segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Um Rio que já foi Doce transformado por um Vale de lama Privatarizado




O face-golpista mirim Kim Kataguiri e a mentira que ele agora conta sobre seu relacionamento com Eduardo Cunha




Segue texto de Altamiro Borges retirado do site Contexto Livre


Em longa entrevista ao site DW Brasil, postada nesta terça-feira (11), o fascista mirim Kim Kataguiri traiu descaradamente seu amigo Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, e ainda revelou outro traço do seu caráter: é mentiroso. Ele afirmou, com todas as letras: "Nunca fomos aliados de Cunha". O site até poderia ter exibido várias fotos em que os dois golpistas — o velhaco e o fedelho — aparecem juntos. Também poderia postar uma galeria com as selfies em que os integrantes do seu grupelho, o Movimento Brasil Livre (MBL), posam carregando faixas com os dizeres "Somos todos Cunha".

Na entrevista, Kimzinho apunhala o ex-herói dos "coxinhas" e tenta justificar a traiçoeira mudança de postura do MBL. "Sempre mantivemos uma relação institucional com ele [Cunha]. O nosso primeiro encontro com ele ocorreu quando protocolamos o pedido de impeachment [de Dilma], em maio. Nossa relação sempre foi de cobrança, para saber se ele ia deferir ou indeferir. Ao contrário do que os veículos de imprensa brasileiros vêm divulgando, nós nunca fomos 'aliados' de Cunha. Nós nunca o defendemos, tanto que hoje estamos pedindo o afastamento dele por causa das contas na Suíça".

O site até apresenta o traíra como o principal líder juvenil do país. "No final de outubro, Kataguiri foi incluído pela revista americana Time numa relação dos 30 jovens mais influentes do mundo", afirma. Mas a biografia exposta é bastante reveladora. "Ele tem 19 anos e dedica o seu tempo integral a tentar derrubar a presidente Dilma Rousseff e forçar a saída do PT do governo. Membro do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri foi responsável, junto com outros grupos, pela organização de três protestos antigovernamentais que levaram milhares de brasileiros às ruas ao longo do ano".

"Morador de Santo André (SP), fã do ex-presidente Ronald Reagan e defensor de princípios liberais — incluindo a privatização de setores como saúde e educação —, Kataguiri começou a sua carreira de ativista antipetista após abandonar a faculdade de economia, ainda no primeiro ano. Suas primeiras aparições públicas ocorreram quando postou uma série de vídeos na internet defendendo o liberalismo e criticando o Bolsa Família. Após se aproximar de outros jovens que partilhavam das mesmas ideias, participou da fundação do MBL no final de 2014, grupo que, segundo Kataguiri, é financiado por meio de doações de pessoas físicas que se interessam pelo movimento".

Na entrevista, o fascista mirim explicita sua arrogância e suas posições reacionárias. Para a vergonha dos tucanos, ele garante que hoje seu movimento dá o rumo ao partido da oposição. "O PSDB foi um partido que nós tivemos que empurrar ladeira acima para que ele apoiasse o impeachment. Tivemos que bater muito para que eles levassem os anseios populares para a política. Conseguimos pautar a oposição. Em 15 de março, ninguém queria falar de impeachment. É verdade que a maior parte do PSDB não quer a saída de Dilma e que muitos membros só adotaram o discurso por causa da pressão popular. É um partido que age de acordo com seus interesses eleitorais, e não por princípio".

"Vocês acham que estão pautando o PSDB, como o Tea Party faz com os republicanos nos EUA?", pergunta o repórter. E o fedelho arrogante confirma animado. "Eu acredito que sim. É um paralelo interessante". Sobre sua "ideologia", ele vomita: "Eu e o movimento defendemos a descentralização do poder e valores liberais. Queremos também a privatização de empresas, como a Petrobras e a Eletrobras, e dos sistemas de educação, saúde e saneamento". Quais são seus ídolos: "Eu gosto muito do Milton Friedman (1912-2006), que ganhou o Prêmio Nobel de economia. O também economista Ludwig von Mises (1881-1973), o maior expoente da Escola Austríaca. Além, do ex-presidente americano Ronald Reagan e da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher".

Por fim, uma resposta reveladora sobre o futuro dos fascistas mirins do MBL. Você tem alguma ambição política? "Eu não tenho nenhum objetivo imediato. Não vou me candidatar nas eleições de 2016. Não tenho nada para 2018 também, mas não descarto. O movimento vai ter candidatos, a ideia é ter bancadas liberais nas câmaras municipais e depois no Congresso. Um dos nossos coordenadores, Fernando Holiday, vai sair para vereador em São Paulo. Pretendemos ter candidatos em todos os Estados. A atuação na política é algo que vamos encampar, sim".

Será que nas conversas "protocolares" com o lobista Eduardo Cunha, conhecido por financiar vários candidatos, Kim Kataguiri pediu alguma granhinha para as próximas eleições?

Altamiro Borges

domingo, 15 de novembro de 2015

Je Suis Paris — e também Bagdá, Trípoli e Damasco... Artigo de Mauro Santayana



  Por mais que sejam terríveis, para todos nós, e para as famílias enlutadas, os atentados em Paris em nada diferem, em suas conseqüências humanitárias, daqueles que ocorrem, todos os dias, em dezenas de lugares no Afeganistão, no Norte da África e no Oriente Médio. - Mauro Santayana




Foram lamentáveis e brutais, sob todos os aspectos, os atentados ocorridos em Paris, que acarretaram centenas de mortos e feridos inocentes, franceses e estrangeiros.

