segunda-feira, 30 de abril de 2018

A tragédia do triplex, por Frei Sérgio Görgen




Frei Sérgio Gorgen: “O desafio destes tempos trágicos e de comunicação rápida é encurtar o tempo de desfazer mentiras”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)
Frei Sérgio Antônio Görgen ofm (*)

Do Sul 21
O caso do triplex, que dizem ser de Lula, com a prisão e confinamento do Presidente, saiu da esfera do razoável e entrou para a contabilidade das tragédias.
Tragédia já começa com o nome: triplex. Dá a ideia de algo grande, suntuoso, luxuoso, coisa de rico, inadequado para um peão de chão de fábrica, mesmo tendo sido presidente. É a força do símbolo. Mexe com o inconsciente coletivo e manipula o senso comum. Usou-se um nome pomposo com o objetivo de impressionar e enganar. No caso, o tal triplex que dizem ser do Lula, são três pequenas casas uma em cima da outra. Porque são três andares, apelidaram “triplex”.
O filósofo grego Sócrates, quando envolto em um cipoal de acusações mentirosas e levado a julgamento em praça pública, disse na hora de sua defesa: “é difícil em tempo curto desfazer grandes mentiras”.
Assim, o tempo, muitas vezes, é um dos maiores inimigos da verdade. Quando a verdade sobressai, “tudo já está consumado”, a injustiça feita, os túmulos lacrados e da tragédia sobram as lições e os bustos dos heróis injustiçados.
O desafio destes tempos trágicos e de comunicação rápida é encurtar o tempo de desfazer mentiras.
Lula foi condenado e trancafiado numa cela solitária, proibido de receber amigos – eis o conteúdo da tragédia – por ter recebido como pagamento de propina um triplex que não existe. E se o triplex não existe, extingue-se a propina. A pena é arbitrária e injusta. E há um inocente preso e isolado dos seus.
Vejam então o que escreveu o juiz Moro na sentença condenatória sobre o triplex e as reformas ali operadas pela empresa que teria pago a propina:
381. Os custos da reforma atingiram R$ 1.104.702,00 e incluíram a instalação de elevador privativo no apartamento triplex, cozinhas, armários, readequação de dormitórios, retirada da sauna, ampliação do deck da piscina e até compra de eletrodomésticos.
385. Ali se encontram a Nota Fiscal 423, no valor de R$ 400.000,00, emitida em 08/07/2014, a Nota Fiscal 448, no valor de R$ 54.000,000, emitida em 18/08/2014, a Nota Fiscal 508, no valor de R$ 323.189,13, emitida em 18/11/2014. Todas elas foram emitidas contra a OAS Empreendimentos e têm por objeto “execução de obra de construção civil, localizada no endereço Rua General Monteiro de Barros, 638, Vila Luiz Antônio, Guarujá, SP”. Total de cerca de R$ 777.189,00.
386. Também ali encontram-se planta para reforço metálico do térreo do apartamento triplex, cobertura, no Edifício Mar Cantábrico, a Nota Fiscal 8542 emitida, em 15/09/2014, pela GMV Latino America Elevadores contra a Tallento, no valor de R$ 798,00, relativamente à venda de óleo para elevador, a Nota Fiscal 8545, emitida, em 16/09/2014, pela GMV Latino America Elevadores contra a Tallento, no valor de R$ 47.702,00, relativamente à venda de elevador, a Nota Fiscal 103, emitida, em 20/10/2014, pela TNG Elevadores contra a Tallento, no valor de R$ 21.200,00, relativamente a serviços de instalação de elevador, com três paradas, na “obra solaris, Guarujá”. Esses serviços e obras contratadas pela Tallento foram incluídos nos preços cobrados desta para a OAS Empreendimentos.
389. Além da reforma realizada pela Tallento Construtora no apartamento 164-A, a OAS Empreendimentos contratou a Kitchens Cozinhas e Decorações para a colocação de armários e móveis na cozinha, churrasqueira, área de serviços e banheiro, no montante de R$ 320.000,00.”
As fotos e filmagens, feitas pela UOL e militantes do MTST, demonstram que tudo isto é a mais descarada mentira.
O elevador“privativo”, “com três paradas” não existe, a reforma não foi feita, cozinha gourmet é uma fantasia, não há móveis de luxo, não há decorações, a piscina é uma banheira, não há eletrodomésticos. Imaginem, R$ 320.000,00 para instalar o que se demonstrou que não existe. Deve ter é outra corrupção grave a ser investigada por aí. Cheiro de prova fabricada, fumaça de fraude processual, indícios de erro jurídico grave. Há que se investigar imediatamente.
Caso se adotasse a teoria do “domínio do fato” ou a teoria das “provas indiciária”, aplicadas contra Lula, com esta descrição constante na sentença, comparada com as fotos do triplex realmente existente, a Lava Jato estaria demolida.
Porém, o que temos é o inverso. Um brasileiro inocente, preso e humilhado, com todos os recursos judiciais negados.
Restará a Moro e aos três do Quatro de Porto Alegre três saídas:
1º – Provar que as imagens mostradas ao mundo são de outro apartamento e não do que o Presidente é acusado de ter recebido. O apartamentinho mostrado nas fotos, Dona Marisa pagou, e, se quisesse, poderia ter sido dela.
2º – Reconhecer o trágico erro, anular a sentença e libertar o Lula para ser candidato a presidente do Brasil.
3º – Moro, Gebran, Paulsen e Laus, com Fachin, Barroso, Carmem Lúcia, e outros que façam por merecer, abrirem a cadeia de Curitiba, num processo de rebelião popular, libertarem o Presidente e lá entrarem para permanecer por 12 anos e um mês, para respeitar a lei da reciprocidade.
E a cadeia de Curitiba, se a parte decente do Judiciário – acredita-se que exista – não despertar a tempo e interromper a pataquada, se transformará na Bastilha brasileira, com desfecho semelhante.
(*) Frei Franciscano, militante do MPA.

Uma série de quadros de Steve Cutts que mostram, a quem consegue ver para além da mídia corporativa, o mundo destruído pelo Neoliberalismo.... The Present....


