quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Os EUA também têm problemas com sua Suprema Corte, por Luis Nassif

 

O fortalecimento da ala conservadora da Suprema Corte poderá fortalecer os republicanos - responsáveis pela atual formação da corte, sendo responsáveis por 6 dos últimos 10 juízes - criando uma círculo vicioso que ameaça a democracia.


A velha ordem global desmoronou. Esta é a causa central de todos os distúrbios globais, do aparecimento de excrescências como Donald Trump e Jair Bolsonaro, até a enorme superioridade do modelo chinês sobre a velha democracia.

A ordem que emergiu da Segunda Guerra, retomando pilares da primeira fase da internacionalização do capital, tinha pilares definidos, em torno de um conceito de democracia relativa.

  1. A democracia representativa, na qual todo poder emanava supostamente do povo, mas era exercido através da influência do poder financeiro sobre as instituições – Executivo, Legislativo, Judiciário, mídia e, quando todas falhavam, as Forças Armadas. Mas, em geral, era um modelo mais seguro do que dos regimes autoritários.
  2. Esse modelo permitia a inclusão lenta e gradual dos excluídos, não tão lentamente que estimulasse revoltas, nem tão rapidamente que significasse a formação de novas maiorias.
  3. No plano internacional, a mesma ordem controlada, com as instituições multilaterais, especialmente o FMI, impedindo aventuras cambiais que pudessem colocar em risco tanto a segurança do capital quanto a hegemonia do poder central.
  4. Especialmente depois da hecatombe da Segunda Guerra, veio o fortalecimento da constitucionalização, com a votação de Constituições impedindo os abusos de maiorias políticas eventuais. E a consolidação da Suprema Corte como guardiã da Constituição e dos direitos fundamentais.

Esse modelo permitiu a consolidação lenta e gradual de direitos individuais e coletivos. Á medida em que as lembranças da Segunda Guerra se esvaneciam, que iniciou-se uma reedição dos abusos da financeirização do início do século, o Judiciário passou a interferir no jogo político, em defesa dos princípios constitucionais.

É quando ganham relevância as cortes internacionais e o entendimento de que, quando os demais poderes forem omissos em relação aos direitos fundamentais, o Judiciário poderia avançar e suprimir as lacunas da legislação.

Inicia-se, aí, uma fase inédita do Judiciário, na qual ditadores latino-americanos são condenados em cortes europeias, direitos fundamentais são consagrados nas cortes internacionais, definem-se os crimes contra a humanidade, nos órgãos multilaterais criam-se secretarias de defesa dos direitos.

Esse é um tema vasto, ao qual se dedicam especialistas de todas as partes. Vamos nos fixar em um ponto central, a Suprema Corte, nosso Supremo Tribunal Federal.

A Suprema Corte

Cada vez que se identifica uma falha no Judiciário, os advogados têm uma explicação lógica: eles (os julgadores) são humanos.  Há momentos em que os julgadores são humanos demais. É o caso do Supremo Tribunal Federal, onde o ativismo político despertou o monstro que habita o peito dos imensamente humanos a quem se confere poder em demasia: o ego.

Como alertou Larry Kramer, ex-reitor da Stanford Law School, as normas que se sobrepõem às leis são o que permite que grupos com ideias e objetivos fundamentalmente diferentes vivam e trabalhem juntos. Se a última década ensinou alguma coisa, disse Kramer, é que uma política de abandonar as normas para vencer as batalhas políticas está mutilando nossa democracia.

Mas assim como Jair Bolsonaro não é coisa nossa, os desacertos do Supremo Tribunal Federal também não são. Ambos refletem um movimento global, com profundas implicações especialmente nos Estados Unidos.

Recentemente, o The New York Times preparou uma cobertura especial sobre os vídeos da Suprema Corte e as maneiras de combate-los. Muitos deles valem para o Brasil.

