domingo, 30 de abril de 2017

Mauro Santayana: Sobre a Greve Geral e o discurso único da mídia


A imagem pode conter: céu, árvore e atividades ao ar livre



Vendida por alguns meios de comunicação como parcial e totalmente dependente da paralisação do transporte público, a greve geral conseguiu paralisar a maior parte das cidades brasileiras na última sexta-feira.

Não faltaram - como costumeiramente - a violência, muitas vezes iniciada pela própria policia, e a infiltração de vândalos convenientemente vestidos de vermelho, cujo papel, todos sabemos - com a destruição gratuita de patrimônio público e privado e o incêndio de ônibus - é jogar a opinião da população que está em casa, assistindo aos telejornais, contra aqueles que ousam se levantar contra o status-quo, o sistema e o discurso dominante.

Nem as reações fascistas à greve, com a rápida montagem de páginas na internet, com violentas e estúpidas mensagens anticomunistas, contra um movimento do qual participou até mesmo a insuspeita - para os padrões vigentes - Força Sindical.

A intenção dos comerciais do governo - que beiram a ideologia e são descaradamente políticos - é convencer os brasileiros de que se herdou um caos para o qual se exige a adoção definitiva de uma série de remédios amargos, porém necessários, que se pretende empurrar goela abaixo da população, como se não houvesse uma infinidade de outros aspectos, a maior parte deles estruturais, a serem considerados.

É por isso que a Greve Geral de ontem, embora represente um primeiro esforço de resistência ao que está ocorrendo com a Nação, constitui uma espécie de alerta e deve ser levado em consideração para além das superficiais e distorcidas "análises" da "mídia".

Os parlamentares que cederam, esta semana, em questões como a da lei de Abuso de Autoridade, têm que entender que, embora exista um discurso acachapante, quase único, nos jornais, revistas, emissoras e redes sociais, ele está longe de ser unânime, e perceber que se arriscam a perder votos, do mesmo jeito, se fizerem apenas o que querem o governo ou a plutocracia.

Embora interesse a muita gente culpar apenas o PT ou a "corrupção", os grandes problemas econômicos do país - além da Lava Jato, com a interrupção de dezenas de projetos estratégicos e a virtual quebra de algumas das maiores empresas brasileiras - são os juros, a sonegação e a baixa taxação de quem mais ganha, principalmente o mercado financeiro.

Os bancos particulares - ao contrário daqueles que são públicos, cujo lucro se reverte, ao menos em parte, para todos nós - lucram, e muito, não apenas explorando seus clientes, mas principalmente a União, os Estados e Municípios, o que faz com que, correntistas ou não, sejamos, todos os brasileiros, explorados por eles.

Enquanto os juros da SELIC continuarem, em 10, 20, vezes, superiores, em média, aos países que nos acompanham no grupo das dez maiores economias do mundo, o governo - que já tem sua legitimidade contestada - não terá moral para cobrar dos trabalhadores e de seus filhos e netos os ingentes sacrifícios que está impondo, olímpicamente - sem discussão com a sociedade - por meio das pseudo reformas que está executando.

Ao estender, na mutilação da legislação trabalhista e previdenciária, a conta dos déficits para a população brasileira.

Ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, "paga", antecipadamente, 100 bilhões de reais deixados pelo PT nos cofres do BNDES ao Tesouro - sem nenhuma necessidade e sem praticamente nenhum efeito na Dívida Pública.

Quando a maior parte da mídia oculta da Nação, ou ignora, deliberadamente, em seu esforço cotidiano de manipulação e contra-informação, que o país tem mais de 370 bilhões de dólares, ou mais de um trilhão de reais, em reservas internacionais, também economizados pelo PT - que além disso pagou, desde que chegou ao poder, mais 40 bilhões de dólares em dívidas de FHC ao FMI.

O governo livra a cara da parcela mais rica da sociedade.

Engessa, por 20 anos, os gastos estratégicos do país com a nefasta PEC 570.

