Mostrando postagens com marcador inversão de valores. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador inversão de valores. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A farsa no MEC bolsonarista e porque o olavista Weintraub precisa ser demitido, por Iago Montalvão




MEC se torna uma peça fundamental para assentar sua posição na disputa ideológica da sociedade, buscando inverter valores, revisar concepções políticas e visões historiográficas

A farsa no MEC e porque Weintraub precisa ser demitido

por Iago Montalvão

O Ministério da Educação sempre foi um setor estratégico para os projetos políticos gerais dos governos que assumiram o poder executivo no Brasil. Por vezes, um projeto de fortalecimento do desenvolvimento nacional com a educação no centro da formação emancipatória do povo brasileiro e da inovação científica, como vimos com Darcy Ribeiro, que teve seu percurso impedido pelo golpe militar. Em outras vezes o projeto colocado foi o de expansão de uma concepção mercadológica e privatista de educação, como o de Paulo Renato no governo FHC, que fez com que a balança de matrículas no ensino superior chegasse à quase 90% nas instituições privadas. Balança esta que só pôde ter uma leve recuperação após o ciclo de expansão e democratização das universidades e institutos federais durante os anos de 2007 a 2012.
Também em uma virada radical de hegemonia no campo político como temos visto com o Governo Bolsonaro, o MEC se torna uma peça fundamental para assentar sua posição na disputa ideológica da sociedade, buscando inverter valores, revisar concepções políticas e visões historiográficas que já estavam bastante consolidadas. E na sustentação do governo Bolsonaro a disputa ideológica, de valores e tradições são eixos estratégicos. Portanto o campo da educação, neste governo, tem servido até agora apenas para servir de sustentáculo ideológico do reacionarismo  e do obscurantismo característicos desse grupo político que tomou o poder.
E Weintraub é justamente, para além de uma figura polêmica e contraditória, a personificação desse programa conservador e reacionário em que o governo tenta se assentar para manter sua bolha de aprovação. Isso se evidência na procura incessante do Ministro em apresentar declarações polêmicas, ofensivas e acusatórias contra as universidades, os professores e os estudantes, mas sem nunca avançar em ações práticas ou planejamentos estratégicos para sanar os desafios reais que a educação brasileira ainda enfrenta. Em contraposição às frequentes provocações às universidades públicas, não há nenhum avanço que se note rumo às metas e estratégias do PNE, quase nenhum esforço em priorizar o debate do Novo Fundeb e um péssimo diálogo com reitores e administrações de universidades, com profunda ineficiência na gestão do repasse das verbas das instituições federais de ensino superior, o que provocou um ano perdido de crise permanente na educação brasileira.
Esse ministro é também homem forte de Bolsonaro, saiu da cozinha do presidente, onde também figuram outros Weintraub, e que apesar de estar cumprindo um papel de testa de ferro do reacionarismo ideológico, também tem em suas origens políticas fortes relações com os grupos da política econômica ultra-neoliberal que absorveram Bolsonaro. Aqui se localiza uma das grandes contradições, e um símbolo de sua incoerência, pelo fato de que mesmo após fazer uma tabelinha com Guedes ao sustentar os cortes na educação e apresentar um projeto de cunho profundamente neoliberal e privatizante como o Future-se, Abraham agora tenta se colocar em uma posição de enfrentamento aos grupos oligopolistas da educação privada, como deixou muito claro em sua presença na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, por se sentir ameaçado por esses setores.
Ora, mas é justamente um ministro que usa de seu posto e da sua referência enquanto pessoa pública para ferir a moral e a imagem das universidades públicas, construídas com muito suor por muitas décadas, que contribui para o enfraquecimento da força social dessas instituições no Brasil e no mundo. É justamente um ministro que bloqueia verbas, e faz disso uma piada, embaralhando todo planejamento de gestão financeira das administrações e prejudicando a garantia do financiamento público, é que contribui para o aumento da evasão estudantil e o sucateamento das instituições federais de ensino superior. É justamente esse entrelaçamento de um projeto de aparelhamento ideológico e de política neoliberal do MEC que contribui para o fortalecimento dos oligopólios do ensino privado, para o desmonte da autossuficiência da pesquisa brasileira nas instituições públicas e a entrega total do nosso potencial científico para ou para o obscurantismo ou para as empresas, sobretudo as estrangeiras.
É nesse sentido que, mesmo atentos aos anseios agressivos do mercado oligopolista do ensino privado, não devemos temer em exigir com veemência a demissão de Weintraub do cargo de Ministro da Educação. Primeiro porque falas, entrevistas e declarações, sejam elas dadas a jornalistas, feitas por vídeo ou em redes sociais, por parte de uma autoridade de primeiro escalão do governo não devem jamais ser relativizadas, pois tem um impacto simbólico relevante na sociedade e que se desdobram em consequências reais e estruturais. Mas também porque essa postura que unifica um projeto de instrumentalização ideológica conservadora do MEC e ao mesmo tempo de caráter privatista e mercadológico só tem a prejudicar nossa educação. E nenhum Ministro que venha para destruir a educação deve ter paz dos estudantes ou de qualquer um que se preocupe com o futuro do nosso país.
Iago Montalvão, estudante de Economia da USP e presidente da União Nacional dos Estudantes