Nas horas que se seguiram, na frágil cobertura da TV estatal francesa, que parecia só dispor de uma equipe e entrava, ao vivo, em contato, por telefone, com o seu repórter que estava no interior da Boate Bataclan, o foco foi mantido na solidariedade e na reação das autoridades e do governo.

O Primeiro Ministro François Hollande, com a mesma expressão de perplexidade mostrada por George Bush em suas primeiras declarações no dia do atentado às Torres Gêmeas, declarou que a França permanecerá unida, e que ela será implacável em sua resposta ao EI, o Exército Islâmico - o grupo terrorista que assumiu a autoria dos ataques — e que serão tomadas medidas de segurança para que a situação não se repita.

A retórica, dos jornalistas e do governo, é a única resposta que pode ser dada pelos franceses à situação de absoluta vulnerabilidade e impotência em que a França se meteu, ao intervir em outros países.

Uma retórica que serve para disfarçar — com a costumeira cortina de fumaça e de maniqueísmo — a crua e implacável realidade em que Paris se encontra, do ponto de vista desses ataques, e das escolhas que fez, nos últimos anos, em sua política externa.

Em primeiro lugar, porque há muito pouco que a França possa fazer para evitar novos atentados.

Se seus autores forem apanhados, outros os substituirão, vindos de fora, ou recrutados na periferia das grandes cidades francesas, onde muitos jovens, filhos de emigrantes, precisam apenas de um pretexto para fazer explodir seu ressentimento e sua frustração com a miséria e o desemprego, ou a falta de perspectivas de futuro, em um continente onde não se sentem bem-vindos, assombrado pela decadência e a crise, onde a extrema direita floresce, alimentada pela xenofobia, o racismo e o preconceito.

Em segundo lugar, porque, por mais que sejam terríveis, para todos nós, e para as famílias enlutadas, os atentados em Paris em nada diferem, em suas conseqüências humanitárias, daqueles que ocorrem, todos os dias, em dezenas de lugares no Afeganistão, no Norte da África e no Oriente Médio.

Por lá, pessoas explodem, a qualquer momento, ou são fuziladas, decapitadas, estupradas, às dezenas, por terroristas originalmente armados pelas mesmas potências “ocidentais” que estão sendo atacadas agora — e por pseudo “democracias”, como a Arábia Saudita onde adúlteras são punidas a chibatadas e mulheres não podem sair de casa sem véu nem um homem que as vigie — com o intuito de derrubar governos em países, que, independente da orientação política de seus regimes, viviam em situação de paz e estabilidade.

No entanto, esses atentados, em outras partes do mundo, não merecem matérias especiais de meia hora na televisão brasileira — afinal, é melhor que nos identifiquemos com a “civilização” que queremos emular e com a “democracia” que queremos emular — é muito mais conveniente, do ponto de vista do discurso de doutrinação ideológica eurocêntrico e neoliberal, discutir a dor das famílias e as medidas de segurança — absolutamente inócuas, diga-se de passagem — que devem ser supostamente adotadas — do que revelar ao público o que está realmente por trás dos acontecimentos.

Nem se vêem nas camisetas e nos cartazes que rezam “Je suis Paris”, em várias partes do mundo, espaço para frases como “Je suis Syrie”, porque, claro, são muito mais importantes as mortes de Paris, do que aquelas que ocorrem, literalmente, há anos, para lá de Bagdá, em lugares como Basra, Karbala ou Ramadi.

Finalmente, a pergunta que não quer calar, é a seguinte: se Saddam Hussein e Muammar Kaddafi — com todos seus eventuais defeitos — estivessem no poder e a Síria gozasse da mesma situação de estabilidade que tinha antes do início — estimulado pelo “ocidente” — do trágico engodo da “primavera árabe”; se os EUA – aliados da França — não tivessem armado terroristas para atacar Damasco — os mesmos assassinos que hoje militam e são a espinha dorsal do Estado Islâmico —- os atentados de Paris teriam ocorrido?

Capitais europeias não eram atacadas antes da promulgação da “Guerra ao Terror” pelos Estados Unidos, nem da “primavera árabe”, que gerou milhões de mortos e refugiados, com a destruição de centenas de cidades; nem antes do envolvimento da OTAN, a serviço dos EUA, com bombardeios na Líbia e em outros lugares — contra governos que antes eram tratados, hipocritamente como aliados pelo “ocidente” — em países em que crianças iam uniformizadas e bem alimentadas à escola todos os dias, e não caçavam, para comê-los, ratos entre os escombros de suas casas, como agora.

Nunca é demais lembrar que quem planta vento, colhe tempestade.

Que os novos atentados de Paris — e o pânico com os falsos alarmes que se seguiram — sirvam de alerta ao Brasil — país em que convivem, em harmonia, judeus e muçulmanos, e gente de todos os lugares do mundo — que, estimulado pela doutrina da repressão policialesca e pelo desejo de ser mais realista que o rei de “especialistas” que cresceram vendo enlatados de espionagem norte-americanos, está se metendo a “gato mestre”, criando leis “antiterroristas”, que podem nos fabricar inimigos onde nunca os tivemos.