Sufoca e sabota também, recessivamente, a capacidade de recuperação dos empregos, da renda e do consumo.

E estrangula, nas duas pontas - a da produção e a das vendas - a economia, quebrando os exportadores com o câmbio.

É nesse coquetel - desses e outros equívocos - ortodoxo, suicida e orwelliano, referendado por um Congresso Nacional majoritariamente acoelhado e conservador, que se faz de ignorante, que se tem que procurar as razões para a tragédia da economia.

E não apenas nas desonerações de Dilma ou no fundo do bolso vazio de dinheiro e de esperança, e agora, também, de futuro, dos trabalhadores brasileiros.

Eugênio Aragão, Subprocurador da República: "Temer, vaza!"





Como se sentiu na sexta-feira, golpista? Não adianta fingir. Se desse, teria baixado o pau, né? Mas não baixou, porque lhe deu paúra. Gente demais. Mais de 30 milhões de trabalhadores paralisados em todo o País. E seu ministro da porrada, aquele da bancada ruralista, chama isso de pífio. A raposa falando das uvas. Para quem não tem popularidade e é avaliado como o pior "governante" da história do Brasil, tanta gente na rua não é um bom presságio.

Pífios são vocês. Traidores mesquinhos. Gente feia. Smeagols. Poderia ter entrado para a memória como pacificador, dando apoio à Presidenta Dilma Rousseff e articulando sua base parlamentar, mas preferiu comprar bancada para golpeá-la pelas costas com o Eduardo Cunha, que hoje apodrece na cadeia em Curitiba. E agora você distribui cargos num descarado clientelismo, como se a República fosse res privata sua. A FUNAI, por exemplo, não serve mais aos povos indígenas, serve ao PSC, "é do André Moura"... Nada mais impressiona nesse arrastão que você e sua turma promovem no governo. Política indígena, assim como a educacional, a de saúde, a de moradia... tudo deixou de existir. As pastas que deveriam dar suporte às políticas públicas foram transformadas em regalos para os politiqueiros sem princípios que lhe dão apoio por pura ganância e ambição. Nunca o Brasil chegou tão baixo.

Já não nos comovem cenas deprimentes como aquela experimentada semana passada por seu ministrinho da falta de educação, o Mendoncinha, que gosta de conselhos de ator pornô. Saiu da Universidade Federal da Bahia cortando a cerca, para não ser vaiado pelos estudantes. Neste seu "governo", nada mais surpreende. Nem mesmo manter nos seus cargos oito ministros investigados por corrupção.

Você conseguiu zerar o investimento público neste ano. Assaltou o BNDES, desviando 1 bilhão de reais de seus cofres. Tudo para debelar uma crise que você e os seus criaram para derrubar uma Presidenta eleita com 54 milhões de votos. Depois a aprofundaram com um déficit primário artificial de 170 bilhões de reais, para distribuir 50 bilhões a amigos. E este ano quis fazer a mesma coisa, não fossem os cofres vazios.

Para alimentar sua rede de favores, resolveu desnacionalizar o Brasil, vendendo campos de petróleo a preço de banana para companhias estrangeiras, abrindo o mercado aéreo para empresas não brasileiras, permitindo a venda de terras a estrangeiros sem qualquer limite e por aí vai. É o jeito de manter seu cassino funcionando, né? Ou será o butim que coube a seus aliados do Norte na guerra que moveu contra nossa jovem democracia?

E acha que nós aceitamos pagar a conta desse seu jogo contra a sociedade? Claro que não. Quando as instituições se omitem na defesa da democracia, devolve-se ao detentor da soberania popular – ao povo – o direito de resistir à arbitrariedade. Somos nós os verdadeiros e originários guardiões da Constituição! Os próximos dias de seu "governo" serão seu ocaso. É bom se acostumar. Sexta-feira foi só o começo. Quem sabe a gente se surpreenda em algum momento próximo com um lampejo de dignidade que em toda sua vida não mostrou e possa aceitar seu pedido de renúncia na paz? Sonhar é de graça. Mas seria melhor assim. Seria melhor você sair pela porta dos fundos da história, para não ter que passar por seu corredor polonês pela frente.

