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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Xadrez do fim dos grupos nacionais (e tantas vezes golpista) de mídia, por Luis Nassif

 

  As formas de controle sobre a opinião pública eram de mão única, os melhores veículos através da seleção dos temas de cobertura e das análises de acordo com o alinhamento político ou comercial do grupo; os piores, através  da exploração de notícias falsas e de assassinato de reputação.


Do Jornal GGN:


Xadrez do fim dos grupos nacionais de mídia, por Luis Nassif

Seria relevante que o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria Geral da República, as Escolas de Magistratura e do Ministério Público montassem discussões sobre o tema, mas de forma aberta, juntando não apenas associações dos grupos de mídia, mas representantes de mídia alternativa e especialistas em direito à informação.



Durante o século 20, os grupos de mídia foram os mais relevantes atores no mercado de opinião, mais influentes que os partidos políticos, que as igrejas, que os sindicatos. Já eram influentes no começo do século, com o avanço do telégrafo. Ampliaram o poder com o advento das rádios e, especialmente, das redes de rádios. E, finalmente, com a televisão, o veículo que dominou amplamente a opinião pública na segunda metade do século 20.

As formas de controle sobre a opinião pública eram de mão única, os melhores veículos através da seleção dos temas de cobertura e das análises de acordo com o alinhamento político ou comercial do grupo; os piores, através  da exploração de notícias falsas e de assassinato de reputação.

As maneiras de envolvimento da opinião pública se davam especialmente através da dramaturgia das notícias, buscando na ficção modelos de narrativas aplicadas às notícias, construindo heróis ou vilões como formas de manipulação política e de envolvimento emocional do leitor.

Em cada mudança de padrão tecnológico, houve um terremoto entre os grupos de mídia. A nova tecnologia seria vitoriosa e nem todos os grupos conseguiriam pular para o novo barco.

Havia uma perda de rumo, uma travessia complicada na qual os grupos de mídia se valiam de todas as suas armas, influências políticas, assassinatos de reputação, criação de inimigos públicos para se colocar na nova etapa.

Na última etapa tecnológica, com o avanço da Internet, essa tática foi` explorada pelos infames Murdoch ‘s, os australianos que se tornaram modelos para um processo de degradação mundial da mídia. E, no Brasil, por um movimento liderado por Roberto Civita e a revista Veja.

Atualmente, há dois fenômenos em curso que tornarão inevitável a globalização das mídias: as redes sociais e os grupos globais de mídia.

É nesse contexto que deve ser analisado o futuro da mídia no Brasil e o velocino de ouro: a disputa sobre o controle da opinião pública nacional.

Preliminar 2 – o início da Internet

Para entender melhor a próxima guerra, é preciso uma pequena revisitada nos primórdios da Internet.

A Internet permitiu não apenas a confluência de mídia, mas a confluência de conteúdos. No início da Internet, tentou-se o modelo dos portais, os chamados provedores de conteúdo, cujo pioneiro foi a AOL (American On Line), com a pretensão de ser a porta de entrada na Internet. Criava-se um sítio com um browser exclusivo que dava acesso ao conteúdo abrigado no portal.

O sucesso inicial da AOL foi tão rápido que lhe permitiu, inicialmente, adquirir a Time Warner, um gigante decorrente da fusão dos grupos Time-Life e Warner Bros, que já incluía o canal CNN.  Rapidamente se percebeu que o modelo não funcionava. Depois de um período, o modelo AOL fez água e sua participação acabou se diluindo na fusão.

A superação rápida do modelo portal se deveu à disseminação da padronização tecnológica na Internet e de padrões de interação entre sites. Os modelos fechados, tipo AOL, não podiam competir  com o universo aberto da Internet.

Consolidou-se um modelo de negócio, impulsionado inicialmente pela expansão mundial do cabo, baseado na assinatura e na publicidade. A fusão era necessária para garantir os investimentos necessários para a expansão global.

Peça 1 – os novos grupos globais

Os modelos de grupos de mídia globais  surgem das sucessivas fusões entre empresas de entretenimento, empresas jornalísticas e de tecnologia.