Do canal The Scribe...

Crítica à imbecilização mundial, ao neoliberalismo, ao trumpismo, ao bolsonarismo e ao coxismo....


All credits to Steve Cutts.

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Direitos Humanos... Para quê? Para quem? Por João Baptista Herkenhoff


Resultado de imagem para ditadura judiciário

   "A lei deve servir ao Direito. Porém, nem sempre cumpre o papel que a legitima. Para Luiz Fernando Coelho a ordem jurídica não resulta apenas da preservação da hierarquia das normas de direito e da regulação não contraditória dos dados da vida social. A ordem jurídica impõe também a rejeição de valorações normativas contrárias aos princípios gerais do Direito." - João Baptista Herkenhoff


Do Empório do Direito

Direitos Humanos - para que? para quem?
Essas perguntas frequentemente desafiam a consciência dos cidadãos.

Creio acertado responder que a proclamação e a efetiva vigência dos Direitos Humanos serve:

a) para limitar o poder do Estado em face do indivíduo e dos grupos intermediários;

b) para estabelecer garantias da pessoa humana, mesmo fora do modelo ocidental de constitucionalismo;

c) para fixar certos parâmetros de Civilização.

A quem são endereçados os Direitos Humanos? Quem são os titulares desses direitos?

a) os direitos humanos são para todas as pessoas – a ideia de Direitos Humanos adquire uma amplitude cada vez maior;

b) os direitos humanos destinam-se às mais diversas sociedades, para proteção dos mais diversos grupos e de maneira especial para a proteção das minorias;

c) ampliam-se os horizontes dos Direitos Humanos.

Perdem cada vez mais seu caráter individualista e liberal para alcançar uma dimensão social e solidária. Prestam-se, em escala crescente, ao catálogo de lutas de todos os oprimidos da Terra.


E no Brasil de hoje, como estão os Direitos Humanos?


Na sociedade brasileira atual percebemos positivamente:

a) a crescente consciência dos Direitos Humanos e consequente defesa deles;


b) a apropriação da bandeira dos Direitos Humanos pelos movimentos populares;


Na sociedade brasileira de hoje percebemos negativamente:


a) a negação concreta dos Direitos Humanos, negação absoluta do humano, da ideia de pessoa e de cidadania;


b) o fenômeno da exclusão em massa, ou seja, a existência, eticamente insuportável, de milhões de excluídos

Essa realidade deve ser denunciada e repudiada.

Na verdade todos os seres humanos são válidos – sob o prisma da Ética, do Direito e de uma correta visão humana, política e econômica.

Em nosso país há uma profusão de leis. No tempo em que as empresas inglesas tinham uma presença marcante no Brasil, os dirigentes dessas empresas vinham inspecionar as filiais daqui. Quando as visitas eram anunciadas, tudo que estava fora dos eixos era colocado no devido lugar. Daí a expressão: para inglês ver. Significava: ajeitar o que estava errado para salvar as aparências diante dos mandões estrangeiros.

Devemos até hoje estar prevenidos à face de leis que, no seu texto ou na sua execução prática, negam o Direito, são leis para inglês ver.

A lei deve servir ao Direito. Porém, nem sempre cumpre o papel que a legitima. Para Luiz Fernando Coelho a ordem jurídica não resulta apenas da preservação da hierarquia das normas de direito e da regulação não contraditória dos dados da vida social. A ordem jurídica impõe também a rejeição de valorações normativas contrárias aos princípios gerais do Direito.

Gaudemet diz que se afere o valor da norma jurídica pela sua aplicação prática. A norma deve atender às exigências fundamentais de Justiça, auxiliar a socorrer os fracos e constranger os poderosos à obediência.

Quando há um atrito entre a Lei e o Direito, tem-se uma questão ética, um choque de valores, e não uma questão apenas jurídica e muito menos uma questão meramente legal. Entre dois valores, a Ética nos guia, devemos decidir pelo valor de maior hierarquia. Entre o culto da lei e o culto do Direito, o valor de maior hierarquia é o culto do Direito.

Todas as pessoas devem conhecer os direitos humanos e lutar por sua efetiva vigência. Nas atividades do dia-a-dia, não apenas os juristas, mas também profissionais de outras áreas defrontam-se com situações nas quais devem fazer prevalecer princípios de direitos humanos.

João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), professor e escritor. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e livre docência na UFES. Pós doutorado em Wisconsin e na Universidade de Roue. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Do Empório do Direito: Reforma Trabalhista como instrumento de Psicoterrorismo sobre os trabalhadores


"A reforma trabalhista brasileira, introduzida pela Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, manipulou através de inserções, alterações, supressões e inovações mais de 200 (duzentos) artigos legais, e pretendeu, sem dúvida, atingir dogmas e pilares centrais do Direito e Processo do Trabalho."


A REFORMA TRABALHISTA COMO INSTRUMENTO DE PSCICOTERRORISMO

Do Empório do Direito:

Texto de  Pedro de Souza Gomes Milioni,  Advogado, Mestrando em Direito pela UCAM/RJ, LL.M. em Direito Corporativo pelo IBMEC/RJ.

A reforma trabalhista brasileira, introduzida pela Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, manipulou através de inserções, alterações, supressões e inovações mais de 200 (duzentos) artigos legais, e pretendeu, sem dúvida, atingir dogmas e pilares centrais do Direito e Processo do Trabalho.

Se a profundidade e as consequências da manipulação forem somadas à superficialidade (ou inexistência) do debate com os atores sociais potencialmente envolvidos, bem como o tempo por demais exíguo do processo legislativo, pode-se afirmar que os operadores jurídico-laborais estão verdadeira e sinceramente atordoados como tudo o que foi imposto. 

A desorientação é a marca do momento.

Não é para menos, pois pretendeu-se muito, discutiu-se pouco, em muito pouco tempo. 

Neste rumo, correntes, lados e posições radicais tendem a ser assumidos, muitas vezes de forma cega. Os conceitos e os pré-conceitos afloram. Dividem-se pessoas e não apenas opiniões. Já disse tudo isso em outras oportunidades, mas vale a pena insistir, pois o momento é delicado. 