Agora, se insistir nessa coisa bandida de destruição da previdência pública para enriquecer seus sócios de fundos financeiros e em pensar que o trabalhador brasileiro é otário e se submeterá a seu capricho de nos catapultar de volta para o regime constitucional de 1891, estará escolhendo o caminho mais doloroso. O povo vai se transformar no pior pesadelo de sua malta. Pense bem antes de testar. Ano que vem – ou até antes – haverá eleições. Ainda é tempo de recuar.

O dia 28 de abril de 2017 foi nossa primeira resposta, a da sociedade brasileira, ao espetáculo deprimente que você e seus ratos no Congresso protagonizaram em 17 de abril de 2016. Foi uma resposta à altura e é bom ouvi-la. Sua liga de super-heróis, a Rede Globogolpe e os MBLs da vida, não tem tamanho para enfrentar o que começamos sexta-feira. Quem viver verá.

Vaza, Temer, vaza!

Eugênio Aragão

Fonte: Contexto Livre

Premiado jornalista internacional, Glenn Greenwald analisa a Greve Geral do dia 28 de abril: Greve nacional impulsionada pela conhecida dinâmica global de corrupção e impunidade da elite






"HÁ POUCO MAIS de um ano, a presidenta legitimamente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, sofreu impeachment – supostamente por descumprimento da lei orçamentária – e foi substituída pelo seu vice-presidente centrista, Michel Temer. Desde então, praticamente todos os aspectos da crise política e econômica da nação – especialmente a corrupção – pioraram. 
   Os índices de aprovação de Temer despencaram para um dígito. Seus aliados políticos mais próximos – as mesmas autoridades que arquitetaram o impeachment de Dilma e o puseram na presidência – tornaram-se recentemente os alvos oficiais de uma investigação criminal em larga escala. O próprio presidente foi acusado por novas revelações, salvo apenas pela imunidade legal da qual goza. É quase impossível imaginar uma presidência implodindo mais completa e rapidamente do que essa não eleita imposta pelas elites à população brasileira, na esteira do impeachment de Dilma." - Glenn Greenwald
Segue artigo do jornalista internacional Glenn Greenwald sobre a Greve Geral do último dia contra o golpista e cínico Temer e sua base direitista corrupta. Publicado do The Intercept:
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HÁ POUCO MAIS de um ano, a presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, sofreu impeachment – supostamente por descumprimento da lei orçamentária – e foi substituída pelo seu vice-presidente centrista, Michel Temer. Desde então, praticamente todos os aspectos da crise política e econômica da nação – especialmente a corrupção – pioraram.
Os índices de aprovação de Temer despencaram para um dígito. Seus aliados políticos mais próximos – as mesmas autoridades que arquitetaram o impeachment de Dilma e o puseram na presidência – tornaram-se recentemente os alvos oficiais de uma investigação criminal em larga escala. O próprio presidente foi acusado por novas revelações, salvo apenas pela imunidade legal da qual goza. É quase impossível imaginar uma presidência implodindo mais completa e rapidamente do que essa não eleita imposta pelas elites à população brasileira, na esteira do impeachment de Dilma.