Leis que são, como podemos ver, pela vulnerabilidade e impotência dos países que as adotam, tão supérfluas quanto inócuas e estúpidas.

Dos atentados em Paris e da tragédia sócioambiental em Mariana: o atentado político com tiros, o atentado econômico com entulhos e descaso com a vida



Os atentados em Paris e o crime ambiental em Mariana não são hierarquizáveis; o problema consiste em minimizar uma das tragédias por determinadas conveniências

De Paris ao Rio Doce: do horror político ao horror econômico

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho), do Blog do Castilho
Muita gente no Brasil está falando sobre os atentados em Paris, com mais de cem mortos, em comparação com a maior tragédia socioambiental brasileira do século XXI, o rompimento de barragens em Mariana (MG), com mais de 20 mortos e desaparecidos e uma destruição incalculável do ambiente, entre espécies extintas, impacto por décadas e ameaça direta à sobrevivência de um rio importante, o Rio Doce.
Existe a percepção de que a tragédia francesa abafará a tragédia brasileira. E a verbalização dessa percepção gera um ruído: como se quem dissesse isso fosse indiferente a cada francês morto e ao horror específico dos massacres em Paris, à covardia e ao fanatismo. Com isso se cria um falso problema. Ou, no mínimo, secundário: a nossa suposta insensibilidade. A dos cidadãos, a dos internautas.
E não, não somos nós os culpados. Existem dois horrores simultâneos acontecendo. Um deles é político, mais precisamente geopolítico: o horror que desemboca no massacre de Paris, nos atentados de 11 de setembro, no atentado ao Charles Hebdo, movido também a profundos abismos religiosos e culturais, potencializado por ações tresloucadas e cinicamente moralizantes do Ocidente. O outro horror é econômico.
“Horror Econômico” é o nome de um livro da escritora francesa Viviane Forrester, que dissecava com qualidade literária, em 1996, a lógica abominável de nosso sistema econômico, e as farsas discursivas utilizadas para perpetuá-lo. Era um libelo humanista em defesa dos trabalhadores, da vida e do ambiente, e sobre a planejada cegueira coletiva em relação às desigualdades inerentes ao nosso sistema de produção.
O economista francês Jacques Généreux respondeu no ano seguinte que o horror era político, e não econômico. E deu esse nome ao livro: “Horror Político”. Tanto pela estratégia de poder dos governos (em parceria com as grandes corporações) como pela aceitação dos cidadãos, pelo silêncio, pela incapacidade de reação, de se fazer outras escolhas.
HORRORES SIMULTÂNEOS
Os horrores coexistem e são simultâneos, muitas vezes convergentes. Mas há diferenças. Dos arredores da Torre Eiffel (feita de ferro) ao ferro extraído irresponsavelmente em Mariana há uma hierarquia de fatores, e não de dor, uma gama de responsabilidades específicas. O Estado Islâmico e a Vale não representam o mesmo campo ideológico; nem a mesma religião; nem têm os bolsos recheados com a mesma intensidade. Um aposta no desespero como recurso político; a outra aposta no amortecimento.
O Estado Islâmico é um inimigo conveniente para o sistema. O que não o exime de seus horrores. A Samarco, não. A Samarco é o próprio sistema. A Samarco é a brasileira Vale e a anglo-australiana Billinton. A Vale tem capital japonês, tem dedo do Estado brasileiro, tem fundo de pensão, tem o Bradesco. A Vale é o sistema que se perpetua diariamente nas páginas da imprensa – tanto as jornalísticas como as publicitárias.
E, portanto, essa mesma imprensa cantará com mais força o horror distante, com o inimigo consensual. Não há possibilidade de “acidente” em um massacre movido a metralhadoras, e fica decretada a impossibilidade de contextualização (nunca de justificação), de tentarmos entender o que acontece, por que acontece esse tipo de barbárie e qual o papel dos que não se julgam bárbaros na perpetuação dessa violência.
No Brasil, define-se uma lógica contrária. A morte de milhões de animais, a destruição de um povoado inteiro (que não mais existirá), as cinco crianças mortas ou desaparecidas e a incrível sequência de impactos ambientais (como a falta d’água em municípios inteiros de Minas) são tratadas como se fossem um mero detalhe, “desculpa aí, foi mal, mas nós geramos empregos na região e somos muito bem intencionados, nós somos o desenvolvimento”.
NÃO FOI UM ACIDENTE
O papel da imprensa graúda é o de reforçar a imagem de um “acidente” – como se esse acidente não fosse inerente a esse sistema econômico genocida. Não fosse também o horror. Alguns profissionais nos grandes jornais resistem e produzem notícias importantes. Mas o problema é o dimensionamento. Não haverá avalanche noticiosa sobre o desastre ambiental como o volume de exclamações sobre Paris. O efeito geral, a médio prazo, é o de minimização.
Um dos problemas desse noticiário é que ele só reporta os espasmos dos conflitos políticos e econômicos. Só as erupções. E não o rio diário de impactos sociais e ambientais. Precisaríamos criar uma cultura de acompanhar o sistema político e o sistema econômico de forma mais orgânica, para que não apenas enxuguemos gelo midiático a cada tragédia. E entendamos melhor o que leva a tudo isso. Sempre questionando o poder – e não as vítimas.
O mundo não está dividido entre “os loucos do Estado Islâmico” e “as necessárias empresas geradoras de emprego”. Que se multipliquem as nuances e os adjetivos. Sem ilusão de que nossa sociedade e nosso modo de vida seja superior. Nós também temos (e no poder) nossos fanáticos, nossos obsessivo-compulsivos e nossos psicopatas. Basta de naturalizar um modelo violento de apropriação dos recursos naturais sem que os trabalhadores e a sociedade possam dizer: “Não. Desengatilhem essa metralhadora”.

