quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Newton, Marx e o conceito da gravidade contra o pseudo "marxismo cultural" do bolsonarismo, por Cesar Calejon



A gravidade (9,807 m/s²) é uma força interessante para analogamente entender e desmontar a narrativa intitulada de “marxismo cultural” pelos ideólogos terraplainistas do bolsonarismo.


Texto de  Cesar Calejon



A gravidade (9,807 m/s²) é uma força interessante para analogamente entender e desmontar a narrativa intitulada de “marxismo cultural” pelos ideólogos do bolsonarismo. Isaac Newton, em 1666, percebeu que o mundo ao seu redor funcionava de forma específica e sintetizou, com base em observação científica e matemática básica, as leis do movimento. O astrônomo e cientista inglês não criou estas regras, ele apenas constatou as bases dinâmicas do funcionamento da física na Terra.
Assim como o colega britânico, Karl Marx, cerca de duzentos anos depois, observou quais eram e como atuavam as forças que constituem a organização das sociedades que começaram a se formar principalmente a partir da primeira revolução industrial (entre 1760 e 1850). Marx não inventou a luta de classes, os conceitos de Mais-valia e de Fetichismo da mercadoria, por exemplo. Ele apenas os elaborou com base em observação científica sobre como o mundo social que o cercava se articulava e mantinha.
No Wikipedia, o marxismo cultural é explicado como “uma teoria da conspiração difundida nos círculos conservadores e da extrema-direita estadunidense desde a década de 1990. Refere-se a uma suposta forma de marxismo, alegadamente adaptada de termos econômicos a termos culturais pela Escola de Frankfurt, que teria se infiltrado nas sociedades ocidentais com o objetivo final de destruir suas instituições e valores tradicionais através do estabelecimento de uma sociedade global, igualitária e multicultural”.
O que realmente chama a atenção aqui é o caráter da sociedade que a extrema-direita estadunidense (e certamente a brasileira e de outras partes do mundo) teme que vá destruir as suas “instituições e valores tradicionais”: global, igualitária e multicultural! Que tipo de gente acha isso ruim?
No âmbito acadêmico, o termo marxismo cultural teve sua origem no campo dos estudos culturais, na década de 1930. Os teóricos da Escola de Frankfurt, assim como Marx, consideram que a cultura é inseparável de seu contexto social, econômico e político e, portanto, deve ser estudada levando em conta o sistema e as relações sociais que a produzem.
O materialismo histórico e dialético, por exemplo, teoria concebida por Marx, é uma concepção filosófica que defende que o ambiente, o organismo e os fenômenos físicos tanto modelam os animais irracionais e racionais, sua sociedade e cultura, quanto são modelados por eles. Ou seja, existe uma relação dialética entre a matéria, o psicológico e o social. 
Simples organismos, não apenas os seres humanos, mas até os seres unicelulares, não são meros objetos passivos e sim fatores ativos na formação das suas próprias experiências ou destinos. “Uma simples bactéria, por exemplo. Caso você coloque-a em uma gota d’água e depois adicione um pouco de açúcar na água, ela vai nadar em direção à parte doce da gota. Portanto, ela escolhe um ambiente e evita o outro. Ao escolher o ambiente, ela também o altera e é alterada por ele”, explicou de forma simples o neurocientista inglês Steven Rose em uma conversa realizada em 2016. 
Em um nível muito básico, ao escolher um ambiente em detrimento de outro, uma bactéria ajuda a constituir e é constituída pelo novo meio que se forma a partir desta escolha. Isso se aplica para bactérias, ratos ou humanos. É a forma como a vida se organiza socialmente no planeta em basicamente todos os níveis em que se apresenta.
Por que, então, o marxismo incomoda tanto e ninguém é chamado de “newtoniano” (e não se fala em “newtonianismo cultural”) quando as pessoas entendem e percebem o funcionamento da gravidade, por exemplo? Porque matemática básica e física servem determinados e fundamentais propósitos, mas ensinar a população os detalhes do funcionamento mais amplo da sociedade na qual ela vive serve outros e assusta muito mais.
Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e escritor, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI

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