sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Ecos do bolsonarismo: Brasil bate recorde de feminicídios e vê alta em outras violências de gênero

 

Do Jornal GGN:

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Foto: Marcos Santos/USP

O feminicídio no Brasil atingiu um novo recorde em 2022. Cresceu em 6,1% o número de mulheres assassinadas no país em decorrência do gênero, ou seja, simplesmente por serem mulheres.

Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que revela um aumento de 1.437 vítimas a mais que no ano passado.

De acordo com o relatório “O crescimento de todas as formas de violência contra a mulher em 2022″, estes foram os maiores números desde a primeira edição da pesquisa, em 2017.

Além de feminicídios, o anuário também apontou que os homicídios dolosos contra mulheres cresceram 1,2% em comparação com 2022.

Para a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Amanda Lagreca, é possível atribuir o aumento da violência letal contra as mulheres à uma série de fatores.

“Um desses fatores é, sim, o desmantelamento das políticas públicas de atendimento, atenção e acolhimento dessas vítimas. Porque a gente sabe que os feminicídios acontecem em um contínuo de violência. O que significa que essa mulher, que é morta, ela sofreu uma série de outras violências antes de sofrer essa violência letal”, explica Lagreca em entrevista ao Jornal GGN.

As mulheres vítimas de violência admitem que, em relação ao episódio mais grave sofrido um ano antes, 45% delas não fizeram nada.

“Quando a gente pergunta a razão pela qual não procurou a polícia, quase 40% delas indicam que resolveram o problema sozinhas. Isso significa que essa mulher, às vezes, não chega ao Estado. O Estado não sabe que essa vítima está sofrendo. E aí a gente pode, sim, atribuir a uma falta de políticas públicas efetivas de acolhimento.”

Amanda Lagreca, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Violência doméstica


O relatório mostra ainda que não só os feminicídios cresceram no país, como também outras violências de gênero.

As agressões no contexto doméstico, ou seja, em casos em que o companheiro agride a mulher, aumentaram 2,9%, totalizando 245.713 ocorrências.

As ameaças atingiram a marca de 613.529 casos (7,2%) e os acionamentos ao 190, número de emergência da Polícia Militar, chegaram a 899.485 ligações, o que representa uma média de 102 ligações por hora.

Da perseguição à violência sexual


A ameaça é uma forma de violência psicológica que o agressor exerce sobre a mulher, onde pode causar dano emocional e a manter em seu domínio por medo, explica o relatório. Já a violência psicológica, que foi tipificada em 2021, registrou 24.382 boletins de ocorrência.

A perseguição (ou Stalking), que também foi tipificada criminalmente, registrou 56.560 ocorrências em 2022. O anuário afirma que o monitoramento desta modalidade é fundamental, já que o stalking é um fator de risco para casos de feminicídio.

A violência sexual também gerou dados expressivos no anuário. Os assédios chegaram a um aumento de 49,7%, o que contabiliza 6.114 novas ocorrências. A importunação sexual cresceu 37%, e fechou o ano de 2022 com 27.530 casos. De acordo com o relatório, os números são muito significativos.

Taxas de homicídios femininos e feminicídios por estados brasileiros | Foto: Reprodução FBSP

Mulheres negras são as principais vítimas

Mulher negra com o símbolo feminista desenhado na bochecha
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O perfil das vítimas de feminicídio também foi traçado no relatório e, de acordo com os dados obtidos, as mulheres negras são as que mais morrem e as que mais sofrem as demais violências de gênero.

Entre as vítimas de feminicídio, 61,1% eram negras enquanto que 38%,4 eram brancas. Nos demais assassinatos, o percentual de vítimas negras é ainda maior, sendo elas 68,9% dos casos para 30,4% de brancas.

Foto: Reprodução FBSP

Explicando o crescimento à luz do governo Bolsonaro

Para o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), explicar o aumento das violências de gênero no país é um desafio, mas o relatório elenca algumas hipóteses:

1) o desfinanciamento das políticas de proteção à mulher por parte do governo de Jair Bolsonaro (PL);
2) a pandemia da covid-19, que encarcerou as vítimas com seus agressores
3) a ascensão dos movimentos ultraconservadores na política brasileira.

“O aumento do discurso de ódio e da resolução de conflitos de forma armada, de forma mais violenta, com certeza afeta na violência contra as mulheres.”

Amanda Lagreca, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A pesquisadora Amanda Lagreca ainda ressalta que 5,1% das mulheres relatam que foram ameaçadas com faca ou arma de fogo no último ano, ou seja, um total de 3,3 milhões.

O relatório destaca também uma 4ª hipótese: quando uma sociedade avança com ações que promovam a igualdade de gênero, as violências contra as mulheres aumentam. Isso porque, como afirma o relatório, a violência é usada como ferramenta para reestabelecer a superioridade masculina.

Como combater a violência de gênero

O FBSP ressalta que para o combate ao feminicídio e a violência de gênero, é imprescindível que as políticas públicas olhem não só para apenas um grupo dessas vítimas. É necessário voltar os olhos também para as mulheres negras, moradoras de rua, travestis e transsexuais, trabalhadoras do sexo, mulheres do campo e da cidade, quilombolas e indígenas.

Além disso, é fundamental que o governo invista na criação e manutenção de políticas públicas, e se empenhe na efetivação dos direitos e garantias das mulheres, previstos na Constituição Federal.

“Esses fatores indicam que, enquanto sociedade, a gente tem falhado na garantia de direitos humanos básicos, inclusive a própria vida das mulheres.”

Amanda Lagreca, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

“Esses autores [de violências] estão inseridos dentro de uma lógica de sociedade que permite que eles consigam ser os autores dessas violências. A gente precisa pensar em políticas públicas que também transformem essa mentalidade da resolução dos conflitos no âmbito privado através da violência”, finaliza Lagreca.

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