Em 1937 houve divisor de águas na Suprem Corte, quando um juiz conservador mudou de lado e defendeu outra lei do New Deal, terminando com o boicote contra Rossevelt.

Após esses confrontos,  foi recomendado à Suprema Corte que passasse a exercer a “modéstia judicial”, evitando desfazer o trabalho dos poderes eleitos.

Nas décadas de 1960 e 1970 houve uma série de vitórias do pensamento liberal, no período Earl Warren, no qual a Suprema Corte passou a proteger os direitos civis e a impedir as interferências religiosas.

No últimos anos, essa tendência se inverteu. Na primeira instância consolidou-se uma geração de juízes conservadores. E, na Suprema Corte, a chegada da nova juiz, Amy Coney Barret, coloca em risco o Medicare, a Lei de Cuidados Acessíveis e outros avanços dos últimos anos.

O fortalecimento da ala conservadora da Suprema Corte poderá fortalecer os republicanos – responsáveis pela atual formação da corte, sendo responsáveis por 6 dos últimos 10 juízes – criando uma círculo vicioso que ameaça a democracia.

A partir dessa constatação, os juristas convidados discutem propostas de controle do ativismo judicial.

Tema 1 – criação de um tribunal constitucional.

O autor, Kent Greenfield, constata que a Suprema Corte se tornou muito partidária e desequilibrada para confiar a ela decisões relevantes para o país.

Para salvar o tribunal, sua sugestão é a criação de tribunal constitucional.

Segundo ele, os Estados Unidos deveriam se juntar a outras nações, incluindo a Alemanha e a França, para criar um tribunal especializado para decidir questões constitucionais, para deliberar, por exemplo, sobre aborto, sobre a recusa de presidentes em recusar intimações.

Outra alternativa seria a criação de um Tribunal Constitucional dos Estados Unidos, composto por juízes de outros tribunais federais, selecionados pelo presidente a partir de uma chapa criada por uma comissão bipartidária. Os juízes teriam mandatos com prazos limitados. Mandatos escalonados garantiriam a cada presidentes várias nomeações.

As decisões do Tribunal Constitucional não poderiam ser revistos pela Suprema Corte, a menos que houvesse uma supermaioria de juizes – 7 de 9 = em favor da revisão.

Tema 2 – limite de mandato para juízes

Como os juizes podem escolher o momento de se aposentar, ganham grande poder para escolher seus próprios sucessores, o que pode legar uma oligarquia. A proposta é de uma emenda constitucional que criasse um mandato de 18 anos de duração.

O sistema de estabilidade vitalícia dos EUA permitiu que quatro presidentes escolhessem 6 ou mais juízes, e outros quatro presidentes não escolhessem nenhum.

Com os mandatos de 18 anos, presidentes da República com um mandato poderiam indicar 2 Ministros; com dois mandatos, 4 Ministros.

No caso de aposentadoria antecipada ou falecimento, o presidente indicaria o sucessor para preencher o mandato ainda em curso.

Tema 3 – tirar do tribunal o poder de escolher seus casos

Como os juizes podem selecionar seus casos, eles podem fazer conclamações para serem provocados por advogados para o caso que pretendam. Tirar esse poder dos juizes é bom caminho para conter o ativismo judicial e restaurar a legitimidade da corte.

A interposição de painéis de apelação aleatórios como guardiões também impediria litigantes oportunistas de forçar mudanças sempre que encontrassem uma composição favorável de juízes e de moldar casos para apelar às idiossincrasias dos juízes, diz o autor.

Tema 4 – expandir os tribunais inferiores

A grande maioria dos casos nunca chega ao Supremo Tribunal. Só os tribunais de apelação tratam de mais de 50 mil casos a cada ano, contra apenas 100 apelações que chegariam à Suprema Corte. Qualquer reforma judicial exige mais tribunais inferiores.

Também ajudaria a arejar os tribunais inferiores, hoje preponderantemente conservadores.

Em várias decisões recentes, os tribunais federais minaram a democracia.

 

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