A fusão mais bem sucedida juntou um gigante das telecomunicações, a ATT, um do entretenimento, a Warner, e uma de jornalismo e TV a cabo, a Turner. Grupos tradicionais, como a Disney, se reinventaram e criaram canais de esporte, por exemplo. E definiram um novo modelo de negócios, baseado na assinatura, nos acordos com empresas de telefonia e de cabo, e publicidade segmentada e se alavancando inicialmente através do cabo e das parcerias com empresas de telefonia nacionais.

Foi a primeira brecha nas cidadelas ferreamente defendias das mídias nacionais. Financiando-se através da publicidade, as mídias nacionais tornaram-se campeãs das bandeiras internacionalistas, de abertura da economia – menos para seu próprio setor.

De fato, na expansão do capitalismo americano no pós-guerra, os grupos de mídia não conseguiram acompanhar outros setores devido à influência política das mídias nacionais, que se defendiam através de legislações impedindo a entrada de grupos estrangeiros; e do controle do espectro de concessões de rádios e TVs.

Com a Internet e a TV a cabo, o muro foi derrubado e houve uma convergência entre os diversos tipos de mídia, juntando grupos de entretenimento, empresas de tecnologia e empresas jornalísticas.

A explosão de novas mídias pulverizou a audiência, levando a uma disputa em torno de eventos de entretenimento, como jogos de futebol e de lutas. É por aí que deve ser analisada uma das mais espúrias alianças políticas, especialmente na América Latina.

Grupos hegemônicos de mídia garantiam a blindagem política dos cartolas perante os políticos; e celebravam acordos ilegais pela exclusividade na transmissão de eventos esportivos. Com as operações contra a FIFA, conduzidas pelo FBI, esse modelo implodiu. Com a decadência do futebol nacional, as grandes atrações deslocaram-se para os campeonatos europeus e paramos eventos de luta.

E, aí, desaparecem os grandes diferenciais de audiência dos grupos nacionais e aparecem os ganhos de escala dos grupos globais, adquirindo direitos de transmissão dos grandes eventos internacionais para suas afiliadas em todos os países

O crescimento dos novos meios se deu em cima da TV aberta e da mídia escrita, justamente o eixo central do modelo de negócios dos grupos de mídia tradicionais.

Peça 2 – as big tecs

O segundo caminho foi das big tecs. A questão não era mais produzir conteúdo, mas desenvolver modelos de organização – e direcionamento – do conteúdo global da Internet.

No modelo tradicional, os jornais se comportam como condutores dos povos, selecionando informações e opiniões de acordo com seus objetivos comerciais e políticos e oferecendo, como produto, a possibilidade de ele, jornal, influenciar seu público com as mensagens de interesse do patrocinador.

No novo modelo, as empresas oferecendo o universo de informações de seus usuários para clientes dispostos a pagar para influenciar o mercado de opinião. Desde o fabricante de bens de consumo, identificando clientes potenciais através de algoritmos fuçando mensagens e e-mails do público, até grupos políticos tentando influenciar eleições presidenciais.

Peça 3 – os grupos nacionais

É nesse novo modelo, espremido entre dois gigantes, que os grupos nacionais de mídia tentarão se equilibrar.

Na Europa, a influência dos grupos de mídia tradicionais têm levado governos nacionais a estabelecer limites para a ação das big tecs. Afinal, veículos como BBC, Financial Times, The Guardian, Le Mondé, são tratados como instituições nacionais, ao contrário dos grupos brasileiros, que gastaram todo seu estoque de credibilidade nas guerras políticas das últimas décadas.

O último trunfo das mídias hegemônicas latino-americanas foram as associações criminosas com a FIFA e as confederações nacionais de futebol.

