terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Xadrez do trumpismo e do bolsonarismo, por Luis Nassif


"O documentário anônimo sobre o atentado a Jair Bolsonaro é perturbador. Nele, são identificadas pessoas que gravitam no entorno de Adélio durante a primeira tentativa e a segunda, logo depois. Em alguns momentos, parece até que montam uma barreira no meio do povo, para facilitar a aproximação de Adélio. E, quando ocorrer o atentado, correm a montar um cordão de proteção para impedir o linchamento do autor." - Luis Nassif

Do GGN:



Peça 1 - as bolsonarices de Trump
Na descrição da jornalista Elizabeth Drew, lotada em Washington, Donald Trump é “um presidente dos Estados Unidos que desdenha a opinião de especialistas, é impulsivo, mentiroso, não muito inteligente, perturbado, desinformado, indeciso, incompetente, destemperado, corrupto e um negociador pobre (conforme) ficou irrefutavelmente claro nos últimos dias”.
No entanto, imaginava-se que seria domado pelo “sistema”, as instituições que integram a maior democracia do planeta, que suas extravagâncias não mexeriam com a economia e os mercados.
Ledo engano!
Fato 1 - a interferência na Defesa
No dia 19 de dezembro, pelo Twitter, Trump informou que o EIIL (Estado Islâmico do Iraque e da Siria) havia sido derrotado e os Estados Unidos retirariam suas tropas da Síria. Anunciou também a retirada de metade das tropas do Afeganistão, no meio de negociações com os talibãs.
Não consultou países e grupos aliados, não informou previamente as lideranças republicanas no Congresso. Consultas prévias são essenciais para corrigir caminhos, levantar consequências e montar estratégias de implementação.
Estrategicamente, a medida foi considerada um desastre diplomático e estratégico. Os curdos foram deixados à mercê da Turquia e o poder na Síria se consolidou nas mãos de Bashar al-Assad, aliado da Rússia e do Irã. Não por coincidência, as duas únicas personalidades a saudar a medida por Recep Tayyip Erdoğan, da Turquia, e Vladimir Putin, da Rússia.
As reações foram imediatas. No Senado, houve o protesto do senador Lindsey Graham, em geral aliada de Trump. O Secretário de Defesa James Mattis, tido como única barreira aos impulsos de Trump, pediu demissão. Na lista de queixas, um diagnóstico arrasador dos desastres que uma diplomacia sem rumo pode provocar. Trump demonstrou confusão para identificar aliados e adversários, passou aos aliados sinais fortes que não poderiam confiar no apoio americano, esgarçou as alianças com a OTAN (Organização do Tratado do Atlêncito Norte).
A saída de Mattis provocou reações imediatas no Partido Republicano, conforme alerta do líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, que viu o governo Trump despido de qualquer barreira de proteção contra suas bolsonarices.
Fato 2 - o muro separando o México
Trump fez campanha defendendo a construção de um muro separando os EUA do México, para impedir a imigração ilegal. A proposta tornou-se impopular para o público. Em reunião televisionada na Casa Branca, os democratas jogaram uma casca de banana e Trump escorregou direto: para não abrir mão da rude franqueza sem-noção, declarou que ficaria “orgulhoso” de paralisar o governo, caso o Congresso não liberasse parte das verbas para a construção do muro.
Pouco antes do Natal, foram suspensos os salários de centenas de milhares de trabalhadores federais.
Fato 3 - a disputa com o FED
Junto com a paralisação da administração, veio o humor de que Trump planejava demitir Jerome Powell, presidente do FED. O desconforto do mercado obrigou o Secretário do Tesouro Steven Mnuchin a uma desmentido público.
Até então, o mercado acreditava que Trump latia, mas não mordia.
Fator 4 - as disputas com a China
A radicalização da guerra comercial contra a China, ameaçando a globalização e as cadeias de suprimentos globais, especialmente no setor de tecnologia, espalhou o pânico, radicalizando os receios de ampliação da crise global.
