terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A ousadia de um torturador, por Francisco Celso Calmon



Aos torturadores cabe o arrependimento e o pedido de perdão às suas vítimas e à nação brasileira. Esta é a única atitude digna que lhes resta.

A ousadia de um torturador

por Francisco Celso Calmon, no GGN

 O ex-prisioneiro político, jornalista Aluízio Palmar, e o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu, estão sendo processados pelo ex-tenente, advogado Mario Espedito Ostrovsk, no Juizado Especial Civil de Foz do Iguaçu, datado de 25/09/2019. 
Seis anos antes, em 28 de junho de 2013, o CDHMP realizou um protesto, na forma de escracho, em frente ao edifício, no qual o ex-agente da ditadura tem escritório. 
O ex-tenente, Mario Espedito Ostrovski, é citado como torturador no livro Brasil Nunca Mais -BNM- e no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.
O autor, autointitulado nos autos como de ilibada reputação, requer indenização por danos morais, no valor de R$ 39.920,00 (trinta e novel mil, novecentos e vinte reais). E se disse motivado à ação porque a sua neta de 15 anos lhe cobrou explicações sobre essas denúncias narradas pelo Centro de DH e Memória Popular.   
A reputação do autor está em desonra desde 1985, quando veio a público o relatório do projeto BNM, promovido pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, pelo Rabino Henry Sobel e pelo Pastor presbiteriano Jaime Wright. 
Nesse relatório consta um dos casos dos mais perversos de tortura da ditadura militar sobre a jovem professora da escola rural no interior do Paraná, Isabel Fávero. 
Descreve Isabel que em 1969 ela e seu marido foram levados para o quartel do Exército, em Foz do Iguaçu, no qual o então tenente Espedito lhe aplicou choques elétricos nos mamilos, genitália e nas extremidades do corpo. Estava grávida de dois meses e devido às torturas, sofreu um aborto. A professora revelou ainda que, após o aborto, sangrou durante dias, sem possibilidade de fazer qualquer tipo de higiene. (páginas 136/137 do Tomo II Vol. 1 – BNM). 
Seu depoimento está hospedado choca qualquer cidadão com um mísero de dignidade e humanidade.
Ainda nesse mesmo ano de 1985 O jornal Correio de Notícias, de Curitiba, publicou na capa, notícia que o governador José Richa, o exonerou da chefia da Assessoria de Segurança e Informações da Copel, devido as denúncias de torturas cometidas pelo ex-militar. 
Nesse mesmo ano de 1985, portanto há 34 anos, o companheiro Aluízio publicou o livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, no qual já denunciava as barbaridades da ditadura, incluindo as desse ex-tenente da seção de informações do Exército.
Em 2013, na audiência pública perante à Comissão Nacional da Verdade – CNV – e da Comissão estadual, prestaram depoimentos Aluízio Palmar, Ana Beatriz Fortes, Alberto Fávero e Isabel Fávero, nos quais constam as terríveis sevícias que sofreram.
No relatório da CNV, ele aparece na lista de torturadores sob o número 304:  “O Tenente do Exército serviu na 2ª seção do Batalhão de Fronteira de Foz do Iguaçu (PR), no início da década de 1970, quando atuou em operações militares que levaram à extinção da presença de opositores do regime militar no município nova Aurora, no Paraná. Teve participação em casos de detenção ilegal e tortura. Convocado duas vezes pela CNV, deixou de comparecer sem apresentar justificativa, o que motivou solicitação da CNV ao Departamento de Polícia Federal para abertura de inquérito policial por crime de desobediência. Vítimas relacionadas: Clari Isabel Dedavid Fávero, Luíz Andrea Fávero e Alberto Fávero (1970 e 1971).
Essas denúncias aparecem também em “Notícias das torturas no Batalhão do Exército em Foz do Iguaçu, no site da Secretaria de Estado da Justiça – Paraná; Portal G1; Portal H2Foz.  
Por duas vezes fugiu, desrespeitou uma Comissão com poderes do Estado brasileiro, e agora que passar de algoz em vítima.
Ele carrega a morte de um feto, impediu o nascimento de uma criança, além de atrozes torturas à mãe e o pai, prisioneiros, e sob ameaça de jogá-los do avião nas cataratas do Iguaçu, sob as mortalhas produzidas pelo AI5. 
As vítimas da ditadura têm filhos e netos como os seus algozes.  Uns sentem e sentirão orgulho de seus país e avós, outros sentirão vergonha. É parte de uma história não resolvida! 
Aos torturadores cabe o arrependimento e o pedido de perdão às suas vítimas e à nação brasileira. Esta é a única atitude digna que lhes resta. É dessa forma que poderão obter a compreensão de gerações descendentes e fitar no mesmo plano seus inocentes parentes. 
Quem tortura esquece, por mecanismos psicológicos próprios do pervertido, quem é torturado jamais esquece. As consequências da tortura são perenes.
Nos autos, a parte Autora requer a realização da audiência de conciliação. Mas não há de se cogitar sequer de conciliação com torturadores. A tortura é crime hediondo, de lesa-humanidade, imprescritível e sem perdão. Há, sim, que processá-lo pelas graves violações aos Direitos Humanos e por essa crápula ousadia. 
Durante a ditadura de 64 eram prepotentes pela força das armas e poder do Estado, na democracia viraram covardes fujões, no presente, sob  a égide de um Estado Policial bolsonarista, de natureza nazifascista,  mantido por milicianos, militares e togas deformadas, que estimula o ódio, a belicosidade e a arrogância de pronunciar um novo AI5, estão novamente se portando como tiranos.
O FMV-ES, integrante da RBMVJ, indignado com a ousadia desse torturador e solidário com o companheiro Aluízio Palmar e com a luta do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz de Iguaçu, afirma em letras másculas: A DITADURA MILITAR NÃO NOS CALOU E NENHUMA OUTRA TIRANIA NOS CALARÁ. 
Francisco Celso Calmon é Advogado, Administrador, Coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do ES; autor do livro Combates pela Democracia (2012) e autor de artigos nos livros A Resistência ao Golpe de 2016 (2016) e Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula (2017).

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