O desgosto validamente causado por todas essas falhas finalmente explodiu essa semana. Uma greve geral e protestos tumultuosos em diversas cidades paralisaram grande parte do país, bloqueando e parando estradas, aeroportos e escolas. É a maior greve ocorrida no Brasil nas últimas duas décadas. Os protestos foram em sua maior parte pacíficos, mas algumas violências pontuais aconteceram.
A causa imediata da revolta é um conjunto de reformas que o governo Temer está introduzindo, que limitará os direitos dos trabalhadores, aumentará a idade da aposentadoria em muitos anos e cortará inúmeros benefícios de pensão e previdência. Essas medidas austeras estão sendo impostas em um momento de grande sofrimento, com a taxa de desemprego crescendo dramaticamente, e com as melhorias sociais da última década, que tiraram milhões de pessoas da linha da pobreza, se desconstruindo. Assim como o New York Times mencionou hoje: “A greve revelou fissuras profundas na sociedade brasileira em relação ao governo Temer e suas políticas”.
Mas a causa real é mais ampla, e conhecida muito além do Brasil. Durante os últimos três anos, os brasileiros foram submetidos a uma revelação atrás da outra sobre a corrupção extrema que permeia as classes econômicas e políticas do país.
Inúmeros executivos corporativos e líderes partidários de longa data estão presos, incluindo o chefe da gigante construtora Odebrecht; o presidente da Câmara, que conduziu o impeachment de Dilma; e o ex-governador do Rio de Janeiro. Os atuais presidentes da Câmara e do Senado, nove dos ministros de Temer, bem como inúmeros governadores são agora alvos de investigação criminal por suborno e lavagem de dinheiro.
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Photo: Erick Dau/The Intercept Brasil
Em suma, a grande maioria da elite política e econômica de alto nível provou ser radicalmente corrupta. Bilhões e mais bilhões de dólares foram roubados do povo brasileiro. As gravações recentemente divulgadas com confissões judiciais de Marcelo Odebrecht, descendente de uma das famílias mais ricas do Brasil, retratam um país governado quase inteiramente por meio de subornos e crimes, independentemente da ideologia ou partido dos líderes políticos.
Ainda assim, mesmo depois de vir à tona essa corrupção incomparável da elite, o preço que está sendo pago cai intensamente sobre as vítimas – os brasileiros comuns – enquanto os culpados prosperam. Os mesmos políticos brasileiros envolvidos nessa empresa criminosa continuam a reinar em Brasilia, enquanto gozam da imunidade da lei. Pior ainda, continuam a se isentar da austeridade que impõem a todos os outros.
Imagine ser um trabalhador brasileiro, vivendo na pobreza, passando anos ouvindo histórias sobre como os executivos de empresas subornaram políticos com milhões de dólares para vencer corruptamente contratos do Estado – suborno que esses políticos eleitos usaram para adquirir iates, carros de luxo e fazer compras na Europa – para então ser comunicado de que não há dinheiro para a sua aposentadoria ou pensão, e que você terá de trabalhar muito mais anos, com menos benefícios, para salvar o país. Essa é a história que está sendo empurrada goela abaixo dos brasileiros. O único aspecto desconcertante é que esse tipo de protestos demorou até agora para emergir.