Com a ascensão de Bolsonaro e a pandemia, acentuou-se sua fragilidade financeira e perderam a guerra.  A maior derrota aconteceu com o fim do monopólio dos campeonatos nacionais e sul-americanos pela TV Globo. E, mais recentemente, com a decisão do Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE) de proibir o bônus de veiculação –  devolução de parte das receitas publicitárias para as agências de publicidade -, o maior instrumento de cartelização comercial do grupo.

Talvez o maior exemplo do desespero atual da mídia, aliás, seja o jornal O Globo. Nos últimos meses, lobbies de jogos entraram pesadamente na Internet brasileira, colocando publicidade em veículos de todos os tamanho. Até o Jornal GGN foi procurado, e recusou, apesar do cerco financeiro a que está exposto.

Em um gesto de desespero, impensável em outras épocas, O Globo não apenas aceitou o patrocínio, no banner principal, como deu, como contrapartida,  um artigo de Nelson Motta, com uma defesa candente da abertura de cassinos, brandindo argumentos falaciosamente primários.

Na hora em que o governo está desesperado por dinheiro para bancar seu programa de renda mínima, sem aumentar impostos, surgiu na Câmara, pela milésima vez, o projeto de liberação do jogo, que poderia render R$ 50 bilhões por ano em impostos para a União, estados e municípios quebrados pela pandemia. O lobby já trocou “jogos de azar” por “jogos de fortuna”. Nunca o momento foi tão oportuno. Desta vez vai.

O artigo foi celebrado em veículos oficiais dos jogos de azar. Imprudências desse tipo não aconteciam com a mídia brasileira desde a IstoÉ a última fase da Editora Abril, com Roberto Civita.

Ao mesmo tempo, multiplicaram-se eventos com patrocínio da Refit (a Refinaria de Manguinhos, envolta em mil problemas) e da Confederação Nacional do Comércio (CNC), uma espécie de CBF do comércio.

Foi o exemplo mais notável de um setor que jogou a toalha, porque partindo de um grupo que dominou completamente o mercado publicitário brasileiro por décadas. Hoje em dia, há em curso movimentos das associações de jornais e emissoras de televisão visando ampliar a possibilidade de aumento da participação estrangeira.

Peça 4 – a reestruturação dos grupos nacionais

Esse será o próximo movimento e, aí, sobressairá uma figura que começa a ampliar cada vez mais sua influência sobre o mercado de mídia: os grupos financeiros.

Nos últimos anos, grupos financeiros passaram a atuar na linha de frente da mídia, com a aquisição da Abril-Exame-Veja, e de uma série de sites temáticos, pelo BTG Pactual, o site financeiro da XP.

Nenhum grupo global que se preze arriscará a montar parcerias minoritárias com grupos nacionais, em função do alto grau de endividamento, da ausência de modelos de controle administrativo, da gestão familiar e da maneira pouco sofisticada de colocar a mídia a serviço de outros interesses comerciais.

A intermediação se dará através dos grupos financeiros, seguindo o modelo CNN: um bilionário de fora da mídia entrando como sócio. Dentro desse modelo,  bancos tipo BTG irão atrás de grupos internacionais, montarão modelos societários com sócios brasileiros e seus representantes. E se terá não uma mídia nacional internacionalizada, mas a mídia global definitivamente hegemônica no país.

Peça 6 – os riscos para a democracia

A crise política global já demonstrou, à farta, os riscos para a democracia da concentração no mercado de opinião.

Consumados os movimentos acima, o mercado de opinião brasileiro ficará assim:

1.        Grupos financeiros assumindo o comando da mídia nacional, ou organizando modelos de aquisição para grupos globais. Os grupos de mídia nacionais ajudarão a desarmar cada vez mais a opinião pública em relação ao desmonte do Estado e aos negócios da privatização. Com a fragilidade das instituições nacionais, o estrago será inevitável

2.        Grupos internacionais de melhor nível, mas também fechados em torno das bandeiras da desregulação e da desmontagem das redes de proteção social.

A única alternativa são sites independentes, à esquerda e à direita. Mas justamente esses sites estão sob um duplo tiroteio.