Segundo Nouriel Roubini - o economista que previu o crash de 2008 - hoje em dia o mercado enxerga Trump como o Dr. Strangelove, o personagem do filme de Stanley Kubrick.
Conclusão
Nos processos democráticos, há dois momentos distintos. Um, o das eleições, nas quais o eleitor se manifesta. A outra, no exercício do poder, restrito ao que o próprio Trump chama de “sistema”: o Congresso, a Suprema Corte, o sistema de Defesa, o Departamento de Estado, o mercado e a grande mídia sendo a síntese dos julgamentos de imagem que acompanham toda gestão.
Ou seja, as redes sociais ajudam a construir imagens junto ao povão; mas no exercício do poder valem  as regras de conduta aceitas pelo “sistema”.
Peça 2 - as trumpices de Bolsonaro
Se Steve Bannon não assessorou pessoalmente Jair Bolsonaro, nas últimas campanhas, estamos diante de um milagre superior aos feitos de João de Deus. Não apenas o uso das redes sociais, a geração de fakenews, mas as denúncias contra supostas manipulações na apuração, a criminalização dos adversários, o estímulo à violência, a disseminação do preconceito por gays, imigrantes, “vermelhos”, e um fanatismo religioso de talibã.
Os riscos do estilo Trump para uma democracia madura, como os Estados Unidos, servem de alerta a qualquer setor racional do sistema de poder brasileiro. E, em relação, ao “sistema”, há diferenças essenciais entre os Estados Unidos de Donald Trump e o Brasil e Jair Bolsonaro.
Há dois momentos na política: nas eleições, manifesta-se o povo; no governo, manifesta-se o “sistema”.
No caso brasileiro atual, há um enorme fator de desequilíbrio no “sistema”: o poder militar que emergiu com a falência do poder civil e que tem se constituído, até agora, no eixo mais racional da troupe Bolsonaro.
O STF (Supremo Tribunal Federal) perdeu a capacidade de mediação. No momento em que o presidente Dias Toffoli trouxe um militar como assessor, formalizou definitivamente a irrelevância do STF, como defensor da Constituição e agente de mediação.
O Congresso poderá ser subjugado pelo estado policial que está a caminho, comandado pelo futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro.
O empenho com que a própria Procuradoria Geral da República vazou delações contra Renan Calheiros, candidato a presidente do Senado, e o papel solícito do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro em relação ao motorista dos Bolsonaro, são indícios do envolvimento político do ministério público.
Peça 3 - A volta dos porões
Há um enigma no ar, que é o papel a ser desempenhado pelos porões.
O documentário anônimo sobre o atentado a Jair Bolsonaro é perturbador. Nele, são identificadas pessoas que gravitam no entorno de Adélio durante a primeira tentativa e a segunda, logo depois. Em alguns momentos, parece até que montam uma barreira no meio do povo, para facilitar a aproximação de Adélio. E, quando ocorrer o atentado, correm a montar um cordão de proteção para impedir o linchamento do autor.
São indícios, mas que merecem atenção, assim como a pressa no deputado-delegado Francesquini em impedir entrevistas, ou a prontidão de quatro advogados assistindo Adélio logo após o atentado. E, mesmo, seu isolamento total depois do atentado.
É difícil que o atentado não tenha ocorrido. Não seria possível cooptar médicos da Santa Casa de Juiz de Fora e dos hospitais Albert Einstein e Sirio Libanês. Mas a hipótese de ter sido um conluio, e não a ação individual de um desvairado, não deve ser descartada. Havia  dois desfechos possíveis no atentado: um ferimento superficial ou um ferimento fatal. Em qualquer hipótese, o bolsonarismo sairia vencedor, com Jair ou sem Jair. Aliás, é só conferir a desenvoltura com o que o candidato a vice-presidente, general Hamilton Mourão, assumiu as rédeas da campanha.