domingo, 10 de janeiro de 2016

Em entrevista para o El País, o sociólogo Jessé Souza, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, afirma o mal que a mídia e a tradição da Casa Grande faz: "No Brasil, o Estado é demonizado e o mercado é o reino de todas as virtudes”

EL PAÍS

“No Brasil, o Estado é demonizado e o mercado é o reino de todas as virtudes”


O sociólogo e presidente do Ipea, Jessé Souza. / FERNANDO CAVALCANTI

Presidente do Ipea, o sociólogo Jessé Souza questiona as bases do pensamento nacional

O sociólogo Jessé Souza lidera desde o início do ano, quando assumiu a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – na esteira da polêmica eleitoral do atraso da divulgação de uma pesquisa sobre miséria –, um levantamento que se propõe a fazer uma “radiografia do Brasil contemporâneo”. A pesquisa, que deve começar a apresentar resultados em setembro do próximo ano, faz parte de um esforço geral do Ipea para compreender melhor quem é o brasileiro e colaborar para a avaliação de políticas públicas que pretendem melhorar a vida da população.
Na radiografia, os pesquisadores pretendem analisar a composição social do país para além dos índices econômicos, como costuma fazer o instituto, e levar em conta questões como “socialização e o capital cultural”, conceitos que Souza explora no livro A Tolice da Inteligência Brasileira, a ser lançado neste mês. Na obra, o sociólogo questiona conceitos basilares do pensamento brasileiro, como o patrimonialismo e o “homem cordial”, e diz que nossa ciência social está baseada em mitos infundados criados e promovidos por pensadores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Pergunta. Em que pé está a radiografia que pretende "estabelecer uma nova divisão de classes no Brasil"?
Resposta. Pretendemos ter um apanhado geral em seis meses, fechado em março. Até setembro do próximo ano, já vamos entrar em questões concretas, ao avaliar programas específicos. Além do MEC [Ministério da Educação] e do MDS [Ministério do Desenvolvimento Social], também trabalhamos com a Secretaria da Juventude em São Paulo, com um estudo sobre o jovem da periferia. Mas a radiografia é apenas uma das nossas pesquisas. Temos uma agenda estratégica, que é uma tentativa do Ipea de fornecer elementos ao Governo para guiar e orientar a estratégia pós-ajuste fiscal. Queremos montar uma inteligência que possa dizer em tempo real o que está acontecendo em cada grande projeto e como ele pode ser corrigido ainda na feitura. Estamos montando convênios e cooperações para analisar os programas profissionalizantes, como o Pronatec, estudar a política de apoio à entrada nas universidades públicas e contribuir com o PNE [Plano Nacional de Educação].
P. Vocês estão atrás de que tipo de informação?
R. As classes normalmente são percebidas como construídas a partir da sua renda. Isso não é verdade, porque não é o bastante para antecipar o comportamento das pessoas, como estudam, agem, como montam suas vidas. É isso o que importa saber, tanto para o mercado quanto para o Estado. E você não consegue antecipar o comportamento das pessoas pela renda. Um exemplo óbvio é o do professor universitário em início de carreira, que ganha 8.000 reais, e o trabalhador qualificado da Fiat, em Betim [MG], que ganha mais ou menos isso. É mínima a probabilidade de que essas pessoas tenham comportamento semelhante, de que lidem na família do mesmo modo, tenham estilos de vida semelhantes, com padrões de consumo e lazer semelhantes, uma concepção de mundo semelhante. O tipo de educação, de socialização familiar e escolar vão montar tipos de pessoas muito distintas, com escolhas muito distintas, embora recebam uma renda semelhante.
P. Como a socialização familiar influencia o rumo da vida desses brasileiros?
R. Os estímulos ao pensamento abstrato só existem na classe média. O estímulo à concentração na leitura só existe na classe média; a valorização das coisas do espírito. Na classe baixa, o filho do pedreiro está brincando com o carro de mão. Está sendo estimulado para ser trabalhador manual, e não para refletir. Dois tipos de pessoas muito distintas, e numa sociedade onde o grande elemento é o espírito, é o conhecimento. Além do capital econômico, o que vai definir a luta por recursos escassos é o conhecimento.