Um deles, a perseguição promovida pela Justiça, especialmente a de São Paulo e do Rio de Janeiro. E o lawfare promovido pelos grupos ligados a Jair Bolsonaro e a João Dória Jr., entre outros grupos truculentos.

Outra, são os movimentos das redes sociais. Recentemente, uma mudança nos algoritmos do Google derrubou pela metade a audiência – e o faturamento – de sites jornalísticos de diversas tendências.

O que seria? Cautela em relação à polarização política? Acordos nebulosos com grupos nacionais?

Obviamente, em ambos os casos há atentados explícitos ao direito de informação. Essa será a grande discussão política dos próximos meses.

Seria relevante que o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria Geral da República, as Escolas de Magistratura e do Ministério Público montassem discussões sobre o tema, mas de forma aberta, juntando não apenas associações dos grupos de mídia, mas representantes de mídia alternativa e especialistas em direito à informação.

E que o Congresso passasse a analisar seriamente a proibição do controle de grupos de mídia por grupos financeiros.

Essa foi uma das recomendações principais na primeira reunião do grupo de discussão Amigos e Amigas de Luis Nassif, integrado por figuras ilustres do mundo jurídico, jornalístico e acadêmico.,

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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O que diferencia o caso Banestado da Operação Lava Jato?



Por Henrique Beirangê
Da CartaCapital e no Jornal GGN
O juiz Sergio Moro arbitra uma operação que investiga um extenso esquema de corrupção e evasão de divisas intermediadas por doleiros que atuam especialmente no Paraná. Uma força-tarefa é montada e procuradores da República propõem ações penais contra 631 acusados. Surgem provas contra grandes construtoras e grupos empresariais, além de políticos.
Delações premiadas e acordos de cooperação internacional são celebrados em série. Lava Jato? Não! Trata-se do escândalo do Banestado, um esquema de evasão de divisas descoberto no fim dos anos 90 e enterrado de forma acintosa na transição do governo Fernando Henrique Cardoso para o de Lula.
Ao contrário de agora, os malfeitos no banco paranaense não resultaram em longas prisões preventivas. Muitos envolvidos beneficiaram-se das prescrições e apenas personagens menores chegaram a cumprir pena.
Essas constatações tornam-se mais assustadoras quando se relembram as cifras envolvidas. As remessas ilegais para o exterior via Banestado aproximaram-se dos 134 bilhões de dólares. Ou mais de meio trilhão de reais em valor presente. Para ser exato, 520 bilhões.
De acordo com os peritos que analisaram as provas, 90% dessas remessas foram ilegais e parte tinha origem em ações criminosas. A cifra astronômica foi mapeada graças ao incansável e inicialmente solitário trabalho do procurador Celso Três, posteriormente aprofundado pelo delegado federal José Castilho. Alguém se lembra deles? Tornaram-se heróis do noticiário?
Empreiteiras, executivos, políticos e doleiros que há muito frequentam o noticiário poderiam ter sido punidos de forma exemplar há quase 20 anos. Não foram. Os indiciamentos rarearam, boa parte beneficiou-se da morosidade da Justiça e a maioria acabou impune.
Quanto à mídia, não se via o mesmo entusiasmo “investigativo” dos tempos atuais. Alberto Youssef, Marcos Valério, Toninho da Barcelona e Nelma Kodama, a doleira do dinheiro na calcinha, entre outros, tiveram seus nomes vinculados ao esquema.
Salvo raras exceções, CartaCapital entre elas, a mídia ignorou o caso. Há um motivo. Os investigadores descobriram a existência de contas CC5 em nome de meios de comunicação. Essa modalidade de conta foi criada em 1969 pelo banco para permitir a estrangeiros não residentes a movimentar dinheiro no País.
Era o caminho natural para multinacionais remeterem lucros e dividendos ou internar recursos para o financiamento de suas operações. Como dispensava autorização prévia do BC, as CC5 viraram um canal privilegiado para a evasão de divisas, sonegação de imposto e lavagem de dinheiro.
Em seu relatório, o procurador Celso Três deixa claro que possuir uma conta CC5, em tese, não configuraria crime, mas que mais de 50% dos detentores não “resistiriam a uma devassa”.  Nunca, porém, essa devassa aconteceu. A operação abafa para desmobilizar o trabalho de investigação começou em 2001. Antes, precisamos, porém, retroceder quatro anos a partir daquela data.
A identificação de operações suspeitas por meio das CC5 deu-se por acaso, durante a CPI dos Precatórios, em 1997, que apurava fraudes com títulos públicos em estados e municípios. Entre as instituições usadas para movimentar o dinheiro do esquema apareciam agências do Banestado na paranaense Foz do Iguaçu, localizada na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina e famosa no passado por ser uma região de lavagem de dinheiro.
