domingo, 3 de maio de 2020

Os Cabeças de Planilha kligado aos bancos e às Elites e a história econômica oculta do Brasil, por Luis Nassif



Não se preocuparam em entrar na análise da parte suja da história, os interesses financeiros que paralisaram a reação contra a crise. Tudo isso produziu uma avaliação benevolente sobre Rui Barbosa - um dos mais venais personagens da história do Brasil.
Jornal GGN
Há muitas explicações para a crise do Encilhamento – o jogo especulativo que quase liquida a recém inaugurada República do Brasil.
Os clássicos, em geral – Celso Furtado, Boris Fausto, Caio Prado Jr – tendem a atribuir a crise a fatores externos, que levaram tanto a Argentina quanto o Brasil à mesma crise:
* início da recessão europeia;
* superprodução de matérias primas, café, no caso do Brasil, trigo, no caso da Argentina;
* movimentos especulativos cambiais, com a adoção do papel-moeda em ambos os países;
* crise do Banco Barings, na Argentina, produzindo um terremoto cambial que acaba por sepultar a experiência monetária de Ruy Barbosa.
No livro “Os cabeças de Planilha”, de 2007, tive o atrevimento de incluir um ponto novo na história: as jogadas especulativas de Rui Barbosa, emuladas no Plano Real -, visando criar uma nova classe de capitalistas, capitaneados pelo Conselheiro Mayrink – dos quais Rui se tornou sócio.
Procurei mostrar outra lógica, tanto no Encilhamento, como no Plano Real, que talvez tivessem passado despercebidas aos grandes historiadores e economistas devido ao fato de não ser de sua área de especialidade o conhecimento de aspectos técnicos das finanças (e das jogadas bursáteis) nos dois períodos.
Períodos de remonetização (isto é, de criação de nova moeda) são propícios a grandes “tacadas” – termo utilizado por Carlito, cunhado de Rui Barbosa, para descrever as jogadas de bolsa das quais participava, em parceria com o próprio Rui. Foi assim com o primeiro grande especulador monetário, o escocês John Law, que desenvolveu o papel-moeda como alternativa ao padrão ouro, para financiar as guerras napoleônicas.
Tanto no Encilhamento quanto no Plano Real, a remonetização foi utilizada para grandes “tacadas’. No caso do Real, definindo que a remonetização se faria com a compra de dólares pelo Banco Central – transferindo o comando da liquidez às instituições financeiras, especialmente aos bancos de investimentos que surgiam naquele período. Depois disso, a grande “tacada” da apreciação cambial, uma jogada deliberada que fez a fortuna dos seus economistas.
Aliás, seria divertido, não fosse trágico, ouvir André Lara Rezende contemporâneo confessar que estava, finalmente, admitindo que interesses financeiro condicionam a discussão econômica – para rebater a dificuldade da ortodoxia em aceitar novas teses. Ele foi o principal idealizador e beneficiário das “tacadas” de câmbio do Real.
Em ambos os casos – Encilhamento e Real -, quando sobreveio a crise externa, tanto Rui quanto os economistas do Real se viram com mãos atadas para enfrentar a borrasca, porque significaria impor perdas aos seus próprios negócios. Esse fato teria levado à crise do Encilhamento e ao fim do Plano Real, com a explosão dos juros e o tabelamento do câmbio que liquidaram com a atividade interna e produziram uma explosão nas dívidas públicas interna e externa que paralisaram a economia por mais de uma década.
A condescendência dos historiadores com Rui se devia a razões variadas. Da parte dos economistas desenvolvimentistas e historiadores, devido ao fato de que o desenvolvimento brasileiro exigia, de fato, uma ampliação do crédito e um controle da moeda interna – impossível no padrão-ouro, cujas reservas flutuavam ao sabor dos movimentos do Banco Central da Inglaterra. E também à crise internacional que expôs a vulnerabilidade tanto da Argentina quanto do Brasil. Não se preocuparam em entrar na análise da parte suja da história, os interesses financeiros que paralisaram a reação contra a crise. Tudo isso produziu uma avaliação benevolente sobre Rui Barbosa – um dos mais venais personagens da história do Brasil.
Tive certeza de que as teses não eram extravagantes em um debate na Fiesp (Federação da Indústria do Estado de São Paulo), onde, pela primeira vez, expus esse ideias  – sobre as semelhanças entre Encilhamento e Plano Real – em uma mesa com o chileno Gabriel Palma, professor emérito da Universidade de Cambridge. Ao final da exposição, Palma veio me indagar qual a minha bibliografia. Na verdade, a maior parte das constatações vinha do conhecimento sobre o funcionamento do mercado financeiro e do acompanhamento crítico da implantação do Real.
Constato, agora, que a tese mereceu acolhida no trabalho “The Baring crisis and the Encilhamento crisis in the context of the capitalist world-economy”, de Felipe Amin Filomeno, como doutorando em Sociologia da Johns Hopkins University, como bolsista da Capes-Fulbright.
Aqui, o livro exposto no Skoob, com a seguinte apresentação:
O Brasil teve três chances de se tornar uma nação de primeira grandeza. A primeira foi no século XIX, logo depois da Abolição da escravidão. A segunda foi no final dos anos 1960, enquanto assistíamos ao “milagre econômico” do regime militar. A terceira surgiu na década passada, com o Plano Real. Mas, por que não saímos do lugar? O jornalista Luís Nassif explica: fomos travados pelos “cabeças-de-planilha”, criadores de embustes financeiros e de duvidosas “leis” do mercado. Aliando conhecimento do passado a uma extraordinária familiaridade com os temas próprios da economia e do jogo político, Luís Nassif faz aqui uma análise inteligente – além de desvendar as tramas, as negociatas e as ligações entre o grande capital e os homens do governo em diferentes períodos da república brasileira.
Aqui, o trabalho de Filomeno.

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