sábado, 14 de novembro de 2015

Em artigo (reproduzido no Brasil pela UOL), New York Times diz que a Globo é a TV que ilude e manipula o Brasil






















Um artigo publicado no jornal New York Times, e reproduzido  no site UOL, é de causar constrangimento a todo brasileiro mais crítico. Nele, Vanessa Bárbara revela com contundente precisão o quanto a TV  Globo historicamente interfere no cotidiano de um país que figura entre os de mais baixa qualificação de ensino do planeta. Lembrar que William Bonner comparou o telespectador médio de TV do país com Homer Simpson chega a ser obrigatório.

Sexta-feira, 13 de Novembro de 2015

New York Times diz que a Globo é a TV que ilude o Brasil

Da Redação do Conexão Jornalismo


Gigante da mídia cativa os telespectadores com novelas vazias e comentários ineptos no noticiário.


Vanessa Barbara, no International New York Times, via UOL
Em São Paulo

No ano passado, a revista "The Economist" publicou um artigo sobre a Rede Globo, a maior emissora do Brasil. Ela relatou que "91 milhões de pessoas, pouco menos da metade da população, a assistem todo dia: o tipo de audiência que, nos Estados Unidos, só se tem uma vez por ano, e apenas para a emissora detentora dos direitos naquele ano de transmitir a partida do Super Bowl, a final do futebol americano".

Esse número pode parecer exagerado, mas basta andar por uma quadra para que pareça conservador. Em todo lugar aonde vou há um televisor ligado, geralmente na Globo, e todo mundo a está assistindo hipnoticamente.

Sem causar surpresa, um estudo de 2011 apoiado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou que o percentual de lares com um aparelho de televisão em 2011 (96,9) era maior do que o percentual de lares com um refrigerador (95,8) e que 64% tinham mais de um televisor. Outros pesquisadores relataram que os brasileiros assistem em média quatro horas e 31 minutos de TV por dia útil, e quatro horas e 14 minutos nos fins de semana; 73% assistem TV todo dia e apenas 4% nunca assistem televisão regularmente (eu sou uma destes últimos).

Entre eles, a Globo é ubíqua. Apesar de sua audiência estar em declínio há décadas, sua fatia ainda é de cerca de 34%. Sua concorrente mais próxima, a Record, tem 15%.

Assim, o que essa presença onipenetrante significa? Em um país onde a educação deixa a desejar (a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico classificou o Brasil recentemente em 60º lugar entre 76 países em desempenho médio nos testes internacionais de avaliação de estudantes), implica que um conjunto de valores e pontos de vista sociais é amplamente compartilhado. Além disso, por ser a maior empresa de mídia da América Latina, a Globo pode exercer influência considerável sobre nossa política.

Um exemplo: há dois anos, em um leve pedido de desculpas, o grupo Globo confessou ter apoiado a ditadura militar do Brasil entre 1964 e 1985. "À luz da História, contudo", o grupo disse, "não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original".

Com esses riscos em mente, e em nome do bom jornalismo, eu assisti a um dia inteiro de programação da Globo em uma terça-feira recente, para ver o que podia aprender sobre os valores e ideias que ela promove.

A primeira coisa que a maioria das pessoas assiste toda manhã é o noticiário local, depois o noticiário nacional. A partir desses, é possível inferir que não há nada mais importante na vida do que o clima e o trânsito. O fato de nossa presidente, Dilma Rousseff, enfrentar um sério risco de impeachment e que seu principal oponente político, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, está sendo investigado por receber propina, recebe menos tempo no ar do que os detalhes dos congestionamentos. Esses boletins são atualizados pelo menos seis vezes por dia, com os âncoras conversando amigavelmente, como tias velhas na hora do chá, sobre o calor ou a chuva.

A partir dos talk shows matinais e outros programas, eu aprendi que o segredo da vida é ser famoso, rico, vagamente religioso e "do bem". Todo mundo no ar ama todo mundo e sorri o tempo todo. Histórias maravilhosas foram contadas de pessoas com deficiência que tiveram a força de vontade para serem bem-sucedidas em seus empregos. Especialistas e celebridades discutiam isso e outros assuntos com notável superficialidade.

Eu decidi pular os programas da tarde -a maioria reprises de novelas e filmes de Hollywood- e ir direto ao noticiário do horário nobre.

Há dez anos, um âncora da Globo, William Bonner, comparou o telespectador médio do noticiário "Jornal Nacional" a Homer Simpson -incapaz de entender notícias complexas. Pelo que vi, esse padrão ainda se aplica. Um segmento sobre a escassez de água em São Paulo, por exemplo, foi destacado por um repórter, presente no jardim zoológico local, que disse ironicamente "É possível ver a expressão preocupada do leão com a crise da água".