Das agências, os recursos ilegais seguiam para a filial do Banestado em Nova York. Informado das transações, o Ministério Público Federal recorreu ao Banco Central, à época presidido por Gustavo Loyola. Os procuradores comunicaram em detalhes ao BC as movimentações suspeitas.
Em vez de auxiliar o trabalho do Ministério Público, o Banco Central de Loyola preferiu criar dificuldades para o acesso dos procuradores às contas suspeitas. Segundo Celso Três, as informações eram encaminhadas de forma confusa, propositadamente, diz, com o intuito de atrasar as investigações. Diante dos entraves causados pelo BC, a Justiça Federal tomou uma decisão sem precedentes. Determinou a quebra de todas as contas CC5 do País.
Uma dúvida surgiu de imediato: se havia formas regulares, via Banco Central, de enviar dinheiro ao exterior, qual a razão de os correntistas optarem por essas contas especiais que não exigiam autorização prévia nem estavam sujeitas à fiscalização da autoridade monetária?
Pior: antes do alerta da CPI dos Precatórios, o BC parece nunca ter suspeitado da intensa movimentação financeira por agências de um banco estatal paranaense, secundário na estrutura do sistema financeiro. Até então, nenhum alerta foi dado pelo órgão responsável pela fiscalização dos bancos. Vamos repetir o valor movimentado: 134 bilhões de dólares.
Editada em 1992, uma carta-circular do Banco Central determinava que movimentações acima de 10 mil reais nas contas CC5 deveriam ser identificadas e fiscalizadas. Jamais, nesse período, as autoridades de investigação foram comunicadas pelo BC de qualquer transação incomum.
Com a quebra de sigilo em massa determinada pela Justiça, milhares de inquéritos foram abertos em todo o País, mas nunca houve a condenação definitiva de um político importante ou de representantes de grandes grupos econômicos. Empresas citadas conseguiram negociar com a Receita Federal o pagamento dos impostos devidos e assim encerrar os processos contra elas.
O Ministério Público chegou a estranhar mudanças repentinas em dados enviados pelo governo FHC. Em um primeiro relatório encaminhado para os investigadores, as remessas da TV Globo somavam o equivalente a 1,6 bilhão de reais.
Mas um novo documento, corrigido pelo Banco Central, chamou a atenção dos procuradores: o montante passou a ser de 85 milhões, uma redução de 95%. A RBS, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul e atualmente envolvida no escândalo da Zelotes, também foi beneficiada pela “correção” do BC: a remessa caiu de 181 milhões para 102 milhões de reais.
A quebra do sigilo demonstrou que o Grupo Abril, dono da revista Veja, fez uso frequente das contas CC5. A Editora Abril, a TVA e a Abril Vídeos da Amazônia, entre outras, movimentaram um total de 60 milhões no período. O SBT, de Silvio Santos, enviou 37,8 milhões.
As mesmas construtoras acusadas de participar do esquema na Petrobras investigado pela Lava Jato estrelavam as remessas via Banestado. A Odebrecht movimentou 658 milhões de reais. A Andrade Gutierrez, 108 milhões. A OAS, 51,7 milhões. Pelas contas da Queiroz Galvão passaram 27 milhões. Camargo Corrêa, outros 161 milhões.
O sistema financeiro não escapa. O Banco Araucária, de propriedade da família Bornhausen, cujo patriarca, Jorge, era eminente figura da aliança que sustentava o governo Fernando Henrique Cardoso, teria enviado 2,3 bilhões de maneira irregular ao exterior.
Nunca foi possível saber quais dessas contas eram e quais não eram regulares. Para tanto, teria sido necessário aprofundar as investigações, o que nunca aconteceu. Ao contrário. O BC não foi o único entrave. No fim de 2001, o delegado Castilho foi aos Estados Unidos tentar quebrar as contas dos doleiros brasileiros na filial do Banestado.
O então diretor da Polícia Federal, Agílio Monteiro, determinou, porém, que Castilho voltasse ao Brasil. Apegou-se aos “altos custos das diárias” para interromper o trabalho de investigação. Valor da diária: 200 dólares.
Os agentes da equipe de Castilho perceberam o clima contra a operação e a maioria pediu para ser desligada do caso. A apuração seguiu em banho-maria até o começo de 2003, no início do governo Lula, período em que Castilho voltou a Nova York.
Naquele momento, as novas quebras de sigilo permitiram localizar um novo personagem, Anibal Contreras, guatemalteco nacionalizado norte-americano, titular da famosa conta Beacon Hill. Descobriu-se uma estrutura complexa: a Beacon Hill era uma conta-ônibus, recheada por várias subcontas cujo objetivo é esconder os verdadeiros donos do dinheiro. Sob o guarda-chuva da Beacon Hill emergiu uma subconta de nome sugestivo, a Tucano.
