sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A controvérsia da "Queermuseu", o software que detecta gays e a animação "Divertida Mente", por Wilson Roberto Vieira Ferreira




O cancelamento unilateral da exposição “Queermuseu” em Porto Alegre após protestos de grupos neoconservadores; o desenvolvimento de um software por pesquisadores da Universidade de Stanford cujo algoritmo reconhece a orientação sexual e até a tendência política através das feições faciais de uma foto; e a animação da Pixar “Divertida Mente” (2015) cujo argumento foi inspirado em pesquisas psicológicas da CIA. O atual “revival” do bestiário pseudocientífico do século XIX (antropologia criminal de Lombroso, Eugenia de Galton etc.) favorecido pela escalada planetária do neoconservadorismo está criando bizarras ligações perigosas entre eventos aparentemente distantes no tempo e no espaço. O cancelamento do “Queermuseu” é mais uma amostra do “zeitgeist” do século XXI: como um zumbi que retorna dos mortos , o bestiário pseudocientífico anterior ao século XX retorna com roupagem high tech (algoritmos e Inteligência Artificial) ou sob o discurso da “nova política” das chamadas “revoluções coloridas”.
Em 2015 esse Cinegnose publicou o “Top 10 do bestiário neoconservador para o século XXI” – como o atual contexto político neocon planetário está ressuscitando antigas ideias até então superadas no século passado pelo progresso científico: da fantástica “revelação” de que a Terra é plana, passando pelo mito da bomba populacional e chegar ao ápice do retorno da antropologia criminal do século XIX de Cesare Lombroso – clique aqui
Esse revival neocon generalizado está criando conexões bizarras e inimagináveis, principalmente para quem pensava que, supostamente, a história da Ciência fosse uma linear acumulação de conhecimentos. Pelo contrário, a agenda científica é cíclica e parece seguir os caprichos dos contextos políticos.
Qual a ligação entre o controverso cancelamento da exposição “Queermuseu” no Santander Cultural de Porto Alegre; a polêmica do software da Universidade de Stanford, EUA, de reconhecimento facial que detectaria homossexuais; e a animação da Pixar Divertida Mente? 
São casos aparentemente distantes no tempo e espaço, mas guardam ligações perigosas dentro de um “brave new world” imaginado pela atual escalada neoconservadora.

Ciência do lixo

Se aqui no Brasil grupos de direitos LGBT protestam contra o cancelamento unilateral da exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” (que ficaria em cartaz até 8 de outubro no Santander Cultural) após protestos sobre supostas “blasfêmias”, “zoofilia” e “difusão da pedofilia” em alguns trabalhos expostos, nos EUA a comunidade LGBT mobiliza-se contra um estudo da Universidade de Stanford, acusando-o de “perigosa ciência lixo”.
O estudo de Stanford afirma que o seu software pode, entre outras aplicações, reconhecer a orientação sexual através das características faciais – dimensão das maxilas, mandíbulas, ossatura, musculatura e feições.
Na verdade, isso foi uma espécie de efeito colateral da pesquisa que visa continuar estudos recentes que tentam ligar traços e feições a características de personalidade. No estudo pesquisadores desenvolveram um algoritmo aplicado em fotos de mais de 14 mil americanos brancos, tiradas de um site de relacionamentos. O software foi capaz de acertar a orientação sexual (hetero ou homossexual) em 81% das vezes. Com as mulheres o acerto foi de 71%.
“Os rostos homossexuais tenderam a ter menos marcas de gênero. Os homens gays tinham maxilas estreitas e narizes maiores, enquanto as lésbicas tinham mandíbulas maiores”, afirmaram os pesquisadores.  

E mais. Segundo o pesquisador Michael Kosinski, a pesquisa vai além do reconhecimento de personalidade ou orientação sexual. Em entrevista ao jornal The Guardian, Kosinski afirmou estar estudando as ligações entre características faciais e posição política – o algoritmo poderia descobrir a ideologia de um indivíduo com base no formato do rosto – “Face-reading AI will able to detect your politics and IQ, professor says”, The Guardian, 12/09/2017 - clique aqui.
“A IA poderia detectar desde a predisposição a comportamentos perigosos a uma inteligência fora do comum”, completou o pesquisador.
Jim Halloran, diretor da Glaad (organização que monitora a mídia em assuntos relacionados ao público LGBT), acusa que tais pesquisas poderão no futuro ser usadas como armas para prejudicar tanto os heterossexuais cujas sexualidades poderiam ser definidas erroneamente, como também as pessoas gays e lésbicas que estão em situações em que isto é perigoso".
E a Human Rights Campaign (HRC) acusou tal pesquisa de “ciência lixo” e que Stanford deveria deixar de emprestar seu nome a uma investigação “perigosamente falha” e que deixa o mundo “pior e mais inseguro do que antes”.

De Lombroso ao “maior detector de mentiras do mundo”

Claro que o médico e criminalista italiano Cesare Lombroso (1835-1909), onde estiver, deve estar radiante ao ver suas enterradas teses da antropologia criminal do século XIX (a prevenção da criminalidade através da identificação de potenciais criminosos por aspectos físicos como formação craniana, forma de andar, cor, raça etc.) sendo ressuscitadas através da alta tecnologia dos algoritmos e IA do século XXI. 
Cesare Lombroso: onde estiver, deve estar radiante
Mais ainda: detectando predisposições político-ideológicas – quais seriam, por exemplo, as diferentes formações cranianas de um petista e de um “tucano” simpatizante do PSDB?
Uma agenda tecnocientífica expressa no filme Minority Report – a Nova Lei (2002) no qual a polícia do futuro podia se antecipar aos crimes por meio da gravação nos computadores das premonições dos videntes “pré-cogs”. Só que agora, os videntes se transformaram em metáforas da IA.
A pesquisa de Stanford dá continuidade às pesquisas do psicólogo Paul Ekman, pioneiro nos estudos das conexões entre emoções e expressões fisionômicas. O chamado “Atlas das Emoções”, iniciado pela CIA e Departamento de Defesa dos EUA após 2001 fazendo parte dos esforços da guerra anti-terror. 
Concluído no Instituto de Psicologia da Universidade da Califórnia, o estudo de Paul Ekman é considerado “o maior detector de mentiras do mundo”.

Divertida Mente

É incrível que por trás do entretenimento da Pixar Divertida Mente, estivessem os estudos de Paul Ekman na inspiração do roteirista Pete Docter para a narrativa da animação – sobre isso clique aqui.

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