Leia também: JN omite notícias importantes enquanto audiência despenca

Assistir à Globo significa se acostumar a chavões e fórmulas cansadas: muitos textos de notícias incluem pequenos trocadilhos no final ou uma futilidade dita por um transeunte. "Dunga disse que gosta de sorrir", disse um repórter sobre o técnico da seleção brasileira. Com frequência, alguns poucos segundos são dedicados a notícias perturbadoras, como a revelação de que São Paulo manteria dados operacionais sobre a gestão de águas do Estado em segredo por 25 anos, enquanto minutos inteiros são gastos em assuntos como "o resgate de um homem que se afogava causa espanto e surpresa em uma pequena cidade".

O restante da noite foi preenchido com novelas, a partir das quais se pode aprender que as mulheres sempre usam maquiagem pesada, brincos enormes, unhas esmaltadas, saias justas, salto alto e cabelo liso. (Com base nisso, acho que não sou uma mulher.) As personagens femininas são boas ou ruins, mas unanimemente magras. Elas lutam umas com as outras pelos homens. Seu propósito supremo na vida é vestir um vestido de noiva, dar à luz a um bebê loiro ou aparecer na televisão, ou todas as opções anteriores. Pessoas normais têm mordomos em suas casas, que são visitadas por encanadores atraentes que seduzem donas de casa entediadas.

Duas das três atuais novelas falam sobre favelas, mas há pouca semelhança com a realidade. Politicamente, elas têm uma inclinação conservadora. "A Regra do Jogo", por exemplo, tem um personagem que, em um episódio, alega ser um advogado de direitos humanos que trabalha para a Anistia Internacional visando contrabandear para dentro dos presídios materiais para fabricação de bombas para os presos. A organização de defesa se queixou publicamente disso, acusando a Globo de tentar difamar os trabalhadores de direitos humanos por todo o Brasil.

Apesar do nível técnico elevado da produção, as novelas foram dolorosas de assistir, com suas altas doses de preconceito, melodrama, diálogo ruim e clichês.

Mas elas tiveram seu efeito. Ao final do dia, eu me senti menos preocupada com a crise da água ou com a possibilidade de outro golpe militar -assim como o leão apático e as mulheres vazias das novelas.

* Vanessa Barbara é uma colunista do jornal "O Estado de São Paulo" e editora do site literário "A Hortaliça".

Veja também: Depois de 10 anos, Christiane Pelajo deixa bancada do Jornal da Globo

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O sarcasmo da Samarco, Vale de lama e os bastidores de uma tragédia, por Luiz Carlos Azenha

Os relações públicas da Samarco dão uma surra no Estado brasileiro, que sucumbe ao poder econômico



 Segue texto e video com comentários de Luiz Carlos Azenha:



O rio do Carmo, 50 quilômetros abaixo de onde as barragens romperam!

A mineradora Samarco, joint venture da Vale com a australiana BHP Billiton, teve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões em 2014. Ou seja, limpinhos!

Como se sabe, o Brasil é uma “mãe” para as mineradoras. A Agência Pública fez uma reportagem interessante a respeito, quando Marina Amaral perguntou: Quem lucra com  a Vale?

O “pai” das mineradoras é Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, com a Lei Kandir, isentou de ICMS as exportações de minérios!

O que aconteceu com a Vale, privatizada a preço de banana, é o mesmo que se pretende fazer com a Petrobras: colocar a empresa completamente a serviço dos acionistas, não do Brasil.

O que isso significa?

Auferir lucros a curto prazo, custe o que custar.

A questão-chave está no ritmo da exploração das reservas minerais.

Num país soberano, o ritmo é ditado pelo interesse público. É de interesse da população brasileira, por exemplo, inundar o mercado com o petróleo do pré-sal, derrubando os preços? Claro que não.

Quem lucra, neste caso, são os países consumidores. Os Estados Unidos, por exemplo. Portanto, quando FHC privatizou parcialmente a Petrobras, vendendo ações na bolsa de Nova York, ele transferiu parte da soberania brasileira para investidores estrangeiros. Eles, sim, querem retorno rápido. Querem cavar o oceano às pressas, até esgotar o pré-sal. É a dinâmica do capitalismo!

O Brasil é um país sem memória. Não se lembra, por exemplo, do que aconteceu na serra do Navio, no Amapá. Uma das maiores reservas de manganês do mundo foi esgotada porque interessava aos esforços dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ficamos com o buraco e a destruição ambiental…

Obviamente, não é um problema brasileiro. Fui pessoalmente às famosas minas de diamante de Serra Leoa, na África, que mereceram uma visita da rainha Elizabeth. Investiguei o entorno. O local de onde sairam bilhões de dólares em diamantes não tinha rede de esgoto, nem de distribuição de água.

O mesmo está acontecendo neste exato momento com o coltan, do Congo, um mineral utilizado pela indústria eletroeletrônica. A exploração do coltan financia uma guerra interminável de milicias, que exportam o mineral para a Bélgica praticamente de graça!

Serra Leoa, Congo, Brasil…

Infelizmente, estamos no mesmo nível.