Na classe baixa, o filho do pedreiro está brincando com o carro de mão. Está sendo estimulado para ser trabalhador manual, e não para refletir
P. Nosso Estado ainda não tem noção de quem é o brasileiro?
R. Não só o Estado, mas a sociedade brasileira não tem esse conhecimento ainda. É sempre algo aproximado, e a gente quer contribuir para isso criando um novo elo para além desses dados. Estamos unindo, em um estudo inédito, o dado quantitativo a dados qualitativos, mas qualitativo crítico, que não interpreta a fantasia das pessoas sobre elas mesmas como a verdade. A gente quer descobrir quais são as necessidade e carências desse brasileiro, e também os seus sonhos, e não as fantasias que ele monta sobre si mesmo para continuar vivo. A gente quer saber o que falta para construir uma inteligência institucional mais sofisticada, que se adapte melhor a esse público.
P. É por conta desses conceitos que você questiona os dados que indicam redução nas desigualdades do país nos últimos anos?
R. Houve uma histórica e importante inflexão no Governo Lula, algo que não acontecia há 60 anos, porque o Brasil foi, desde o Golpe 1964, um país feito para a minoria, para 20%. É algo que havia acontecido apenas com Getúlio Vargas e Jango [João Goulart]. Jango quis, no fundo, aprofundar as mudanças que Getúlio tinha procurado estabelecer, que tem a ver com o fato de que o Estado deveria ser também dos pobres, da maioria da população brasileira historicamente esquecida. Não vejo um fato mais importante nos últimos 60 anos do que porções significativas dos nossos excluídos tiveram uma ascensão social significativa, não só no consumo, mas em acesso à escola, a serviços estatais importantes. Essa é a grande herança que vale a pena se lutar para ser mantida e aprofundada. Longe de negar que houve esse combate à desigualdade, a gente quer ajudar a combater ainda melhor essa desigualdade.  
P. Você diz no livro que o povo é manipulado por uma pequena elite no Brasil. De que forma?
R. No Brasil se construiu uma ideologia, que não tem nada a ver com a ciência. As ideias dos grandes pensadores são tão importantes quanto as ideias dos antigos profetas e religiosos. Não há nada que se publique que não precise ser atestado por um especialista. Isso mostra como a ciência é importante. O que os jornalistas produzem, o que os professores de universidade dizem, o que os juízes decidem nos tribunais, tudo isso são consensos que foram construídos e criados por grandes intelectuais. As pessoas não percebem isso, acham que cada pessoa está tirando tudo da própria cabeça. O que eu procurei identificar no livro é quais são essas ideias, o que elas defendem, e quem são esses caras.
No Brasil se construiu uma ideologia, que não tem nada a ver com a ciência
P. Que ideias são essas?
R. Essas pessoas defendem um tipo de liberalismo amesquinhado que tem a ver com a imagem negativa do brasileiro. Isso começa com o Gilberto Freyre, em 1933, quando se substitui o racismo científico, fenotípico, por um racismo cultural. A base desse raciocínio é o “complexo do vira-lata”, como chamava Nelson Rodrigues. Supõe-se que existam sociedades superiores, compostas por indivíduos superiores moral e cognitivamente, que estariam nos Estados Unidos e na Europa. Lá, haveria um Estado só público, que não é privatizado por ninguém. Isso é um completo absurdo, fácil de ser destruído. Mas quando essas interpretações se tornam naturalizadas, os fatos não importam mais. O que os grandes pensadores dizem é que a privatização do Estado é uma singularidade brasileira, e nós acreditamos nisso. Há um sequestro da inteligência do povo brasileiro montado por grandes intelectuais. A grande interpretação do Brasil é só uma, que une personalismo e patrimonialismo.
P. Qual é o resultado dessa união?
R. O personalismo diz que o brasileiro é um sujeito inferior, pré-moderno, que se liga a relações pessoais, como se não houvesse relações pessoais e não fossem decisivas em qualquer lugar. [O brasileiro] É sentimental, cordial, emotivo e tendencialmente corrupto. Esse personalismo foi criado a partir da leitura de Gilberto Freyre por Sérgio Buarque de Holanda. Freyre queria fazer um mito nacional, e Buarque queria fazer ciência. Mas a ciência se faz contra todos os mitos. Nossa ciência veio de um mito, mas o mito não tem validade científica, é um conto de fadas para adultos, para explicar a leigos como a sociedade funciona.