MAS ESSA perversão moral – na qual as vítimas, cidadãos comuns, são as únicas a carregar o fardo dos crimes da elite –  é conhecida por povos bem longe do Brasil. De fato, um dos principais autores do sofrimento econômico brasileiro – a crise econômica de 2008 causada por Wall Street – foi pioneiro nessa fórmula odiosa.
Os magnatas imprudentes e os assistentes financeiros sociopatas responsáveis pelo colapso econômico de 2008 praticamente não pagaram pelo mal que causaram. Até hoje, nenhum deles foi processado pela falcatrua financeira que o gerou. Pior ainda: o governo dos EUA rapidamente agiu para proteger os interesses dos culpados – resgatando-os com fundos públicos, protegendo-os da nacionalização ou da desintegração, preservando sua habilidade de lucrar com poucos riscos para si.
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Photo: Erick Dau/The Intercept Brasil
Ao mesmo tempo, as vítimas dessa imprudência – norte-americanos comuns – foram forçadas a suportar todo o peso das consequências. Milhões encararam despejo, desemprego e sofrimento econômico generalizado com pouca ou nenhuma ajuda do governo dos EUA, que estava ocupado protegendo os responsáveis. Acima de tudo, foi essa inequidade que gerou movimentos de protesto como Occupy Wall Street e Tea Party e, sem dúvida, lançou as bases do ressentimento e um colapso de confiança que resultou na presidência de Trump.
A controvérsia desta semana sobre o pagamento de $400.000,00 feito por uma empresa de Wall Street a Obama por um único discurso ressoou, mas não porque sugeria que ele teria agido ilegalmente ou de forma antiética. Pelo contrário, simbolizou, de maneira particularmente flagrante, o caráter oligárquico da política cultural dos EUA: o mesmo presidente que agiu repetidamente de forma a proteger a indústria financeira, depois de ela ter destruído a economia global, e que blindou seus líderes de um processo criminal, estava sendo beneficiado com recompensas.
A mesma dinâmica prevalece por toda a Europa. Eleitores indignados do Reino Unido ratificaram a Brexit, enquanto as populações antes liberais da Europa ocidental estavam abertas de forma alarmante a partidos ultranacionalistas e xenófobos. Grande parte disso também é impulsionada pela crença frequentemente válida de que instituições de elite são completamente indiferentes à sua privação e sofrimento, e agem repetidamente de forma a promover os interesses de um pequeno grupo de poderosos atores política e economicamente às custas de todos os outros. É claro que essa crença vai provocar instabilidade, ressentimento e raiva coletiva.
A austeridade e a privação que estão agora sendo impostas aos brasileiros comuns não são secundarias ou imprevistas. Pelo contrário, foi o objetivo principal e central do impeachment da presidenta no ano passado.
O partido de esquerda que governou o Brasil desde 2002, o PT, tornou-se cada vez mais neoliberal e acomodou a classe oligárquica do país, muitas vezes às custas de sua própria base de sindicalistas e trabalhadores pobres. Até mesmo os dois líderes do partido – Lula e Dilma – começaram a defender a necessidade de medidas de austeridade. Isso, ao menos em parte, explica por que a própria base do partido começou abandoná-lo, levando a uma queda no apoio a Dilma, o suficiente para permitir um impeachment.
Dilma estava determinada a ir longe com a austeridade – mas não tão longe quanto as elites brasileiras desejavam. Em um momento de rara franqueza, seu substituto, Michel Temer, admitiu a um grupo de gestores de fundo de cobertura e elites da política externa em Nova Iorque, em setembro passado, que a recusa de Dilma a aceitar uma austeridade mais severa foi uma das reais razões de seu impeachment (a outra real razão foi revelada em uma gravação do mais íntimo aliado político de Temer, o senador Romero Jucá: parar a investigação de corrupção que estava em curso antes que ela consumisse os defensores do impeachment).
Em outras palavras, as elites brasileiras – tendo saqueado o país até o ponto de deixá-lo à beira do colapso – decidiram que a única solução viável era forçar a já sofrida população brasileira de trabalhadores e desempregados pobres a sofrer mais ainda, retirando deles as medidas de proteção e segurança das quais gozavam. Eles arquitetaram o impeachment cataclísmico da presidenta para alcançar tal feito.
O substituto de Dilma – a mediocridade clássica e maleável que ele é – foi incumbido de uma tarefa abrangente: impor austeridade dura, mesmo que isso significasse tornar-se alvo de ódio público e generalizado. O político de carreira, de 75 anos de idade – literalmente proibido de concorrer ao cargo por 8 anos devido à sua violação das leis eleitorais – não tinha nenhuma intenção ou perspectiva de concorrer mais uma vez, então concordou alegremente em cumprir suas tarefas atribuídas, em troca de receber o manto de poder que ele nunca poderia ter ganhado por conta própria.
Então é esse o espetáculo indigesto da corrupção e impunidade da elite e do sofrimento em massa que alimenta o protesto nacional de hoje. Tal como aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, essa injustiça flagrante ameaça alimentar um movimento revanchista e nacionalista da extrema-direita no Brasil: um movimento que, de fato, faz com que seus equivalentes norte-americanos e europeus pareçam amenos no que diz respeito ao seu extremismo ameaçador.
A perda da confiança em toda a classe política criou uma abertura genuinamente assustadora na disputa presidencial de 2018 para o congressista evangélico de extrema-direita Jair Bolsonaro, que anseia pela restauração de uma ditadura militar, elogia os torturadores como heróis patrióticos e rotineiramente canaliza uma retórica fascista em uma ampla gama de pautas.
O que é mais desconcertante em tudo isso é que, não importa quantas vezes as elites globais vejam o fruto podre de seu comportamento asqueroso – instabilidade, extremismo e rejeição coletiva de sua própria autoridade – elas continuam a persegui-lo, aparentemente acostumadas às suas consequências. O Brasil é apenas o exemplo mais recente, mas deveria ser conhecido pelas pessoas em todo o planeta.
Tradução: Fernando Fico

