reais, lidos pela professora, e em tentativas de escrever, de modo que aprender as relações fonema-grafema ganham sentido", defende Magda sobre abordagem construtivista, onde a criança é vista como co-responsável na construção do conhecimento.

No modelo fônico defendido por Nadalim, as crianças são estimuladas primeiro conhecendo os sons de cada letra para, só depois, construir a palavra. Segundo o secretário, os estudantes devem ser expostos insistentemente às atividades que reforcem a relação entre as letras e os sons da fala (grafemas e fonemas).

Para especialistas em alfabetização, entretanto, é perda de tempo a polarização proposta pelo secretário. A professora Izolda Cela, hoje vice-governadora do Ceará, também entrevistada pela BBC Brasil, afirmou que, na prática, professores utilizam nas salas de aula um mix de ferramentas teóricas e metodológicas.

"Eu acho uma perda de energia, tempo e neurônios estabelecer essa guerrinha, essa oposição entre método fônico e um método mais global ou construtivista. É absolutamente improdutivo", pontuou ao jornal.

Cela é uma das responsáveis pelo programa de alfabetização implantado a partir de 1997 em Sobral, no Ceará, que fez o município liderar o ranking de notas no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) para o ensino fundamental, hoje com nota 9,1 contra a média de todas as redes municipais do país de 5,5.

Ao analisar os vídeos de Nadalim, a vice-governadora ressaltou que as percepções do secretário sobre o modelo construtivista, letramento e a abordagem fônica são equivocadas, completando que o nível de analfabetismo funcional no Brasil não está ligado a aplicação de métodos, mas a outros problemas de políticas públicas.

"Se a escola usa um método ou outro, não é determinante. O importante é se é bem organizado. O fator de fracasso (da alfabetização no Brasil) é o baixíssimo nível de institucionalidade da escola pública. Fico apreensiva quando o novo secretário coloca o método como grande questão da alfabetização", ponderou.


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