Em anotações feitas por doleiros e algumas siglas foram identificadas transações que sugeriam a participação do senador José Serra e do ex-diretor do Banco do Brasil, tesoureiro do PSDB e um dos artífices das privatizações no governo Fernando Henrique, Ricardo Sérgio de Oliveira. Só novas quebras de sigilo permitiriam, no entanto, comprovar as suspeitas. Adivinhe? Elas nunca aconteceram.
Castilho conseguiu acessar o que se poderia chamar de quarta camada das contas. Antes de descobrir os beneficiários finais do dinheiro, os reais titulares, o delegado acabou definitivamente afastado da investigação pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Anos mais tarde, o inquérito seria arquivado.
A CPI do Banestado teve o mesmo destino melancólico. Até hoje, é a única comissão parlamentar a encerrar seus trabalhos sem um relatório final. O PT e o PSDB disputaram para ver quem enterrava primeiro e melhor os trabalhos. O petista José Mentor, relator da CPI, foi acusado de receber dinheiro de um doleiro para excluí-lo do texto final. Mentor nega.
O tucano Antero Paes de Barros, presidente, tentou proteger os próceres do partido e aliados citados na investigação. Uma conveniente briga entre Mentor e Barros marcou o encerramento da apuração no Congresso em dezembro de 2004. No ano seguinte, um novo escândalo, o “mensalão”, sepultaria de vez o interesse pelas contas ilegais no exterior.
Desde então, mudanças na legislação penal e a ampliação de acordos de cooperação internacional passaram a dificultar as tentativas de abafar esses casos. Foram criadas e aperfeiçoadas nos últimos anos as unidades de recuperação de ativos no Ministério da Justiça e no Ministério Público Federal.
Por conta dos ataques às Torres Gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001, os paraísos fiscais foram pressionados a repassar informações sobre contas suspeitas. Os bancos suíços, notórios por sua permissividade, criaram mecanismos de autofiscalização para a identificação de dinheiro com origem suspeita, algo impensável há 20 anos. 
No Brasil, a lei do crime organizado de 2013 foi aprimorada e a lei de lavagem de dinheiro, alterada em 2012, ampliou o cerco contra os sonegadores. Diante dessas mudanças, as investigações não finalizadas do Banestado poderiam ser exumadas? Para investigadores que atuaram no caso, a resposta é sim.
As movimentações finais no exterior dessas contas podem ter ficado ativas após a instituição dessas novas leis, o que daria vida a novos inquéritos. Dependeria da vontade do Ministério Público e da Polícia Federal.
As duas instituições têm sido, no entanto, reiteradamente conduzidas a fazer uma seleção bem específica de seus focos de interesse. Sem o apoio da mídia e setores da Justiça e do poder econômico, mexer em certos vespeiros só produz ferroadas em quem se mete a revirá-los.
O MP e a PF tentaram, a partir da apuração do Banestado, avançar nas investigações por outros caminhos. Daquele esforço derivaram operações como a Farol da Colina, Chacal, Castelo de Areia e Satiagraha.
Em todas elas, o destino foi idêntico. Em alguma instância da Justiça, os processos foram anulados. Bastaram, em geral, argumentos frágeis. A Castelo de Areia, que investigou a partir de 2009 o pagamento de propina de empreiteiras a políticos, acabou interrompida no Superior Tribunal de Justiça por supostamente basear-se em “denúncia anônima”, embora o Ministério Público tenha provado que a investigação se valeu de outros elementos.
O episódio mais notório continua a ser, no entanto, a Satiagraha. Até um falso grampo no gabinete do ministro Gilmar Mendes serviu de pretexto para melar a operação contra o banqueiro Daniel Dantas, que, aliás, operava uma das contas-ônibus no escândalo do Banestado.
Pressionado, o juiz Fausto De Sanctis viu-se obrigado a aceitar a promoção para a segunda instância. Hoje cuida de processos previdenciários. O delegado e ex-deputado Protógenes Queiroz foi perseguido e tratado como vilão. Em agosto, acabou exonerado da Polícia Federal.
Não foi muito diferente com Celso Três e José Castilho. O procurador despacha atualmente em Porto Alegre. O delegado foi transferido para Joinville, em Santa Catarina, e nunca mais chefiou uma operação.
Nenhum deles foi elevado ao pedestal como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e o juiz Sergio Moro, que agora colhe as glórias negadas durante o caso Banestado. Teria o magistrado refletido sobre as diferenças entre uma e outra investigação? 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Odebrecht teria denunciado propinas para grupos de mídia (que Moro abafa), por Renato Rovai