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The Intercept: A greve geral tomou conta do país, policia das elites reage com violência no Rio e governo minimiza



Segue artigo de Juliana Gonçalves para o The Intercept, em 28 de abril de 2017, às 20h32


MANIFESTAÇÕES PELO PAÍS  reuniram pessoas insatisfeitas com as reformas trabalhista e da previdência, além de medidas com a Lei da Terceirização. Mesmo com paralisações afetando transporte público,  aeroportos, bancos, escolas, comércio e bloqueios nas estradas pelo país, o governo não assume a existência de uma greve. Em nota, Michel Temer afirmou que os atos que acontecem durante todo dia são ações de pequenos grupos “para impedir o direito de ir e vir do cidadão, que acabou impossibilitado de chegar ao seu local de trabalho ou de transitar livremente”, mas que houve ampla garantia ao direito de expressão.
Temer também lamentou os atos de violência ocorridos no Rio de Janeiro. A manifestação na capital carioca teve pontos de concentração na Assembléia Legislativa e na Cinelândia. De acordo com relato de manifestantes, a Polícia Militar dispersou a manifestação pacífica com violência, o que acabou dando início a um confronto nas ruas do centro da cidade. A OAB-RJ repudiou o ocorrido em nota assinada pelo presidente da entidade, Felipe Santa Cruz: “Nada justifica a investida, com bombas e cassetetes, contra uma multidão que protestava de modo pacífico. Se houve excessos por parte de alguns ativistas, a Polícia deveria tratar de contê-los na forma da lei. Mas o ataque com métodos de tocaia e a posterior perseguição por vários bairros a pessoas que tão-só exerciam seu direito à manifestação representa grave atentado à Constituição e ao Estado democrático de Direito”.
“O ataque com métodos de tocaia e a posterior perseguição por vários bairros a pessoas que tão-só exerciam seu direito à manifestação representa grave atentado à Constituição.”
Em São Paulo, os manifestantes se concentraram no Largo da Batata durante o dia e, `a noite, partiram em marcha em direção a residência da família do presidente Michel Temer, no Alto de Pinheiros.  Já em Brasília, as manifestações se concentraram na Esplanada durante a manhã.
Selecionamos algumas fotos dos atos  que aconteceram no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Tem imagens de protestos em outras capitais do país? Envie para The Intercept Brasil ou poste em suas redes com a hashtag #TheInterceptBrasil.

Brasília

Rio de Janeiro

São Paulo


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The Intercept sobre o dia 28 de abril: Brasil em greve - Manifestantes ocupam as ruas contra as reformas trabalhista e da Previdência, Grande mídia e governo golpistas tentam minimizar...


   "Além de se preparar para o confronto, Michel Temer prometeu cortar o ponto dos funcionários públicos que faltarem o trabalho para participar das manifestações. O governo se baseia na decisão do Supremo Tribunal Federal de outubro de 2016, a qual estabeleceu que o poder público deve cortar os salários de servidores em paralisação. No entanto, durante a semana, o Ministério Público do Trabalho, divulgou uma nota assinada pelo procurador geral do trabalho, Roberto Fleury, legitimando a greve geral e lembrando que se trata de um direito do trabalhador."