Todavia, o que assusta não é a complexidade de normas, novidades e polêmicas impostas pela reforma, até porque em 2015 vivenciamos com absoluta tranquilidade o novo CPC, algo muito maior e complexo, em todos os aspectos, mas sim, e sobre isso quero dedicar algumas linhas, o verdadeiro assédio moral coletivo que vem sendo paulatinamente implementado nos meios de comunicação (e não apenas pelos meios de comunicação), visando não esclarecer ou informar, mas sim desidratar o Direito do Trabalho, o Processo do Trabalho e, à reboque, a Justiça do Trabalho (que talvez ainda não tenha entendido o verdadeiro desiderato).

Há, claramente, uma tendência midiática de “criminalizar” os trabalhadores que, em regra, são os reclamantes na Justiça do Trabalho, bem como os advogados que os defendem.

Propaga-se, sem qualquer juízo crítico ou comprovação efetiva, que há uma verdadeira “indústria trabalhista” que há décadas impera, formada por uma tríplice aliança: trabalhadores “inescrupulosos”, advogados “espertos” e juízes “Robin Hood”. Contudo, os mesmos que assim o fazem se esquecem de expor que em toda a “indústria” há o insumo, mas esse é assunto menor, pouco importante.

Em tempos estranhos como o nosso, ainda durante a madrugada, nos primeiros momentos do dia 11 de novembro de 2017, data em que a nova lei passou a vigorar, um determinado Juiz do Trabalho fez circular, através de meios eletrônicos, uma sentença judicial, provavelmente a primeira publicamente divulgada sob a égide da lei nova, absolutamente corriqueira, irrelevante sob qualquer ponto de vista, inclusive jurídico, na qual o reclamante foi condenado ao pagamento por litigância de má-fé, e ainda teve o benefício da gratuidade de justiça indeferido.

Pronto, a nova lei vingou!

Matéria jornalística hipotética do dia seguinte: “Justiça do Trabalho condena trabalhador ao pagamento de multa por litigância de má-fé e indefere o benefício da gratuidade de justiça”.

Pronto, agora, de fato, a nova lei vingou!

A quem interessa esse tipo de sadismo?

Ora, desde o CPC de 1973, por exemplo, os juízes brasileiros dispõem de um leque de multas e indenizações passíveis de serem aplicadas, em várias fases do processo, àqueles que não respeitam a boa-fé, retidão e a ética no processo. Ou seja, não há nada de novo nisso. Essas ferramentas sempre estiveram à disposição dos juízes e, assim como diversas outras, sempre foram pouco utilizadas, justamente porque, em regra, as partes agem com ética.

Com todo o respeito e sem adentrar no mérito do caso concreto supra mencionado, a divulgação desse tipo de acontecimento, além de irrelevante é maliciosa, pois transmite uma série de informações que não são verdadeiras, o que me leva a crer, como há muito venho refletindo, que no Brasil, de fato, o óbvio precisa ser dito, ainda que isso soe repetitivo e talvez
até mesmo “infantil”.  

Neste rumo, com o intuito sincero de verdadeiramente esclarecer e informar os leitores de forma honesta, é preciso fazer uma brevíssima incursão naquele famoso “museu de grandes novidades”:
1. A posição de um juiz ou tribunal nem sempre reflete a posição da “Justiça do Trabalho”, ao menos não da maioria.

2. Penalidades no processo são exceções, pois a maioria esmagadora das partes em processos judiciais Brasil a fora, sejam empregadores ou empregados, tendem a agir dentro da lei no que se refere a princípios éticos.

3. Os desempregados brasileiros que em regra acionam a Justiça do Trabalho não são, em sua gigantesca maioria, aproveitadores ou saqueadores do dinheiro alheio, até porque eles podem pedir, mas quem condena é o juiz.

4. O fundamento primário do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador. Essa é a sua razão de ser. 

5. Não é o Direito do Trabalho que causa o volume de processos na Justiça do Trabalho, mas sim o descumprimento de normas trabalhistas básicas, pois o volume de demandas decorre, em sua maioria, do descumprimento deliberado de direitos trabalhistas mínimos, tais como não assinatura de carteira de trabalho, não pagamento de verbas rescisórias e adicional de horas extras. [1]

6. A reforma trabalhista não teve nenhum compromisso com a simplificação da legislação trabalhista. A reforma, sem dúvida, por fundamentos diversos, complicou ainda mais a interpretação da legislação trabalhista. O tempo mostrará isso.

7. Não é a legislação trabalhista que impede a geração de empregos, bem como não será ela que, uma vez alterada, irá aumentar o volume de postos de trabalho.

Tecidas algumas palavras, acredito que agora eu possa voltar a pergunta inicial: a quem interessa esse tipo de sadismo? 

Obviamente, a divulgação de condenações impostas aos autores de ações trabalhistas, a tentativa de criação de teses que restringem o acesso à justiça, dentre outras aberrações, para dizer o mínimo, interessam àqueles que descumprem deliberadamente a lei e temem (ou deveriam temer) os rigores de uma legislação que, como dito, é protetiva.

O que vem sendo propagado, muitas vezes de forma irresponsável, visando desidratar o Direito do Trabalho, o Processo do Trabalho, a Justiça do Trabalho, autores de ações, advogados, juízes, procuradores é fruto de algo muito maior que, no fim, e eu custei muito a acreditar nisso, foca na mutilação definitiva de tudo aquilo que vem sendo construído ao longo de anos em termos de direitos sociais. 

Em suma, o psicoterrorismo, cotidianamente propagado visa apenas causar temor, inibir as partes de reivindicar seus direitos, e os operadores jurídicos de interpretar e aplicar a lei. Felizmente, contra isso temos um livrinho datado de 1988 que se chama Constituição Federal.

Notas e Referências:

[1] http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24416763 Acessado em 14.01.2018 às 13:05h.