Como denuncia seguidamente o Lúcio Flávio Pinto, o ritmo da exploração do minério de ferro de Carajás é um crime de lesa-Pátria.

Por que haveria de ser diferente nas reservas de Minas Gerais?

A economia do estado, tanto quanto a brasileira, ainda é extremamente dependente da exportação de commodities. À Vale interessa produzir rápido, derrubar o preço a qualquer custo para apresentar lucro no balanço.

Infelizmente, a elite brasileira até hoje se mostrou incapaz de formular um projeto soberano de país. Isso vale para PSDB, PT e todos os outros, como ficou evidente na tragédia de Mariana.

Não podemos culpar a mineradora Samarco pela tragédia antes de uma investigação independente e rigorosa. Mas, será que ela vai acontecer?

Do prefeito de Mariana ao senador tucano Aécio Neves, passando pelo governador petista Fernando Pimentel, todos deram piruetas para salvaguardar a Samarco. Pimentel deu uma entrevista coletiva na sede da mineradora!

Enquanto isso, milhões de metros cúbicos de lama desceram o rio do Carmo e chegaram ao rio Doce.

A Samarco diz que a lama é inerte, ou seja, não oferece risco à saúde.

Numa situação ideal, não caberia à Samarco dizer isso — com reprodução martelada em todos os telejornais da Globo.

O familiar de um desaparecido comentou comigo que, na Globo, as vítimas da tragédia não tinham rosto…

A Vale, afinal, é grande patrocinadora.

Espanta é que os governos federal, estadual e municipal, que em tese deveriam atuar de forma independente — em nome do interesse público — não o façam.

A primeira providência em um país civilizado seria uma análise de emergência na lama, para determinar se ela oferece algum risco à saúde.

Afinal, milhões de brasileiros podem entrar em contato com os rejeitos, seja nas margens dos rios, seja através da água consumida.

Além disso, o tsunami de lama carregou corpos humanos e de animais por uma longa extensão, de centenas de quilômetros.

No entanto, a não ser pelo esforço de relações públicas da Samarco, as pessoas afetadas, como testemunhei pessoalmente, estão totalmente no escuro.

Mais adiante, outras questões importantes vão surgir.

O rio do Carmo foi completamente destruído, de ponta a ponta. Quem vai pagar a conta? O Estado brasileiro ou a Samarco?

A Samarco fez o que se espera de uma empresa privada, que pretende minimizar os impactos sobre si do desastre ambiental que produziu.

De forma competente, acionou seu esquema de relações públicas para deixar no ar a ideia de que o rompimento de duas barragens foi consequência de um terremoto.

Transferiu os desabrigados para hoteis, evitando a ebulição de centenas de pessoas que, conjuntamente, poderiam conjurar contra uma empresa da qual sempre desconfiaram.

Conversei com os sobreviventes de Bento Rodrigues: todos sempre acharam um exagero o crescimento vertical, contínuo, da barragem, para guardar mais e mais lama.

Segundo eles, a Samarco começou a comprar novas áreas de terra porque pretendia construir uma outra barragem, mais próxima do povoado, para dar conta do armazenamento dos rejeitos.

Que a Samarco cuide de seus interesses é parte do jogo.

O espantoso é ver a captura do Estado brasileiro, em todas as esferas, pelo interesse privado.

Basta uma consulta às pessoas comuns, que vivem sob as barragens de rejeitos — que se contam às centenas em Minas — para que elas denunciem: as empresas aumentam indefinidamente as cotas, sem transparência, sem qualquer consulta pública, sem planos de resgate de emergência, sem um básico sinal sonoro para dar o alerta em caso de acidente.

É bem mais barato que construir uma nova barragem, certo? Lembrem-se: estas empresas estão a serviço do lucro de seus acionistas e a maioria deles não mora em Mariana, provavelmente nem mora no Brasil.

Minas Gerais, acossada pela crise econômica, sucumbe à lógica das mineradoras: como denunciou o leitor Reginaldo Proque, está tramitando na Assembleia Legislativa um projeto para simplificar o licenciamento ambiental, de autoria do governo Pimentel.

Em resumo, os desabrigados das margens do rio do Carmo fazem o papel, em carne e osso, da crise de representação da política brasileira.

Ninguém os ouve, nem consulta.

Quando muito, são sobrevoados por helicópteros que “representam” um Estado servil ao poder econômico.

Luiz Carlos Azenha
No Viomundo

O senso incomum do reacionário conservadorismo



Texto de Juremir Machado

O principal inimigo da inteligência é o senso comum. A sua grande astúcia é se exibir como o máximo da sabedoria e da sensatez. O senso comum é a inteligência da burrice. Em todas as situações, ele escolhe o caminho mais fácil e só aparentemente mais lógico. As cadeias estão lotadas, o senso comum sustenta que há impunidade. O combate às drogas fracassa, o senso comum garante que falta repressão. A desigualdade aumenta, levando com ela a violência, o senso comum explica que é melhor diminuir os investimentos sociais.

O senso comum é a ignorância ao alcance de todos pelo menor preço. O país está em crise, o senso comum entende que a saída é criar desemprego. Diante de qualquer crítica às distorções do capitalismo, com suas famosas devastadoras crises cíclicas, o senso comum reage simplificando: “Vai pra Cuba, comunista safado”. Se alguém critica a hipocrisia da oposição, também afundada em escândalos de corrupção e com percepção seletiva para denúncias, só vendo a ladroeira do adversário, que age da mesma maneira, o senso comum tem resposta pronta: “Coisa de petralha”. O senso comum é a pobreza de espírito satisfeita com sua performance esquálida, mas sem complexo de inferioridade.