Artigo de Juliana Gonçalves para o The Intercept, em 28 de abril de 2017:

COM APENAS 4% de aprovação, Michel Temer enfrentou nesta sexta-feira, dia 28, a insatisfação popular contra o seu governo e suas reformas que representam o maior retrocesso de direitos em gerações. A greve geral convocada por nove centrais sindicais e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo atinge o transporte público, os aeroportos, bancos, escolas e comércio. Manifestações acontecem nas principais cidades do país.
Em São Paulo, trens, metrô e ônibus pararam, assim como escolas e bancos. A circulação de transporte público também foi suspensa em Salvador. O bloqueio de estradas também acontece em todo o país. No Rio de Janeiro, vias como a Linha Vermelha e a Ponte Rio-Niterói foram bloqueadas por manifestantes.
Em Brasília, protestos também marcaram a manhã. Na quinta, 27, homens da Força Nacional estocaram bombas e outros artefatos de contenção de multidões no pátio do Ministério da Justiça.
Além de se preparar para o confronto, Michel Temer prometeu cortar o ponto dos funcionários públicos que faltarem o trabalho para participar das manifestações. O governo se baseia na decisão do Supremo Tribunal Federal de outubro de 2016, a qual estabeleceu que o poder público deve cortar os salários de servidores em paralisação. No entanto, durante a semana, o Ministério Público do Trabalho, divulgou uma nota assinada pelo procurador geral do trabalho, Roberto Fleury, legitimando a greve geral e lembrando que se trata de um direito do trabalhador.
Quem também ameaçou cortar o ponto funcionários públicos foi o prefeito de São Paulo. João Doria chegou a fazer campanha para que os servidores não aderissem ao movimento e ofereceu serviço de uber e táxi para todos, o que acabou fracassando com o vazamento da planilha da prefeitura. Em 2013, o político apoiou a greve contra Dilma Rousseff, mas em seu discurso atual, diz que o movimento grevista não é justo.
O mesmo movimento se observa no Jornal Nacional, que antecipadamente destacava os protestos contra o governo Dilma, ignorou a greve na transmissão de ontem e foi criticado nas redes. E o maior telejornal do país não está sozinho. Um levantamento feito pelo Repórter Brasil mostra que cobertura da Reforma da Previdência feito pela mídia tradicional é esmagadoramente a favor da proposta. O espaço para cobertura positiva sobre o plano do governo é amplo chegando a 91% na TV Globo, 90% no jornal O Globo, 87% no Estado de São Paulo, 83% na Folha de São Paulo e 62% no Jornal da Record. Ainda  assim, milhares de manifestantes estão nas ruas nesta sexta-feira.

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Juliana Gonçalvesjuliana.goncalves@​theintercept.com@jollyxx

sábado, 29 de abril de 2017

Luiz Carlos Azenha: Na histórica Greve Geral de 2017, Globo fez pior do que nas Diretas Já de 1984



  "Desta feita a TV Globo e seus satélites não tem onde se esconder: o apoio dado às medidas do governo Temer expressa acima de tudo o interesse político e econômico dos próprios donos da mídia e dos usurpadores do poder no Planalto e no Congresso que os representam." - Luiz Carlos Azenha, Repórter


Do Viomundo

Em 1983 eu era repórter da TV Bauru, afiliada da Globo no interior paulista. Porém, vivia “cedido” à emissora em São Paulo, cobrindo férias de colegas. Morava no Hotel Eldorado da rua Marquês de Itu, no Higienópolis, na capital paulista, como repórter do chão de fábrica.

Fui, como pessoa física, à primeira manifestação pelas Diretas Já em São Paulo, diante do estádio do Pacaembu, à qual compareceram cerca de 15 mil pessoas. Foi em 27 de novembro de 1983, poucos dias depois de meu aniversário.