Imagem Ilustrativa do Post: Work in progress // Foto de: Jonas Bengtsson // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jonasb/325333083

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


quinta-feira, 26 de abril de 2018

“O Processo”: Filme com F maiúsculo. Análise do crítico de cinema e advogado Filippo Pitanga


"A obra se torna, através de uma grande montagem dialética de dar orgulho ao saudoso Eisenstein, numa evidência jurídica das mais possantes do Golpe Parlamentar criminoso que está sendo cometido contra esse país."

Do site Justificando:

“O Processo”: Filme com F maiúsculo

Segunda-feira, 23 de Abril de 2018

“O Processo”: Filme com F maiúsculo

Foto: Divulgação
Enfim chega ao Brasil um dos filmes mais aguardados de todos os tempos para o nosso povo, “O Processo” de Maria Augusta Ramos, aclamado no último68º Festival de Berlim e premiado com o terceiro lugar pelo voto popular, presente agora na programação do maior Festival de documentários da América Latina, o É Tudo Verdade, e em breve estreando no circuito comercial de salas de cinema no dia 17 de maio deste ano. E este que vos escreve esteve presente tanto na primeira exibição mundial do filme na Berlinale quanto em sua chegada no Brasil, com recepções ovacionadas em todos os espaços lotados. Não apenas por pessoas inteiradas da situação política do país, como também por leigos, vide o caso da exibição no exterior que contou com muitos alemães, turistas de outros países e mesmo realizadores da América Latina que também estavam competindo em Berlim e queriam conferir “O Processo”. A questão é que Maria Augusta e sua montadora Karen Akerman tiveram de traçar uma linha narrativa coerente e cronológica, com pungência o bastante para formar um longa-metragem, desbravando por todo o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em mais de 400 horas registradas por sua equipe (formada em sua maioria de mulheres, por sinal, o que fez toda a diferença para o ‘olhar opositivo’ contestador e crítico para o que se estava captando, como diria a pensadora bell hooks). Sem falar na disponibilidade quase infinita de acervo de arquivo, de jornais a canais televisivos como da TV Senado, ou mesmo de inúmeras outras equipes também filmando a política do país, para outros filmes concomitantes ou outros trabalhos… Dezenas de câmeras todos os dias por vários ângulos numa narrativa que até agora só havia sido contada pelos “vencedores”… ou deveria se dizer: “golpistas”? Ou mesmo “usurpadores”? Então, o que estaria se perdendo entre tantas imagens que talvez não deixassem um ângulo escapar sob tantos olhares?
Estamos vivendo uma disputa de narrativas. Isto é um fato. Porém, acrescenta-se a isto que não se trata de uma disputa justa. Por um bom tempo andamos sendo expostos ao “perigo da história única”, parafraseando a máxima bastante pertinente da escritora africana Chimamanda Ngozi Adichie. As grandes redes de comunicação, impressas e televisivas, receberam muitos incentivos dos últimos governos democráticos que priorizaram acesso à informação e liberdade investigativa, mas as mesmas redes não devolveram absolutamente nenhuma responsabilidade inerente a estas informações prestadas. Como se fossem aquele tipo de documentarista que filma a fome e a pobreza, polui o ambiente ao redor dos documentados, afeta o meio, consome os mesmos recursos que ali estão em jogo, e depois vai embora sem se preocupar no valor da imagem captada e do seu uso potencialmente transformador. Contanto que lucre com a ultraexposição e a coisificação do que antes eram sujeitos de direito — ora transformados em produtos. Produtos na vitrine. Vitrines isoladas. Um produto não pode contaminar o outro, como carnes expostas, pois possuem valores diferentes, de acordo com o quão difícil foi pagar o fornecedor e o abatedouro, e, como estamos lidando com carne humana…alguém teve de se tornar a caça e outrem o caçador. Foi assim que foram feitos negócios lucrativos pelo monopólio da imagem, e que vem sendo tratada como imagem única, sem mostrar os outros lados espelhados desta vitrine de consumo instantâneo e descartável.
A primeira prova cabal desta inversão de valores no filme “O Processo” já começa com a filmagem do fatídico dia da votação da Câmara dos Deputados pelo acolhimento ou não do Impeachment… E que dia!