O senso comum nunca se olha no espelho.

Inculto por excesso de confiança, o senso comum adora dar conselhos de especialista: “Fica no teu campinho, que tu dominas”. O senso comum é metástase do cérebro. O clichê torna-se medida de sofisticação, a banalidade vira parâmetro de originalidade, o reducionismo toma o lugar da complexidade, a estupidez se converte em argumento lógico. O senso comum costuma se expressar pela indignação moralista, que confunde com moralidade. O senso comum resulta da sistemática falta de observação do vivido, que se dissimula de realismo e de sistematização de “conhecimentos” práticos. O senso comum detesta intelectuais e teóricos, salvo quando eles legitimam seus dogmas. O senso comum é pragmático, oportunista e antagônico.

Antagônico, no caso, deve ser entendido como, digamos, um neologismo: anta fingida. O senso comum é alta filosofia do homem “midiocre”. O senso comum radicaliza as dicotomias ao mesmo tempo em que as declara ultrapassadas ou extintas. Considera chato tudo o que supera a sua lógica rasteira do entretenimento supostamente sem ideologia. De resto, para o senso comum ideologia é sempre o pensamento do outro, aquele que o contraria ou desmascara. Diante de qualquer pensamento desconstrutor, o senso comum saca o seu revólver falso e dispara uma saraivada de balas de goma açucaradas com o molho da mediocridade. Em 1888, o senador Paulino de Souza, representante máximo do senso comum escravista, indignava-se dizendo que a abolição da escravatura era inconstitucional, antieconômica e desumana.

O senso comum exala uma incomum capacidade para defender o pior como melhor. Motoristas cometem infrações de trânsito em demasia, o senso comum culpa a indústria da multa. As coisas andam mal, o senso comum tem a explicação: culpa da esquerda retrógrada ou da direita.

O senso comum tem a incomum capacidade de errar por excesso de acerto.