Outros protestos já tinham acontecido antes, pedindo que a ditadura estabelecida em 1964 tivesse fim com eleições presidenciais diretas. Outras aconteceriam depois, com destaque para Curitiba, onde se reuniram cerca de 40 mil pessoas.

Portanto, posso dizer que eu estava lá vivendo a realidade paralela pela primeira vez: enquanto as notícias fundamentais para o futuro do Brasil aconteciam do lado de fora, a TV Globo desconhecia as notícias do lado de dentro — especificamente, na sede da emissora em São Paulo, na praça Marechal Deodoro.

Era uma sensação bizarra. As ordens vinham do Rio: na Globo, nada de Diretas Já.

Portanto, não houve exatamente surpresa quando, no aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, o repórter Ernesto Paglia falou sobre a manifestação de cerca de 300 mil pessoas na praça da Sé, que reivindicava outra vez Diretas Já, como se fosse a comemoração da efeméride. Sim, é fato que a reportagem tratou dos discursos e da manifestação em si, mas foi embalada pelos editores, a mando da direção da Globo no Rio, como se fosse a cobertura de uma festa.



A maneira como a TV Globo tratou a histórica Greve Geral do 28 de abril de 2017 é, na minha avaliação, muito pior do que aconteceu com a cobertura das Diretas Já em 1983/1984.

Àquela época, a emissora poderia alegar — como alguns globais chegaram a alegar — que vivíamos os estertores de uma ditadura militar e que desafiar o regime poderia ter consequências para a própria abertura “lenta, gradual e segura” prometida pelo ditador João Figueiredo.

Agora, não. Graças às redes sociais — facebook, twitter, whatsapp — qualquer pessoa pode avaliar o grau de descontentamento com as medidas de impacto social tomadas por um governo que tem o presidente da República e nove de seus ministros sob suspeita e/ou investigação, medidas que por sua vez são submetidas a um Congresso igualmente sob suspeita.

Mesmo os mais devotos apoiadores do impeachment de Dilma Rousseff e antipetistas vários sabem que Michel Temer não foi eleito vice-presidente para tomar o rumo que tomou, nem tem legitimidade para golpear os direitos sociais da forma como pretende fazê-lo.

Age em nome do 1% do topo, com 4% de ótimo/bom na pesquisa de opinião pública mais recente e desemprego na casa dos 14%, quando a promessa era de que a derrubada de Dilma provocaria um cavalo-de-pau imediato na economia.

Portanto, desta feita a TV Globo e seus satélites não tem onde se esconder: o apoio dado às medidas do governo Temer expressa acima de tudo o interesse político e econômico dos próprios donos da mídia e dos usurpadores do poder no Planalto e no Congresso que os representam.

No caso da emissora, é absolutamente impossível do ponto-de-vista jornalístico que uma organização com tantos tentáculos espalhados por todo o Brasil tenha sido incapaz de registrar o descontentamento popular ANTES da greve geral, de forma a expressá-lo em seu noticiário.

Será que só nós, internautas, vimos por exemplo as manifestações da CNBB e de um terço dos 100 bispos da Igreja Católica, os quais certamente não podemos acusar de agirem a mando do anarco-sindicalismo?

A Globo, para ficar apenas na nave mãe, simplesmente fez mau jornalismo. Não foi pela primeira, nem será pela última vez.

Agora, porém, não tem como se esconder atrás da ditadura, da qual foi a principal beneficiária, como fez em 1984.

Agora, fez mau jornalismo — distorcido, omisso, descontextualizado — porque coloca seus interesses empresariais, representados pelo governo Temer, acima do interesse da maioria dos brasileiros.

PS: Que fique registrado. Quando Lula se elegeu presidente e foi à Globo do Rio dar entrevista ao Jornal Nacional — estava em minha segunda passagem pela emissora — eu fui um dos poucos jornalistas presentes que não o aplaudiram na entrada. Não acho que o papel de jornalista seja bater palma para autoridade, tampouco negar a realidade que o cerca.

Luiz Carlos Azenha
No Viomundo