Marcado a ferro e fogo na memória dos brasileiros que, mesmo diante da ciência da disputa de narrativas ocorrendo ali e ante quem registrava e transmitia as imagens, independente de “lados”, direita ou esquerda, todos ficaram impressionados com a virulência e deturpação da matéria tratada através de discursos dos mais ensandecidos. Discursos feitos, aliás, pelos mesmos agentes políticos que deveriam representar todas as regiões desta Nação… Um horror dantesco. Pessoas votando em nome do Estado de Israel (ou seja, por outra nação que não a nossa), por valores puros e “contra a corrupção” (estas mesmas pessoas que foram indiciadas por corrupção em seus respectivos estados no dia seguinte, e seus votos sequer foram invalidados!). Ou, pior ainda, votando em nome da aclamação de torturadores e da Ditadura Militar! Ou seja, defendiam a democracia em nome de algo que a retira e cancela das mãos do povo. E tudo isso é dolorosamente revivido no filme de Maria Augusta Ramos. Então como ela alcançou algo tão catártico e inovador a partir de uma história aparentemente já conhecida e saturada? Qual foi o tratamento da imagem e o ordenamento lógico que conseguiriam enxugar as gorduras daquilo que foi tão manipulado, de modo a encontrar a essência inalterada, separando o joio do trigo, para olhos tão cansados ou marejados dos espectadores até então impotentes?
Logo no primeiríssimo plano de “O Processo”, a câmera vai se aproximando em silêncio sepulcral de um magnânimo quadro aberto do vasto corredor da Praça dos Três Poderes, na direção do Congresso Nacional, onde três fileiras se estendem de forma quase indistinta e murada, somente separadas por borrões de cores: um terço vermelho e a outra terça parte verde e amarela, sendo o vão do meio completamente vazio com a estática das tensões contrapostas. E talvez seja nesta lacuna entre dois extremos em que iremos encontrar as maiores informações que, de outra forma, poderia se deixar passar despercebidas historicamente… ou seja, iremos falar sobre o que está entre os quadros do filme.
“O Processo” irá se destilar por uma montagem dialética de planos e contra-planos que passam a traduzir a disputa de narrativas que se instalou na separação de um país, onde até então havia se priorizado os relatos de apenas um dos lados nas principais mídias de (des)informação. Um esmagamento ao direito de se ter uma oposição, parte intrínseca da política, em geral representando a mão-de-obra trabalhadora brasileira, tratada de forma não proporcional a seu merecimento e pisoteada pela hierarquia de poder unilateral, hegemônica e elitista.
A montagem prossegue e o som volta a se impor, como única âncora de coerência em espaços de loucura entre os planos onde ninguém escuta a razão, mesmo quando bradada de forma tão lúcida por alguns que ainda ousam se erguer ante a violência imagética indiscriminada. Ser obrigado a adjetivar com a palavra ‘loucura’ um dos lugares onde se decide o destino de uma nação é inclusive um absurdo de se cogitar, mas o que não é exatamente loucura calculada senão tentar calar a dialética com a qual se almeja chegar a algum nível de racionalidade? A política brasileira anda sendo feita na base do sufocamento da palavra e imposição de silenciamentos e pontos de surdez seletivos, e o que é política da Polis, das cidades, da sociedade, senão justamente ‘Palavra’ colocada em exercício compartilhado? Palavra é diálogo, é dialética, e temos hoje em dia uma via única de ordens em contraposição à obediência, sob risco de considerar quaisquer diferenças como um erro a ser penalizado, o que se traduz como sinônimo de uma ditadura. Este silenciamento de defesa é a maior significação da poderosa e evidente simbologia que o filme adota com o título homônimo ao livro de Franz Kafka, onde o protagonista é alvo de um processo e condenado à morte sem jamais saber do que está sendo acusado, e, portanto, não possuindo defesa. E isto é verbalizado até explicitamente quando o senador Lindbergh Farias chama a ex-presidenta de ‘Dilma Joseph K.’, nome do personagem principal do livro. O óbvio precisa ser enunciado, para limpar os ouvidos.
E o som deste filme, realizado por Marta Lopes, é tão importante que invade através do extra-campo, vai além, como real linha cronológica narrativa, libertando a dialética e curando a política padecida pela unilateralidade que a aprisionou e condicionou através das mídias jornalísticas tendenciosas por tempo demais. Também ousa na forma como, por exemplo, na maneira que a câmera se ajeita às vezes para reenquadrar personagens, de acordo com o ânimus dos sujeitos, todos participantes deste processo já decidido e imposto como um circo pelos acusadores, desafiando o conteúdo retratado que fora da bolha do filme não permitiria o reenquadramento de seus agentes afixados. Um bom exemplo disto são as cenas de transição, com respiros entre acusações do julgamento, como nos encontros oblíquos de personagens recorrentes do naipe dos Senadores Raimundo Lira e Antonio Anastasia, membros da Comissão de Impeachment, abraçados com participações especiais tipo Romero Jucá, alguns dias antes do vazamento do áudio em que este assume acordo junto ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machadopara “estancar a sangria” através do controle do STF.

A obra se torna, através de uma grande montagem dialética de dar orgulho ao saudoso Eisenstein, numa evidência jurídica das mais possantes do Golpe Parlamentar criminoso que está sendo cometido contra esse país.