P. Como esse pensamento afeta a vida dos brasileiros?
R. Todos os conflitos brasileiros tendem a ser silenciados. A classe média, que se põe como campeã da moralidade, no fundo explora o trabalho de uma ralé, de uma classe de excluídos, que presta todo tipo de serviço a ela — serviços que nem as classes médias europeia ou norte-americana têm. É um exército de escravos, no fundo, para prestar, a baixo custo, serviço na sua casa, cortar a sua grama, fazer comida, cuidar do seu filho. Isso é uma luta de classes. A luta de classes é silenciosa, por recursos escassos. Todos recursos, materiais e ideais, são escassos. Não é só a casa, o carro, a mercadoria, mas o reconhecimento, o prestígio, a beleza, o charme. Isso tudo é escasso. Há uma luta de todos contra todos em relação a isso, mas algumas classes monopolizam o acesso a esses recursos: o 1% e seu sócio menor, que é uma classe média de 20%, que monopoliza o capital cultural e tem um estilo de vida europeu em um país como o Brasil. O restante tem de lutar por isso.
A classe média, que se põe como campeã da moralidade, no fundo explora o trabalho de uma ralé, de uma classe de excluídos, que presta todo tipo de serviço a ela
P. É por isso que, na sua avaliação, o Estado virou alvo preferencial no Brasil?
R. Toda essa exploração de classe é escondida e transformada em um conflito construído, irreal, que não existe, entre Estado e mercado. Porque o Estado precisa do mercado para sua sobrevivência, e vice-versa. Mercado e Estado são uma coisa só, mas, no Brasil, você demoniza o Estado e monta o mercado como reino de todas as virtudes. Não existe crime no mercado. Essa coisa de o brasileiro ser inferior tem um lugar específico entre nós desde Sérgio Buarque: o Estado. É a tal tese do patrimonialismo. Há uma elite que, só no Estado, rouba a sociedade como um todo, como diz Raymundo Faoro. Então se cria um conflito artificial.
P. A prisão de grandes empreiteiros na Operação Lava Jato não confronta essa ideia de que o mercado tem tratamento diferente no Brasil?
R. As relações entre economia e política são sempre complicadas. Abrangem todos os partidos e todos os ramos da indústria e da vida econômica. Não consigo entender por que a seletividade, só alguns ramos e alguns partidos. O que existe é uma modernização do golpe de Estado brasileiro. O 1% quer continuar mandando, especialmente num contexto em que não dá para atender a todos. Para isso, silêncio sobre alguns partidos e atividades industriais, e toda a luz para alguns partidos, quase sempre ligados a interesses populares. Se há crime, tem de ser sempre investigado, mas sempre houve seletividade. Com isso, se acirra os ânimos do suporte social e emocional para esse tipo de mensagem.
P. Como o golpe de Estado brasileiro se "modernizou"?
R. Para a democracia moderna, só existe um princípio: soberania popular. A fonte de todo poder é o voto. Não existe nenhum outro princípio, e, como não há, é preciso fabricar um, construir elementos que estariam acima da sociedade e de interesses econômicos e políticos. Antes, esse elemento estava constitucionalmente determinado, eram as forças militares. Os chefes militares constitucionalmente poderiam dizer quando estaria havendo desordem no país, e intervir. Hoje, como não podem ser mais os militares, que perderam a legitimidade para assumir esse papel, o novo elemento é um misto de agências de controle e judiciário, junto com Polícia Federal, etc. Há uma luta por quem vai ocupar esse espaço. Formalmente, o Judiciário tem todos os elementos que as Forças Armadas tinham. Não é eleito pelo povo, faz de conta que interpreta coisas que não têm a ver com a política e o jogo econômico e se põe acima do bem e do mal — e eu não estou falando em nome de nenhum juiz, até porque são vários candidatos a isso. O juiz justiceiro hoje em dia é o substituto do general entre nós. Não é mais o militar, a metralhadora, é o aparato jurídico.
P. Se a sociedade brasileira tem uma ideia equivocada e prejudicial sobre si mesma, como se abandona essa lógica?
