segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O pensamento monofásico dos especuladores do mercado financeiro em torno da Lei do Teto (a famigerada PEC do Fim do Mundo da população não investidora nas bolsas), por Luis Nassif

 

Não interessa como o mercado estará daqui a alguns anos; mas como estarão as propostas de venda de ações na próxima semana.

Jornal GGN:

O mercado é binário. As análises econômicas, para ele, precisam responder apenas a uma indagação: se é para comprar ou para vender ativos. O uso do cachimbo acabou entortando a boca da chamada economia impressa – aquela feita exclusivamente para consumo midiático. Hoje em dia, são comuns afirmações taxativas de que o Brasil desrespeitar a Lei do Teto, o mundo acabará; ou que não existe dinheiro para renda básica. Trata-se de enorme falácia. O Estado tem poder de emitir moeda. Por isso jamais faltará dinheiro para ele. O máximo que pode acontecer é pressão sobre os preços, quando a emissão de moeda ocorre em ambiente de economia aquecida.

Não se trata de banalidade. Essas discussões, mesmo extraordinariamente superficiais, condicionam a política econômica, formando falsos consensos que acabam amarrando o país ao que de mais anacrônico existe no pensamento econômico mundial.

Repete-se, de certa maneira, o anacronismo que margou a gestão das empresas brasileiras no período pré-estabilização econômica. A reestruturação da Sharp tornou-se um clássico da gestão privada. A empresa precisava entrar no azul. Contratou um executivo que, em apenas três meses, colocou as contas em superávit. Em um ano, a empresa tinha se autodestruído. Para ficar no azul, desmanchou o laboratório de novos produtos, reduziu as verbas de publicidade, desmontou o departamento de vendas.

Em nível macro, é o mesmo tratamento que se dá à economia.

O processo de desenvolvimento de um país é de natureza complexa. Isto é, composta de muitas variáveis que se interligam entre si, se afetam mutuamente. Os pontos centrais de desenvolvimento são relativamente conhecidos:

* investimento em educação;

* investimento em tecnologia e inovação;

* redução das desigualdades;

* combate às vulnerabilidades sociais, regionais e empresariais;

* criação de um ambiente de negócios favorável;

* controle do meio ambiente, etc.

A macroeconomia de mercado reduziu todos esses pontos a um jogo exclusivamente fiscal. Cobra-se aumento da fiscalização ambiental, melhoria no atendimento à saúde, melhoria na educação. E, ao mesmo tempo, coloca-se como única prioridade o equilíbrio fiscal através do corte de gastos públicos, justamente os que são essenciais para melhor a fiscalização ambiental, o atendimento à saúde e o aprimoramento da educação.

Mas esse pensamento monofásico não se envergonha dessas simplificações. E sustenta que, se o governo equilibrar as contas fiscais, através do corte de despesas, imediatamente despertará a confiança dos investidores, que voltarão a investir promovendo a volta do crescimento.

É uma simplificação extraordinariamente medíocre e assustadoramente repetida em todos os veículos de mídia.

Há dois tipos de investimento: na ampliação da capacidade instalada da economia e na compra de ativos. É o primeiro tipo que gera empregos, aumento da produção, modernização. Esse tipo de investimento depende da demanda. Só quando a demanda cresce, ocupando a capacidade instalada da indústria, há investimentos para ampliação da oferta.

Se a política econômica tenta encontrar o equilíbrio fiscal cortando despesas, automaticamente derruba a demanda. Se derruba a demanda, atrasa os investimentos. Se o governo desmonta o emprego formal, bate no coração do financiamento ao consumo – que depende basicamente da segurança da carteira de trabalho assinada. Se, para se manter na Lei do Teto, o governo corta financiamento para ciência e tecnologia, para educação, para saúde, obviamente estará afetando peças centrais do desenvolvimento do país. Se cortar a renda básica, atrasará mais ainda a recuperação econômica.

Mas toda essa complexidade é deixada de lado, para se ficar exclusivamente na análise binária da Lei do Teto: se o teto for rompido, o país acaba; se for mantido, o país está salvo. Haja mediocridade analítica!

Então porque esse estardalhaço em torno da Lei do Teto e desse discurso vazio de menos estado, inclusive por parte de representantes de setores que dependem fundamentalmente de políticas públicas para crescer, como é o caso da indústria?

A razão é simples. O que se procura é apenas estimular o capital especulativo e valorizar os ativos já existentes de empresas instaladas.

Criou-se uma lógica perversa, de financeirização absoluta da economia. Funciona assim:

1. O empresário constrói sua empresa. Faz ela crescer, ganhar dimensão.

2. Em determinado momento, chega um fundo estrangeiro, interessado em adquirir ações já existentes da companhia. Quanto menor o juro internacional, maior a valorização interna da companhia.

3. Em grande parte das vezes, o empresário não abre capital para ampliar a produção, mas meramente para vender sua parte na empresa devidamente valorizada.

Não interessa como o mercado estará daqui a alguns anos; mas como estarão as propostas de venda de ações na próxima semana.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Assine e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

ASSINE AGORA


Nenhum comentário:

Postar um comentário