“O Processo”, como uma obra cultural resultante da participação de quem o realizou e de quem o assiste, torna-se ele próprio testemunha ocular e prova da nulidade do processo em si a que retrata. Um filme-evidência, que talvez chegue tarde para voltar atrás o relógio dos efeitos processuais, mas não para o tempo de uma Nação. Sem falar que o faz sem parecer um fardo imposto como remédio goela abaixo de uma criança, apenas porque é obrigada a aceitar o que lhe faz bem. Pois o trabalho de Maria Augusta Ramos possui um intenso carisma e até mesmo pequenas doses de humor, surpreendentes para tema tão pesado para o país. Muito por causa dos momentos de respiro que a câmera se permite entre uma cena e outra, especialmente para mostrar a reação de um ou outro personagem à fala de terceiros (como a sobrancelha levantada da senadora Gleisi Hoffmann em incredulidade às ilações de Janaína Paschoal). Ou mesmo nos momentos de ócio, onde mostra que todos ali são humanos, feitos igualmente com qualidades e fraquezas. — o que aproxima o espectador dos personagens e agrega um tom de ironia à montagem de Karen Akerman, sem nunca faltar ao respeito com os envolvidos.
Apesar de ser um filme verborrágico, focado em debates e reflexões orais, porém prescindindo de depoimentos diretos para a tela, e sim como uma câmera observacional (às vezes, mais de uma) que naturaliza aqueles ao redor e seleciona o que irá iluminar para seguir uma coerência narrativa, o curioso é que o roteiro fala ainda mais através de seus silêncios; das não-respostas a perguntas óbvias. Como pelo exemplo do rosto engessado e amorfo no cinismo conivente do Senador Anastasia; ou do sorrisinho insolente de Eduardo Cunhaque rejeita interpelações pertinentes e incisivas quando se vê acuado, pois sabe que nada pode ser dito para mudar a realidade dos fatos quando se tornam evidentes em suas rugas de expressão. Há sim momentos de revelações extremamente diretas, como alguns dos protagonizados por outro dos personagens centrais, o senador Lindbergh Farias, que em vários momentos precisa ser um cortador de gelo a singrar contra o bullying de politicagem midiática que parece ter criminalizado o Partido dos Trabalhadores como um todo, simplesmente por respirar de forma diferente aos interesses hegemônicos. Mas é justamente no absurdo das acusações tão facilmente refutadas que as idiossincrasias da injustiça no Impeachment se revelam ainda mais, especialmente pelo abismo desproporcional entre as concessões legais em detrimento dos direitos de Dilma. Na verdade, é até curiosa a ambivalência oposta do comportamento de Lindbergh e a senadora Gleisi Hoffmann, os dois principais responsáveis pela defesa da ex-presidenta ao menos na edição do filme, que opõe de forma interessante as questões de gênero no Senado em relação à misoginia dos acusadores e a inversão de papéis da defesa, onde Gleisi permanecia impassível enquanto seu colega era obrigado a adotar as posturas mais enérgicas. Existe todo um tratado antropológico acontecendo ali dentro que reflete as mesmas injustiças a pesar sobre o povo na ascensão deste conservadorismo fascista.
O tempo é outro aspecto interessante de estudos na dinâmica cinematográfica trazida em “O Processo” por Maria Augusta Ramos. Há a passagem de dias e meses e ano. Não apenas pelas cartelas de datas mais importantes, como no dia da infame e vergonhosa votação da Câmara dos Deputados, ou do acolhimento do pedido de Impeachment ou do depoimento de Dilma ao Senado… Mas pelos pequenos detalhes captados pelo corpo popular através dos olhos da lente das várias câmeras, e revelados com minúcias intimistas na edição sucessiva de imagens temporais: como a ferida, provavelmente ao fazer a barba, do advogado de defesa no Impeachment José Eduardo Cardozo, ou os tons do cabelo da impávida senadora Gleisi, pequenas transformações pelo desgaste da passagem do processo como um trator impiedoso. — Tanto pela quantidade de tempo decorrido em tela para cada fase dos argumentos, quanto pelo estresse decorrente de jogar um jogo de cartas marcadas, com extrema segurança da condução do suspense como num thriller político. — Aliás, demonstra, conforme o processo se afunila, e vira determinismo fatalista kantiano e unilateral de uma Lei hierarquizada pelo poder, que cada vez mais a imprensa vai se fazendo presente nas arestas até chegar no eixo central do quadro…, bem como o uso da palavra ‘polícia’ passa a se intensificar, desvelando a verdadeira força draconiana metaforicamente por trás de tudo, como uma ameaça constante de tomada de poder caso algo saísse fora do planejado (como visto recentemente de novo quando do julgamento do habeascorpus de Lula pelo STF, onde generais ameaçaram um golpe militar, caso o ex-presidente não fosse preso).
Por falar na senadora Gleisi Hoffmann, parte indispensável da defesa da Presidenta Dilma Rousseff, não é à toa que uma equipe deste filme predominantemente composta por mulheres refletiria na tela o protagonismo feminino das participantes do processo. De Gleisi a Fátima Bezerra a Vanessa Grazziotin, a tantas outras mulheres nos bastidores misóginos do Impeachment, de modo que até mesmo a acusação do outro lado do julgamento também é prestigiada com uma personagem feminina realçada: Janaína Paschoal. A equipe de produção de Maria Augusta Ramos procurou autorização de todos os envolvidos dos dois lados do processo para tentar acompanhar cada lado da história, porém, curiosamente, a única a dar acesso bastante amplo e autorizar o uso das imagens foi a controversa Janaína, que, mesmo parecendo o alívio cômico do filme por seu histrionismo e gestos pantomímicos impensados, parece levar a si própria muito a sério. Quase como se estivesse ela mesma fazendo campanha através destas imagens, como em duas cenas cruciais onde se autodenuncia filiando sua lealdade a momentos de moral duvidosa. Acontece que esta não deixa de ser a perfeita metáfora de todo o caso: um absurdo que parecia impossível e gerava risos à mera menção, e que de repente se levou a sério o bastante para se concretizar além de qualquer ponto de retorno.