R. A escola não é o único lugar onde as pessoas se educam numa sociedade moderna. A esfera pública é extremamente importante. Toda a democracia tem dois pilares. O voto é um deles, mas ele precisa ser refletido. O cidadão brasileiro tem de ter acesso a informações contraditórias, a opiniões divergentes. Porque, sem isso, o voto é desqualificado, manipulado. Os partidos de esquerda no Brasil falharam em grande medida em compreender essa imensa maioria de excluídos e trabalhadores pouco qualificados que não são sindicalizados, por exemplo. Quem compreendeu essas pessoas abandonadas e humilhadas, que compõem a massa do povo brasileiro, foram as religiões pentecostais, que supriram o vazio ao dizer: “você não é um lixo, é um cara importante, Jesus olha para você”. No livro, faço a crítica a esse culturalismo conservador, que é cientificamente frágil, mas também ao economicismo de todas as vertentes, da marxista à liberal. A cegueira de todo economicismo é achar que o comportamento das pessoas é unicamente motivado por estímulos econômicos. Não é, e às vezes os estímulos não-econômicos, como a autoconfiança, são ainda mais importantes. Quer dizer, você é pobre, não enxerga chances e cai no álcool ou no crack. Se receber dinheiro, vai comprar crack, não vai se recuperar como ser humano. Se tem alguém dizendo que você importa, que não nasceu para isso, que lhe dá respeito e estima, isso pode ser mais importante que dinheiro, e faz dinheiro, que é o que acontece com a classe média autoconfiante.
O cidadão brasileiro tem de ter acesso a informações contraditórias, a opiniões divergentes. Porque, sem isso, o voto é desqualificado, manipulado
P. No livro também há criticas àsjornadas de junho de 2013. Você escreve, inclusive, que o Brasil “é o país em que a classe média ‘tira onda’ de revolucionária, de agente da mudança e de lutadora por um ‘Brasil melhor’”.
R. As manifestações de 2013 são diferentes das que acontecem agora. Em 2013, houve uma parte inicial do movimento em que havia muitos elementos da classe trabalhadora precária, que passa três horas para sair da periferia para o centro de São Paulo. E esse pessoal estava justamente pedindo uma ampliação e aprofundamento de seus direitos: melhor escola, melhor saúde, mobilidade urbana. A partir de certo momento, toca-se o bumbo e a classe média vai às ruas. Então ocorre uma mudanças dos grandes temas, das demandas, para a demanda típica da classe média: só corrupção. É uma forma de você, que explora os outros, posar de campeão da moralidade. Para isso, você usa todo o estofo montado por essa inteligência para exportar o mal que pratica, e a classe média se transforma numa santa. As ideologias políticas não falam só ao cérebro. Elas falam, antes de tudo, às emoções. A classe média é feita de tola na sua reflexão por suas emoções. É manipulada e sai como tropa de choque para atacar o Estado, apesar de não ter um interesse real nesse ataque, porque os serviços poderiam ser ampliados para a classe média, que usa o SUS [Sistema Único de Saúde]. Atacar o Estado, para a classe média, é morrer em momentos importantes da vida. Essa coisa de dizer que o Estado é ineficiente só serve aos 1% mais ricos.
 P. Diante do que você considera uma ameaça de golpe, como enxerga as perspectivas para o país?
R. Estamos em um instante histórico extremamente delicado. Temos uma tradição dominante, do golpe de 1964, que montou uma sociedade para 20%, esses endinheirados, e uma classe que serve a ela. Os outros foram mais ou menos abandonados, deixados ao Deus dará. Os últimos 10 ou 15 anos foram uma inflexão forte nisso, porque dezenas de milhões saíram de uma situação não só de pobreza, mas de ausência de alternativa de vida, de futuro. Esse processo está em xeque, pode ser desfeito. A gente pode voltar ao esquema que o Brasil era, o que aliás é a maior parte dessa elite quer. Por outro lado, podemos tentar manter esse processo ou até aprofundá-lo. A gente está em uma encruzilhada histórica: ou somos um Brasil que minimamente olha para a maioria da sua população ou um país para 20% que vai ter sempre a ameaça do golpe. Por que não se governa sociedade nenhuma para 20%, a não ser pela força, pela manipulação. Daí a recorrência do golpe na história brasileira. Para a elite brasileira, não importa se você manda com o voto, você tem que poder mandar até sem o voto.
  • Enviar para LinkedIn
  • Enviar para Google +

    sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

    Golpe Acunhalhado


    Texto de  Marcelo Zero, extraído do Brasil 247 

    A tentativa de golpe iniciada por Cunha é de tal forma cínica, hipócrita, suja e inconsistente que precisa de um neologismo: acunhalhado. Uma mistura, em doses iguais e cavalares, de canalhice e corrupção com inconsistência jurídica e atitude antidemocrática.
    Cunha acusar Dilma é, como já se disse alhures, um sujeito acusado de tudo acusar uma presidente acusada de nada. É como se o Estado Islâmico acusasse o Dalai Lama de terrorismo. É como se Hitler acusasse Roosevelt de genocídio. É como se Judas acusasse Jesus Cristo de traição. É uma total e surreal inversão de valores.
    Max Horkheimer, um dos melhores pensadores da mal chamada Escola de Frankfurt, dizia que o nazismo é a "verdade" do capitalismo, no sentido de que aquele movimento político desnudava as entranhas do sistema capitalista. Nesse mesmo sentido, Cunha é a "verdade" da nossa oposição ou de parte expressiva dela: golpista, irresponsável, antidemocrática, hipócrita e corrupta. Simbiose caricata de Carlos Lacerda com Adhemar de Barros. Entranhas malcheirosas.
    A manobra chantagista de Cunha desnudou as intenções dos golpistas. Caíram as máscaras. Ninguém ali está pensando em combater a corrupção. Ninguém ali está preocupado com o Brasil. Muito menos com seu povo. Todos, como Cunha, estão ali por uma única razão: proteger seus interesses rasos e mesquinhos.
    Querem simplesmente voltar ao poder a qualquer custo. Ao custo do voto popular. A expensas da democracia. Ao custo da decência. Ao custo até das aparências.
    Sonham com ganhos que obterão quando privatizarem o pré-sal e a Petrobras. Salivam imaginando os lucros com futuras vendas de bancos públicos. Deleitam-se especulando sobre as taxas de lucro majoradas com quedas de salário e aumento do desemprego que promoveriam com seus ajustes draconianos e definitivos.
    Fantasiam seu mundo ideal: um Brasil submisso, desigual, reacionário, autoritário, impune e pequeno. Pequeno como eles. Rasteiro como eles.
    Um Brasil que dê mais lucro para uns poucos e permita mais negociatas para os privilegiados.
    Um Brasil de impunidade, de engavetadores, com era antes de Dilma.
    Um Brasil que feche escolas. Um Brasil que bata em estudantes. Um Brasil que coloque trabalhadores e negros em seu devido lugar. Com balas e porretes.
    Um Brasil homofóbico e racista. Um país que sacrifique até gastos constitucionais com Educação e Saúde, em nome da austeridade suicida que elevará as taxas de lucro.
    Um Brasil sem Bolsa Família e sem salário mínimo. Um país sem proteção trabalhista. Um Brasil sem regras e políticas que protejam os mais fracos. Um Brasil sem controle sobre os que despejam sua sujeira em nossas instituições e em nossos rios. Um país de Marianas anunciadas. Um Brasil de Doces amargos e contaminados.
    Um Brasil sem pudor de ser desigual, excludente, preconceituoso e autoritário. Como era, antes de Lula e Dilma.
    Um Brasil sem-vergonha. Um Brasil dos sem-vergonha para os sem-vergonha.
    Um Brasil de Cunhas.