terça-feira, 10 de novembro de 2015

A lama da Samarco e o jornalismo que não dá nome aos bois



Bento Rodrigues: povoado soterrado pela Samarco sintetizava um modo de vida tão esquecido pela imprensa quanto os impactos sociais e ambientais do mundo corporativo
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho) Fonte: Outras Palavras
Por trás da lama da Samarco afirma-se o gosto amargo de um jornalismo subserviente, a serviço do mercado. Dezenas de pessoas estão desaparecidas em Mariana (MG). Entre elas, crianças. O vídeo acima mostra como era o cotidiano de um povoado destruído. Mas a maior tragédia socioambiental brasileira do século XXI  já começa a ser soterrada pelos jornais, após uma cobertura protocolar. Da lama à ordem: ignoram-se os conflitos, minimizam-se as contradições e se assimilam os discursos cínicos de executivos e de membros do governo. Com a clássica blindagem dos sócios da empresa.
Primeiro enumeremos os donos. Já se sabe que 50% da Samarco pertence à Vale, a Vale que tirou o Rio Doce de seu nome e nele despejou lama tóxica. A outra metade pertence à anglo-australiana BHP Billiton, uma fusão da australiana Broken Hill Proprietary Company com a inglesa (radicada na África do Sul) Billiton, atuante nas veias abertas do Chile, Colômbia e Peru (onde tomou uma multa ambiental de US$ 77 mil apóscontaminação por cobre), no Canadá, Reino Unido e nos Estados Unidos, na Argélia, no Paquistão e em Trinidad & Tobago. Já protagonizou na Papua Nova Guiné umacontaminação fluvial histórica. As maiores mineradoras do mundo. E a quem pertence à Vale? Esse capítulo costuma ser omitido, quando se fala de impactos sociais e ambientais. A empresa é controlada pela Valepar, com 53,9% do capital votante (1/3 do capital total). Com 5,3% para o governo federal, 5,3% para o BNDESpar, 14,8% para investidores brasileiros, 16,9% na Bovespa e 46,2% de investidores estrangeiros (este percentual cai para 33,9% no caso do capital total). De qualquer forma já temos que a Samarco – com a metade anglo-australiana – e esses acionistas já têm mais da metade de acionistas estrangeiros.
E quem manda na Valepar, que controla a Vale? 1) Fundos de investimentos administrados pela Previ, com 49% das ações; 2) A Bradespar, do Bradesco, com 17,4%; 3) A multinacional Mitsui, um dos maiores conglomerados japoneses, de bancos à petroquímica, com tentáculos na Sony, Yamaha, Toyota, com 15%; 4) O BNDESpar, com 9,5. (Ignoremos os 0,03% da Elétron, do Opportunity e seu onipresente Daniel Dantas. E registremos que, com a Mitsui, aumenta ainda mias a participação de estrangeiros na Samarco.)
BNDES? Previ? Mas por que, então, a imprensa acostumada a fustigar o governo federal não fiscaliza com mais atenção a Vale, símbolo da privatização a preço de banana? Simplesmente porque não tem o saudável hábito – a imprensa brasileira – de fiscalizar corporações. E porque essas instituições não estão sozinhas. Porque tem a Mitsui, o Bradesco – o bilionário Bradesco. Com um governador petista dando entrevista coletivana sede da Samarco. (O capitalismo não é para amadores.) Não há um acompanhamento sistemático do custo social e ambiental das aventuras plutocratas, sob governos de siglas diversas. Pelo contrário: o que há é um marketing despudorado.
EXECUTANDO ADVÉRBIOS
Essa rede de donos da Samarco manifesta-se por meio de um jovem executivo, Ricardo Vescovi. Os gerentes de crise da empresa tiraram o site do ar (sabe-se lá com quais informações) e divulgaram esse vídeo do presidente no Facebook. Com seu milagre de multiplicação de advérbios insossos e pronomes totalizantes, insensíveis aos dramas dos mineiros. “Lamentavelmente”, “imediatamente”, “absolutamente todos os esforços” em relação ao “ocorrido”, “todas as ações”, “todos os esforços”, “igualmente não medindo esforços”, “todo apoio”, “toda solidariedade”, “lamentamos profundamente” o “acontecido”.
Os mais desavisados poderão até ficar com dó do pobre coitado. Ainda mais após as declarações do governo mineiro de que a Samarco foi “vítima” do rompimento da barragem. E após jornalistas irresponsáveis replicarem notícias sobre “tremores de terra” que acontecem todos os dias. Muito embora a empresa já soubesse, desde 2013, que a barragem – como outras pelo país que ainda não desabaram – estava condenada. E que essa não tenha sido a primeira tragédia em Minas Gerais. São esses mesmos jornais que não se furtam a cobrir, de forma reverente, o que as empresas chamam de “sustentabilidade”, “responsabilidade social e ambiental”.
Alguém poderá argumentar que um jornal da grande imprensa, a Folha, divulgou notícia sobre o laudo de 2013 que mostrava os problemas estruturais na barragem. Sim. Em 2015. Mas cabe lembrar que uma ou outra notícia isolada após uma tragédia está longe de caracterizar a cobertura crítica de um setor econômico. Se o tema não se mantém na manchete (esse mesmo jornal, neste domingo, remeteu o tema para pé de página), em artigos recorrentes, editoriais sistemáticos, não há o agendamento político efetivo – e sim o convite ao esquecimento. E à impunidade. (Quem vai fazer uma Operação Lava Lama?)
samarco
IMPRENSA DOS VENCEDORES
Essa mesma imprensa se esquece também de contar ao leitor que existe um choque entre modelos de apropriação do território e dos recursos naturais. O vídeo da TV Cultura sobre a comunidade destruída mostra – ainda que com uma abordagem que privilegia o exótico – um modo de vida bem diferente, onde as moradoras vão na casa das outras, plantam-se pimentas no quintal e se produz geleia, coletivamente, em uma associação. Uma lógica econômica muito diversa da predação extrativista – e esgotável – protagonizada pela Samarco, esse nome amorfo emprestado a dois expoentes do capitalismo mundial. Quem disse que há consenso?
Existem movimentos sociais específicos de atingidos pela mineração, ou atingidos pelas barragens. Até mesmo de atingidos pela Vale. Por que não se dá voz a essas pessoas? Se nem após os desastres isso acontece, o que se dirá do dia a dia?  Porque os cadernos e até revistas especializadas são de “negócios”, como se esses negócios pudessem pairar (numa sociedade democrática) acima dos interesses dos cidadãos. Por que os calam? Por que essa censura? Por que a destruição de uma comunidade inteira e de um ecossistema não comovem? Porque esse jornalismo é situacionista, economicamente situacionista. Torce para os vencedores.
Os mais eugenistas nem se constrangem em dizer que aquelas populações não deviam estar ali – deviam abrir alas para a distinta mineradora. Como se fosse um bem infinito para o país o esgotamento de seus recursos minerais. Não se questiona o modelo e nem suas conexões com outros temas: a falta d’água, o crescimento e a falta de infraestrutura das periferias urbanas, inchadas também pela expulsão das populações tradicionais. Faz-se tudo menos um jornalismo sistêmico, que consiga olhar para temas simultâneos, para tendências econômicas e para o clima, para a desigualdade e os riscos ambientais. Com nome aos bois (ou aos caranguejos), o nome dos beneficiários. Quem ganha com isso?
NATURALIZAÇÃO
De um modo geral o efeito obtido no caso de Mariana é o de naturalização de uma matança e de um crime ambiental histórico. Como não houve chuvas, inventa-se um terremoto. A morte horrível de moradores e a destruição de um povoado por uma empresa ganham, no máximo, uma cobertura similar à das tragédias em São Luís do Paraitinga ou Petrópolis (fruto também da especulação imobiliária), ignorando a cadeia de sócios, os interesses políticos em torno das mineradoras ou o risco estrutural que esse tipo de exploração impõe ao ambiente, aos trabalhadores e vizinhos, bola pra frente que em janeiro teremos “outras enchentes”. Como se fizesse parte do sistema ser soterrado por uma lama tóxica enquanto se planta alface.
http://outraspalavras.net/alceucastilho/2015/11/09/a-lama-da-samarco-e-o-jornalismo-que-nao-da-nome-aos-bois/