A grande surpresa da delação premiada de executivos da Odebrecht, incluindo a do seu presidente afastado, Marcelo, pode ser a implicação de grupos de mídia no roteiro de corrupção e de pagamentos de propinas.
A Odebrecht teria financiado vários projetos midiáticos, principalmente produtos especiais que não guardariam relação nenhuma com a sua atividade, a partir de acordos realizados com políticos e partidos para que aqueles meios de comunicação lhe garantissem apoio eleitoral.
odebrecht 1
Profissionais da área sabem que quando um produto desses chega sem muita justificativa e é apoiado por uma grande empresa que tem relação com governos, a linha editorial terá de se adaptar ao gosto do freguês.
Que não é a empresa patrocinadora, mas o governo que fez a ponta para que o patrocínio ocorresse.
Até o momento, porém, nenhuma empresa investigada na Lava Jato teria revelado essa parte do esquema de pagamento de propinas.
O grupo Odebrecht decidiu fazê-lo por conta dos ataques duros que sofreu desses mesmos grupos durante o tempo que se negou a fazer o acordo de delação premiada.
Há o risco, porém, de que esse capítulo, um dos mais reveladores da investigação e da relação promíscua da mídia com a corrupção política, vir a ser excluído da delação final.
Alguns procuradores estariam fazendo pressão para que a empreiteira desistisse de tratar do tema, alegando falta de provas mais contundentes. Mas o verdadeiro motivo é o receio de que isso provoque a ira da mídia contra a Operação Lava Jato.
O fato é que as notas fiscais desses grupos de comunicação para empresas da Lava Jato e que têm contrato com governos seriam, segundo pessoas que tiveram acesso à delação da Odebrecht, parte do esquema de legalização de caixa 2 e do pagamento de propinas.
Seriam compra de apoio editorial sem a necessidade do uso da propaganda oficial.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Luis Nassif sobre os interesses da Mídia, o "homo boobus" e a capivara de Eduardo Cunha