É difícil que Mourão tenha participado de um jogo desses. Mas, e se fosse um grupo dos porões, que enxergasse no atentado a possibilidade de um presidente militar puro-sangue?
Os ataques terroristas
Seja o que for, há muito mais coisas no ar do que aviões de carreira. Já é antiga a insistência em encontrar células terroristas no Brasil, como álibi para a implantação de uma intervenção maior nas instituições.
A primeira tentativa foi o do então Ministro Alexandre de Moraes, armando um banzé em torno do episódios do grupo radical de Facebook - um bando de malucos, mas sem nenhum indício de que estariam planejando ações concretas.
Depois, a criação indiscriminada de operações nos estados com as forças nacionais, a indicação de um general da reserva, radical, para comandar o GSI (Gabinete de Segurança Interna), o decreto estendendo o conceito de segurança nacional para todos os cantos.
Agora, surge essa história da ameaça terrorista, e do manifesto pirado divulgado por um portal de Brasília, de autoria de um suposto grupo terrorista de ativistas da natureza, anunciando ações terroristas contra o governo Bolsonaro.
Não se tenha dúvidas de que as sementes que começaram a ser plantadas no início do governo Temer, para abrir espaço para uma intervenção militar, continuam sendo fartamente regadas. Não há nenhum álibi mais efetivo do que ameaças terroristas.
O polianismo
Tem-se o primeiro caso da história republicana, de governo religioso, com todos os riscos já conhecidos nesse embricamento  do fundamentalismo religioso com o Estado. Há ameaças de formação de um estado policialesco. O futuro presidente cria problemas diplomáticos graves por motivos religiosos e ameaça liquidar com os inimigos. O clima de macartismo espalha-se por todo o país.
Mas, para o diáfano Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, todos esses sintomas constituem “a nova ordem que procura nascer e reflete a imensa demanda que se desenvolveu na sociedade brasileira por integridade, idealismo e patriotismo. Estamos procurando mudar paradigmas inaceitáveis e empurrar a história na direção certa”. 
Afinal, como diz o Ministro Ernesto Ataujo, das Relações Exteriores, amigo de fé e de esperança. “No Brasil (pelo menos), o nacionalismo tornou-se o veículo da fé, a fé tornou-se a catalisadora do nacionalismo, e ambos desencadearam uma estimulante onda de liberdade e de novas possibilidades. Deus está de volta, e a nação está de volta: uma nação com Deus; Deus através da nação." 
Peça 4 - os próximos passos
Os episódios recentes reforçam o cenário dos últimos Xadrezes.
1. O poder de fato está com o general Augusto Heleno, que tem ascendência sobre Bolsonaro e família, e sobre o eixo militar do governo.
2. A família Bolsonaro continuará ativista do fundamentalismo religioso do governo. E será cada vez mais fator de turbulências. Nem o episódio do motorista ajudou a refrear a ânsia de protagonismo da família. A eventual queda de Bolsonaro significaria a ascensão do general Hamilton Mourão. Por isso mesmo, a hipótese mais provável será, no próximo escândalo de vulto, o afastamento dos filhos do centro de poder. Sem os filhos, Bolsonaro se tornaria apenas a imagem do seu governo.
3. Também aumentarão os embates entre o núcleo Bolsonaro - liderado por Augusto Heleno - e o vice-presidente Mourão, que é um verborrágico incontrolável. Até agora Mourão não desceu do palanque do clube militar.
Um desenho mais claro do governo se terá a partir dos próximos dias, quando forem anunciadas as metas de cada ministério. Aí será possível avaliar a compatibilidade entre o plano de infraestrutura - aparentemente bem desenhado - e as limitações das políticas restritivas a serem implementadas por Paulo Guedes.
Quanto ao estado policial, se implantará sem lançamento oficial. Será gradativo, com cada medida sendo naturalizada pela opinião pública, minimizada pelo Supremo, como, aliás, têm sido a regra desde a campanha do impeachment.

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