A clareza com que os fatos e direitos são dispostos deixam de forma inequívoca o quanto o absurdo se tornou a nova referência de normalidade, mesmo diante da tranquilidade com que personagens como Gleisi manteve para refutar cada ataque deliberado contra Dilma, contra o PT ou mesmo até contra sua própria vida pessoal — Pois uma espécie de toxicidade se espalha como lepra a todos que tentam sequer erguer a lei em defesa do que se tornou um inconveniente que a coligação corrupta do governo, com nomes como os do Lava Jato, não queriam permitir que fugisse ao controle deles. Simples assim, como o áudio vazado de Romero Jucá. Para haver impunidade para poderosos de partidos cujo interesse estava no mesmo sentido, como PSDB e PMDB, há de citar como exemplos, eles precisavam retomar o governo para estancar a sangria da hemorragia deles. Deter as investigações da Lava Jato.
E tudo isto ordenado de forma simples, e sem o glacê sensacionalista em que as principais mídias se tornaram, consegue transmitir de forma transparente quais foram os reais interesses por detrás. Uma lenta e longa manipulação para que nem o povo com toda sua potência coletiva pudesse se opor, já anestesiado por tantas fake news e pautas bombas. Ninguém mais sabe o que era verdade e o que não era, e passou a ser alvo fácil para informações expressas sem fundamento. Por isso o advogado José Eduardo Cardozo em determinado momento fala que eles não tinham pressa na defesa, porque qualquer delação premiada ou novo vazamento de informações só iriam queimar mais ainda os próprios mandantes do Impeachment, que são aqueles a querer tanta pressa.
Por sinal, em parte é por esta mesma razão que o presente texto também não se precipitou a discorrer sobre a personagem principal, que deveria ser a mais citada nesta resenha, e não o é: Dilma Rousseff. Assim como no próprio filme ela é a mola motora que a tudo move, está no subtexto de tudo, mas também não tem sua imagem desgastada. E isso se dá por uma razão consciente: como já supracitado, o PT, Dilma, Lula e etc já sofreram consecutivas desconstruções vexatórias de forma seletiva e imposta pelas grandes mídias, num processo lento e longo de desarme da governabilidade e do modusoperandi de políticas públicas assistencialistas, que não serviam aos interesses do Capital, mas ajudou muita gente grata até hoje. À conta disso, eles foram praticamente demonizados para outra parcela da população que não tenha usado de senso crítico a discernir uma enxurrada de placebos prometidos a curar esta suposta crise econômica privativa do Brasil, quando na verdade foi a pior crise mundial desde a quebra da bolsa de 1929 nos EUA.
A ex-presidenta aparece em momentos de calmaria, entre inúmeras batalhas travadas, para não apenas poupá-la até a última parte do filme, com o depoimento que violenta terrivelmente sua pessoa para o Senado, bem como para dar chance de humanizar uma figura a quem nunca foi dado tempo de se conhecer melhor. Não pensem os detratores políticos que “O Processo” se escora numa chapa branca à conta disso, pois, muito pelo contrário, alguns dos melhores momentos são justamente os de admissão de mea culpa por parte dos erros cometidos para deixar chegar nesse estado de divisão de um país (como os momentos de lucidez esfuziante de Gleisi sobre o feminismo da juventude e de Gilberto Carvalho sobre a perda da comunicação do PT com o povo de quem ele se originou).
Afinal, é o povo quem enquadra e ancora todas as passagens do filme, não apenas na cena inicial e final, de impactos equivalentes, bem como em sutis presenças, como no mar de rosas para Dilma no início; nos cânticos de guerra intermitentes; no rapaz da selfie com Dilma vestindo a camisa LGBTQ; ou a senhora com a camisa do MST tentando furar a corrente de seguranças para dar apoio à sua presidenta. Até mesmo no fato de o braço direito de Cardozo, Gabriel, ser um profissional negro – o único membro negro em meio a todo o julgamento da Comissão de Impeachment. Em outras palavras, é a representatividade das pessoas que importa.
O documentário “O Processo” é isso. É palavra, é tempo. É documento. É Filme com F maiúsculo, pois, mesmo que se tratasse de uma ficção, consegue alcançar um nível de ritmo e roteiro dignos de figurar dentre os melhores filmes do ano desde já. Ainda mais para o cinema brasileiro, que em geral é tratado injustamente como primo pobre frente o cinema americano de importação, visto que quase nenhum de nossos filmes atrai a atenção local e mundial com tanta repercussão como “O Processo” atraiu este ano. Já viralizou discussões na internet e enfileirou quilômetros de pessoas por horas a fio na porta dos cinemas, como no recente Festival É Tudo Verdade. E isto tudo com uma produção independente que não teve qualquer suporte do governo (mesmo lembrando que incentivo à cultura e ao cinema é direito fundamental na Constituição Federal). A obra acaba construindo uma narrativa tão impressionante com a sucessão de diálogos registrados num espaço de tantos meses de história real condensada em 2h20min que a proximidade ficta dada pela edição nos faz sentir dentro do julgamento, sentindo os dois lados. E, ao mesmo tempo, faz com que recebamos a transferência psicanalítica na pele. Uma empatia de nos colocar no lugar do outro de que quaisquer quebras de direito ou formas de torcer a lei, no pseudo intuito de fazer o fim justificar os meios, sempre irá arrebentar para o lado mais fraco da corrente. Ou seja, se eles fizeram isso com os ex-presidentes Dilma e Lula, não apenas se abre precedentes e jurisprudências contra os réus em geral, como amplia o punitivismo cego e não sociabilizante contra as camadas mais pobres e leigas do Brasil, que não podem arcar com uma defesa melhor, e mais facilmente cairão na vala comum dos precedentes abertos. Mas o filme decerto se tornará uma das maiores defesas democráticas dos nossos tempos, contanto que o povo saiba usá-la bem.
Filippo Pitanga é Jornalista e Advogado. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro – ACCR. Professor na Academia Internacional de Cinema – AIC-RJ, curador de Cineclubes no Estação Net de Cinema e Editor-chefe do Almanaque Virtual