  "No fundo, tudo não passa de um jogo. Grupos de mídia são empresas com interesses comerciais, políticos e uma influência sobre o chamado mercado de opinião muitas vezes colocada a serviço de grupos econômicos ou políticos.

  É quase infinita a capacidade do “homo boobus” se deixar influenciar. Do diretor Sidney Lumet, o filme “Rede de Intrigas” tornou-se um clássico, especialmente na cena em que um âncora ensandecido (Peter Finch) coloca uma cidade inteira a gritar das janelas dos apartamentos."


O texto a seguir é de Luis Nassif e foi retirado do Jornal GGN/Luis Nassif Online:

O “homo boobus” e a capivara de Eduardo Cunha


Tenho um amigo, maestro em cidades do interior.

Ontem ele colocou no seu Facebook um protesto devido ao fato dele e seus músicos não terem
recebido o combinado de alguma prefeitura. Não deu detalhes maiores.

Seu desabafo ficou coalhado de comentários que explicam o nível atual da discussão política.

De Jops – Esta é a tal pátria educadora que prometeram e estão fazendo exatamente o contrário.

De Clineide – ridícula essa situação que aliás condiz com a esfera federal e seus desmandos horrendos.

De Pedro Moacyr – um sistema político que não zela pela sua história, suas tradições e sua raça está fadado ao fracasso.

De Patrícia – Este é o Brasil do PT.

De João Mattoso – Este é o nosso país! Você é mais um a falar sobre incoerências, descasos, injustiças, que passaram a fazer parte da nossa vida.

De Luiza – Valorizam políticos hipócritas, desvalorizam professores e artistas.


As manifestações do próximo dia 15 contarão com a participação do chamado “homo boobus”, ou homem inferior, como era denominado o leitor médio de jornais nos anos 20 pelo notável cronista H. L. Mencken – autor do clássico “O livro dos insultos”. E dos quais se têm bons exemplos acima.

Ao longo da sua história, os veículos de comunicação de massa lograram trabalhar com dois recursos complementares em cima do “homo boobus.”

O primeiro poderíamos chamar de O Mito do Vampiro. Trata-se de desenhar os adversários como monstros invencíveis, ameaçadores, sem nenhuma característica humana.

O segundo é o Mito dos Homens Bons. Nesse caso, são construídos personagens campeões da ética e da moralidade, que defenderão a sociedade dos vampiros.

No fundo, tudo não passa de um jogo. Grupos de mídia são empresas com interesses comerciais, políticos e uma influência sobre o chamado mercado de opinião muitas vezes colocada a serviço de grupos econômicos ou políticos.

É quase infinita a capacidade do “homo boobus” se deixar influenciar. Do diretor Sidney Lumet, o filme “Rede de Intrigas” tornou-se um clássico, especialmente na cena em que um âncora ensandecido (Peter Finch) coloca uma cidade inteira a gritar das janelas dos apartamentos.

Não é muito diferente o que ocorreu nos últimos dias com panelaços e outras bobagens. É evidente que Dilma Rousseff conseguiu implodir o segundo governo em poucos meses e merece toda sorte de crítica técnica – sem descambar para esse discurso de fim de mundo que não corresponde à realidade.

Pior é a maneira como está sendo poupado o notório Eduardo Cunha, presidente da Câmara – que, ontem, recebeu apoio vergonhoso de deputados de todos os partidos, em suas verrinas contra o Ministério Público Federal.

Eduardo Cunha é conhecido desde os tempos de PC Farias. Sua vida é uma enorme capivara, com processos por todos os lugares por onde passou. A ex-vereadora Cidinha Campos (do Rio) chegou a denunciar relações dele com o traficante Abadia. Na Câmara, tornou-se o escoadouro de todos os lobbies econômicos.

O pior resultado da polarização política atual foi sua ascensão. E a maior prova de que, para os jornalões, denúncia não é instrumento de aprimoramento: é apenas uma arma em defesa de interesses.