Do Justificando: O engodo da geração de empregos por meio da Reforma Trabalhista não se mantém de pé. Análise do advogado trabalhista Eduardo Antonio Bossolan



  "(...) a verdadeira face da reforma trabalhista (justificativas não declaradas) é no sentido de permitir que a força de trabalho se ajuste a lógica das empresas por meio da flexibilização desta relação, criando um paradoxo à medida que prega a necessidade de geração de empregos ao mesmo tempo que permite a utilização de contratos precários como o contrato intermitente, contrato temporário, a jornada 12X36 e o trabalho autônomo, em descompasso com os princípios constitucionais da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na busca do pleno emprego. (art. 170, caput e VIII)."


O engodo da geração de empregos por meio da Reforma Trabalhista não se mantém de pé
Quarta-feira, 25 de Abril de 2018

O engodo da geração de empregos por meio da Reforma Trabalhista não se mantém de pé


Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
As principais justificativas declaradas da reforma trabalhista (Lei 13.467 de 2017), são as de modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho para acompanhar a evolução tecnológica do mercado de trabalho e facilitar a geração de empregados, principalmente em períodos de crise.
Para divulgação destas justificativas os idealizadores da reforma contaram com apoio da grande mídia e o fator Globo News “que penetra no imaginário brasileiro”, como diz o jurista Lênio Streck.[1]
Para criar a “boa imagem” da reforma trabalhista e de sua importância para a retomada da atividade econômica, a grande mídia além de omitir pontos fundamentais[2], obscureceu outros de igual importância para a discussão política que deveria ter sido feita em torno da nova lei, como bem observado pelos juízes do trabalho Valdete Souto Severo e Jorge Luiz Souto Maior.[3]
Durante a tramitação do projeto foram inúmeras reportagens e artigos pulicados neste sentido, a exemplo do artigo pulicado pelo jornal “O Estado de São Paulo” no dia 11 de novembro de 2017, início da vigência da reforma trabalhista, de autoria de Almir Pazzianoto Pinto (que foi ministro do trabalho e presidente do TST), com o título “A reforma trabalhista em vigor” e subtítulo (com falsa retórica): “Os apressados que não a tomem como alvará para o regresso ao capitalismo voraz”.[4]
De acordo com Pazzianoto, ao contrário do que “alardeiam os adversários” a nova lei “resulta em de louvável esforço” para modernização da CLT, limitando-se o novo diploma legal a sanar as inseguranças jurídicas das relações do trabalho, uma das responsáveis pela “desindustrialização e pelo desemprego”.
Para os “amigos” da reforma como José Pastore Neto[5] Ives Granda Martins Filho[6], dentre outros, o obstáculo que impedia o crescimento econômico e a geração de empregos era a velha CLT de 1943, uma lei obsoleta que deveria dar lugar a um novo diploma atualizado para reger as relações de trabalho no país.
Contudo, a cilada não “colou”. A farsa foi logo desmascarada pelo IBGE por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), publicada no dia 10 de abril de 2018[7].
Segundo a pesquisa, realizada no trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, 12,6% da população encontra-se desempregada, totalizando 13,1 milhões de desocupados, superando o trimestre anterior em que a taxa de desocupação era de 12,0%.
Muito embora tenha havido ligeira melhora em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, quando a taxa chegou a 13,2%, logo 13,5, milhões de pessoas desocupadas, o engodo da geração de empregos por meio da reforma não se mantém de pé.
Respalda a assertiva as conclusões o estudo “Dossiê Reforma Trabalhista”, elaborado pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, citando dados do CAGED, de que no período de forte dinamismo econômico entre 2003 e 2014, foram criados 20.887.597 postos de trabalho.[8]
O estudo também cita levantamento realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2015 e Adascalitei: Pignatti Morano, 2015) em diversos países de 1993 a 2013 e de 2008 a 2014, em que se analisou quantativamente a relação entre proteção ao trabalho, desemprego, taxa de ocupação e participação.
Os resultados indicam que não há significância estatística entre legislação do trabalho protetiva e nível de emprego, além de apontarem que em países onde a regulamentação cresceu o nível de desemprego aumentou, comprovando que a geração de empregos está atrelada ao bom desempenho da atividade econômica e não a flexibilização da legislação trabalhista.
Está claro, portanto, que a verdadeira face da reforma trabalhista (justificativas não declaradas) é no sentido de permitir que a força de trabalho se ajuste a lógica das empresas por meio da flexibilização desta relação, criando um paradoxo à medida que prega a necessidade de geração de empregos ao mesmo tempo que permite a utilização de contratos precários como o contrato intermitente, contrato temporário, a jornada 12X36 e o trabalho autônomo, em descompasso com os princípios constitucionais da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na busca do pleno emprego. (art. 170, caput e VIII).
Eduardo Antonio Bossolan é Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e advogado na banca Crivelli Advogados.

[1] https://www.conjur.com.br/2017-nov-16/senso-incomum-filosofo-perguntou-americanos-nao-vem-curtir-nossa-clt
[2] Entre eles: o fim da homologação dos contratos de trabalho, possibilidade de trabalho sem salário (intermitente), prorrogação de jornada de trabalho em ambiente insalubre, quitação anual de direitos, negociação individual das condições de trabalho, jornada 12X36, inobservância do intervalo interjornada
[3] Manual da reforma trabalhista: pontos e contrapontos/Valdete Souto Severo, Jorge Luiz Souto Maior; organizadores Afonso Paciléo Neto, Sarah Hakim; prefácio Lívio Enescu. – São Paulo (SP): Sensus, 2017, p. 14.
[4] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-reforma-trabalhista-em-vigor,70002080449
[5] http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_385.htm
[6] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1933111-e-preciso-flexibilizar-direitos-sociais-para-haver-emprego-diz-chefe-do-tst.shtml
[7] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20675-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-foi-de-12-6-no-trimestre-encerrado-em-fevereiro.html
[8] http://www.cesit.net.br/dossie-reforma-trabalhista/


A fúria canina da Lava Jato e o jornalismo de guerra da "Fantástica Fábrica de Golpes", por Jeferson Miola



"Como num regime fascista, eles atribuem a si mesmos um poder total e soberano que a Constituição brasileira não lhes confere." - Jeferson Miola

Do Jornal GGN:




por Jeferson Miola
em seu blog

A decisão do stf abre caminho para a nulidade não só do processo do sítio de Atibaia, como também para a anulação da farsa do tríplex armada por Moro, Dallagnol e Globo para perseguir, condenar e prender Lula.
As razões para isso são robustas: [1] se houvesse crime, a jurisdição para julgamento seria a justiça federal de São Paulo, nunca a de Curitiba; e, [2] em caso de processo penal, deveria ser observado o juiz natural do caso, princípio constitucional que excluiria Sérgio Moro da condução dos casos.
O abalo no principal pilar do regime de exceção debilita a ditadura. Daí que se pode entender a fúria canina da Lava Jato e o jornalismo de guerra da Globo no combate à decisão do stf.
O jornal nacional da quarta-feira, 25/4, ao invés de repercutir a opinião do mundo jurídico nacional e estrangeiro sobre o fato de relevante interesse jornalístico, a decisão do stf, fez outra reportagem de caráter acusatório e persecutório, unicamente preocupada em criminalizar Lula.
Numa reportagem bem armada, requentou vídeos de delatores que receberam impunidade e preservação do patrimônio multimilionário roubado em troca de testemunhos forjados para levar Lula à prisão.
Nesta mesma edição, todavia, o jornalismo de guerra da Globo não noticiou a atitude despótica e criminosa [a fúria canina] da juíza da Lava Jato que impediu Lula de receber visita do seu médico, deixando ameaçadas a saúde e a vida de um ex-presidente do Brasil.
Os procuradores, por outro lado, desafiaram a decisão do stf, considerando-a “ininteligível e superficial”.
Em clara afronta à suprema corte do país, eles declararam: “Por não haver qualquer mudança fática ou revisional, deve a presente ação penal prosseguir em seus regulares termos”.
Como num regime fascista, eles atribuem a si mesmos um poder total e soberano que a Constituição brasileira não lhes confere.
A brutalidade contra Lula não tem sido – e tampouco será – suficiente para o extermínio deste que é o maior líder popular do Brasil e um dos maiores do mundo.
É real, por isso, o risco de aumento do delírio e da violência fascista contra Lula; violência essa que ricocheteia na sociedade aumentando o racismo e o ódio ao povo pobre e negro.
A luta pela libertação do Lula, por isso, é o fator decisivo para a contenção do fascismo e para a restauração da democracia, do Estado de Direito e da paz no país.
E esta luta democrática exige o combate resoluto ao fascismo jurídico-policial da Lava Jato e ao terrorismo midiático da Globo.